21 de junho de 2011

Erradicação da miséria, bons auspícios

Oferecer oportunidades é bem mais caro e trabalhoso que só prover um auxílio monetário que garante o consumo de um pouco mais do mesmo

Lena Lavinas

Folha de S.Paulo

De lema de campanha a desenho de um programa de ação, nem sempre vinga a transmutação quando se trata de política pública.

O diferencial do Plano de Erradicação da Miséria do governo federal, lançado à sombra das disputas políticas da República, é ser corajoso, ambicioso e absolutamente factível. E ainda inovador.

É corajoso por reconhecer que milhões de brasileiros e brasileirinhos, embora elegíveis ao Bolsa Família, estavam à margem do direito a uma renda mínima de subsistência. O processamento do Censo de 2010 ainda não permitiu conhecer o número de famílias que, vivendo abaixo da linha de R$ 70 mensais per capita, não recebe nenhum benefício, não tendo direitos elementares assegurados.

Pelos dados da Pnad 2009, um terço dos arranjos familiares considerados indigentes não era alcançado pelo programa, algo como 3 a 4 milhões de pessoas.

É corajoso revelar com transparência que um dos grandes trunfos de um governo avaliado de forma tão positiva como o governo Lula necessitava de reparos importantes para superar ineficiências horizontais, que geram iniquidades entre os mais necessitados.

É ambicioso por afirmar que a intersetorialidade é a mola mestra da política social e por ter como meta implementá-la de fato. Deixa para trás os controles tão pouco efetivos à frequência escolar e às visitas aos postos de saúde que o Bolsa Família mantém para promover a aquisição de dotações, que são a fragilidade maior de quem é pobre.

Renda é indispensável em uma economia de mercado -e as externalidades positivas dessa política tornaram-se incontestes aos olhos dos mais reticentes na crise de 2008/2009. Porém, como nos ensinou Amartya Sen, é igualmente necessário ser capaz de transformar renda em bem-estar, dotações básicas em meios de vida.

Não se convertem automaticamente bens primários como educação elementar ou outras acessibilidades em capacidades e habilidades para viver autônoma e livremente. O compromisso da nação em assumir o desafio de ampliar essas dotações básicas é o DNA do novo plano. É factível, pois o Brasil conta hoje com institucionalidade, no âmbito do nosso sistema de seguridade social, que garante meios para tornar efetivas tais práticas.

O Suas (Sistema Único de Assistência Social) acaba de ser aprovado no Senado, novamente na total ignorância dos brasileiros, que desconhecem os marcos legais de intervenção de que dispõem para forjar uma sociedade mais justa e igualitária, liberta da miséria.

Mobilizar os Centros de Atendimento da Assistência Social na busca ativa, ampliar e fortalecer o Programa Saúde da Família, operando na inclusão, criar oportunidades por meio da descoberta de formações ou mesmo apenas em um aprendizado mais constante das letras e dos números para quem nem conseguia perceber as grandes mudanças recentes do país, tamanha sua exclusão, é pouco e ao mesmo tempo um gigantesco desafio.

Tornar melhores e operacionais nossas próprias estruturas de intervenção, valorizando os servidores na sua prática cotidiana territorializada, é uma grande transformação, desta feita salutar.

Finalmente, é inovador porque consegue levar em consideração a realidade de cada rincão deste país na articulação de necessidades e oportunidades. Não é tarefa fácil, toma tempo, energia e não vai custar tão barato como se apregoa.

Oferecer oportunidades é muito mais caro e trabalhoso do que apenas prover um auxílio monetário que garante consumir um pouco mais do mesmo. Trata-se agora de prover aquilo cuja ausência e o não acesso são o alimento da miséria.

Seria uma lástima se nós, brasileiros, mais uma vez, desconhecêssemos o que está em curso. Afinal, quem não se orgulha de pensar que seremos finalmente um país rico se formos verdadeiramente um país sem miséria?

Sobre a autora


Lena Lavinas, doutora em economia, é professora associada do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

1 de junho de 2011

O modelo espanhol

Catapultada de um status atrasado para a modernidade financeirizada, a Espanha é agora a última fronteira da crise da zona do euro. Surgimento da bolha econômica ibérica, distorções de seu padrão de crescimento — e erupção de protestos contra uma classe política complacente.

Isidro López e Emmanuel Rodríguez


NLR 69 • MAY/JUNE 2011

Tradução / Antes da débacle de 2008, a economia espanhola era vista com grande admiração pelos comentadores ocidentais.[1] Segundo as metáforas pitorescas da imprensa financeira, o touro espanhol teve um desempenho muito melhor nos anos 1990 e no início dos anos 2000 do que os leões deprimidos da "velha Europa". Entre 1995 e 2005, 7 milhões de empregos foram criados e a economia cresceu a uma taxa de cerca de 4% ao ano. Entre 1995 e 2007, a riqueza nominal das famílias triplicou. A especialização histórica da Espanha nos setores imobiliário e de turismo parecia perfeitamente adequada à era da globalização, que, por sua vez, parecia sorrir para o país. A construção civil expandiu-se rapidamente seguindo a elevação acelerada dos preços dos imóveis, que cresceram 220% entre 1997 e 2007, enquanto o estoque imobiliário expandiu-se 30%, ou 7 milhões de unidades. A sensação de ser apenas o maior país da periferia do continente foi dissipada por uma nova imagem de modernidade, que não só alcançou, mas de certo modo ultrapassou, as expectativas europeias normais - pelo menos quando o dinamismo espanhol era comparado à rigidez das economias do centro da zona do euro. Some-se a isso o retorno ao poder, em 2004, do Partido Socialista, sob a liderança do jovem José Luis Rodríguez Zapatero, e o efeito de leis fundamentalmente "modernizadoras", como aquela a respeito do casamento entre pessoas do mesmo sexo, e a mistura adquire o buquê de um vinho tinto jovem: extremamente robusto no palato.

Em contraste, a crise financeira deu ao país uma imagem completamente diferente de si mesmo, cujos efeitos para a Europa ainda precisam ser calculados. A Espanha esteve por diversas vezes à beira de ser classificada como uma das economias da zona do euro que necessitará em algum momento de socorro financeiro, seguindo Grécia, Irlanda e Portugal. Seu setor de construção civil, que em 2007 representou cerca de um décimo do Produto Interno Bruto (PIB) do país, implodiu, deixando um estoque excessivo de casas não comercializadas maior do que o da Irlanda e o setor semipúblico de poupança e crédito [savings-and-loans] inundado de dívidas. Os efeitos do colapso do mercado imobiliário reverberaram em toda a economia: o desemprego está acima de 20%, e mais do que o dobro dessa taxa entre pessoas com menos de 25 anos. Uma recessão profunda foi combinada a medidas de austeridade draconianas, cujo objetivo, supostamente, é reduzir o déficit dos atuais 10% do pib para 3% até 2013. As sequelas políticas da crise estão colocando uma pressão adicional sobre as estruturas governamentais decentralizadas da Espanha, onde dezessete Comunidades Autônomas (CA) administram um percentual elevado do gasto público: na Catalunha e em outras regiões, os orçamentos das ca também estão incorrendo em déficits. A prostração do touro espanhol também tem implicações para toda a zona do euro. Com mais de 45 milhões de habitantes, a população da Espanha é quase o dobro das populações de Grécia, Irlanda e Portugal somadas. Sua economia é a quarta maior da zona do euro, com um pib de 1,4 bilhão de dólares, comparado a 305 bilhões da Grécia, 204 bilhões da Irlanda e 229 bilhões de Portugal. A escala de uma ajuda financeira para a Espanha, no caso de Madri enfrentar dificuldades para refinanciar suas dívidas, provavelmente aniquilaria as táticas atuais da zona do euro para lidar com sua periferia endividada - os mesmos empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Central Europeu (BCE), sob duras condições, oferecidos a Grécia, Irlanda e Portugal com o objetivo de sustentá-los temporariamente, ao mesmo tempo que diminuem a exposição de grandes bancos alemães, franceses e ingleses. Até então, a aposta tem sido que, após uma dose de austeridade e reformas do mercado de trabalho, o modelo espanhol anterior à crise pode ser ressuscitado ainda mais enxuto e saudável. Seria esse um plano viável?

Arquitetos falangistas

A genealogia do modelo macroeconômico espanhol é complexa, irônica até. Suas origens remontam ao programa de modernização levado a cabo pela ditadura de Francisco Franco a partir do final dos anos 1950, que se fundamentava no desenvolvimento de um mercado de turismo de massa para o norte da Europa e na expansão radical da propriedade imobiliária. Essa "solução" para a eterna fragilidade competitiva da indústria espanhola foi uma anomalia notável no contexto de crescimento industrial que caracterizou o boom do pós-guerra no restante da Europa. Mas, conforme afirmou em 1957 o ministro da Habitação de Franco, o falangista José Luis Arrese: "Queremos um país de proprietários, não de proletários". Esse tatcherismo avant la lettre transformou o mercado imobiliário espanhol: nos anos 1950, o aluguel habitacional ainda era regra; em 1970, a propriedade imobiliária privada era responsável por 60% das moradias, dez pontos percentuais acima do nível do Reino Unido (Gráfico 1).


