Há quatro anos, o Senador independente do Vermont, Bernie Sanders, estava em Cedar Rapids a falar dos benefícios do ambicioso projeto de lei Build Back Better de Joe Biden a uma plateia considerável, mas modesta, de habitantes do Iowa, cujos membros do Congresso, na sua maioria republicanos, provavelmente não apoiariam a legislação. No fim de semana passado, Sanders voltou a este estado, a apenas vinte e sete quilómetros de distância, na vizinha Cidade de Iowa, para falar sobre o caminho a seguir durante a segunda presidência de Trump - e atraiu um público tão grande que teve de fazer um segundo discurso imediatamente a seguir, para a multidão que transbordou para outro local.
“Já fiz muitos discursos na minha vida política”, disse ao subir ao palco. “Esta é a primeira vez que faço um discurso a seguir ao outro porque não cabíamos no primeiro espaço.”
A apresentação de Sanders faz parte do que ele chama de uma digressão de costa a costa pelo país, “especialmente em áreas conservadoras”, com o objetivo de mobilizar as pessoas contra a agenda de Donald Trump. Na noite anterior, em Omaha, no Nebraska, milhares de pessoas compareceram e centenas não puderam entrar para assistir ao discurso do senador. No sábado de manhã, outras centenas fizeram fila no frio do inverno do Iowa para ouvir o senador.
“Esperança”, disse Erin, de quarenta e cinco anos, sobre o que queria do evento.
“É bom ouvi-lo”, disse Jai, 44 anos, que veio da vizinha Fairfield. “Tem sido um mês conturbado, e uma injeção de ânimo do Bernie vai ser bom.”
Foi mais ou menos isso que os participantes receberam. Sanders fundiu suas críticas habituais à oligarquia americana com os esforços da administração Trump para desmantelar o governo federal, que levaram a Casa Branca a trabalhar com o bilionário Elon Musk, o homem mais rico do mundo e o maior doador da eleição de 2024, para promover demissões em massa de trabalhadores federais e desregulamentação geral das empresas.
“Se querem saber quem dirige o governo dos Estados Unidos, basta olhar para a tomada de posse de Trump”, disse Sanders, referindo-se à presença dos três homens mais ricos da América - Musk, Jeff Bezos e Mark Zuckerberg - diretamente atrás de Trump, e ao que chamou os treze ‘bilionários júnior’, com um património líquido de apenas onze dígitos, que ele encarregou de dirigir as agências federais.
Mas Sanders também tinha como objetivo galvanizar uma multidão cujos participantes tinham, antes do comício, admitido sentir-se perdidos, preocupados e até mesmo fazer uma pausa nas notícias para ficarem mais tranquilos. Num discurso repleto de alusões históricas, Sanders lembrou à multidão que “fazer algo importante nunca é fácil”, insistiu que “agora é o momento de agir” e de se envolver politicamente, e que a história dos EUA está repleta de realizações que deveriam ter sido impossíveis, mas que os movimentos de pessoas comuns fizeram acontecer - quer se trate da expansão do direito de voto, da abolição da escravatura ou da conquista da independência do rei de Inglaterra (“um autocrata”).
“O trumpismo não vai ser derrotado por políticos de dentro da Beltway [a estrada que circula a cidade de Washington D.C]”, disse.
Juntamente com a multidão que transbordava, era a prova física da insatisfação com o Partido Democrata, observada nas sondagens e nos telefonemas furiosos para os gabinetes do Congresso, com os eleitores a queixarem-se da falta de liderança e de oposição a Trump por parte dos responsáveis democratas, e a ansiarem por algum tipo de orientação. Quase todas as pessoas com quem a Jacobin falou no evento de Sanders em Iowa estavam, em maior ou menor grau, desiludidas com a resposta democrata ao primeiro mês de Trump.
“Que resposta?”, disse Steven, quarenta e quatro anos, de Fairfield.
“Tem sido fraca”, disse Cole, vinte e quatro anos, de Iowa City.
“Hakeem Jeffries é inútil”, disse Jim, sessenta e dois anos, que fez a viagem dos subúrbios de Chicago até Iowa, sobre o líder dos Democratas na Câmara dos Representantes. “'Não podemos fazer nada'. É patético.”
Os republicanos no Congresso, em concertação com Trump, estão atualmente a planear aprovar uma lei de reconciliação [um processo legislativo que permite aprovação de medidas orçamentais com uma maioria simples] que Sanders chamou de “o princípio Robin dos Bosques ao contrário”, entregando aos ricos 1 bilião de dólares em cortes de impostos, fazendo “cortes maciços nos programas de que as pessoas que trabalham precisam desesperadamente”. Mas eles só têm uma maioria de três pessoas na Câmara para o fazer, o que significa que apenas dois deles votando “não” matariam o projeto de lei. Sanders observou que alguns desses republicanos foram eleitos pelos mesmos círculos que ele estava a visitar e que poderiam ser influenciados por centenas de eleitores que telefonassem para os seus gabinetes para se oporem à legislação.
“Estou no Senado; isso tem importância”, sublinhou Sanders. Enquanto os congressistas neste momento só se preocupam com o que os seus doadores pensam, disse, “o vosso trabalho é fazer com que eles se preocupem convosco”.
Já há sinais de que os republicanos vulneráveis em distritos cujas comunidades dependem fortemente de programas como o Medicaid estão a sentir a pressão dos seus eleitores sobre os cortes planeados. O próprio Trump sentiu a necessidade de afirmar, falsamente, que o Medicaid “não vai ser tocado” e já uma vez teve de fazer um recuo notório da sua pausa radical nos subsídios federais depois de a indignação dos eleitores com as perturbações resultantes do Medicaid ter pressionado os congressistas do Partido Republicano.
Para Sanders, este esforço popular para derrotar a agenda de Trump, à qual ele espera dar vida, faz parte de uma longa tradição americana. No final do seu discurso, ele e a multidão recitaram juntos o discurso de Gettysburg de Abraham Lincoln e o seu apelo para garantir que “o governo do povo, pelo povo, para o povo” sobreviva - e não, sublinhou Sanders, “um governo da classe bilionária, pela classe bilionária, para a classe bilionária”.
“É disso que se trata esta luta - cento e cinquenta anos depois, a mesma luta”, afirmou.
Havia sinais de que essa luta poderia ser travada por uma base de apoio diferente da que Sanders atraiu na sua primeira candidatura presidencial, há uma década. No sábado, uma multidão esmagadoramente liberal aplaudiu as referências de Sanders aos direitos reprodutivos das mulheres e ridicularizou as menções aos cortes de Trump na Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional e os ataques ao presidente ucraniano Volodymyr Zelensky. Jai disse à Jacobin que muitos dos seus amigos abstencionistas de Fairfield, que inicialmente se tinham mostrado atraídos por Sanders, estavam agora de corpo inteiro nas fileiras de Trump. O antigo sindicalista Otis, de 81 anos, que viveu no Iowa durante décadas e viu a fidelidade partidária mudar para o vermelho [a cor dos Republicanos], disse que muitos dos jovens que conhecia apoiavam agora Trump.
Mas, pelo menos para alguns, o discurso de Sanders parece ter tido o efeito pretendido.
“Eu era aquela pessoa que era complacente e que se tinha desligado”, disse Audrey, de vinte e sete anos, que viajou cerca de uma hora desde Wapello para ver Sanders pela terceira vez na sua vida. O discurso deu-lhe a direção específica por que ansiava.
Para outros, como Erin, que tinham vindo à procura de esperança, encontraram-na apenas por estarem no meio de centenas de pessoas que sentiam o mesmo: “Sentia-me sozinha e agora já não me sinto tanto assim”.
Colaborador
Branko Marcetic é redator da Jacobin e autor de Yesterday's Man: The Case Against Joe Biden.
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