1 de novembro de 2022

Governo Bolsonaro acaba com ato de covardia institucional

Isolado, presidente imita Trump e entrega os pontos, sem reconhecer vitória de Lula

Igor Gielow


O presidente Jair Bolsonaro (PL) encerrou seu governo na prática nesta tarde de terça (1º) com um ato de covardia institucional, para ficar próximo da pior sigla da ditadura que enalteceu de várias formas ao longo de sua gestão.

Convocou sem ênfase o fim de protestos em rodovias por parte de uma franja de seus apoiadores que acredita que coisas como intervenção militar para negar a derrota por margem mínima sofrida para Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Funcionários no Palácio da Alvorada carregam púlpito presidencial antes de fala de Bolsonaro - Adriano Machado/Reuters

Agradeceu os mais de 58 milhões de votos que teve, mas não reconheceu a vitória do adversário. Deixou para um encabulado, se a palavra se aplica, Ciro Nogueira (Casa Civil) o papel de dizer que irá começar a transição de governo com o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB).

Ou seja, admitiu a derrota sem ter a hombridade de fazê-lo. Novamente, seguiu a cartilha deixada por seu modelo político, o ex-presidente americano Donald Trump. Em novembro de 2020, o republicano demorou uma semana após a proclamação do resultado da eleição para, a seu estilo, postar no Twitter que Joe Biden havia ganho a eleição.

Só para dizer, na sequência, que o rival democrata havia roubado o resultado, iniciando uma fracassada batalha legal que só acabou com a apoplexia da invasão do Capitólio americano em 6 de janeiro e o fim do sonho trumpista.

O silêncio adotado por Bolsonaro desde a derrota acaba por minar a legitimidade de sua expressiva votação. Ele inovou: em vez de comandar uma jornada golpista que acabasse num "Capitólio caipira", o presidente deixou que seus apoiadores atrapalhassem a vida de milhares de brasileiros nas estradas só para dizer que isso era um método da esquerda.

Se achava que esse golpismo por procuração ia funcionar, pelo visto calculou mal.

A covardia institucional se ampliou na tentativa de cooptar o Supremo Tribunal Federal para a farsa, algo esgrimido com tenacidade pelas sucessivas decisões de Alexandre de Moraes, secundadas pela maioria da corte, ao lidar com os arreganhos autoritários do que se desenrolava nas ruas com apoio da Polícia Rodoviária Federal.

O convite para um convescote privado no Palácio da Alvorada, prontamente negado por quem não foi indicado por ele para a corte, selou o destino de qualquer ideia de armistício com a montanha de problemas legais que esperam Bolsonaro sem foro.

A escalada golpista associada ao presidente ficou, de todo modo, em aberto com seu não reconhecimento da vitória de Lula. O petista, aliás, até aqui teve comportamento elogiável de não cair na esparrela de que poderia haver um terceiro turno nas estradas bloqueadas do país.

Isso, aliado ao esvaziamento da tática colegial do bolsonarismo, efetivamente coloca um fim ao governo de Jair Messias Bolsonaro dois meses antes do prazo legal.

Claro, temas como o do relatório que o presidente quer extrair da Defesa contras as urnas eletrônicas quase com certeza surgirão, mas os dentes do Cérbero que o presidente sempre apresentou ao establishment se mostraram de açúcar.

O paralelo histórico possível, sem a dramaticidade obviamente, é com Jânio Quadros e sua tentativa de autogolpe em 1961. Abandonado de A de Arthur Lira a Z de Zambelli (a Carla, a deputada pistoleira), resta agora a Ciro tocar a transição de um país sem comando, dando uma dimensão nova à expressão americana "pato manco", que designa presidentes sem poder no fim do mandato.

Bolsonaro ainda vai querer causar estragos, claro, está em sua natureza. Sua origem militar, contudo, deveria lembrá-lo do que significa um chefe sem tropa após uma derrota de grande magnitude. Admitir que perdeu dizendo que vai "cumprir a Constituição" não lhe deixa exatamente muita pólvora no paiol da contestação.

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