O legado da ditadura de Franco e a enorme debilidade da estrutura industrial do país não eram promissores, em um cenário de crescente competição nos mercados internacionais. A recessão iniciada em 1973 foi mais severa na Espanha do que na maior parte dos países europeus, sobrepondo-se à transição política que se seguiu à morte de Franco, em 1975. Mas o advento da democracia parlamentar não alterou a política macroeconômica. O Partido Socialista Obrero Español (PSOE), continuamente no poder entre 1982 e 1996, durante a presidência de Felipe González, não tinha modelo alternativo a propor. De fato, a estratégia para reativar a economia nos anos 1980 baseou-se no aprofundamento das "especializações" já existentes em turismo, no setor imobiliário e na construção civil, "vantagens competitivas" bem adaptadas às novas propostas da economia global ascendente: elevada mobilidade de capital e crescente competição pelas rendas financeiras.

Essa aposta foi efetivamente sancionada pelas outras potências europeias nas negociações que precederam a entrada da Espanha na Comunidade Econômica Europeia (CEE). Nesses acordos, que de fato constituíram uma agenda estratégica para o país, o governo González aceitou a desindustrialização parcial da economia em troca de subsídios extremamente generosos, que seriam responsáveis por 1%, em média, do PIU anual da Espanha entre 1986 e 2004. Conforme veremos, esses recursos desempenhariam um papel crucial na construção da infraestrutura (transporte, energia etc.) subjacente ao boom posterior da construção civil, a qual consumiu mais da metade do total dos subsídios. O período imediatamente anterior à integração à Comunidade Europeia, em 1º de janeiro de 1986, assistiu a um frenesi de investimentos, porque o capital europeu reconheceu a oportunidade aberta pelo ingresso dos países ibéricos na cee. Multinacionais alemãs, francesas e italianas ocuparam posições-chave na estrutura produtiva da Espanha, comprando a maior parte das grandes companhias do setor alimentício e das empresas do setor público que estavam sendo privatizadas, assumindo grande parte do setor dos supermercados e adquirindo o que restava das principais companhias industriais. Apenas os bancos, as empresas da construção civil e os monopólios estatais de eletricidade e telecomunicações permaneceram imunes à fúria de compra de ativos espanhóis.

O resultado dessa onda de investimentos (que gerou o primeiro período de crescimento contínuo desde 1973) foi um rápido superaquecimento dos mercados. A Bolsa de Valores de Madri assistiu a elevações de 200% entre 1986 e 1989, enquanto o mercado imobiliário da capital tornou-se um dos mais lucrativos do planeta. Paralelamente ao reaganismo nos Estados Unidos e ao thatcherismo na Grã-Bretanha, o ciclo econômico na Espanha sob González, entre 1985 e 1991, foi a primeira tentativa na Europa continental de crescimento por meio de bolhas de ativos financeiros e imobiliários, que teriam um efeito positivo sobre o consumo e a demanda domésticos, sem nenhum apoio significativo de uma expansão industrial.[2] A euforia não durou muito, no entanto. O déficit externo crescente e a ausência de um fundamento sólido para o crescimento acabaram desencadeando ataques especulativos contra a peseta espanhola, cujo valor o governo estava comprometido a manter a qualquer custo. A impressionante campanha publicitária em torno da pompa e cerimônia dos Jogos Olímpicos de Barcelona e da Exposição Universal de Sevilha, em 1992, provou-se incapaz de impedir a quebra dos mercados - seguida, finalmente, de uma série de desvalorizações cambiais agressivas. No começo dos anos 1990, a economia espanhola estava mais uma vez diante do problema de encontrar um caminho para o crescimento.

Impulso europeu

A partir desse momento, no entanto, a política macroeconômica espanhola seria crescentemente determinada em âmbito europeu, estruturada dentro do arcabouço dos critérios de convergência definidos para a união monetária e da doxa neoliberal consolidada no Tratado de Maastricht e em seus substitutos, aos quais tanto os governos do PSOE quanto os do Partido Popular (PP) deram apoio integral. A redução do gasto público, o regime de metas de inflação e a desregulamentação do mercado de trabalho, constantes no Tratado de Maastricht, permitiram a recuperação dos lucros financeiros, mas criaram novos problemas de estímulo da demanda das economias um tanto lentas da Europa. O ritmo da recuperação da economia espanhola após 1995 (acelerando a partir de 1997 para crescer 5% ao ano, em média, entre 1998 e 2000) não pode ser explicado, pois, pela implementação local das recomendações neoliberais. Ele assenta-se, na realidade, na capacidade das novas rodadas de valorização imobiliária e engenharia financeira de resolver, ainda que apenas temporariamente, diversas contradições inerentes à articulação caótica das próprias receitas neoliberais.

Quatro fatores foram decisivos. Primeiro, taxas de juros baixas, visto que o Tratado de Maastricht e o controle dos déficits públicos - assim como as demandas das grandes companhias financeiras, mais interessadas em angariar fregueses para seus novos produtos (tais como fundos de pensão e de investimento) do que em fortalecer as posições dos credores típicos dos anos 1980 - levaram a uma queda contínua do preço do crédito. A Espanha começou então uma longa jornada que a retiraria da condição de ostentar as taxas de juros mais elevadas da Europa para torná-la o país com os níveis mais elevados de endividamento interno do continente. Em segundo lugar, a união monetária e a incorporação definitiva à zona do euro em 1999-2002 garantiram à economia espanhola uma proteção internacional, dotando-a de forte capacidade de compra no estrangeiro e marginalizando a importância de seu déficit externo no contexto do superávit relativo da União Europeia (UE). Em terceiro lugar, a política liberalizante da ue determinou a privatização de empresas estatais em setores estratégicos, como eletricidade e telecomunicações. Enfim, a privatização das empresas estatais equivalentes da América Latina, frequentemente imposta a esses países por pacotes de ajuste do FMI, abriu oportunidades significativas para a internacionalização das principais companhias espanholas. Com a ajuda do poder de compra do euro, a grande bourgeoisie da Espanha tornou-se global, recolonizando os mercados latino-americanos afetados pela crise de 1998-2001 e abocanhando empresas locais a preço de banana. Os dois maiores bancos espanhóis, BBVA e Santander, tornaram-se os maiores da América ibérica, assim como a Telefónica e as empresas de eletricidade de Madri tornaram-se as maiores, em seus respectivos setores, nessa região. Em outras palavras, o arcabouço estabelecido pelo Tratado de Maastricht e pelo euro abriram a porta para o reposicionamento financeiro da economia espanhola dentro da divisão internacional do trabalho e também para aquilo que se tornaria seu elemento central: o ciclo de valorização imobiliária.

De um ponto de vista analítico, os mecanismos que permitiram que a bolha imobiliária se tornasse o motor doméstico da expansão econômica nesse período, removendo os problemas de formação de demanda em um contexto dominado por políticas de austeridade neoliberais, são incompreensíveis para a teoria econômica ortodoxa. O conceito sugestivo "keynesianismo de preço de ativos", emprestado da análise de Robert Brenner sobre a economia dos Estados Unidos entre 1995 e 2006, oferece uma visão mais frutífera.[3] De fato, esse keynesianismo, combinado com mecanismos que associam os valores elevados dos ativos privados ao crescimento da demanda privada interna, permite-nos explicar o relativo sucesso da economia espanhola durante esse período. Sua força motriz encontra-se precisamente nos chamados "efeitos-riqueza" criados pelo crescimento do valor dos ativos financeiros e imobiliários das famílias. Enquanto estes continuavam a aumentar, eles poderiam sustentar um "círculo virtuoso" duplo de aumento da demanda agregada e dos lucros financeiros, sem elevação de salários e gasto público.

Nesse sentido, o caso espanhol pode ser considerado um laboratório internacional. Diferentemente das tentativas anteriores, em outros lugares, de financeirização das poupanças das famílias, a novidade do experimento espanhol foi a escala do modelo, que se baseou desde o princípio na grande disseminação da propriedade imobiliária privada, a qual em 2007 atingiu 87%. Em comparação, nos Estados Unidos e no Reino Unido, o percentual de casas próprias nunca ultrapassou 70%. Além disso, cerca de 7 milhões de famílias espanholas (os 35% da população que são a "verdadeira" classe média) detêm duas ou mais casas. A valorização contínua dos preços das casas, crescendo em média 12% ao ano ao longo da década de boom entre 1997 e 2007, e uma expansão do crédito que quebrou recordes sustentaram uma elevação histórica do consumo das famílias que detinham propriedades, as quais, no caso da Espanha, constituíam a vasta maioria da população (Gráfico 2)[4].


