Este artigo foi originalmente uma palestra apresentada em uma conferência organizada pela Associação de Graduados da Faculdade de Economia da Universidade de Istambul, Turquia, em 21 de abril de 1994.
Paul M. Sweezy
Volume 46, Issue 02 (June) |
Tradução / O assunto desta conferência é "Novas Tendências na Turquia e no Mundo". Eu não devo tentar dizer qualquer coisa sobre as novas tendências na Turquia, parcialmente devido à minha ignorância, mas fundamentalmente porque a Turquia é parte do mundo e neste período a mãe de todas as novas tendências possui natureza global. Para compreender o que está acontecendo em qualquer parte do mundo, deve-se começar a partir do que está acontecendo no mundo todo. A máxima de Hegel que diz "A Verdade está no todo", jamais foi tão verdadeira e relevante como hoje. Em uma passagem muito citada, escrita em 1936, John Maynard Keynes disse:
"É provável que os especuladores não causem prejuízos como as bolhas num rio caudaloso quando o empreendimento é estável e a economia é saudável. Mas a situação é grave quando a bolha vira um redemoinho e o negócio torna-se mera especulação. Quando o desenvolvimento de capital de um país toma-se um subproduto das atividades de um cassino, é provável que a tarefa seja mal feita."
Presumivelmente, Keynes estava aludindo à situação que existia nos anos 20 nos Estados Unidos, o país capitalista mais avançado do mundo. Hoje, esta passagem tem o tom sinistro de uma profecia que estava para ser completamente realizada há mais de um século atrás, nos anos 80 e 90 — não apenas nos Estados Unidos, mas no mundo todo.
O capital financeiro, uma vez liberado do seu papel original de ser apenas um catalisador modesto de uma economia eminentemente de produção, para atender às necessidades humanas torna-se sempre um capital especulativo, mantendo-se exclusivamente para sua própria auto-expansão. Em tempos anteriores, ninguém nunca sonhou que o capital especulativo, um fenômeno tão antigo quanto o próprio capitalismo, pudesse se desenvolver para dominar uma economia nacional, deixando desprotegido o mundo inteiro. Mas isto ocorreu.
Esta é a realidade que enfrentamos hoje. Suas conseqüências terríveis são visíveis por todos os lados, a partir dos 35 milhões de desempregados nos países industrialmente avançados, até o recrudescimento da pobreza e da miséria no Terceiro Mundo e a deterioração ecológica incontrolada em todo lugar.
O que está em questão aqui e que precisa ser explicado é como tudo isto aconteceu. A acumulação de capital sempre foi a força motora do sistema capitalista e tem sido tratado como tal por todas as principais escolas de análise econômica — clássica, marxista e neoclássica. Tomou-se como certo de um modo geral, que a acumulação de capital contribui para a riqueza, renda e padrão de vida dos países nos quais isto ocorre. Sempre houve, naturalmente, um outro lado para o processo de acumulação — os pânicos periódicos e as quebras aos quais o mesmo está propenso, os benefícios desiguais conferidos a vários segmentos da população, etc. Mas no todo, tem sido e ainda é visto como um processo necessário, cujos aspectos positivos têm de longe mais importância que os negativos.
Não é a minha finalidade presente, colocar isto em discussão, como um julgamento do funcionamento e das conseqüências à acumulação de capital, vistos sob a perspectiva de sua história, que já dura séculos. O que eu quero argumentar é que as mudanças recentes, a maioria ocorrida desde a Segunda Guerra Mundial, modificaram de tal modo as modalidades da acumulação de capital que o mesmo deixou de ser, no todo, uma força positiva e benigna, tendo-se tornado terrivelmente destruidora.
A história do capitalismo como o conhecemos hoje, começa na revolução industrial, na segunda metade do século dezoito. Os atores principais foram as pequenas empresas operando em mercados competitivos. Os avanços tecnológicos, começando e se expandindo a partir das indústrias têxteis, motivaram o que logo se transformou em um processo de auto-reprodução e auto-expansão de acúmulo e crescimento econômico. Este processo foi a base empírica da primeira ciência social real, a economia política clássica.
Nos primeiros estágios do capitalismo industrial, os mercados eram ainda amplamente locais, um fato que não apenas limitava seu tamanho, mas também agia como um retentor para o comportamento competitivo dos participantes. Mais tarde, com o desenvolvimento dos meios de transporte e comunicação (canais, barcos a vapor, ferrovias, telégrafo), os mercados expandiram-se muito, produzindo uma concorrência impessoal e acirrada. Até a segunda metade do século passado, a acumulação de capital e o crescimento econômico já haviam chegado a um grau de intensidade febril.
