Igor Gielow
Folha de S.Paulo
Já se foi o tempo em que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) arrancava gargalhada de brasileiros ao fazer piadas sobre ponto G na presença de um presidente americano, no caso o seu chapa George W. Bush em 2007.
Lula conviveu com Barack Obama, que o chamou de "o cara", mas sua química pessoal funcionava mesmo com a Geni do mundo progressista, o republicano Bush, o invasor do Iraque. Agora, terceira vez presidente, foi a vez de encarar o ex-vice do democrata, Joe Biden.
Biden conduz Lula pela Casa Branca para o início do encontro entre os dois presidentes - Jonathan Ernst/Pool/AFP |
Munido de um arsenal baseado na sua propalada política Sul-Sul dos dois primeiros mandatos, Lula acertou ao apostar naquilo que poderia gerar denominadores comuns com Biden: ambiente e democracia.
A fala de Lula sobre clima e a discussão acerca do Fundo Amazônia são gols diplomáticos jogados no próprio campo. Se há um tema acerca do qual o Brasil tem lugar de fala no mundo é este. A segunda carta lulista, a defesa dos mecanismos democráticos, se deu com um ingrato golpe de sorte: a violação das sedes dos três Poderes por vândalos golpistas no dia 8 de janeiro, basicamente para pedir a deposição do petista.
Foi o mesmo que Biden sofreu quase dois anos antes. Os vândalos macaquearam ataque análogo ao Capitólio em Washington, seguindo o roteiro de sedição deixado pelo antecessor e rival do democrata, Donald Trump.
Como ídolo de Jair Bolsonaro (PL), o ex-presidente americano compunha um cenário perfeito para as mãos dadas de Lula e o atual ocupante da Casa Branca, já demonstrado no resoluto apoio americano ao sistema eleitoral brasileiro sob ataque.
Mas por ora é só, como de resto é natural numa visita às pressas para garantir uma fotografia simbólica. Biden é um velho conhecido do Brasil, tendo aplainado o terreno quando o progressista Obama espionou Dilma Rousseff (PT) e outros líderes mundiais. Mas esse tempo passou, e sua agenda é deveras distinta.
Assim, a ideia lulista de que é possível resolver a Guerra da Ucrânia com a formação de um grupo de trabalho por óbvio não foi levada a sério em Washington. Biden queria mesmo que Lula vendesse a munição para tanques antigos que a Alemanha quer repassar a Kiev.
Não fazer isso segue a linha tradicional de não intervenção do Itamaraty e ainda preserva o fornecimento de fertilizantes russos, donos de 30% do mercado brasileiro. Reafirmar a posição já apresentada em voto na ONU (condenação da invasão) é vendido como concessão, mas só. Tudo é jogo jogado, inclusive por Bolsonaro antes de Lula.
Mesmo o ex-presidente brasileiro foi contido quando Trump lhe pediu ajuda para sujar as mãos com ação militar contra a Venezuela. O problema para Lula é a insistência em uma relevância que já era ilusória nos anos 2000. A memória do fracasso do acordo nuclear com o Irã deveria estar em sua memória.
O mesmo se dá em relação à China, o verdadeiro adversário estratégico de Biden. Enquanto derrubam balões suspeitos de Pequim em seus céus, e com eles a recente reaproximação com o colosso asiático, os EUA buscam definir quem estará do lado de quem quando a Guerra Fria 2.0 chegar a novos níveis.
O conflito da Ucrânia é o começo, com seu regime de sanções ocidentais para punir Vladimir Putin. O mundo hoje já está com blocos embrionários, um liderado pelo Ocidente e o outro, por Xi Jinping.
Este é o dilema central da política externa de Lula, que por enquanto foi protelado dentro dos limites colocados. As visitas a Biden e a Xi, na sequência, tentam sinalizar uma equidistância cada vez mais difícil de sustentar. Mas é possível apostar que o petista estará mais à vontade em Pequim, afinada com a linha diplomática brasileira hoje.
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