Em suma, entre 1997 e 2007, os déficits foram transferidos de forma decisiva do Estado espanhol para as famílias, as quais, nos anos finais do ciclo, tornaram-se demandantes líquidas de financiamento. (Essa posição de poupança negativa, casada com elevado investimento em habitação e infraestrutura, mais uma vez abusa do arcabouço interpretativo da teoria econômica ortodoxa.) Paralelamente a isso, o patrimônio nominal nas mãos das famílias mais do que triplicou na esteira do aumento espetacular dos preços das casas, da expansão do crédito e do rápido crescimento do estoque de habitação.[5] De acordo com o FMI, o "efeito riqueza" espanhol traduziu-se em um aumento médio anual de 7% do consumo privado, entre 2000 e 2007, comparado a 4,9% no Reino Unido, 4% na França, 3,5% na Itália e 1,8% na Alemanha. Enquanto isso, o emprego, estimulado tanto pela construção civil quanto pelo consumo, registrou uma taxa de crescimento acumulada de 36%, maior do que em qualquer outro período histórico e bem acima das taxas dos outros países da UE. E tudo isso no contexto de uma queda de 10% no salário real médio, a ponto de o ingresso de 7 milhões de novos trabalhadores no mercado de trabalho produzir um aumento de apenas 30% na folha salarial total.

A economia espanhola parecia estar se adaptando proveitosamente ao novo contexto da desregulamentação financeira internacional. A relativa estagnação da produtividade ao longo do período entre 1997 e 2007 e a eterna carência de competitividade internacional de sua indústria não eram obstáculos ao crescimento. Pelo contrário, na medida em que a maior parte do desenvolvimento econômico ocorria em setores cujos produtos são não transferíveis, como o mercado imobiliário e os serviços pessoais, produtividade e competitividade tornavam-se variáveis irrelevantes. Pode-se dizer que o sucesso da Espanha estava baseado em uma inversão prática da clássica estratégia schumpeteriana de renda pela inovação. Ao mesmo tempo, a fórmula "crescimento dos lucros sem investimento"[6] (que alguns utilizaram para sintetizar a financeirização das economias centrais) é menos aplicável ao modelo espanhol, no qual aquilo que David Harvey chama de circuito secundário de acumulação desempenha um papel crucial.[7] De fato, o "milagre" espanhol só pode ser compreendido como uma combinação da recuperação dos lucros (e também da demanda) por meio de vias financeiras com o envolvimento generoso de mecanismos de acumulação operando através do ambiente construído e da construção residencial.

Enquanto isso, dentro da zona do euro, o papel da Espanha durante os anos da bolha era fornecer retornos recordes para o capital do norte da Europa, sobretudo da Alemanha, da França e da Grã-Bretanha. Entre 2001 e 2006, capitais estrangeiros investiram uma média de 7 bilhões de dólares por ano nos ativos imobiliários espanhóis, ou o equivalente a quase 1% do pib da Espanha, grande parte em segundas casas ou investimentos de cidadãos britânicos e alemães. Níveis elevados de demanda doméstica, impulsionados pelo keynesianismo de preço de ativos, também garantiam mercados importantes para exportações alemãs. Junto com Itália, Grécia, Portugal e Irlanda, a Espanha enfrentou um déficit crescente de sua balança de pagamentos, atingindo mais de 9% do pib entre 2006 e 2008, a maior parte devido a importações europeias.[8] Eis os efeitos paradoxais da sobrevalorização do euro a partir de 2003, que (enquanto minava a capacidade de exportação da zona do euro para além de suas fronteiras) na realidade garantia o poder de compra interno de seus países periféricos do sul, inclusive da Espanha. Segundo a Eurostat, calculando-se em termos de paridade de poder de compra, a renda per capita da Espanha era maior do que a da Itália, quase igual à da França e apenas 10% menor do que a da Alemanha e a da Grã-Bretanha. Em uma escala minúscula se comparada à circulação monetária entre a China e os Estados Unidos, estabeleceu-se uma simbiose dentro da zona do euro entre os polos superavitário e deficitário do capitalismo europeu. Nesse caso, importações dos países do sul, principalmente provenientes da Alemanha, eram em parte financiadas pela compra de ativos imobiliários e financeiros desses países (especialmente da Espanha) pelo norte. Nesse contexto, não é surpreendente que a percepção generalizada na Espanha era a de que se havia deixado o status periférico para trás, de uma vez por todas. Para as novas gerações, bastava viajar pela Europa para perceber que as diferenças haviam se tornado marginais e que a prosperidade e a modernidade, se é que existiam, podiam ser encontradas tanto no lado espanhol dos Pirineus quanto no outro.

Apoio estatal

A intervenção estatal cumpriu um papel crucial ao lubrificar as diferentes partes do circuito imobiliário para manter uma oferta habitacional que crescia permanentemente. A Ley de Suelo de 1998, mais comumente conhecida como lei "construa em qualquer lugar", acelerou enormemente os procedimentos para obtenção de permissão para construir e disponibilizou uma imensa área para a construção civil. De modo similar, políticas de redução do estoque de habitação pública, de marginalização dos aluguéis e de concessão de isenção tributária para compra de moradia haviam se tornado o centro da política habitacional do governo durante os 25 anos anteriores. Reformas sucessivas do mercado de hipotecas e do arcabouço legal também facilitaram a expansão da securitização, uma área na qual a Espanha está em segundo lugar na Europa, atrás apenas do Reino Unido. O imenso investimento em infraestrutura de transporte, que deu à Espanha proporcionalmente mais quilômetros de rede rodoviária e ferroviária de alta velocidade do que qualquer país europeu, desempenhou um papel importante ao abrir amplas áreas de terra urbanizável que anteriormente não tinham valor real no mercado. Adicione-se a isso uma política ambiental negligente, pouco inclinada a colocar obstáculos no caminho da urbanização, e subsídios para desperdiçar energia e água em empreendimentos imobiliários ineficientes, e fecha-se o círculo, com o Estado garantindo e regulando o funcionamento suave do circuito financeiro-imobiliário.

A dependência do crescimento econômico na bolha dos preços dos ativos imobiliários teve um efeito substancial nas divisões sociogeográficas do país (Gráfico 3). No contexto da estrutura administrativa altamente descentralizada da Espanha, na qual as CA regionais e os governos municipais têm amplas competências sobre desenvolvimento urbano, meio ambiente e transporte, unidades locais operam tipicamente como máquinas de crescimento em competição umas com as outras. De fato, governos locais tornaram-se impulsionadores de suas localidades, os principais anunciantes, tanto para a população quanto para toda a classe dos investidores, dos benefícios milagrosos advindos do crescimento frequentemente mal planejado ou desproporcional. Para ilustrar os inúmeros casos que combinaram inflação irracional dos investimentos com projeções futuras irrealistas, basta mencionar os planos (em andamento) de construir um megacomplexo de cassino, à maneira de Las Vegas, na região árida do interior do vale do Ebro, ou o desenvolvimento de oito superportos, com seus respectivos centros logísticos, em um litoral que tem espaço, no máximo, para duas instalações desse tipo.


Os custos ambientais desse modelo de crescimento são incalculáveis. As consequências da construção em massa de habitações nas regiões turísticas tradicionais (o litoral e os dois arquipélagos, Canárias e Baleares) geraram faixas de tecido urbano contínuo ao longo da costa, com entre dois e cinco quilômetros de largura e estendendo-se continuamente por cem quilômetros ou mais ao longo da costa do Sol e da costa do Alicante. Mesmo em áreas relativamente marginais, a construção de segundas casas e de complexos de turismo verde devastou regiões com grande valor ambiental, como o contraforte dos Pirineus e as cordilheiras do interior. Quanto ao consumo de terra, as chamadas superfícies artificiais expandiram 60% entre 1986 e 2006.[9]

A política da bolha

Os anos do boom serviram também para exacerbar antigas fraturas e desequilíbrios territoriais no sempre complicado quebra-cabeça espanhol. Um elemento da bolha imobiliária foi o escoamento renovado da população para o litoral e as grandes cidades, enquanto quase 75% dos territórios do interior continuam a perder habitantes. Hierarquias urbanas existentes foram reforçadas: Madri, a cidade mais beneficiada pelos anos de crescimento, é agora o centro de uma região metropolitana com mais de 6 milhões de habitantes e tornou-se a terceira maior cidade europeia em termos demográficos e econômicos. Além de ocupar uma posição central no "circuito secundário" da acumulação financeira espanhola, Madri abriga a sede da maioria das grandes multinacionais espanholas que operam na América Latina e na Europa. É uma "cidade global" emergente. Em comparação, a maior parte das outras grandes cidades da Espanha foi relegada a posições secundárias, colocando suas energias em diferentes estratégias de "empreendedorismo urbano", com o objetivo de capturar rendas locacionais do turismo internacional.[10] Barcelona tornou-se o exemplo global dessa estratégia: suas políticas anteriores e posteriores aos Jogos Olímpicos de 1992 foram "exportadas" para a América Latina, em particular, como o grande modelo de regeneração urbana e duplicadas, com resultados contraditórios, em Medellín e Valparaíso. Mas o sucesso relativo de Barcelona nessa área ainda é uma vitória de Pirro, quando considerado em conjunto com seu declínio de longo prazo como o principal centro industrial da Espanha.[11]

Politicamente, o efeito também foi a exacerbação das rivalidades territoriais e a inflamação das reivindicações particularistas de nacionalismos periféricos a respeito de questões como impostos, transporte, configuração regional e água, cuja oferta é escassa em dois terços do país. Ao mesmo tempo, um consenso completo prevaleceu entre os partidos principais acerca dos méritos do modelo econômico espanhol. A classe política local tem exibido historicamente uma complacência extraordinária nessa matéria. O estímulo à elevação dos valores dos imóveis era considerado uma questão de Estado, algo almejado tanto pelos governos do PSOE (1982-1996, 2004 até o presente) quanto pelo governo do PP sob Aznar (1996-2004). Em nível regional, a ca de Andaluzia, governada pelos socialistas, estava tão envolvida na concessão de empréstimos e permissões para construir para as incorporadoras imobiliárias quanto as administrações linha-dura do PP em Múrcia e Valência, ou os grandes empresários nacionalistas catalães do Partido Convergência e União (CIU), na Catalunha. Quando o CIU foi substituído, entre 2003 e 2010, por uma coalizão entre os socialistas e dois partidos menores (a Esquerda Republicana e o ambientalista Iniciativa para a Catalunha - Verdes), as práticas de valorização imobiliária continuaram inalteradas.