De um ponto de vista, isto era esplêndido. O capitalismo estava fazendo o que se esperava dele. Mas, de um outro ponto de vista, no que se refere à rentabilidade do capital, as coisas pareciam bem diferentes. A dificuldade era que cada vez mais na atividade industrial, os capitalistas, na tentativa de obterem melhores resultados que os outros, expandiram sua capacidade de produção muito além do ponto de lucro máximo, em muitos casos além do ponto de qualquer lucro. As empresas mais fracas caíram em grupos à beira do caminho, e mesmo as mais fortes tinham que lutar para sobreviver. Para os Estados Unidos, já brigando por um lugar de liderança no mundo capitalista, um número conta a história. O índice de preços de venda no atacado (1910-1914) chegou a 185 no final da Guerra Civil em 1865. Em 1890, caiu para 82, um declínio de 57% em vinte e cinco anos. Tanto o capital quanto o trabalho foram gravemente arrochados; a agitação industrial e a violência alcançaram novas alturas; a literatura econômica do período é cheia de pessimismo e presságios terríveis.
Foi nestas circunstâncias que a história deu uma virada decisiva. Em todos os países capitalistas avançados, as duas últimas décadas do século XIX testemunharam um processo intenso de concentração e centralização de capital. As companhias mais fortes abocanhavam as mais fracas e uniam-se de várias formas e combinações (cartéis, "trustes", "holdings", corporações gigantes), visando eliminar a concorrência estreita e obter o controle das políticas de preço e produção. Foi neste período também que os capitalistas dos países principais, buscando avidamente novos mercados e fontes mais baratas de matérias primas, chegaram a colonizar ou por outro lado ganhar o controle de países mais fracos da África, Ásia e América Latina. Até a virada do século XX o que já tinha sido em pequena escala, o capitalismo local de pequeno alcance do século dezenove, transformou-se no sistema imperialista controlado por monopólio típico do século XX .
E importante compreender o papel das finanças nesta transformação histórica. Até o último trimestre do século dezenove, os bancos e os intermediários das finanças, tinham duas funções principais: de um lado, prover o crédito de curto prazo necessário para manter o ritmo da indústria e o giro do comércio e, do outro lado, abastecer as exigências de longo prazo dos governos (especialmente para sustentar exércitos e travar guerras), sejam empresas de serviços privadas ou públicas (canais, estradas de ferro, instalações para distribuição de água, etc.) e grandes companhias de seguro. Após a Guerra Civil (1861-1865), em cujo financiamento e abastecimento foram feitas muitas fortunas, muitos capitalistas direcionaram sua atenção de maneira crescente para a indústria e tornaram-se os principais movimentadores no processo global de concentração, freqüentemente detendo a propriedade ou o controle de vastos títulos e ações no que viria a ser mais tarde chamado de ponto culminante do comando da economia. Em tudo isto, a carreira de J.P. Morgan, o financista mais famoso da América, tornou-se paradigmática de um modo que raramente ocorre no caso de um único indivíduo. Eu deveria mencionar também a literatura extensa, tanto analítica quanto artística, que foi estimulada pela transformação histórica do capitalismo. Três exemplos importantes vêm à mente: nos Estados Unidos, "The Theory of Business Enterprise" (1904) de Thorstein Veblen; na Alemanha, "Das Finanzkapital" (1910) de Rudolf Hilferding; e na Rússia, "Imperialism" (1917) de Lênin.
De nosso ponto de vista atual, aquele das novas tendências globais deste fim do século XX, é importante compreender que o que ocorreu cem anos atrás, já estabeleceu o cenário para o triunfo final do capital financeiro, mas não conseguiu cumprir seus objetivos iniciais. Durante a primeira metade do século XX, o processo de acumulação de capital continuou a se concentrar sobre o capital industrial, como tinha sido no início da revolução industrial. Os financistas desempenharam um papel importante como parceiros e freqüentemente parceiros dominantes dos capitalistas industriais. Os dois grupos partilharam o objetivo de maximizar os lucros do capital produtivo (aço, óleo, produtos químicos, utilidades, papel, etc.), no entanto, muitos deles devem ter lutado pela divisão dos despojos. Havia, naturalmente, especialistas como banqueiros comerciais, corretores da bolsa de valores e negociadores de títulos que viviam em um mundo financeiro onde a especulação sempre foi uma tentação e oportunamente, como em toda a história do capitalismo, poderiam encarregar-se da atividade de seus próprios seguimentos com grande envolvimento na sociedade e com conseqüências desastrosos para muitos. Mas no todo, as finanças eram ainda subordinadas à produção.
