Confiança na democracia é mais importante para coesão social que a confiança do investidor
Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP
Desde sua vitória, em 30 de outubro de 2022, mercado e imprensa vêm pressionando Lula a indicar uma equipe econômica liberal e a sinalizar austeridade fiscal. Nem mesmo os atos terroristas do domingo (8) deram trégua à pressão.
Pesquisas mostram que Lula sai do episódio fortalecido politicamente. Para o mercado, isso pode diminuir a força da oposição em moderar a agenda econômica do governo. Mas o que explica tamanha histeria diante de um governo que mal começou? Destaco quatro razões.
O ministro Fernando Haddad (esq.) e o presidente Lula - Adriano Machado - 9.dez.22/Reuters |
O primeiro motivo é a mudança no ritmo de alienação dos ativos do Estado e da distribuição acelerada de dividendos da Petrobras, estreitando o espaço de acumulação financeira de nossas elites econômicas.
Por inovar muito pouco, o setor privado pressiona pela privatização de empresas de energia elétrica, saneamento, refino de petróleo etc, combinada com mudanças regulatórias favoráveis. Com o custo fixo dos investimentos iniciais já foi amortizado, tais operações são muito atraentes.
O segundo motivo é a discussão do novo marco fiscal, que passou a incluir o lado da receita no conceito de responsabilidade fiscal que o mercado usa e buscará elevar a alíquota efetiva de impostos sobre a renda dos mais ricos.
Ademais, a reforma tributária em discussão traz efeitos ambíguos: eleva a eficiência econômica do sistema, mas gera muita redistribuição setorial da carga tributária, pesando mais sobre o agronegócio e sobre vários segmentos do setor de serviços.
O terceiro problema é teórico (na verdade, é ideológico, mas fiquemos nas aparências, por conveniência). O mercado tem convicção —mas não tem provas— de que qualquer expansão fiscal causará inflação, mesmo em cenário de ociosidade na indústria e no mercado de trabalho (8% de desemprego). As causas da inflação de 5,79% em 2022 estão na pressão de custos importada e na alta volatilidade dos alimentos, não no fiscal. Aliás, uma reforma do regime de metas, alinhando-o à experiência internacional, seria de grande valia para nossa estabilidade macroeconômica.
O motivo final é de ordem teológica. A fé dos agentes de mercado repousa sobre um totem: o teto de gastos. O mercado inventou o pecado, mas reserva o perdão para os seus. Apenas os dribles de Guedes na regra consumiram, em quatro anos, o que sua reforma da Previdência prometia poupar ao longo de uma década.
Agora exige-se que o novo governo ajoelhe no altar da austeridade e reze a velha cartilha liberal. Ao abrir espaço para Haddad recompor gastos públicos em áreas essenciais, a licença obtida no Congresso Nacional e no Supremo foi tachada de "gastança". Vejamos outro exemplo.
O mercado reagiu mal à decisão —na minha opinião, acertada— de adiar em 60 dias a volta dos tributos federais (PIS/Cofins e Cide) sobre combustíveis. Com a recomposição dos impostos estaduais, o retorno gradual dos federais impede o salto da inflação. O custo fiscal desse adiamento (cerca de R$ 8,6 bilhões) seria menor do que o da elevação da taxa Selic pelo Banco Central, em resposta ao salto estimado em 0,5% da taxa de inflação de 2023 (em torno de R$ 34 bilhões). Estimativas catastróficas de mercado cravam custo de R$ 120 bilhões e já vislumbram a explosão da dívida pública.
Exageros desse tipo já foram vistos no passado e, nesse contexto, beiram o terrorismo. Com apenas dez dias de governo, cresce a pressão para que Lula priorize eliminar o déficit fiscal ante o déficit social.
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