Os principais credores hipotecários eram as 45 cajas de ahorros, bancos semipúblicos de poupança e crédito administrados por depositantes, empregados e representantes políticos locais. Conselhos regionais e distritais podiam ganhar importantes receitas pela alteração do zoneamento de áreas não exploradas, permitindo o desenvolvimento urbano, e da venda subsequente da terra para uma incorporadora imobiliária, que pagaria por ela com empréstimo de uma caja administrada pelos mesmos conselheiros ou seus amigos. Com os preços das casas subindo, em média, 12% ao ano, o negócio parecia infalível. A natureza bipartidária do processo era exemplificada em Valência, onde a administração do PP implementou uma legislação extremamente agressiva para expropriar pequenos proprietários de terras, a fim de reunir os grandes terrenos requeridos por uma grande incorporadora. A legislação havia sido esboçada pelo governo federal do PSOE e foi utilizada em várias outras ca governadas pelo PSOE. Corrupção e nepotismo correram soltos: familiares e amigos do PP de Valência e do PSOE da Andaluzia estiveram entre os mais notórios beneficiários.[12]

Mas, se ambos os principais partidos, o PSOE e o PP, estão enredados no modelo de keynesianismo de preço de ativos da Espanha, foi o talante (abordagem, desenvoltura) de José Luis Rodríguez Zapatero que caracterizou especialmente os anos de boom, primeiro, e o crash, depois. A Espanha foi o único país europeu onde as mobilizações de massa contra a invasão norte-americana, britânica e espanhola do Iraque, em 2003, surtiram (tardiamente) algum efeito eleitoral. No ano seguinte, a tentativa de Aznar de culpar o grupo basco eta pelos ataques a bomba islâmicos, de 11 de março, que mataram 192 pessoas na estação ferroviário central de Madri, provocou uma imensa mobilização social, diretamente relacionada àquelas do ano anterior contra a participação da Espanha na Guerra do Iraque e o autoritarismo narcisista do governo Aznar. O resultado foi uma inversão de posição dos dois partidos nas pesquisas de opinião e a vitória devastadora de Zapatero. A mobilização refletiu a ascensão dos setores profissionais que haviam crescido graças à modernização acelerada do país e, especialmente, de uma nova geração, afetada em maior ou menor grau pela insegurança em relação ao emprego e geralmente mais instruída e secular do que seus pais.

A imagem progre[13] da Espanha de Zapatero foi alimentada por políticas como abertura de "diálogo" com os sindicatos, um salário simbólico para as auxiliares de enfermagem, uma lei sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo e gestos iniciais na direção de uma trégua com o eta. Zapatero cumpriu sua promessa de retirar as tropas espanholas do Iraque, mas compensou mandando-as para o Afeganistão. No entanto, ele se desentendeu com o grupo de mídia PRISA (El País, Digital+, Cadena ser), que até então sempre apoiara os socialistas, e ficou dependente do apoio de um novo jornal, Público, e do canal de televisão La Sexta. Desde o começo, o sucesso de Zapatero estava ligado ao uso consciente de estratégias de marketing político. O talante do novo governo era essencialmente cosmético. O gasto social foi muito levemente aumentado, mas não a ponto de pôr em risco os lucros financeiros ou a renda dos executivos super-remunerados das multinacionais sediadas na Espanha. Nenhuma alternativa foi desenvolvida ao modelo de Estado federal embaraçado por tensões entre nacionalismos periféricos e um nacionalismo espanhol centralizador, uma interação que estava se tornando crescentemente preocupante, mas que ainda assim funcionava com relação às máquinas locais de valorização imobiliária. Tampouco houve qualquer tentativa de controlar o mercado imobiliário cada vez mais superaquecido - muito menos de construir um modelo alternativo. Na eleição de 2008, o PSOE ampliou levemente sua parcela dos votos, recebendo 43,6% do total, em comparação com 42,6% em 2004. Mas esse aumento deve ter vindo principalmente do partido de esquerda Izquierda Unida, cuja votação caiu de 5% em 2004 para 3,8% em 2008, enquanto os votos do PP aumentaram de 37,7% em 2004 para 40,1% em 2008.

Inseguranças

Contanto que o crédito fluísse e os preços continuassem a ser sustentados pela bolha, parecia pouco importante que o gasto social fosse extremamente baixo, que os salários tivessem estagnado ou até caído ou que o mercado de trabalho espanhol apresentasse uma das maiores taxas de contratos temporários da Europa. (As taxas de desemprego cronicamente altas da Espanha, entre 8% e 12% na maior parte do início dos anos 2000, na realidade reflete altas taxas de emprego temporário, afetando mais de um terço da força de trabalho, e a alta participação em setores sazonais, como turismo. Em outras palavras, alta rotatividade em empregos incertos, em vez de desemprego estrutural.) Valores ascendentes dos imóveis vieram complementar um sistema previdenciário com financiamento insuficiente como uma garantia para a idade avançada. Jovens, frequentemente forçados a adiar a saída da casa dos pais, podem entretanto esperar se beneficiar do valor crescente das propriedades da família, seja na forma de herança, de investimento familiar ou de ajuda paterna na obtenção de uma hipoteca.

O problema de oferecer assistência, na ausência de provimento público decente, foi facilitado pela chegada à Espanha de um exército gigante (de alguns milhões de pessoas) de trabalhadoras domésticas transnacionais. Essas mulheres, na maior parte sem permissão de residência, assumiram o cuidado das crianças, dos idosos e dos deficientes e cumpriram as tarefas domésticas em milhões de casas da classe média. Em 2010, havia cerca de 6 milhões de estrangeiros na Espanha. A população do país passou, em apenas dez anos, de 39,5 milhões a quase 47 milhões, um salto de mais de 18%. Dos ingressantes, 2,67 milhões são cidadãos da União Europeia, em grande parte dos novos Estados-membros (quase 800 mil apenas da Romênia); 2 milhões da América Latina, principalmente do Equador, da Colômbia e da Bolívia; 1 milhão da África e do Magreb, incluindo 650 mil marroquinos. Que indício melhor do fato de que a Espanha havia deixado para trás o seu status periférico tradicional do que a chegada de sua primeira onda de imigração em massa? Conforme esperado, os imigrantes ocuparam em grande parte os empregos de baixa remuneração da construção civil, da agricultura, dos trabalhos domésticos e também dos serviços sexuais. Um sistema complexo de permissões de residência, cotas de empregos e fronteiras europeias e internas subordinou habilmente esses trabalhadores às necessidades de uma economia em expansão, criando períodos longos, às vezes de uma vida inteira, de exclusão da cidadania, o que os deixava indefesos no mercado de trabalho.[14]

Contudo, à medida que gradualmente estabeleceram a si e a suas famílias a partir do início dos anos 2000, os imigrantes também foram convidados a participar da bonança imobiliária. Junto com os jovens nascidos nos anos 1970 (os baby boomers pós-Franco), eles estimularam e sustentaram os anos finais do ciclo: os subprimes espanhóis consistiram em conceder pelo menos 1 milhão de hipotecas a segmentos vulneráveis da sociedade entre 2003 e 2007. Naturalmente, um aumento disseminado do endividamento foi um dos efeitos colaterais da euforia de ativos da Espanha (a razão entre endividamento e renda disponível cresceu, em 2007, para o nível mais alto entre os países da ocde), embora os riscos estivessem muito concentrados nas famílias com rendas mais baixas e com menos propriedades. Como nos Estados Unidos, a mágica do refinanciamento através do aumento crescente dos preços das casas era considerada proteção suficiente em relação aos riscos de crédito. Diferentemente dos Estados Unidos, no entanto, a lei espanhola não considera o ativo subjacente à hipoteca (isto é, o domicílio) uma garantia suficiente no caso de não pagamento pelo devedor. Isso significa que as garantias dadas aos empréstimos podem incluir as casas dos parentes e dos amigos do devedor hipotecário, o que resultaria em uma reação em cadeia alarmante de reintegrações de posse, após o estouro da bolha imobiliária.