No processo de acumulação de capital propriamente dito, ocorreu uma mudança significativa nos últimos anos do século XX , seguindo o período tempestuoso de concentração e centralização que precederam. Os preços 110 atacado que, conforme observado anteriormente, estavam caindo desde a Guerra Civil, começaram a subir com a virada cíclica da metade do século XIX e após isto continuaram numa tendência de elevação (com um grande destaque na Primeira Guerra Mundial) até os anos 20. A contrapartida deste movimento de preços foi uma queda no investimento de capital visto que as corporações oligopolísticas emergentes mais recentes aprenderam como ajustar suas políticas de produção à capacidade de absorção de seus mercados. Os historiadores deste período observaram de maneira geral que a década anterior à guerra foi apática com um nível elevado de do desemprego e declínios não frequentemente longos e curtos períodos de ascensão.
Na retrospectiva, parece claro que o início do século XX foi também o começo de um longo período de estagnação como aquele característico das os anos 30. O que impediu isto de acontecer mais cedo foi a Primeira Guerra Mundial. Após isto, veio um crescimento rápido conseqüente, que por sua vez foi sustentado por uma série de fatores especiais, mais particularmente a primeira onda da revolução automobilística com suas implicações. Mas forças profundamente estabelecidas, tinham sido implantadas na economia capitalista durante a transformação do século XIX e era apenas uma questão de tempo antes que as mesmas emergissem como fator dominante no funcionamento do sistema. Isto finalmente aconteceu como a quebra financeira espetacular de 1929, abrindo caminho gradualmente para a Grande Depressão dos anos 30.
A Grande Depressão era algo novo na história do capitalismo, uma década inteira na qual não houve crescimento: o processo de acumulação de capital simplesmente sofreu uma interrupção. Nos Estados Unidos, já então o país líder capitalista, o desemprego chegou a 25% da força de trabalho em 1933. Uma virada para um novo ciclo de crescimento à qual muitos economistas baseando-se em experiência passada, imaginavam que levaria ao pleno emprego, foi freada com uma taxa de desemprego ainda nos níveis de 14% em 1937. Seguiu-se uma recessão dentro da depressão. O desemprego subiu para 19% em 1938 e a década parecia destinada a terminar não apenas com a economia, mas com toda a sociedade em profunda crise. O Novo Acordo de Roosevelt que tinha introduzido reformas há muito esperadas e que salvou milhões da fome, através de programas de emergência, estava perdendo suporte e pela primeira vez na história dos EUA, o futuro do próprio capitalismo começou a ser questionado seriamente.
O que colocou um fim a este período, naturalmente, foi a Segunda Grande Guerra. Como John Kenneth Galbraith expressou tão apropriadamente, a Grande Depressão nunca terminou, simplesmente fundiu-se à economia de guerra. Nos cinco anos de 1939 a 1944, o Produto Interno Bruto do país aumentou em cerca de 75% e o desemprego praticamente desapareceu. Mas isto não era parte da lógica interna do sistema capitalista. Esta lógica tinha sido exposta em sua forma mais pura na Grande Depressão: a condição normal do sistema capitalista maduro é a estagnação. Na medida em que este não é o estado real dos países capitalistas avançados, a explicação tem que ser buscada nas forças externas e não econômicas.
Aproximadamente 25 anos após a Segunda Guerra Mundial, ou seja, da metade dos anos 40 até os anos 70, estas forças externas estavam influindo fortemente: a reparação dos danos da guerra, a reposição da escassez causada no tempo da guerra, pelo desvio de recursos da produção civil, o aproveitamento das tecnologias desenvolvidas para fins militares, tais como eletrônica e aviões a jato, principalmente uma nova fase de guerras, seja quente ou fria. Durante duas décadas, nos anos 50 e 60, as condições para a acumulação de capital eram extremamente favoráveis. O capitalismo entrou numa nova era dourada, remanescente dos melhores anos de sua juventude. Mas isto não poderia durar e não durou muito. E da natureza da acumulação eliminar a demanda que o estimula. E a menos que novos estímulos surjam, o processo se abate e volta a tendência à estagnação. Isto é o que estava começando a acontecer quando os anos 60 chegaram ao fim, culminando com uma recessão aguda de 1974-1975, de longe a mais séria desde o final da Segunda Guerra Mundial.
Um novo estímulo era perversamente necessário e surgiu em uma forma que, muito embora e seguramente não previsto, era um resultado lógico de tendências bem estabelecidas dentro da economia capitalista global.
Devo interromper a história aqui, confessando que no território em que estamos para entrar, se não exatamente desconhecido, é em grande parte inexplorado e mapeado muito inadequadamente - além do que eu não estou particularmente bem qualificado, por treinamento ou experiência, a desempenhar o papel de explorador. Além disso, o assunto é tão importante que qualquer coisa que estimule o interesse e o debate pode provar ser útil.
