Sylvia Colombo
Folha de S.Paulo
"Os peronistas somos como os gatos. Parece que estamos brigando, mas, na verdade, estamos nos reproduzindo". A frase atribuída ao próprio general Juan Domingo Perón (1895-1974) volta a ganhar atualidade.
O candidato peronista, Sergio Massa, obteve uma votação surpreendente neste domingo (22) e passa para o segundo turno à frente de Javier Milei.
Sergio Massa e Javier Milei, candidatos à Presidência da Argentina - Juan Mabromata/AFP e Martin Zabala/Xinhua |
Assim, mostra que, mesmo com tantas diferenças internas dentro da aliança União pela Pátria, foi possível que seu representante superasse a média da base de votos da qual o peronismo sempre parte na maioria das eleições, a de 30%.
Horas antes, a vice-presidente Cristina Kirchner havia dito que não tinha "nada a ver com essa eleição", ou seja, que acreditava que Massa estava derrotado. E mais, se desligou de Alberto Fernández, "eu sou apenas a presidente do Senado, o presidente é ele".
Pois, não muito tempo depois, a esquina de Corrientes e Dorrego, usual ponto de encontro dos peronistas nos últimos anos, estava lotada de apoiadores de Massa, batendo bumbo, cantando e festejando a boa votação dos peronistas.
A grande novidade da eleição é a diferença de 6 pontos percentuais entre Massa e Milei, enquanto as pesquisas apontavam um cenário muito mais embolado.
Terá tido influência aí a equipe de marqueteiros brasileiros que vieram à Argentina para ajudar o peronista? Notou-se claramente uma mudança nos discursos de Massa, que se centraram mais em chamar a atenção para o medo do avanço da extrema direita.
Massa também resgatou a narrativa peronista mais nacionalista, chamando a atenção para a ameaça que Milei representava para a soberania argentina, desde a iniciativa de acabar com o peso à de esquecer o pedido argentino pela soberania sobre as ilhas Malvinas. Trata-se dos marqueteiros Sidonio Palmeira, Raul Rabelo e a consultora Macaco Gordo, da Bahia.
Milei provavelmente seguirá com o mesmo discurso, pois não pode perder o capital político que arregimentou, especialmente entre os jovens da capital e do conurbano.
Mas terá de fazer algo mais. Um sinal aos empresários, aos eleitores de Patricia Bullrich? É de imaginar que um núcleo duro de eleitores de direita de Bullrich migre para Milei. Mas não todos.
Muitos fizeram o voto útil nela pensando que Milei, apesar de ter as mesmas bandeiras, era muito mais radical e pouco apresentável. Esses podem migrar para Massa, que é um camaleão político e pode fazer alianças à direita improváveis para a esquerda de sua agrupação.
Difícil não classificar essas eleições como as mais tensas e históricas das últimas duas décadas. Em 2003, vivia-se uma apreensão parecida. Afinal, o país estava afundado numa crise econômica, acreditem, bem pior que a atual.
A pobreza ultrapassava os 50%, o peso havia sofrido uma imensa desvalorização, após o "corralito" ter impedido que as pessoas retirassem dos bancos seus dólares, como se podia fazer até 2001, na famosa política do 1 para 1. Para sobreviver, criou-se até uma moeda nova, os "patacones".
Os piqueteiros seguiam nas ruas, com protestos e bloqueios no centro de Buenos Aires. A fome era uma constante no conurbano bonaerense, e armavam-se bandejões para ajudar os que nada tinham para comer.
Nesse contexto, o populista peronista e liberal Carlos Menem, mesmo depois de ter governado por dois mandatos, quis voltar. A insatisfação com ele e suas políticas eram tão grandes que despontou na Patagônia uma figura até então desconhecida.
Sabendo que ia perder o segundo turno para o apelidado "El Pinguino", Menem desistiu, e de repente Néstor Kirchner, outro peronista, mais à esquerda, transformou-se no presidente improvável que levantaria a Argentina e fundaria a corrente política predominante no país nos 20 anos seguintes, o kirchnerismo.
Mas, 20 anos depois, o desgaste do kirchnerismo é evidente. Com uma administração desastrosa do governo, a corrupção grassou, e se tornou comum emitir moeda e distribuir subsídios de modo a criar a segunda maior inflação da América Latina, atrás apenas da Venezuela.
O interregno do governo de direita de Mauricio Macri também fracassou, terminando com um país endividado até o pescoço.