O crash

As incorporadoras imobiliárias foram as primeiras a notar que a bolha estava chegando ao fim. Após atingir quase 900 mil novas casas em 2006 (excedendo a quantia combinada de França, Alemanha e Itália), as vendas começaram a definhar. Empreendimentos litorâneos no Mediterrâneo foram atingidos de forma especialmente severa após o estouro da bolha imobiliária do Reino Unido em meados de 2007, que causou problemas para os proprietários ingleses que haviam adquirido uma segunda residência. Áreas cujo zoneamento havia sido alterado, compradas no auge da bolha com empréstimos das cajas, começaram a ser vistas como mau investimento. No fim de 2008, havia 1 milhão de casas não vendidas no mercado, ao passo que o endividamento das famílias espanholas subira para 84% do pib. Incorporadoras imobiliárias em colapso passaram a desembarcar nas cajas com empréstimos ruins substanciais: em julho de 2008, a construtora Martinsa-Fadesa entrou com pedido de falência por dívidas de mais de 5 bilhões de dólares.

A resposta inicial do governo Zapatero foi tentar fazer a crise passar por um fenômeno global, afetando apenas marginalmente a Espanha, em comparação com a débacle (muito maior) do mercado subprime dos Estados Unidos. No máximo, Madri reconheceu que seria necessário dar alguma ajuda às cajas (em outubro de 2008 comentou-se a possibilidade de um auxílio financeiro de 50 bilhões) e expandir o déficit público no curto prazo, em conjunto com o resto do g20. No entanto, essas previsões logo se revelaram desesperadamente otimistas na medida em que o desemprego dobrou, elevando a taxa de desemprego para quase 20% no fim de 2009. A destruição de empregos não ficou confinada à construção civil, mas afetou também os setores de bens de consumo e de serviços. O círculo virtuoso do keynesianismo de preço de ativos inverteu-se, gerando um grave "efeito pobreza" que, em conjunto com a contração do crédito, reduziu drasticamente o consumo privado. Devido à elevada proporção de trabalhadores com contratos temporários ou de curta duração, as empresas foram capazes de reduzir sua força de trabalho rapidamente e com baixo custo em resposta à queda da demanda, a qual, por sua vez, deprimia-se ainda mais em razão do desemprego crescente, que atingiu mais de 40% entre aqueles com menos de 25 anos. As receitas do governo despencaram, uma vez que o pib contraiu-se 7,7%, entre o seu ponto mais alto e mais baixo, e o superávit fiscal de 2%, de 2006, tornou-se em 2009 um déficit de mais de 11%.

Assim como os demais governos europeus, o governo Zapatero focou-se em uma política de socialização das perdas dos blocos oligárquicos do país. Eles incluíam principalmente as maiores construtoras espanholas, algumas delas (acs, fcc e Ferrovial) empresas globais, que foram generosamente engordadas por mais de 25 anos de grandes orçamentos de infraestrutura e que agora demandavam que seus contratos para obras públicas fossem cumpridos, a qualquer custo. Os grandes bancos privados (Santander e BBVA são os maiores) pareciam estar mais bem provisionados do que alguns de seus concorrentes britânicos e norte-americanos, tendo capturado os depósitos das classes médias da América Latina. De fato, eles iniciaram uma gastança. O Santander, em particular, agregou empresas de construção britânicas e bancos de poupança norte-americanos a seus já extensos interesses na América Latina e na Ásia, criando um behemoth grande demais para quebrar [too big to fail] - e talvez grande demais para ser salvo.

Da sua parte, as cajas seguiram saturadas de dívidas. Estimativas de sua necessidade de capital variavam de 15 bilhões de dólares (segundo o Banco da Espanha) até cerca de 100 bilhões, o que se aproximaria de 10% do pib. Em março de 2009, a Caja Castilla-La Mancha recebeu sozinha a quantia de 9 bilhões de dólares.[15] Em junho de 2009, Zapatero anunciou planos para um fundo de socorro de 99 bilhões de dólares, o frob, e para um programa de fusões que reduziriam as 45 cajas a dezessete. Elas também foram instruídas a aumentar seus níveis de capital principal [core-capital] em 10% até setembro de 2011, o que requereria mais 20 a 50 bilhões de dólares em dinheiro. Além disso, as cajas foram encorajadas, pelo Banco da Espanha, a trocar dívidas das incorporadoras por imóveis e terrenos, avaliados um tanto ficticiamente a um valor 10% menor do que o do pico, a fim de incensar seus balancetes e evitar falência técnica. Assim como na Irlanda, contudo, as perdas tenderam a exceder as estimativas iniciais: em março de 2011, revelações acerca de problemas não antecipados na Caja de Ahorros Mediterráneo, a quarta maior caja da Espanha, sediada em Alicante, travou o plano de fusão em que ela estava envolvida. Após sua elevação recorde, os preços das casas espanholas caíram até há pouco mais de 10% (Gráfico 4).


Em meados de 2009, a pressão no âmbito da ue e, mais especificamente, da zona do euro deslocou-se rapidamente de pacotes de socorro a bancos (o total comprometido deve ter atingido 2,5 trilhões de dólares, na ue como um todo) para medidas de austeridade requeridas pela transferência das perdas do capital financeiro para a contabilidade dos Estados nacionais. A partir do início de 2010, cortes orçamentários, congelamentos salariais e o desmonte dos programas sociais foram introduzidos em um país após o outro. A crise foi vista explicitamente como uma oportunidade para "ajustes estruturais", país por país, seguindo receitas bem conhecidas. O papel das instituições de cúpula da ue na crise não poderia ter sido mais estreitamente ligado aos interesses financeiros. Na sequência dos acontecimentos, as crises das dívidas soberanas, sobretudo os episódios envolvendo Grécia e Irlanda, devem ser vistas como uma enorme oportunidade de negócio para os grandes bancos europeus (alemães, franceses e britânicos), os principais credores dos títulos soberanos dos países europeus. Auxiliados pelas agências de classificação de risco, os anúncios de insolvência ou de fragilidade financeira dos membros deficitários da zona do euro (Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália) permitiram que eles acumulassem lucros enormes baseados em taxas de juros dos títulos de dívida artificialmente ampliadas, em um momento em que os lucros financeiros no setor privado não poderiam voltar a seus níveis pré-crise. A meia-volta de Zapatero Em abril de 2010, à medida que a crise da dívida da Grécia se desdobrava, Zapatero foi submetido a pressões crescentes de Berlim, Bruxelas e do bce para impor medidas de austeridade e uma reestruturação do mercado de trabalho, lançando efetivamente um ataque contra os funcionários públicos que ainda tinham contratos de longo prazo e direitos de negociação salarial. Relutante em investir contra setores cruciais da sua base, mas incapaz de mobilizá-la na direção de qualquer solução alternativa, Zapatero procrastinou. Enfim, em 12 de maio, aparentemente após pressões da Casa Branca de Obama, ele anunciou um programa de austeridade drástico: redução de 5% dos salários do setor público, cortes de pensões e benefícios, cancelamento de projetos de investimento, aumento da idade mínima para a aposentadoria, restrição do direito à negociação salarial, simplificação das demissões. O resultado foi um mergulho imediato nas pesquisas de opinião: partindo de uma disputa apertada com o PPo PSOE passou a ficar sete pontos atrás, e continuou a cair. Os líderes sindicais ficaram espremidos entre a pressão de sua base e o medo de precipitar a queda do governo do PSOE. Uma greve geral em 29 de setembro de 2010 foi o principal foco de oposição social às medidas de Zapatero, mas a liderança sindical evitou que alguns dos setores mais bem organizados participassem, como os trabalhadores do setor de transporte, e deixou de mobilizar a imensa massa de trabalhadores dos serviços e do varejo, com contratos de curta duração. Em seguida, a liderança assinou prontamente um acordo sobre cortes nas pensões e uma elevação da idade mínima para a aposentadoria.A máscara de um republicanismo moderno e progressista caiu na medida em que o governo do partido socialista inequivocamente assumiu o lado do bloco financeiro hegemônico. Seguindo o roteiro que tem caracterizado a fase atual da crise, o encargo extraordinário sobre a emissão de dívida pública espanhola tem levado a medidas alinhadas com as políticas de ajuste estrutural mais ortodoxas. Em última análise, isso significa que o gasto público é submetido ao controle político dos agentes financeiros. O resultado tem sido a deserção de uma grande parte do eleitorado do PSOE, deixando o partido no ponto historicamente mais baixo nas pesquisas. Em 2 de abril de 2011, com o desemprego em ascensão (Gráfico 5) e os socialistas perdendo por dezesseis pontos, Zapatero anunciou que não concorreria como líder do PSOE na eleição geral de março de 2012. As principais pressões para sua renúncia à candidatura vieram de dentro do partido, particularmente de candidatos socialistas às eleições regionais de maio de 2011 que desejavam distanciar-se do seu legado político. O favorito para sucedê-lo é Alfredo Pérez Rubalcaba, um veterano da direita do PSOE, cuja carreira política começou no governo de Felipe González. Rubalcaba é ministro do Interior desde 2006 e notoriamente formulou uma reação ao movimento separatista basco no estilo "guerra ao terror" ainda mais dura do que a do PP. Em decorrência dessa postura de homem forte, ele foi premiado com outros dois cargos importantes no governo Zapatero: vice-presidente e porta-voz do governo. Como representante da velha guarda felipista, Rubalcaba é preferido pelo poderoso grupo de mídia PRISA e pelo seu órgão principal, o jornal El País. A principal candidata da ala zapaterista do PSOE e do grupo Mediapro, a ministra da Defesa Carme Chacón, retirou-se da disputa quando percebeu o rumo que as coisas estavam tomando.


A crise deixou a Espanha face a face com a fragilidade das estruturas econômicas que sustentaram sua longa década de prosperidade, e o PSOE diante das aporias que eram o fundamento de sua política. A engenharia financeira perpetuou a ficção de que uma classe média majoritária, proprietária de suas próprias residências, havia atingido níveis permanentes de prosperidade. O colapso da bolha imobiliária removeu o véu de uma ordem social altamente polarizada, com uma grande proporção dela afundada em dívidas, muitos sem emprego e dependentes de serviços públicos atingidos duplamente por cortes de gastos e privatização. Se somarmos a isso o fato de que os mais afetados são os jovens (enfrentando perspectivas muito piores do que a geração anterior) e os trabalhadores imigrantes, as linhas que projetam o custo da crise nos grupos mais vulneráveis ficam claras. A Espanha sempre foi o mais eurofílico dos Estados-membros da UE. O europeanismo era profundamente associado, na imaginação das pessoas, com a democratização e a modernização do país pós-Franco, e o eleitorado espanhol foi, historicamente, quase completamente acrítico da ue. Agora, essa complacência desapareceu.

Em 15 de maio, na corrida para as eleições regionais do dia 22 daquele mês (e exatamente um ano após Zapatero ter anunciado seus imensos cortes), uma enorme onda de protesto social varreu o país de lado a lado. Dezenas de milhares de jovens foram às ruas protestar e, em seguida, acamparam nas praças centrais de várias cidades espanholas, incluindo a Plaza Catalunya, em Barcelona, e a Puerta del Sol, em Madri: estudantes, trabalhadores, empregados e desempregados demandavam o direito ao espaço público, com uma saudação aos jovens árabes que protestavam na Praça Pérola e na Praça Tahrir. Em Puerta del Sol, a ocupação estabeleceu uma assembleia popular permanente, votando diariamente todas as decisões. Dentre os slogans do movimento de 15 de maio estavam: "Para uma transição para a democracia!", "Não somos mercadorias nas mãos de políticos e bancos", "PPSOE: PSOE e PP, tudo a mesma merda", "Democracia real agora!". O manifesto de 20 de maio, aprovado pela assembleia popular de Puerta del Sol, atacou a corrupção política, o sistema eleitoral de lista fechada (no qual apenas os nomes do partido e de seu líder aparecem na cédula de votação), o poder do bce e do FMI e o caráter injusto da resposta da classe dominante à crise. No momento em que escrevemos, os "acampantes" estavam ocupando a praça havia quase duas semanas - durante as quais o PSOE tomou a maior surra da sua história, perdendo o controle de Barcelona, Sevilha e quatro ca, assim como de várias prefeituras na Andaluzia, seu bastião.[16] Mas, se o PP de Mariano Rajoy tomar o poder nas eleições gerais, que ocorrerão em menos de um ano, ele confrontará as forças do movimento de 15 de maio, os indignados e a "juventude sem futuro": "Sem casa, sem emprego, sem pensão - sem medo!".


As perspectivas para a recuperação econômica da Espanha seguem desanimadoras. A escala da bolha imobiliária; a centralidade do keynesianismo de preço de ativos para o crescimento desde os anos 1990; a profundidade da recessão após estouro da bolha, exacerbada por medidas de austeridade verdadeiramente draconianas; o nível valorizado do euro (devido em parte à política monetária de expansão de liquidez [quantitative easing] empregada pelo banco central dos Estados Unidos), que afeta o turismo de fora da zona do euro; e uma contração do crédito pelo bce: tudo isso sugere que qualquer retorno ao crescimento na Espanha ainda está de fato muito distante. As perspectivas imediatas devem ser, muito provavelmente, maior redução de despesas e, portanto, uma elevação do déficit espanhol. Isso coloca dilemas graves para as tentativas da zona do euro de fingir que a crise é apenas um problema temporário de liquidez que pode ser administrado através da injeção de empréstimos provisórios do bce e do FMI para os países em questão, pelo tempo que for necessário para que voltem a crescer. Na realidade, a crise é dos principais bancos alemães, franceses e britânicos, enormemente expostos ao estouro das bolhas imobiliárias da periferia (Gráfico 6). Em vez de encarar o trauma de uma crise bancária profunda em casa, Berlim, Paris e Londres estão conduzindo o que um banqueiro central descreveu como um esquema Ponzi do setor público, "sustentável apenas na medida em que quantias adicionais de dinheiro estejam disponíveis para continuar o fingimento":

Alguns dos credores originais dos títulos de dívida pública estão sendo pagos com empréstimos oficiais que também financiam os déficits primários remanescentes. Quando se revelar que os países não conseguem cumprir as condições de austeridade e as reformas estruturais que lhes foram impostas e que, por essa razão, não conseguem voltar ao mercado voluntário, esses empréstimos serão rolados e ampliados por membros da zona do euro e organizações internacionais... Governos europeus estão achando mais conveniente atrasar o dia do ajuste de contas e continuar jogando dinheiro nos países periféricos do que encarar a fratura financeira doméstica[17].

O colapso do modelo espanhol ameaça, sob vários ângulos, esse esquema de pirâmide: primeiro, a exposição dos bancos alemães e franceses à Espanha é muito maior do que sua exposição à Grécia e à Irlanda; segundo, a escala do problema das cajas precisa ainda ser compreendida; terceiro, o problema social (uma população que cresceu 18% na última década, na maior parte pela imigração, com aproximadamente um em cada dois membros da geração mais jovem desempregado) é potencialmente mais explosivo, na medida em que os gastos sociais e de assistência encolhem ainda mais, a partir de níveis já baixos se comparados aos da Europa central. Uma crise da dívida espanhola finalmente inviabilizaria a tentativa da Alemanha, da França e do Reino Unido de fazer as populações periféricas socorrerem os bancos afetados, que estão cobrando taxas usurárias, artificialmente infladas, sobre os títulos dos governos, para compensar pela ausência de lucros financeiros no setor privado. Por essa razão, será feito indubitavelmente todo o esforço para evitá-la.

Notas

[1] Este artigo resume as principais conclusões do grupo de pesquisa e ativismo, Madrid Metropolitan Observatory, publicado como Fin de ciclo. Financiarización, territorio y sociedad de propietarios en la onda larga del capitalismo hispano (1959-2010), Madrid 2010. Os autores gostariam de agradecer a Brian Anglo por sua tradução.
[2] Ver José Manuel Naredo, La burbuja inmobiliario-financiera en la coyuntura económica reciente (1985–1995), Madrid 1996.
[3] Robert Brenner. The Economics of Global Turbulence: the advanced capitalist economies from long boom to long downturn, 1945-2005. Londres: Verso, 2006, pp. 293-94, 315-23.
[4] Entre 2003 e 2006, os preços das casas na Espanha subiram a uma espantosa média anual de 30%. Fonte: INE (Instituto Nacional de Estatística).
[5] Ativos imobiliários, que desempenham um papel central nas economias altamente financeirizadas, ainda não são considerados uma prioridade para as estatísticas da contabilidade nacional da maior parte dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). No caso da Espanha, é necessário utilizar estimativas de pesquisadores independentes como José Manuel Naredo, Óscar Carpintero e Carmen Marcos, Patrimonio Inmobiliario y Balance Nacional de la Economía Española 1995-2007, Madrid 2008.
[6] A expressão é utilizada por Michel Husson. Un pur capitalisme. Lausanne: Page Deux, 2008.
[7] Segundo Harvey, quando problemas de sobreacumulação aparecem no processo de acumulação, capitais deslocam-se do "circuito primário de acumulação" (a produção de mais-valia no esquema de reprodução ampliada) para o "circuito secundário de acumulação" (a circulação do capital no ambiente construído). As formas territoriais que esse deslocamento pode assumir vão desde grandes obras públicas até construção de moradias. Harvey, David. The Limits to Capital. Londres: Verso, 1999 [1982], pp. 235-38.
[8] O único país da zona do euro cuja balança de pagamentos oscilou conclusivamente na outra direção foi, claro, a Alemanha, que passou de um déficit moderado no final dos anos 1990 para um superávit equivalente a mais de 7% do PIB em 2007.
[9] Dados do programa Corine (Coordenação de Informação sobre o Ambiente) Land Cover, disponível no site da Agência Europeia do Ambiente.
[10] Ver David Harvey. "From managerialism to entrepreneurialism". Geografiska Annaler, Série B, Human Geography, vol. 71, n. 1, 1989, pp. 3-17.
[11] Esse tipo de propaganda se tornou tão insistente que um dos principais jornais satíricos de Buenos Aires se autodenomina Barcelona. Una solución europea a los problemas de los argentinos - "Barcelona: uma solução europeia para os 'problemas' dos argentinos".
[12] A mania da construção não ficou sem oposição. Em algumas das áreas mais afetadas, grupos ambientalistas, denunciando tanto a espoliação desproporcional da paisagem quanto a corrupção dos funcionários locais envolvidos, conseguiram derrubar governos locais e até administrações de Comunidades Autônomas (Aragão em 2003; Ilhas Baleares em 2007). Entre 2005 e 2007, as principais cidades espanholas foram sacudidas por um ciclo imaginativo de protestos contra o aumento dos preços das casas, mobilizando-se em torno de slogans como V de Vivienda, segundo o modelo "V de Vingança" ("vivienda" é a palavra espanhola para habitação ) e manifestações crescentes de dezenas de milhares de pessoas.
[13] Progre é um diminutivo meio agradável, meio sarcástico de progresista, ou progressivo. Denota o estilo de comunicação e a retórica da esquerda institucional de centro-esquerda de classe média, baseada em um liberalismo social essencialmente acrítico e benfeitor.
[14] Os anos 2000-01 e 2004-05 assistiram a uma série de mobilizações de migrantes indocumentados, incluindo protestos em igrejas e prédios oficiais, bem como greves de trabalhadores migrantes nos distritos agroindustriais do sudeste.
[15] The Economist propôs um valor de "cenário apocalíptico" de € 270 bilhões que, aponta, seria menor do que o déficit dos bancos irlandeses, em relação ao PIB: "Under siege", 13 de janeiro de 2011.
[16] O PSOE obteve apenas 28% dos votos nas eleições regionais de 22 de maio, uma queda de 7 pontos; mas o PP subiu apenas 2 pontos, em 38 por cento. Enquanto isso, o Izquierda Unida obteve 6,3 por cento, acima dos 5,5 em 2007, mas - punido em parte por coligações locais com o PSOE - obtendo apenas 210.000 dos 1,5 milhão de votos que os socialistas haviam perdido.
[17] Mario Blejer, "Europe is running a giant Ponzi scheme", FT, 5 de maio de 2011.

A ascensão da classe trabalhadora e o futuro da revolução chinesa

Em julho de 2009, trabalhadores da estatal Tonghua Steel Company em Jilin, China, organizaram um protesto massivo contra a privatização. Então, no verão de 2010, uma onda de greves varreu as províncias costeiras da China. Esses eventos podem provar ser um ponto de virada histórico. Após décadas de derrota, recuo e silêncio, a classe trabalhadora chinesa está agora ressurgindo como uma nova força social e política.… Como a ascensão da classe trabalhadora chinesa moldará o futuro da China e do mundo? A classe capitalista chinesa conseguirá acomodar o desafio da classe trabalhadora enquanto mantém o sistema capitalista? Ou a ascensão da classe trabalhadora chinesa levará a uma nova revolução socialista chinesa que poderia, por sua vez, abrir caminho para uma revolução socialista global? As respostas a essas perguntas determinarão, em grande medida, o curso da história mundial no século XXI.

Minqi Li

Monthly Review

Volume 63, Issue 02 (June)

Em julho de 2009, trabalhadores da empresa estatal Siderurgia Tonghua, em Jilin, organizaram uma manifestação de massas contra a privatização. Mais tarde, no verão de 2010, uma vaga de greves percorreu as províncias costeiras da China. Pode ser que estes acontecimentos sejam um ponto de inflexão histórico. Após décadas de derrotas, humilhação e silêncio, a classe trabalhadora chinesa está reemergindo como uma nova força social e política.

Como irá a ascensão da classe trabalhadora chinesa definir o futuro da China e do mundo? Conseguirá a classe capitalista chinesa pacificar os desafios da classe trabalhadora ao mesmo tempo que mantém o sistema capitalista? Ou irá a ascensão da classe trabalhadora chinesa levar a uma nova revolução socialista na China que possa, por sua vez, abrir caminho a uma revolução socialista global? A resposta a essas questões irá, em grande medida, determinar o curso da história mundial no século XXI.

A derrota da classe trabalhadora e o triunfo do capitalismo na China

A revolução chinesa de 1949 baseou-se em uma ampla mobilização da esmagadora maioria da população chinesa contra a exploração pelos senhores feudais do país, pelos capitalistas e pelos imperialistas estrangeiros. Apesar de todas suas limitações históricas, a China no período maoísta merece ser classificada como “socialista”, no sentido de que as relações internas de classe na China eram muito mais favoráveis para as classes trabalhadoras proletárias e não-proletárias do que aquelas tipicamente prevalecentes em um Estado capitalista, especialmente no contexto de periferia e semiperiferia. [1]

Apesar das conquistas históricas obtidas com o maoísmo, a China continuou fazendo parte do sistema mundial capitalista e era forçada a operar sob as leis básicas de desenvolvimento do sistema. O excedente econômico era concentrado nas mãos do Estado, que promovia a acumulação do capital e a industrialização. Por sua vez, isso criou as condições materiais favoráveis às novas elites burocrático-tecnocráticas, que exigiam cada vez mais privilégios materiais e poder político. As novas elites encontraram seus representantes políticos no interior do Partido Comunista e se tornaram os “seguidores da via capitalista que detêm autoridade no Partido” (uma frase comum na China).

Mao Tsé-tung e seus camaradas revolucionários tentaram reverter esta tendência para a restauração do capitalismo, apelando diretamente e mobilizando as massas de operários, camponeses e estudantes. Sem experiencia política e pouco esclarecidos, os operários e os camponeses não estavam ainda prontos para exercer diretamente o poder econômico e político. Após a morte de Mao em 1976, os seguidores da via capitalista, liderados por Deng Xiaoping, procederam a um golpe contrarrevolucionário e prenderam os líderes maoístas radicais. Em poucos anos, Deng Xiaoping consolidou seu poder político e a China entrou no caminho para a transição capitalista.

A chamada reforma econômica começou nos campos. As comunas populares foram desmanteladas e a agricultura foi privatizada. Nos anos seguintes, centenas de milhões de camponeses se tornaram trabalhadores “excedentes”, prontos para ser explorados por empresas capitalistas nacionais e estrangeiras.

Nos anos 1990 procedeu-se à privatização massiva. Praticamente todas as pequenas e médias empresas estatais e algumas grandes empresas estatais foram privatizadas. Quase todas elas foram vendidas a preços artificialmente baixos ou simplesmente “dadas”. Entre os beneficiados se incluem funcionários do governo, antigos administradores de empresas estatais, capitalistas privados com boas relações no governo e companhias transnacionais. Na realidade, efetuou-se uma “acumulação primitiva” massiva e formou-se uma nova classe capitalista, baseada no furto massivo de patrimônios estatais ou coletivos. Enquanto isso, dezenas de milhões de trabalhadores dos setores estatal e coletivo foram demitidos e deixados na penúria.

A legitimidade dessa nova classe capitalista foi reconhecida pela liderança do Partido Comunista. No 16º Congresso do Partido (em 2002), o Estatuto do Partido foi revisado. Sob o antigo Estatuto, o Partido Comunista considerava-se como a vanguarda da classe trabalhadora, representando os interesses do proletariado. Sob o novo Estatuto, o Partido Comunista declara-se representante dos interesses tanto das “mais amplas massas populares” quanto das “forças produtivas mais avançadas”. O termo “forças produtivas mais avançadas” é geralmente considerado como um eufemismo para designar a nova classe capitalista.

A ascensão da classe trabalhadora chinesa

Os empregos não agrícolas, enquanto parcela do emprego total, cresceram de 31% em 1980 para 50% em 2000 e cresceram depois ainda mais, chegando a 60% em 2008. [2] De acordo com um relatório elaborado em 2002 pela Academia Chinesa de Ciências Sociais, cerca de 80% da força de trabalho não agrícola era formada por trabalhadores assalariados proletarizados, como trabalhadores industriais, trabalhadores dos serviços, trabalhadores dos escritório, além dos desempregados. [3] Sendo a esmagadora maioria dos trabalhadores não agrícolas constituída por assalariados, que têm de vender a força de trabalho para ganhar a vida, o rápido crescimento do emprego não agrícola revela uma formação massiva da classe trabalhadora proletarizada chinesa.