O que estou falando é sobre o desenvolvimento nos últimos vinte anos, ou bem assim de uma superestrutura relativamente independente - relativa, ou seja, ao que foi antes — assentada no topo da economia do mundo e muitas de suas unidades nacionais. É constituído de bancos — central, regional e local — e uma multidão de negociadores em uma variedade atordoante de componentes do ativo financeiro e serviços, tudo interligado por uma rede de mercados, alguns dos quais estruturados e regulados, outros informais e não regulados. Tal entidade é multi- dimensional e não há unidade conceitual que possa ser utilizada para medir seu tamanho. Mas que ela é muito grande e crescente não é apenas intuitivamente evidente mas claramente refletido pelas estatísticas que relacionam aspectos mensuráveis importantes do todo.
Eu disse que esta superestrutura financeira havia sido a criação das últimas duas décadas. Isto significa que seu surgimento foi basicamente contemporâneo com o retorno da estagnação nos anos 70. Mas isto não vai contra toda a experiência anterior? Tradicionalmente, a expansão financeira tem seguido de mãos dadas com a prosperidade na economia real. É possível que isto não mais seja verdade, que agora no fim do século XX o contrário seria o mais próximo da verdade, ou seja, que agora a expansão financeira não se alimenta de uma economia saudável, senão de uma economia estagnada?
A resposta à questão, eu penso, é sim, é possível e isto vem acontecendo. E eu acrescento que estou absolutamente convencido de que a relação inversa entre o financeiro e o real é a chave para o entendimento de novas tendências no mundo com as quais esta conferência está preocupada.
Gostaria de ser capaz de explicar tudo isto em termos simples e compreensíveis. Mas não posso, não apenas por falta de tempo. Estes são problemas muito complicados e eu não conheço ninguém que tenha surgido com soluções satisfatórias. A maior parte dos economistas mais importantes, simplesmente nega sua existência e ao fazer isto, em minha opinião, perde o contato com a realidade. Tudo que posso fazer é tentar sugerir a lógica subjacente do argumento.
A economia real, aquela que produz produtos e serviços que fazem com que as pessoas vivam e reproduzam, é de propriedade de uma minoria diminuta de oligopolistas. É estruturada para proporcionar a eles grandes lucros, muito além do que poderiam ou mesmo quereriam consumir. Sendo capitalistas, querem investir a maior parte de seus lucros. Mas exatamente a mesma estrutura que proporciona estes lucros, coloca limites estritos sobre as rendas da população que está abaixo. Estas pessoas podem simplesmente comprar de maneira escassa, o nível atual de produção oferecido a elas a preços calculados para render a taxa existente de lucro do oligopólio. Não há, portanto, lucro a ser feito a partir da expansão da capacidade de produção de bens que entram em consumo de massa. Fazer isto seria investir em excesso de capacidade, uma irracionalidade capitalista patente. O que, então, eles devem fazer com seus lucros?
Retrospectivamente, a resposta parece óbvia: deveriam investir em ativos produtivos não reais, financeiros. E que, eu penso, é justamente o que começaram a fazer em uma escala crescente quando a economia entrou uma vez mais em estagnação nos anos 70. Do lado do abastecimento, também, a situação estava amadurecida para a mudança. A atividade financeira, geralmente de um tipo tradicional, tinha sido estimulada pelo crescimento rápido do pós-guerra nos anos 50 e 60, sofrendo algo como uma decepção com a volta da estagnação. Os financistas estavam, portanto, procurando novos negócios. O capital que migrava para fora da economia real, foi alegremente recebido no setor financeiro. Então começou o processo que durante as próximas duas décadas resultou no triunfo do capital financeiro.
Esta é a realidade que enfrentamos hoje. Suas conseqüências terríveis são visíveis por todos os lados, a partir dos 35 milhões de desempregados nos países industrialmente avançados, até o recrudescimento da pobreza e da miséria no Terceiro Mundo e a deterioração ecológica incontrolada em todo lugar.
O que está em questão aqui e que precisa ser explicado é como tudo isto aconteceu. A acumulação de capital sempre foi a força motora do sistema capitalista e tem sido tratado como tal por todas as principais escolas de análise econômica — clássica, marxista e neoclássica. Tomou-se como certo de um modo geral, que a acumulação de capital contribui para a riqueza, renda e padrão de vida dos países nos quais isto ocorre. Sempre houve, naturalmente, um outro lado para o processo de acumulação — os pânicos periódicos e as quebras aos quais o mesmo está propenso, os benefícios desiguais conferidos a vários segmentos da população, etc. Mas no todo, tem sido e ainda é visto como um processo necessário, cujos aspectos positivos têm de longe mais importância que os negativos.
