Igor Gielow
Folha de S.Paulo
Um apagão claramente intencional de segurança proporcionou o Capitólio caipira, a versão bolsonarista da invasão do centro de poder emulando o ataque à sede do Legislativo americano por ativistas ligados ao ídolo do ex-presidente americano Donald Trump.
O incidente era uma das bolas mais cantadas da transição presidencial, como os atos do dia 12 de dezembro mostravam, que resolveu ignorar os manifestantes em frente a quartéis do Exército em todo o país em nome de uma acomodação e buscando evitar um desgaste de saída ao desalojar adversários.
Bolsonaristas em torno do Congresso após ataque antidemocrático neste domingo (8) - Adriano Machado/Reuters |
Mas a circunstância factual é tão grave quanto o fim em si da ação. Bolsonaristas, e chamá-los de radicais é ocioso, invadiram as sedes dos três Poderes do Brasil. E os fizeram de forma quase natural, sem oposição de ninguém.
Imagens de PMs do Distrito Federal gravando vídeos e fazendo selfies durante a manifestação prévia à invasão falam por si só. O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, do MDB que está assentado no governo Lula, está na primeira fila dos responsáveis a serem interrogados pelo que ocorreu.
O anúncio de exoneração do ultrabolsonarista Anderson Torres, ex-ministro da Justiça trazido para cuidar da Segurança do DF, é um paliativo óbvio ante as conversas acerca de intervenção federal no setor do governo. Pode funcionar, mas não tira o papel óbvio do governador reeleito.
Nada anormal, dentro da anomia brasileira: ele sempre foi bolsonarista e sua PM é das mais ideológicas do país. Mas a inação ante a marcha da horda de acampados à frente do QG do Exército rumo à praça dos Três Poderes é um exemplo bizarro de facilitação de crime, que não escapará aos olhos do Judiciário sob a inspiração de Alexandre de Moraes.
Xerife do Supremo, presidente do Tribunal Superior Eleitoral e nêmesis do bolsonarismo, Moraes deverá ocupar protagonismo no processo contra os responsáveis pela crise.
Apesar de estar na cadeira da vítima, a situação não fica nada melhor em imagem para o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O Exército, ora sob comando do petista, não mexeu uma palha para alertar o Ministério da Defesa ou a pasta da Justiça acerca da movimentação à frente de sua sede principal.
Aqui cabe examinar a rusga entre os ministros Flávio Dino (Justiça) e José Múcio (Defesa). O primeiro falou horrores ao longo dos dias acerca dos problemas e, no sábado (7), acionou a Força Nacional para interditar a Esplanada dos Ministérios. Para nada.
Ele pode argumentar que sabia sobre o óbvio mas as menos de duas centenas de homens mobilizados evidentemente não dariam conta da turba descendo a avenida. Já Múcio, advogado do comedimento necessário para lidar com o desconforto dos chefes militares com a eleição de Lula, ficou a pé na discussão. O Exército, que acompanha movimentações muito menos importantes, não fez nenhum alerta.
A baderna e destruição de patrimônio público são o testemunho mais vívido do modus operandi dos autoproclamados "homens de bem" do bolsonarismo, que passaram quatro anos defendendo alguma versão tortuosa do cristianismo e tal.
Segundo o Datafolha, 25% do eleitorado se diz bolsonarista. Para chegar aos 49,15% que o ex-presidente amealhou em 30 de outubro, há chão. Por mais odioso que Lula possa parecer ao grupo não fanático da seita, é uma questão saber o que esses antipetistas acham da barbárie brasiliense deste domingo.
Bolsonaro, covardemente curtindo suas férias na Flórida, sempre poderá dizer que nada teve a ver com o ímpeto de seus seguidores. Boa sorte com isso, até porque a porta está aberta agora a uma reação ainda mais dura da Justiça, que poderá ao fim beneficiar Lula.
Com o vandalismo em Brasília, de resto macaqueado de forma pálida ante a confusão de dois anos e dois dias atrás em Washington, o presidente tem todos os elementos para criminalizar a oposição bolsonarista.
Será difícil para deputados reticentes da centro-direita não ideológica apoiarem as cenas medonhas na capital do país.
A mais recente memória de ataque a símbolos das instituições do Brasil remontam a 2013, quando vândalos atearam fogo no Itamaraty e subiram na mesma cobertura do Congresso hoje atacada por bolsonaristas —em números muito mais vultosos. A situação é muito diferente hoje: falamos de aderentes golpistas de um perdedor em eleição.
