Devriş Çimen
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Militantes da comunidade curda segurando cartazes e bandeiras com a imagem de Abdullah Öcalan se reúnem na Trafalgar Square, em Londres, em 1º de dezembro de 2024. (Mark Kerrison / In Pictures via Getty Images) |
Após 43 meses de isolamento forçado, o líder curdo preso Abdullah Öcalan foi autorizado a se reunir com parlamentares de esquerda. Ele encorajou apelos para um processo de paz — mas há poucos sinais de que as autoridades turcas estejam falando sério sobre a ideia.
Depois do jantar com a família curda com quem estamos hospedados, sentamo-nos em frente à TV. O apresentador passa e comenta muitos canais turcos. A maioria mostra as mesmas discussões acaloradas. Os chamados especialistas da mídia estão todos obcecados com um assunto hoje: Abdullah Öcalan, o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), os curdos e Rojava.
Após anos de censura, as discussões sobre esses temas são surpreendentes. Já faz algum tempo que o cenário da mídia turca, antes polifônico, está quase completamente sob o controle do governo e empresários associados. A Turquia ficou em 165º lugar entre 180 no ranking de liberdade de imprensa de 2023 da Repórteres Sem Fronteiras. No entanto, a agenda de notícias às vezes pode mudar repentinamente. Se as autoridades desejarem, a mídia turca pode transformar um elefante em uma formiga — ou vice-versa.
No final de outubro, Devlet Bahçeli, do Partido do Movimento Nacionalista (MHP) — um aliado fascista do presidente Recep Tayyip Erdoğan — surpreendentemente propôs que Öcalan, que havia sido condenado à prisão perpétua, fosse colocado em liberdade condicional se ele “renunciasse à violência e dissolvesse o PKK”. Erdoğan prosseguiu afirmando que a Turquia deve resolver os problemas em vez de ignorá-los.
Em 23 de outubro, Ömer Öcalan, sobrinho de Abdullah Öcalan, que também é membro do parlamento pelo Partido da Igualdade e Democracia dos Povos (DEM), pôde vê-lo na ilha-prisão turca de Imrali como parte de uma “visita familiar”. Isso marcou o fim de 43 meses de isolamento, durante os quais nenhum sinal de que Öcalan continuava vivo havia chegado ao mundo exterior. A mensagem de Öcalan foi curta e clara: “O isolamento continua. Quando as condições surgirem, terei a força teórica e prática para conduzir esse processo do conflito e da violência para uma base legal e política”. O movimento que lutat pela liberdade curda declarou publicamente seu apoio a essa abordagem.
Em 28 de dezembro, Sirri Süreyya Önder e Pervin Buldan, ambos parlamentares do DEM no parlamento turco, também foram autorizados a visitar Öcalan em İmralı. Ele transmitiu sua última mensagem por meio dos parlamentares. Ela dizia:
Depois do jantar com a família curda com quem estamos hospedados, sentamo-nos em frente à TV. O apresentador passa e comenta muitos canais turcos. A maioria mostra as mesmas discussões acaloradas. Os chamados especialistas da mídia estão todos obcecados com um assunto hoje: Abdullah Öcalan, o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), os curdos e Rojava.
Após anos de censura, as discussões sobre esses temas são surpreendentes. Já faz algum tempo que o cenário da mídia turca, antes polifônico, está quase completamente sob o controle do governo e empresários associados. A Turquia ficou em 165º lugar entre 180 no ranking de liberdade de imprensa de 2023 da Repórteres Sem Fronteiras. No entanto, a agenda de notícias às vezes pode mudar repentinamente. Se as autoridades desejarem, a mídia turca pode transformar um elefante em uma formiga — ou vice-versa.
No final de outubro, Devlet Bahçeli, do Partido do Movimento Nacionalista (MHP) — um aliado fascista do presidente Recep Tayyip Erdoğan — surpreendentemente propôs que Öcalan, que havia sido condenado à prisão perpétua, fosse colocado em liberdade condicional se ele “renunciasse à violência e dissolvesse o PKK”. Erdoğan prosseguiu afirmando que a Turquia deve resolver os problemas em vez de ignorá-los.
Em 23 de outubro, Ömer Öcalan, sobrinho de Abdullah Öcalan, que também é membro do parlamento pelo Partido da Igualdade e Democracia dos Povos (DEM), pôde vê-lo na ilha-prisão turca de Imrali como parte de uma “visita familiar”. Isso marcou o fim de 43 meses de isolamento, durante os quais nenhum sinal de que Öcalan continuava vivo havia chegado ao mundo exterior. A mensagem de Öcalan foi curta e clara: “O isolamento continua. Quando as condições surgirem, terei a força teórica e prática para conduzir esse processo do conflito e da violência para uma base legal e política”. O movimento que lutat pela liberdade curda declarou publicamente seu apoio a essa abordagem.
Em 28 de dezembro, Sirri Süreyya Önder e Pervin Buldan, ambos parlamentares do DEM no parlamento turco, também foram autorizados a visitar Öcalan em İmralı. Ele transmitiu sua última mensagem por meio dos parlamentares. Ela dizia:
Para o sucesso do processo, é essencial que todos os setores políticos da Turquia tomem a iniciativa, ajam construtivamente e façam contribuições positivas sem se prenderem a um cálculo cíclico e tacanho. Um dos lugares mais importantes para isso é o parlamento turco.
Após essa reunião, uma delegação de três membros políticos do DEM realizou conversas preliminares com os partidos no parlamento turco sobre um possível processo de diálogo para resolver a questão curda. Eles expressaram confiança sobre os resultados dessas conversas. As reuniões adotaram uma abordagem positiva e otimista — embora tenham alertando que o governo não deve abordar esse processo com uma visão de seu próprio interesse.
Os dois parlamentares tiveram a chance de se encontrar com Öcalan pela segunda vez em 22 de janeiro. No dia seguinte, os políticos do DEM divulgaram uma breve mensagem na qual declararam que a participação de Öcalan no processo continuará. Este esperado processo de paz, eles disseram, tem como objetivo “permitir que todos nós vivamos uma vida comum e livre”.
Öcalan deve ser libertado
Öcalan desempenha novamente um papel decisivo para uma solução política, pacífica e democratizante na Turquia e no Curdistão. No entanto, essa articulação é claramente difícil, dado o isolamento permanente de Öcalan — tornando a demanda por sua libertação uma prioridade.
Öcalan está em confinamento solitário desde seu sequestro no Quênia como parte de uma conspiração internacional realizada em 15 de fevereiro de 1999 por países como Estados Unidos, Israel, Grécia, Quênia e Turquia. Milhões de curdos, que fugiram pelo mundo devido à guerra no Curdistão, protestaram furiosamente na época, surpreendendo até mesmo a secretária de estado dos EUA, Madeleine Albright.
As forças por trás da trama estavam convencidas de que tinham uma resposta simples para perguntas complicadas. Mas no Oriente Médio, Curdistão e Síria, esses conflitos estão interligados. Conversas sobre direitos humanos, direito internacional e democracia encobrem batalhas sobre a pilhagem dos recursos na região.
Antes de seu sequestro, Öcalan viajou para Roma, onde expressou sua disposição de encontrar uma solução democrática e pacífica para a questão curda. Ele queria que a Europa contribuísse para essa solução. Mas a Europa recusou. Anteriormente, Öcalan foi forçado a deixar a Síria devido a ameaças da OTAN e da Turquia.
Tendo assumido a luta em 1984 em resposta à discriminação e exclusão sofridas na Turquia, os curdos estão justificadamente inseguros sobre qual estrutura legal futura pode aguardá-los. Uma democratização abrangente, consagrando direitos fundamentais na constituição, poderia permitir a coexistência pacífica. No entanto, tanto o governo Erdoğan quanto seus antecessores insistiram que a violência contra os curdos continuará até que eles desistam de sua luta, sem conceder garantias quanto aos seus direitos futuros.
Por 25 anos, a Turquia não demonstrou interesse sério no diálogo. Em 2015, Erdoğan novamente jogou o chamado processo de paz ao mar, desencadeando violência e guerra tanto em seu próprio país quanto no exterior.
Os dois parlamentares tiveram a chance de se encontrar com Öcalan pela segunda vez em 22 de janeiro. No dia seguinte, os políticos do DEM divulgaram uma breve mensagem na qual declararam que a participação de Öcalan no processo continuará. Este esperado processo de paz, eles disseram, tem como objetivo “permitir que todos nós vivamos uma vida comum e livre”.
Öcalan deve ser libertado
Öcalan desempenha novamente um papel decisivo para uma solução política, pacífica e democratizante na Turquia e no Curdistão. No entanto, essa articulação é claramente difícil, dado o isolamento permanente de Öcalan — tornando a demanda por sua libertação uma prioridade.
Öcalan está em confinamento solitário desde seu sequestro no Quênia como parte de uma conspiração internacional realizada em 15 de fevereiro de 1999 por países como Estados Unidos, Israel, Grécia, Quênia e Turquia. Milhões de curdos, que fugiram pelo mundo devido à guerra no Curdistão, protestaram furiosamente na época, surpreendendo até mesmo a secretária de estado dos EUA, Madeleine Albright.
As forças por trás da trama estavam convencidas de que tinham uma resposta simples para perguntas complicadas. Mas no Oriente Médio, Curdistão e Síria, esses conflitos estão interligados. Conversas sobre direitos humanos, direito internacional e democracia encobrem batalhas sobre a pilhagem dos recursos na região.
Antes de seu sequestro, Öcalan viajou para Roma, onde expressou sua disposição de encontrar uma solução democrática e pacífica para a questão curda. Ele queria que a Europa contribuísse para essa solução. Mas a Europa recusou. Anteriormente, Öcalan foi forçado a deixar a Síria devido a ameaças da OTAN e da Turquia.
Tendo assumido a luta em 1984 em resposta à discriminação e exclusão sofridas na Turquia, os curdos estão justificadamente inseguros sobre qual estrutura legal futura pode aguardá-los. Uma democratização abrangente, consagrando direitos fundamentais na constituição, poderia permitir a coexistência pacífica. No entanto, tanto o governo Erdoğan quanto seus antecessores insistiram que a violência contra os curdos continuará até que eles desistam de sua luta, sem conceder garantias quanto aos seus direitos futuros.
Por 25 anos, a Turquia não demonstrou interesse sério no diálogo. Em 2015, Erdoğan novamente jogou o chamado processo de paz ao mar, desencadeando violência e guerra tanto em seu próprio país quanto no exterior.
Ancara na Síria
Éimportante ressaltar que esse conflito não se limita às próprias fronteiras do Estado turco. Durante a Primavera Árabe, em 2011, houve uma ampla revolta na Síria contra o regime de Bashar al-Assad. No início do conflito, o Exército de Assad (apoiado pela Rússia e pelo Irã) estava em guerra com o Exército Livre da Síria (FSA), fornecido por países como Turquia, Arábia Saudita, Catar e Estados Unidos. A Turquia se tornou o retiro e centro de comando do FSA e de outros grupos islâmicos.
A revolta logo produziu uma guerra por procuração que teve pouco a ver com os interesses do povo na Síria e muito a ver com os cálculos políticos e econômicos de outras partes no conflito. Somente no norte da Síria uma “autonomia democrática” se desenvolveu nas regiões curdas (Cizîrê, Kobanê e Afrîn), que ficaram conhecidas como Rojava (oficialmente: a Administração Autônoma Democrática do Norte e Leste da Síria, DAANES). Foi estabelecido ali um autogoverno local multiétnico e multirreligioso, cuja estrutura teórica é baseada no confederalismo democrático teorizado por Öcalan.
Prosseguindo sua agenda anticurda, a Turquia escolheu Rojava como seu principal alvo. No verão de 2014, quando o Estado Islâmico (EI ou ISIS) intensificou seus ataques genocidas no norte do Iraque e no norte da Síria, inclusive contra a população curda (com o genocídio dos Yezidis), fazendo uma enorme pressão pública global que forçou as potências internacionais a agir. Os Estados Unidos e seus aliados, incluindo alguns Estados árabes, lançaram a coalizão anti-ISIS. Nessa época, Kobane já estava sob ataque do ISIS — e Erdoğan torcia pela queda da cidade. Enquanto isso, as Unidades de Defesa Popular e Feminina do YPG/YPJ, com o apoio das guerrilhas do PKK, fizeram uma resistência histórica que ficou registrada na história como a “Batalha de Kobane“.
Como resultado, os Estados Unidos lançaram ataques aéreos pela primeira vez. Kobanê foi libertada no final de janeiro de 2015. A luta contra o ISIS foi continuada pelo YPG/YPJ com o apoio da aliança anti-ISIS. O ISIS perdeu seu último território em março de 2019 e, portanto, foi considerado derrotado militarmente.
A Turquia fez campanha desde o início pela derrubada de Assad e apoiou vários grupos islâmicos politicamente, logisticamente e estrategicamente, do FSA (hoje SNA) e IS ao Hay’at Tahrir al-Sham (HTS), que recentemente assumiu o poder na Síria. Em cooperação com esses grupos, a Turquia ocupou as primeiras partes do norte da Síria em 2016, incluindo Jarabulus. Algumas dessas áreas foram entregues diretamente à Turquia pelo ISIS. Isso foi seguido mais tarde pelas invasões de Afrîn em 2018 e Girê Spî (Tal Abyad) e Serê Kaniyê (Ras al-Ain) em 2019. O objetivo era enfraquecer a autoadministração do norte e leste da Síria e, se possível, destruí-la.
Para esse fim, a Turquia paradoxalmente participou da coalizão anti-ISIS enquanto atacava o DAANES junto com grupos islâmicos e jihadistas. Por exemplo, a Turquia apoiou ativamente o ISIS durante o cerco de Kobanê, fornecendo armas e infraestrutura para terroristas feridos do ISIS. O SNA surgiu do FSA, cujo suposto objetivo principal era derrubar o regime de Assad. Essa missão ostensiva foi cumprida há dois meses, mas milhares de mercenários pró-turcos do SNA ainda estão lutando em nome de seu cliente turco contra as regiões autônomas no norte e leste da Síria. Além disso, a Turquia está constantemente ameaçando uma nova invasão terrestre na região.
Falar de paz e realidade de guerra
Isso destaca uma contradição óbvia. Fala-se de uma possível “solução” para a questão curda, mas, ao mesmo tempo, Ancara está intensificando uma abordagem baseada em guerra, ocupação e repressão sistemática. Desde as últimas eleições locais em 2023, nove prefeitos curdos democraticamente eleitos, incluindo em Merdîn, Colemêrg (turco: Hakkari), Elih (Batman) e Dêrsim, foram removidos do cargo e substituídos por governadores estaduais. Desde 2016, um total de 157 governos municipais nas províncias curdas foram tomadas por governadores estaduais. Os protestos contra esse desmando foram brutalmente reprimidos e centenas de pessoas foram presas, a maioria delas recebendo longas sentenças de prisão. Mais de dez mil presos políticos, incluindo ex-parlamentares, prefeitos, jornalistas e militantets políticos, estão em prisões turcas hoje.
Políticos, acadêmicos e especialistas que não reconhecem os direitos fundamentais do povo curdo estão agora dominando os debates “democráticos” na mídia turca. O discurso predominante é caracterizado pela paranoia e pelo cenário construído de que conceder direitos básicos aos curdos levará a uma divisão do país. Mesmo no parlamento, figuras pró-guerra e antidemocráticas estão debatendo a questão curda. Portanto, há um risco de que essa aparente abertura e debate continuem como papo furado. Se a Turquia estivesse realmente pronta, a solução seria simples: falar aberta e diretamente com Öcalan e representantes do Movimento pela Liberdade do Curdistão em vez de apenas falar sobre eles.
Öcalan declarou recentemente sua prontidão para um processo de paz — sob condições apropriadas. Sua liberdade é uma necessidade absoluta e seria um passo histórico. Em uma campanha mundial no início de 2015, não apenas milhões de curdos, mas cerca de 10,3 milhões de signatários pediram a libertação de Öcalan e de todos os outros prisioneiros políticos na Turquia.
Öcalan continua sendo a chave central para um processo de paz. Ele já apresentou um plano de paz abrangente em 2009 com seu “roteiro”. Ele formula propostas e etapas concretas que ambas as partes em guerra teriam que tomar. Central para um processo de paz para o lado curdo é o reconhecimento constitucional da sociedade curda e com ele, por exemplo, o direito à educação em sua língua materna, uma descentralização das estruturas políticas e a abolição da administração forçada no Curdistão do Norte. A solução democrática e pacífica para a questão curda é concebida no contexto de uma democratização geral da Turquia, que inclui a demanda por reformas legais e constitucionais para proteger os direitos culturais e relacionados à identidade de todos os cidadãos.
Ainda não está claro se a nova tentativa de diálogo se desenvolverá em um processo de paz. Isso também tem a ver com pressão social. O apelo de Erdoğan pela “capitulação” curda e a ameaça de mais violência e massacres mostram que ele está buscando um cálculo completamente diferente. Em uma conferência do partido na província de Rize em 5 de janeiro, o presidente turco disse: “Juntos, temos uma oportunidade única de fazer história. Sem risco, você não pode ter sucesso em nenhuma área da vida, nem mesmo na política.” A que tipo de risco ele está se referindo não está claro, embora tais perigos devam continuar – a menos que os caminhos da paz sejam encontrados.
A sinceridade do Estado turco está mais uma vez em debate: isso é uma tentativa de iniciar conversas sérias ou Erdoğan e Bahçeli estão usando o diálogo como nada mais do que uma manobra tática? O que é certo é que a Turquia não deve atrasar uma solução pacífica, democrática e digna. Infelizmente, é exatamente isso que vem acontecendo desde 1993. O Estado paranoico e delirante de vários regimes turcos com relação à questão curda está intimamente ligado à doutrina anticurda na qual o Estado foi fundado.
A mensagem de Öcalan de 28 de dezembro terminou com as seguintes palavras: “é hora de uma era de paz, democracia e fraternidade para a Turquia e a região”. Ele ainda é o representante político mais importante dos curdos, não apenas na Turquia, mas também na Síria, Irã e Iraque. Ele sozinho parece estar oferecendo uma solução séria além da guerra, capitalismo, repressão estatal, destruição ambiental e estruturas patriarcais. O caminho a seguir depende de outras forças políticas se disponibilizarem para um processo de paz também.
Colaborador
Devriş Çimen é um jornalista e político curdo.
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