Não é a minha finalidade presente, colocar isto em discussão, como um julgamento do funcionamento e das conseqüências à acumulação de capital, vistos sob a perspectiva de sua história, que já dura séculos. O que eu quero argumentar é que as mudanças recentes, a maioria ocorrida desde a Segunda Guerra Mundial, modificaram de tal modo as modalidades da acumulação de capital que o mesmo deixou de ser, no todo, uma força positiva e benigna, tendo-se tornado terrivelmente destruidora.
A história do capitalismo como o conhecemos hoje, começa na revolução industrial, na segunda metade do século dezoito. Os atores principais foram as pequenas empresas operando em mercados competitivos. Os avanços tecnológicos, começando e se expandindo a partir das indústrias têxteis, motivaram o que logo se transformou em um processo de auto-reprodução e auto-expansão de acúmulo e crescimento econômico. Este processo foi a base empírica da primeira ciência social real, a economia política clássica.
Nos primeiros estágios do capitalismo industrial, os mercados eram ainda amplamente locais, um fato que não apenas limitava seu tamanho, mas também agia como um retentor para o comportamento competitivo dos participantes. Mais tarde, com o desenvolvimento dos meios de transporte e comunicação (canais, barcos a vapor, ferrovias, telégrafo), os mercados expandiram-se muito, produzindo uma concorrência impessoal e acirrada. Até a segunda metade do século passado, a acumulação de capital e o crescimento econômico já haviam chegado a um grau de intensidade febril.
De um ponto de vista, isto era esplêndido. O capitalismo estava fazendo o que se esperava dele. Mas, de um outro ponto de vista, no que se refere à rentabilidade do capital, as coisas pareciam bem diferentes. A dificuldade era que cada vez mais na atividade industrial, os capitalistas, na tentativa de obterem melhores resultados que os outros, expandiram sua capacidade de produção muito além do ponto de lucro máximo, em muitos casos além do ponto de qualquer lucro. As empresas mais fracas caíram em grupos à beira do caminho, e mesmo as mais fortes tinham que lutar para sobreviver. Para os Estados Unidos, já brigando por um lugar de liderança no mundo capitalista, um número conta a história. O índice de preços de venda no atacado (1910-1914) chegou a 185 no final da Guerra Civil em 1865. Em 1890, caiu para 82, um declínio de 57% em vinte e cinco anos. Tanto o capital quanto o trabalho foram gravemente arrochados; a agitação industrial e a violência alcançaram novas alturas; a literatura econômica do período é cheia de pessimismo e presságios terríveis.
Foi nestas circunstâncias que a história deu uma virada decisiva. Em todos os países capitalistas avançados, as duas últimas décadas do século XIX testemunharam um processo intenso de concentração e centralização de capital. As companhias mais fortes abocanhavam as mais fracas e uniam-se de várias formas e combinações (cartéis, "trustes", "holdings", corporações gigantes), visando eliminar a concorrência estreita e obter o controle das políticas de preço e produção. Foi neste período também que os capitalistas dos países principais, buscando avidamente novos mercados e fontes mais baratas de matérias primas, chegaram a colonizar ou por outro lado ganhar o controle de países mais fracos da África, Ásia e América Latina. Até a virada do século XX o que já tinha sido em pequena escala, o capitalismo local de pequeno alcance do século dezenove, transformou-se no sistema imperialista controlado por monopólio típico do século XX .
E importante compreender o papel das finanças nesta transformação histórica. Até o último trimestre do século dezenove, os bancos e os intermediários das finanças, tinham duas funções principais: de um lado, prover o crédito de curto prazo necessário para manter o ritmo da indústria e o giro do comércio e, do outro lado, abastecer as exigências de longo prazo dos governos (especialmente para sustentar exércitos e travar guerras), sejam empresas de serviços privadas ou públicas (canais, estradas de ferro, instalações para distribuição de água, etc.) e grandes companhias de seguro. Após a Guerra Civil (1861-1865), em cujo financiamento e abastecimento foram feitas muitas fortunas, muitos capitalistas direcionaram sua atenção de maneira crescente para a indústria e tornaram-se os principais movimentadores no processo global de concentração, freqüentemente detendo a propriedade ou o controle de vastos títulos e ações no que viria a ser mais tarde chamado de ponto culminante do comando da economia. Em tudo isto, a carreira de J.P. Morgan, o financista mais famoso da América, tornou-se paradigmática de um modo que raramente ocorre no caso de um único indivíduo. Eu deveria mencionar também a literatura extensa, tanto analítica quanto artística, que foi estimulada pela transformação histórica do capitalismo. Três exemplos importantes vêm à mente: nos Estados Unidos, "The Theory of Business Enterprise" (1904) de Thorstein Veblen; na Alemanha, "Das Finanzkapital" (1910) de Rudolf Hilferding; e na Rússia, "Imperialism" (1917) de Lênin.