Não haverá Arthur Lira, para usar um ícone do centrão, a apoiar o que aconteceu neste domingo em Brasília. Isso poderá ser usado por Lula em seu favor, mas não muda o essencial: o petista não tem controle pleno da inteligência de suas Forças Armadas e tem na leniência de governadores um flanco exposto altamente perigoso.
Imagens de PMs do Distrito Federal gravando vídeos e fazendo selfies durante a manifestação prévia à invasão falam por si só. O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, do MDB que está assentado no governo Lula, está na primeira fila dos responsáveis a serem interrogados pelo que ocorreu.
O anúncio de exoneração do ultrabolsonarista Anderson Torres, ex-ministro da Justiça trazido para cuidar da Segurança do DF, é um paliativo óbvio ante as conversas acerca de intervenção federal no setor do governo. Pode funcionar, mas não tira o papel óbvio do governador reeleito.
Nada anormal, dentro da anomia brasileira: ele sempre foi bolsonarista e sua PM é das mais ideológicas do país. Mas a inação ante a marcha da horda de acampados à frente do QG do Exército rumo à praça dos Três Poderes é um exemplo bizarro de facilitação de crime, que não escapará aos olhos do Judiciário sob a inspiração de Alexandre de Moraes.
Xerife do Supremo, presidente do Tribunal Superior Eleitoral e nêmesis do bolsonarismo, Moraes deverá ocupar protagonismo no processo contra os responsáveis pela crise.
Apesar de estar na cadeira da vítima, a situação não fica nada melhor em imagem para o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O Exército, ora sob comando do petista, não mexeu uma palha para alertar o Ministério da Defesa ou a pasta da Justiça acerca da movimentação à frente de sua sede principal.
Aqui cabe examinar a rusga entre os ministros Flávio Dino (Justiça) e José Múcio (Defesa). O primeiro falou horrores ao longo dos dias acerca dos problemas e, no sábado (7), acionou a Força Nacional para interditar a Esplanada dos Ministérios. Para nada.
Ele pode argumentar que sabia sobre o óbvio mas as menos de duas centenas de homens mobilizados evidentemente não dariam conta da turba descendo a avenida. Já Múcio, advogado do comedimento necessário para lidar com o desconforto dos chefes militares com a eleição de Lula, ficou a pé na discussão. O Exército, que acompanha movimentações muito menos importantes, não fez nenhum alerta.
A baderna e destruição de patrimônio público são o testemunho mais vívido do modus operandi dos autoproclamados "homens de bem" do bolsonarismo, que passaram quatro anos defendendo alguma versão tortuosa do cristianismo e tal.
Segundo o Datafolha, 25% do eleitorado se diz bolsonarista. Para chegar aos 49,15% que o ex-presidente amealhou em 30 de outubro, há chão. Por mais odioso que Lula possa parecer ao grupo não fanático da seita, é uma questão saber o que esses antipetistas acham da barbárie brasiliense deste domingo.
Bolsonaro, covardemente curtindo suas férias na Flórida, sempre poderá dizer que nada teve a ver com o ímpeto de seus seguidores. Boa sorte com isso, até porque a porta está aberta agora a uma reação ainda mais dura da Justiça, que poderá ao fim beneficiar Lula.
Com o vandalismo em Brasília, de resto macaqueado de forma pálida ante a confusão de dois anos e dois dias atrás em Washington, o presidente tem todos os elementos para criminalizar a oposição bolsonarista.
Será difícil para deputados reticentes da centro-direita não ideológica apoiarem as cenas medonhas na capital do país.
A mais recente memória de ataque a símbolos das instituições do Brasil remontam a 2013, quando vândalos atearam fogo no Itamaraty e subiram na mesma cobertura do Congresso hoje atacada por bolsonaristas —em números muito mais vultosos. A situação é muito diferente hoje: falamos de aderentes golpistas de um perdedor em eleição.
Não haverá Arthur Lira, para usar um ícone do centrão, a apoiar o que aconteceu neste domingo em Brasília. Isso poderá ser usado por Lula em seu favor, mas não muda o essencial: o petista não tem controle pleno da inteligência de suas Forças Armadas e tem na leniência de governadores um flanco exposto altamente perigoso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário