9 de fevereiro de 2025

O caso para o consumo social de bebidas alcoólicas

Os americanos estão trocando a cultura de bar por aplicativos de bem-estar e mocktails. Mas, apesar das muitas deficiências do álcool, nossa sobriedade nacional não é uma causa simples para comemoração. Também estamos perdendo espaços sociais e tradições em uma sociedade cada vez mais alienada.

Ryan Zickgraf

O volume de vendas de álcool caiu 2,8% somente nos primeiros sete meses de 2024. (iStock / Getty Images)

Numa quinta-feira à noite em outubro, notei um homem de vinte e poucos anos sentado sozinho em uma cervejaria da Pensilvânia, onde organizo uma noite semanal de perguntas e respostas. Mas ele não passou a noite afogando suas mágoas. Em vez disso, assisti em tempo real ele fazendo amizade com estranhos durante algumas rodadas de cerveja — uma cena que eu já tinha visto acontecer muitas vezes. Agora ele não só retorna ao bar toda semana com seus novos amigos, mas um deles recentemente o iniciou em um clube social do bairro. Poucos meses depois de sua introdução regada a álcool, ele cantou uma música na festa de karaokê de um colega de equipe de perguntas e respostas na véspera de Ano Novo. Eu sei disso porque eu também estava lá, convidado após alguns meses de socialização na cervejaria.

Histórias como essas de sociabilidade auxiliada pelo álcool soam cada vez mais como relíquias do passado. A pandemia da COVID-19 congelou o consumo social de bebidas em bares e festas em casa, e ainda não derreteu completamente. Não só o “Janeiro Seco” foi mais seco este ano, mas o resto do calendário também está secando. Os jovens estão cada vez mais livres de álcool ou estão mais “curiosos pela sobriedade“.

Esse desenvolvimento não é necessariamente uma coisa ruim. As muitas desvantagens do álcool são bem documentadas. Sabíamos sobre os vícios, os perigosos apagões e as implicações negativas para a saúde muito antes dos médicos alertarem contra o consumo de álcool.

Mas, goste ou não, o álcool é um importante canal pelo qual os americanos desfrutam da companhia uns dos outros pessoalmente. Já somos atomizados, alienados e dependentes da internet o suficiente. O álcool tem algumas desvantagens, mas também facilita as conexões sociais tete-a-tete que sustentaram todas as gerações anteriores.

A falta de conexão offline genuína também é um veneno para qualquer projeto político sério. É quase impossível ter falar de socialismo sem o social. Então, tenha cuidado, claro, mas mantenha a bebida fluindo.

Rum e revolução

Nos Estados Unidos, os bares sempre foram mais do que um lugar para tomar cerveja e comer alguma coisa.

“[Eles são] um local onde as pessoas se reúnem e conversam. E bebem. E o álcool leva a mais conversa, mais bebida e, sob certas circunstâncias, a um nível mais alto de indignação e comprometimento com a ação”, escreve a autora Christine Sismondo em America Walks Into a Bar: A Spirited History of Taverns and Saloons, Speakeasies and Grog Shops.

Como tal, beber socialmente é um elemento negligenciado na importância histórica das revoluções e mudanças sociais, incluindo a Revolução Francesa. Como um estudioso francês observa, o álcool não só era central para a vida social, mas também desencadeou protestos em torno da questão da tributação excessiva, levando cidadãos comuns a participar da criação de um novo regime. O vinho tinto simbolizava liberdade, igualdade e republicanismo francês, já que jacobinos e sans-culottes bebiam vinho tinto todos os dias em tavernas, cafés e reuniões.

Se não fosse pelo bar, os americanos possivelmente ainda seriam súditos de um rei britânico. Na América colonial, o pub, abreviação de casa pública, era onde as pessoas se misturavam em volta de uma caneca de cerveja, independentemente da classe. As primeiras leis fixavam o preço que os donos das tavernas podiam cobrar por uma bebida, para que eles não pudessem atender apenas aos clientes ricos.

Os pubs também serviam como locais de reunião para assembleias e tribunais, destinos para entretenimento e locais democráticos para debate e discussão sobre ideias revolucionárias. Eles “se tornaram um palco público no qual os colonos resistiam, iniciavam e abordavam mudanças em sua sociedade… redefinindo gradualmente seus relacionamentos com figuras de autoridade”, escreve David W. Conroy em In Public Houses: Drink and the Revolution of Authority in Colonial Massachusetts.

O Green Dragon Tavern, um bar em Boston, foi apelidado de “Sede da Revolução” pelo ex-secretário de estado Daniel Webster como o local de encontro dos “filhos da liberdade”. O Boston Tea Party foi planejado a portas fechadas da taverna; Paul Revere foi enviado de lá para Lexington em seu passeio icônico depois de ouvir planos para a invasão de Lexington e Concord. O escritório de George Washington já foi na Fraunces Tavern, na cidade de Nova York. A Rebelião do Uísque na década de 1790 e os tumultos de Stonewall na década de 1960 também saíram dos bares.