De nosso ponto de vista atual, aquele das novas tendências globais deste fim do século XX, é importante compreender que o que ocorreu cem anos atrás, já estabeleceu o cenário para o triunfo final do capital financeiro, mas não conseguiu cumprir seus objetivos iniciais. Durante a primeira metade do século XX, o processo de acumulação de capital continuou a se concentrar sobre o capital industrial, como tinha sido no início da revolução industrial. Os financistas desempenharam um papel importante como parceiros e freqüentemente parceiros dominantes dos capitalistas industriais. Os dois grupos partilharam o objetivo de maximizar os lucros do capital produtivo (aço, óleo, produtos químicos, utilidades, papel, etc.), no entanto, muitos deles devem ter lutado pela divisão dos despojos. Havia, naturalmente, especialistas como banqueiros comerciais, corretores da bolsa de valores e negociadores de títulos que viviam em um mundo financeiro onde a especulação sempre foi uma tentação e oportunamente, como em toda a história do capitalismo, poderiam encarregar-se da atividade de seus próprios seguimentos com grande envolvimento na sociedade e com conseqüências desastrosos para muitos. Mas no todo, as finanças eram ainda subordinadas à produção.
No processo de acumulação de capital propriamente dito, ocorreu uma mudança significativa nos últimos anos do século XX , seguindo o período tempestuoso de concentração e centralização que precederam. Os preços 110 atacado que, conforme observado anteriormente, estavam caindo desde a Guerra Civil, começaram a subir com a virada cíclica da metade do século XIX e após isto continuaram numa tendência de elevação (com um grande destaque na Primeira Guerra Mundial) até os anos 20. A contrapartida deste movimento de preços foi uma queda no investimento de capital visto que as corporações oligopolísticas emergentes mais recentes aprenderam como ajustar suas políticas de produção à capacidade de absorção de seus mercados. Os historiadores deste período observaram de maneira geral que a década anterior à guerra foi apática com um nível elevado de do desemprego e declínios não frequentemente longos e curtos períodos de ascensão.
Na retrospectiva, parece claro que o início do século XX foi também o começo de um longo período de estagnação como aquele característico das os anos 30. O que impediu isto de acontecer mais cedo foi a Primeira Guerra Mundial. Após isto, veio um crescimento rápido conseqüente, que por sua vez foi sustentado por uma série de fatores especiais, mais particularmente a primeira onda da revolução automobilística com suas implicações. Mas forças profundamente estabelecidas, tinham sido implantadas na economia capitalista durante a transformação do século XIX e era apenas uma questão de tempo antes que as mesmas emergissem como fator dominante no funcionamento do sistema. Isto finalmente aconteceu como a quebra financeira espetacular de 1929, abrindo caminho gradualmente para a Grande Depressão dos anos 30.
A Grande Depressão era algo novo na história do capitalismo, uma década inteira na qual não houve crescimento: o processo de acumulação de capital simplesmente sofreu uma interrupção. Nos Estados Unidos, já então o país líder capitalista, o desemprego chegou a 25% da força de trabalho em 1933. Uma virada para um novo ciclo de crescimento à qual muitos economistas baseando-se em experiência passada, imaginavam que levaria ao pleno emprego, foi freada com uma taxa de desemprego ainda nos níveis de 14% em 1937. Seguiu-se uma recessão dentro da depressão. O desemprego subiu para 19% em 1938 e a década parecia destinada a terminar não apenas com a economia, mas com toda a sociedade em profunda crise. O Novo Acordo de Roosevelt que tinha introduzido reformas há muito esperadas e que salvou milhões da fome, através de programas de emergência, estava perdendo suporte e pela primeira vez na história dos EUA, o futuro do próprio capitalismo começou a ser questionado seriamente.
O que colocou um fim a este período, naturalmente, foi a Segunda Grande Guerra. Como John Kenneth Galbraith expressou tão apropriadamente, a Grande Depressão nunca terminou, simplesmente fundiu-se à economia de guerra. Nos cinco anos de 1939 a 1944, o Produto Interno Bruto do país aumentou em cerca de 75% e o desemprego praticamente desapareceu. Mas isto não era parte da lógica interna do sistema capitalista. Esta lógica tinha sido exposta em sua forma mais pura na Grande Depressão: a condição normal do sistema capitalista maduro é a estagnação. Na medida em que este não é o estado real dos países capitalistas avançados, a explicação tem que ser buscada nas forças externas e não econômicas.