Agora, estamos num jogo completamente diferente, o segundo turno será a nova fase desta eleição tão diferente, surpreendente e histórica como foi a de 2003. O peronismo tem uma chance de se reinventar, pois ainda possui sua conexão intensa com o estrato mais humilde.
A nova estratégia de Milei se está por ver: o que mais poderá inventar além do leão em chamas com o qual se identifica?
Horas antes, a vice-presidente Cristina Kirchner havia dito que não tinha "nada a ver com essa eleição", ou seja, que acreditava que Massa estava derrotado. E mais, se desligou de Alberto Fernández, "eu sou apenas a presidente do Senado, o presidente é ele".
Pois, não muito tempo depois, a esquina de Corrientes e Dorrego, usual ponto de encontro dos peronistas nos últimos anos, estava lotada de apoiadores de Massa, batendo bumbo, cantando e festejando a boa votação dos peronistas.
A grande novidade da eleição é a diferença de 6 pontos percentuais entre Massa e Milei, enquanto as pesquisas apontavam um cenário muito mais embolado.
Terá tido influência aí a equipe de marqueteiros brasileiros que vieram à Argentina para ajudar o peronista? Notou-se claramente uma mudança nos discursos de Massa, que se centraram mais em chamar a atenção para o medo do avanço da extrema direita.
Massa também resgatou a narrativa peronista mais nacionalista, chamando a atenção para a ameaça que Milei representava para a soberania argentina, desde a iniciativa de acabar com o peso à de esquecer o pedido argentino pela soberania sobre as ilhas Malvinas. Trata-se dos marqueteiros Sidonio Palmeira, Raul Rabelo e a consultora Macaco Gordo, da Bahia.
Milei provavelmente seguirá com o mesmo discurso, pois não pode perder o capital político que arregimentou, especialmente entre os jovens da capital e do conurbano.
Mas terá de fazer algo mais. Um sinal aos empresários, aos eleitores de Patricia Bullrich? É de imaginar que um núcleo duro de eleitores de direita de Bullrich migre para Milei. Mas não todos.
Muitos fizeram o voto útil nela pensando que Milei, apesar de ter as mesmas bandeiras, era muito mais radical e pouco apresentável. Esses podem migrar para Massa, que é um camaleão político e pode fazer alianças à direita improváveis para a esquerda de sua agrupação.
Difícil não classificar essas eleições como as mais tensas e históricas das últimas duas décadas. Em 2003, vivia-se uma apreensão parecida. Afinal, o país estava afundado numa crise econômica, acreditem, bem pior que a atual.
A pobreza ultrapassava os 50%, o peso havia sofrido uma imensa desvalorização, após o "corralito" ter impedido que as pessoas retirassem dos bancos seus dólares, como se podia fazer até 2001, na famosa política do 1 para 1. Para sobreviver, criou-se até uma moeda nova, os "patacones".
Os piqueteiros seguiam nas ruas, com protestos e bloqueios no centro de Buenos Aires. A fome era uma constante no conurbano bonaerense, e armavam-se bandejões para ajudar os que nada tinham para comer.
Nesse contexto, o populista peronista e liberal Carlos Menem, mesmo depois de ter governado por dois mandatos, quis voltar. A insatisfação com ele e suas políticas eram tão grandes que despontou na Patagônia uma figura até então desconhecida.
Sabendo que ia perder o segundo turno para o apelidado "El Pinguino", Menem desistiu, e de repente Néstor Kirchner, outro peronista, mais à esquerda, transformou-se no presidente improvável que levantaria a Argentina e fundaria a corrente política predominante no país nos 20 anos seguintes, o kirchnerismo.
Mas, 20 anos depois, o desgaste do kirchnerismo é evidente. Com uma administração desastrosa do governo, a corrupção grassou, e se tornou comum emitir moeda e distribuir subsídios de modo a criar a segunda maior inflação da América Latina, atrás apenas da Venezuela.
O interregno do governo de direita de Mauricio Macri também fracassou, terminando com um país endividado até o pescoço.
Agora, estamos num jogo completamente diferente, o segundo turno será a nova fase desta eleição tão diferente, surpreendente e histórica como foi a de 2003. O peronismo tem uma chance de se reinventar, pois ainda possui sua conexão intensa com o estrato mais humilde.
A nova estratégia de Milei se está por ver: o que mais poderá inventar além do leão em chamas com o qual se identifica?
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