As tavernas frequentemente serviram como um local de encontro para o movimento trabalhista, fornecendo um espaço para os trabalhadores debaterem e se organizarem. É por isso que os primeiros industriais frequentemente as proibiam em cidades empresariais e eventualmente apoiavam a Liga Anti-Saloon e a Lei Seca no início do século XX — o controle sobre o pub significava menos pessoas se organizando para montar sindicatos e lutar por melhores condições de trabalho. “As pessoas não embarcaram na Lei Seca até que viram o saloon como um espaço político radical e perigoso”, lembra Sismondo.

Nem todos os socialistas eram contra a Lei Seca, mas um oponente proeminente foi Eugene V. Debs, que escreveu em 1916:

Socialize o negócio de bebidas alcoólicas, tire o lucro e deixe que ele seja controlado pelo Estado, como o socialismo propõe, e haverá um fim sumário para o mal, mas nunca por meio de legislação proibitiva. Há muita “proibição” no mundo, e frequentemente o espírito dela é intolerante e tirânico. Há dezenas de milhares de leis em livros de estatutos que proíbem quase tudo que se possa conceber, e por todo o bem que elas fazem, seria melhor que fossem revogadas.

Horário de encerramento

Na década de 2020, bares e tavernas estão fechando — mas, desta vez, não é o governo que os está fechando. São os americanos que estão voluntariamente largando a garrafa e ficando em casa.

Os números são impressionantes. Em todo o país, o volume de vendas de álcool caiu 2,8% somente nos primeiros sete meses de 2024, de acordo com a IWSR, uma empresa de análise da indústria de bebidas. As vendas de vinho caíram 4%, a cerveja caiu 3,5% e as bebidas destiladas caíram 3%. O quadro de declínio se torna mais nítido se assumirmos que os dados incluem pessoas mais alcoólatras, incluindo aqueles que mantiveram o hábito mesmo na pandemia, consumindo suas bebidas em casa.

Como resultado, o happy hour não é mais tão feliz. Na Filadélfia, por exemplo, há atualmente cerca de 1.300 licenças ativas para venda de bebidas alcoólicas, uma queda de 38,1% desde 1997, e mais de 60 delas são detidas por supermercados e postos de gasolina. A recessão dos bares de Chicago é ainda pior, caindo de 3.300 estabelecimentos com licenças de taverna em 1990 para cerca de 1.200 hoje.

O abandono dos bares está ocorrendo junto com uma recessão social mais ampla, como documentado em “The Anti-Social Century”, a atual matéria de capa da Atlantic. Os americanos agora passam menos tempo interagindo pessoalmente do que em qualquer período da história moderna.

Esse declínio social é especialmente mais forte para a Geração Z, que tem sido chamada de “geração caseira“. A multidão com menos de 30 anos aparentemente prefere ficar em casa e fumar um pouco de maconha legalizada enquanto rola os feeds das redes sociais do que beber com amigos em um bar. Um estudo recente revelou que 2022 foi o primeiro ano na história americana em que o consumo de maconha ultrapassou o consumo de álcool, com a Geração Z liderando a pesquisa.

Outros jovens aderiram ao movimento de “otimização”, liderados por influenciadores obcecados em maximizar a saúde, praticar a autodisciplina e eliminar todas as indulgências — ou seja, em se tornar monges seculares. O extremo dessa tendência é personificado por Bryan Johnson, o multimilionário da tecnologia com aparência vampírica que afirma que sua rotina de autocuidado de US$ 2 milhões por ano lhe garantirá a imortalidade. Bryan Johnson recebeu transfusões de sangue de seu filho adolescente para reverter o envelhecimento — e ele não bebe.

Novamente, há alguns pontos positivos nessa mudança nos hábitos dos americanos. “Aquela bebida demoníaca” é culpada por uma quantidade incalculável de problemas de dependência, incidentes violentos, mau comportamento e inúmeros riscos à saúde. No entanto, continuamos a precisar de conexão e estímulo para prosperar. Solidão e atomização também podem tirar anos da sua vida. O álcool é uma maneira consagrada de quebrar o gelo, e seus benefícios sociais podem superar suas desvantagens para pessoas que conseguem usá-lo com moderação.

Em seu livro Capitalist Realism, o escritor, filósofo e e critico cultural Mark Fisher sabiamente nos disse que as consequências do capitalismo tardio não devem ser sofridos sozinhos. “A pandemia de angústia mental que aflige nosso tempo não pode ser devidamente compreendida ou curada se vista como um problema privado sofrido por indivíduos prejudicados”, ele escreveu. Está longe de ser perfeito, mas uma cervejinha com amigos no bar local é um antídoto.

Frank Sinatra também dizia: “O álcool pode ser o pior inimigo do homem, mas a Bíblia diz que você deve amar seu inimigo.”

Então, saúde e vamos brindar a vida e luta!

Colaborador

Ryan Zickgraf é um jornalista residente no Alabama e editor da Third Rail Mag.

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