Aproximadamente 25 anos após a Segunda Guerra Mundial, ou seja, da metade dos anos 40 até os anos 70, estas forças externas estavam influindo fortemente: a reparação dos danos da guerra, a reposição da escassez causada no tempo da guerra, pelo desvio de recursos da produção civil, o aproveitamento das tecnologias desenvolvidas para fins militares, tais como eletrônica e aviões a jato, principalmente uma nova fase de guerras, seja quente ou fria. Durante duas décadas, nos anos 50 e 60, as condições para a acumulação de capital eram extremamente favoráveis. O capitalismo entrou numa nova era dourada, remanescente dos melhores anos de sua juventude. Mas isto não poderia durar e não durou muito. E da natureza da acumulação eliminar a demanda que o estimula. E a menos que novos estímulos surjam, o processo se abate e volta a tendência à estagnação. Isto é o que estava começando a acontecer quando os anos 60 chegaram ao fim, culminando com uma recessão aguda de 1974-1975, de longe a mais séria desde o final da Segunda Guerra Mundial.
Um novo estímulo era perversamente necessário e surgiu em uma forma que, muito embora e seguramente não previsto, era um resultado lógico de tendências bem estabelecidas dentro da economia capitalista global.
Devo interromper a história aqui, confessando que no território em que estamos para entrar, se não exatamente desconhecido, é em grande parte inexplorado e mapeado muito inadequadamente - além do que eu não estou particularmente bem qualificado, por treinamento ou experiência, a desempenhar o papel de explorador. Além disso, o assunto é tão importante que qualquer coisa que estimule o interesse e o debate pode provar ser útil.
O que estou falando é sobre o desenvolvimento nos últimos vinte anos, ou bem assim de uma superestrutura relativamente independente - relativa, ou seja, ao que foi antes — assentada no topo da economia do mundo e muitas de suas unidades nacionais. É constituído de bancos — central, regional e local — e uma multidão de negociadores em uma variedade atordoante de componentes do ativo financeiro e serviços, tudo interligado por uma rede de mercados, alguns dos quais estruturados e regulados, outros informais e não regulados. Tal entidade é multi- dimensional e não há unidade conceitual que possa ser utilizada para medir seu tamanho. Mas que ela é muito grande e crescente não é apenas intuitivamente evidente mas claramente refletido pelas estatísticas que relacionam aspectos mensuráveis importantes do todo.
Eu disse que esta superestrutura financeira havia sido a criação das últimas duas décadas. Isto significa que seu surgimento foi basicamente contemporâneo com o retorno da estagnação nos anos 70. Mas isto não vai contra toda a experiência anterior? Tradicionalmente, a expansão financeira tem seguido de mãos dadas com a prosperidade na economia real. É possível que isto não mais seja verdade, que agora no fim do século XX o contrário seria o mais próximo da verdade, ou seja, que agora a expansão financeira não se alimenta de uma economia saudável, senão de uma economia estagnada?
A resposta à questão, eu penso, é sim, é possível e isto vem acontecendo. E eu acrescento que estou absolutamente convencido de que a relação inversa entre o financeiro e o real é a chave para o entendimento de novas tendências no mundo com as quais esta conferência está preocupada.
Gostaria de ser capaz de explicar tudo isto em termos simples e compreensíveis. Mas não posso, não apenas por falta de tempo. Estes são problemas muito complicados e eu não conheço ninguém que tenha surgido com soluções satisfatórias. A maior parte dos economistas mais importantes, simplesmente nega sua existência e ao fazer isto, em minha opinião, perde o contato com a realidade. Tudo que posso fazer é tentar sugerir a lógica subjacente do argumento.
A economia real, aquela que produz produtos e serviços que fazem com que as pessoas vivam e reproduzam, é de propriedade de uma minoria diminuta de oligopolistas. É estruturada para proporcionar a eles grandes lucros, muito além do que poderiam ou mesmo quereriam consumir. Sendo capitalistas, querem investir a maior parte de seus lucros. Mas exatamente a mesma estrutura que proporciona estes lucros, coloca limites estritos sobre as rendas da população que está abaixo. Estas pessoas podem simplesmente comprar de maneira escassa, o nível atual de produção oferecido a elas a preços calculados para render a taxa existente de lucro do oligopólio. Não há, portanto, lucro a ser feito a partir da expansão da capacidade de produção de bens que entram em consumo de massa. Fazer isto seria investir em excesso de capacidade, uma irracionalidade capitalista patente. O que, então, eles devem fazer com seus lucros?
Retrospectivamente, a resposta parece óbvia: deveriam investir em ativos produtivos não reais, financeiros. E que, eu penso, é justamente o que começaram a fazer em uma escala crescente quando a economia entrou uma vez mais em estagnação nos anos 70. Do lado do abastecimento, também, a situação estava amadurecida para a mudança. A atividade financeira, geralmente de um tipo tradicional, tinha sido estimulada pelo crescimento rápido do pós-guerra nos anos 50 e 60, sofrendo algo como uma decepção com a volta da estagnação. Os financistas estavam, portanto, procurando novos negócios. O capital que migrava para fora da economia real, foi alegremente recebido no setor financeiro. Então começou o processo que durante as próximas duas décadas resultou no triunfo do capital financeiro.
