12 de janeiro de 2023

Documento golpista acelera cerco jurídico sobre Bolsonaro

Minuta de Torres materializa anos de discursos antidemocráticos do ex-presidente

Igor Gielow

Folha de S.Paulo

Que Jair Messias Bolsonaro (PL) passou quatro anos alimentando patranhas golpistas enquanto ocupou a Presidência da República, isso não era segredo para ninguém.

Sob a coberta de uma pretensa liberdade de expressão, temperada pelo morde-e-assopra típico de quem posta uma tolice golpista na internet e retirada a publicação em seguida, fingindo nada ter a ver com isso, Bolsonaro trabalho essa retórica ao longo de seu governo. Foram lives, declarações de cercadinho, postagens.

Última live de Bolsonaro como presidente, em 30 de dezembro, antes de ele ir para os EUA - Jair Bolsonaro no Facebook - 30.dez.2022

Relatos de momentos em que ele quis esticar a corda além do limite não faltam, mas o fato é que as intenções não se materializaram. Bolsonaro sempre se apoiou na dissimulação, mesmo quando seus seguidores vandalizaram a sede dos três Poderes com slogans de sublevação. Estava nos Estados Unidos, afinal, e até condenou de forma enviesada a baderna.

Não mais. A descoberta da Polícia Federal na casa de Anderson Torres, o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro que está com a prisão decretada pelo envolvimento nos atos do domingo (8) em Brasília, acelera de forma dramática o fechamento do cerco jurídico sobre Bolsonaro.

Revelada pela Folha, a minuta de um decreto de estado de defesa específico para o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) tem nome e sobrenome: golpe. Estado de defesa é um instrumento do presidente para casos extremos, mas pontuais, de instabilidade ou calamidade pública. Pode servir para coibir um motim policial, ou para centralizar esforços em caso de uma grande enchente.

Não serve para fechar ou intervir em instituições. Dado que Bolsonaro e os seus passaram dois anos dizendo que o Judiciário era o responsável por recolocar Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no jogo político e acusaram de manipular o sistema eletrônico de votação, a equação se fecha.

A minuta é a maior candidata a "smoking gun", o proverbial revólver fumegante que caracteriza uma prova de crime no mundo anglo-saxão, de todo esse enredo até aqui. Somado à teia que está sendo tecida a partir dos depoimentos dos mais de mil detidos em Brasília, fora os daqueles que ainda virão a sentir o bafo da lei, um quadro se desenha.

Evidentemente, é preciso saber mais sobre a natureza do documento, cujos detalhes são escassos ainda. E Bolsonaro sempre poderá jogá-lo no colo de Torres. Pode não ser algo suficiente para, como querem os mais afoitos amparados no clamor popular contra os golpistas, jogar o ex-presidente de imediato na cadeia —há algo que bolsonaristas desprezam, rito legal, antes. Mas tudo sugere uma evidência clara de conspiração maior.

No centro dela está Bolsonaro, cujo solo político ruiu em 30 de outubro de 2022 e o jurídico se estreita cada vez mais. Restará ao presidente dizer que é tudo fake news, prova plantada ou algo do gênero. O benefício da dúvida é dele, mas o tempo escorrendo na ampulheta também.

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