Quando comecei a me preparar para esta palestra, eu tinha noções pomposas acerca do que queria incluir. Primeiro viria uma afirmação do tema central, a ascensão ao domínio por parte do capital financeiro; depois, um esboço, tanto histórico quanto analítico, das origens e desenvolvimento deste processo; finalmente e o mais importante, pensamentos sobre as implicações para o entendimento do que está acontecendo no mundo e o que esperar quando olhamos para o futuro. Eu até mesmo pensei que poderia encontrar tempo para dizer algo sobre o que poderia ou deveria ser feito por aqueles de nós que não estão satisfeitos com a maneira pela qual as coisas vão.
Ai que ilusão! Eu logo me dei conta que tentar lidar com uma agenda dessas numa palestra poderia resultar apenas em uma cobertura inadequada. Então eu fui obrigado a voltar atrás e concentrar-me no aspecto histórico. Mas eu não quero terminar sem pelo menos algumas observações sobre as implicações.
1) O lugar do poder econômico e político foi transferido juntamente com a ascendência do capital financeiro. Considerou-se como certo por muito tempo, especialmente dentre os radicais, que o lugar do poder na sociedade capitalista estava nas salas de diretoria de umas poucas centenas de corporações multinacionais gigantes. Muito embora não haja dúvidas quanto ao papel destas entidades na alocação de recursos e outros assuntos importantes também, creio que há uma consideração a mais e que precisa ser ampliada. Os ocupantes destas salas de diretoria são por si próprios, numa extensão crescente, constrangidos e controlados pelo capital financeiro, visto que este funciona através da rede global dos mercados financeiros. Em outras palavras, o poder real está nem tanto nas salas de diretoria das corporações, quanto nos mercados financeiros. Aqui uma observação: as corporações gigantes são também os maiores jogadores nestes mercados e ajudam a lhes dar importância. Parece que a mão invisível de Adam Smith está representando um reaparecimento em uma nova forma e com força aumentada.
2) O que se crê para os chefes executivos das corporações, também se crê para os controladores do poder político. Mais e mais eles também são controlados no que podem e não podem fazer pelos mercados financeiros. Isto é muito óbvio com relação aos membros economicamente mais fracos da comunidade internacional, muitos dois quais estão diretamente sob o domínio do FMI e do Banco Mundial. Mas isto é dificilmente menos verdade no que se refere aos membros mais fortes, incluindo os Estados Unidos. Tudo, como conseqüência assegurada pela administração Clinton, desde a política fiscal até a reforma da saúde, deve passar pelo teste de aceitabilidade nos mercados financeiros. Apenas duas semanas atrás, o The New York Times publicou um relato feito por um de seus mais importantes jornalistas, intitulada "Stock Market Diplomacy" (Diplomacia na Bolsa de Valores) com um subtítulo "A Política Externa de Clinton inclui uma Consideração de Como Uma Mudança Influi no Comércio Mundial". No que se refere às forças intermediárias, aquela que estão entre o mais fraco e o mais forte, é preciso apenas apontar para a experiência da França no início dos anos 80. O povo francês elegeu um governo socialista por uma maioria impressionante. O novo governo, respondendo ao eleitorado, embarcou num curso de reformas sociais suaves e expansão fiscal. O resultado não tardou a chegar: uma séria crise no balanço de pagamentos seguida de um ligeiro retrocesso. Como entre a democracia e o capital financeiro no mundo, como estruturados hoje, existe pouca dúvida sobre qual é o mais forte.
3) O que deve ser feito? Se minha análise estiver correta, no sentido de que tanto a economia global, operando sob suas regras atuais, e o governo compelido a cumprir estas regras, pode proporcionar o que a grande maioria das pessoas no mundo precisa — empregos decentes, segurança, sobrevivência — parece claro que não têm escolha, mas desafiar a própria estrutura. Estou confiante de que eles o farão — eventualmente. A espécie humana está sofrendo há muito tempo, mas não é provável que tolerará para sempre o que parece um escorregão entre a ingovernabilidade e o caos. Nesse ínterim, presságios das coisas que estão para vir podem ser visíveis aqui e lá. Estou particularmente impressionado pela revolta dos camponeses mais pobres no estado mais pobre do México, um país sob um regime que abraçou entusiasticamente o bravo novo mundo da ortodoxia financeira. Os Chiapas não estão prontos para assumir o poder, longe disso. Mas abalaram toda a sociedade em suas bases e o México pode nunca mais ser novamente o que era antes de 1 de janeiro de 1994. Coisas semelhantes provavelmente devem ocorrer em outros lugares. Assim espero.
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