A rápida acumulação de capital na China teve como base uma implacável exploração de centenas de milhões de trabalhadores chineses. De 1990 até 2005, a parcela do PIB referente à renda do trabalho caiu de 50% para 37%. O salário médio dos trabalhadores chineses corresponde a cerca de 5% do dos E.U.A., 6% da Coreia do Sul e 40% do mexicano. [4]

Desde o início da década de 1980, cerca de 150 milhões de trabalhadores migraram das áreas rurais para as urbanas em busca de emprego. A indústria de exportação chinesa baseia-se em grande parte na exploração destes trabalhadores migrantes. Um estudo das condições de trabalho no Delta do Rio das Pérolas (área que inclui Guangzhou, Shenzhen e Hong Kong) descobriu que cerca de dois terços dos trabalhadores trabalham mais de oito horas por dia e nunca descansam nos finais de semana. Alguns trabalhadores têm de trabalhar sem interrupção durante dezesseis horas. Os administradores capitalistas usam corriqueiramente o castigo corporal como forma de disciplinar os trabalhadores. Cerca de duzentos milhões de trabalhadores chineses trabalham em condições perigosas para a saúde. Na China registam-se anualmente cerca de setecentas mil ocorrências de acidentes de trabalho graves, provocando mais de cem mil mortos. [5]

No Manifesto Comunista Marx e Engels sustentaram que a luta da classe trabalhadora contra o capitalismo percorrera várias fases de desenvolvimento. No primeira, a luta foi levada a cabo por trabalhadores individuais contra os capitalistas que os exploravam diretamente. Com o desenvolvimento da indústria capitalista, o número de proletários aumentou e foram concentrados em grandes massas. A força dos trabalhadores cresceu e começaram a formar associações para combater coletivamente os capitalistas. A mesma lei de desenvolvimento está se verificando na China de hoje. À medida que cada vez mais trabalhadores migrantes se estabelecem nas cidades e se consideram assalariados ao invés de camponeses, está emergindo uma nova geração de trabalhadores proletarizados com uma crescente consciência de classe. Tanto os documentos governamentais oficiais como a grande mídia reconhecem agora a ascensão da “segunda geração de trabalhadores migrantes”.

Segundo a grande mídia chinesa, existem atualmente cerca de cem milhões de trabalhadores da segunda geração de migrantes, nascidos após 1980. Eles foram para as cidades logo após completarem o ensino superior ou o ensino médio. A maior parte destas pessoas não possui experiência na produção agrária. Identificam-se mais com as cidades do que com o campo. Comparada com a “primeira geração”, a segunda geração de trabalhadores migrantes tende a possuir uma educação melhor e maiores expectativas de emprego. Eles exigem melhores condições de vida material e cultural e estão menos dispostos a tolerar condições precárias de trabalho. [6]

Durante o verão de 2010 dezenas de greves atingiram as indústrias automobilísticas, eletrônicas e têxteis chinesas, forçando os capitalistas a aceitarem aumentos salariais. A corrente dominante entre os acadêmicos chineses mostra-se preocupada com a possibilidade da China entrar em um novo período de greves intensas, que levará ao fim da era do trabalho barato na China e ameaçará a estabilidade social. [7]

O próprio desenvolvimento do capitalismo prepara as condições objetivas que favorecem o crescimento das organizações da classe trabalhadora. Após muitos anos de acumulação rápida, começa a se esgotar o maciço exército de reserva de mão-de-obra barata nas áreas rurais da China. Calcula-se que a população total em idade de trabalhar (entre quinze e sessenta e quatro anos de idade) atinja seu pico em 2012, com cerca de 970 milhões, e comece então a declinar gradualmente para cerca de 940 milhões em 2020. E calcula-se que a mais importante faixa etária da força de trabalho (entre dezenove e vinte e dois anos), onde é recrutado o maior número de trabalhadores industriais baratos e não qualificados, decline drasticamente de cerca de cem milhões em 2009 para cerca de cinquenta milhões em 2020. Certamente que este declínio rápido irá favorecer o poder de negociação dos trabalhadores jovens, encorajando-os a desenvolver organizações trabalhistas mais permanentes.

Tanto no Brasil quanto na Coreia do Sul dos anos de 1970 a 1980, quando a parcela de trabalhadores não agrícolas (enquanto estimativa aproximada do grau de proletarização) ultrapassou os 70% o movimento da classe trabalhadora surgiu como uma poderosa força política e social. Algo de semelhante está ocorrendo atualmente no Egito. [8]

Na China a parcela ocupada pelo emprego não agrícola é agora de cerca de 60%. Se persistir a tendência verificada entre 1980 e 2008, com a parcela de empregos não agrícolas aumentando cerca de 1% ao ano, então o emprego não agrícola na China irá passar o limiar crítico de 70% aproximadamente em 2020.

Dado que a classe trabalhadora chinesa está se preparando para emergir como uma poderosa força política e social dentro de uma ou duas décadas, a questão é: que rumo político irá tomar o movimento dos trabalhadores chineses? A atual política oficial do governo chinês é a de construir uma pretensa sociedade harmoniosa com compromissos entre diferentes classes sociais. Facções da elite dominante chinesa reivindicam uma “reforma política” que dilua e desvie os desafios da classe trabalhadora mediante a introdução de uma democracia burguesa de estilo ocidental. [9]

Conseguirá a classe capitalista chinesa acomodar o desafio da classe trabalhadora e ao mesmo tempo manter a ordem econômica e social básica do sistema capitalista? Ou irá o movimento do trabalhador chinês realizar uma ruptura histórica mundial, tomando o caminho do socialismo revolucionário e rompendo com os fundamentos do sistema social existente? A resposta a estas questões depende tanto das condições históricas objetivas quanto das subjetivas.

O legado socialista: a classe trabalhadora do setor estatal

Na época do socialismo maoísta, os trabalhadores chineses atingiram um nível de poder de classe e de dignidade inimaginável para um trabalhador médio de um Estado capitalista (especialmente para os do contexto de periferia e semiperiferia). No entanto, a classe trabalhadora chinesa era jovem e sem experiência política. Após a morte de Mao, a classe trabalhadora foi deixada sem liderança política e sofreu uma derrota catastrófica durante a privatização massiva da década de 1990.

A partir de então, muitos dos antigos trabalhadores do setor estatal (conhecidos na China como “velhos trabalhadores”) têm encetado lutas coletivas contra a privatização e as demissões massivas. Suas lutas têm tido impacto não somente entre os trabalhadores demitidos, mas também entre os que atualmente trabalham em estatais. Isso tem contribuído para o crescimento da consciência de classe juntamente com um grau substancial de consciência socialista num setor específico da classe trabalhadora proletarizada da China – o proletariado do setor estatal.

Nas palavras de um proeminente trabalhador ativista chinês, comparada com a classe trabalhadora de outros Estados capitalistas, a classe trabalhadora chinesa (do setor estatal) desenvolveu uma “consciência de classe relativamente completa”, baseada na sua experiência histórica única de ambos períodos, socialista e capitalista. [10]

Devido a essa experiência histórica, frequentemente as lutas dos trabalhadores do setor estatal chinês não se limitam a reivindicações econômicas imediatas. Muitos trabalhadores ativistas entendem que sua presente condição não resulta apenas da exploração por capitalistas individuais, mas também, em um nível mais fundamental, da derrota histórica da classe trabalhadora em uma grande guerra de classes que levou ao triunfo (temporário) do capitalismo sobre o socialismo.

Um líder dos trabalhadores demitidos observou que sob o socialismo “os trabalhadores eram os senhores da fábrica, os trabalhadores eram irmãos e irmãs em uma mesma classe e demissões massivas teriam sido impossíveis; mas, após a privatização, os trabalhadores foram reduzidos a ‘assalariados’, já não são eles os senhores e é esta a verdadeira razão das demissões.” Segundo este líder, as lutas dos trabalhadores não se devem limitar a casos individuais nem se dar por satisfeitas com a obtenção de reivindicações particulares. O “interesse fundamental” dos trabalhadores reside na restauração da “propriedade pública dos meios de produção.” [11]

Muitos dos atuais trabalhadores agora empregados no setor estatal são filhos dos “velhos trabalhadores”; ou adquiriram experiência trabalhando junto com eles; ou vivem nos mesmos bairros operários. Portanto, os atuais trabalhadores empregados no setor estatal foram influenciados pelas lutas dos mais velhos e por suas experiências políticas. Isto foi ilustrado pelos trabalhadores da Siderurgia Tonghua na sua luta contra a privatização em 2009.

A Siderurgia Tonghua era uma fábrica de aço estatal, situada em Tonghua, na província de Jilin (região nordeste da China). Em 2005 a Siderurgia Tonghua foi privatizada. Os ativos pertencentes ao Estado, que chegaram a ser avaliados em 10 bilhões [milhares de milhões] de yuans, foram avaliados em apenas 2 bilhões de yuans. A Jianlong, uma poderosa companhia privada que possui boas relações com altos funcionários de Pequim, na realidade pagou só 800 milhões de yuans e ficou com a companhia. Depois desta aquisição, 24 mil dos 36 mil trabalhadores foram demitidos. Os salários dos trabalhadores com insalubridade (com altos índices de acidentes de trabalho) foram reduzidos em dois terços. Os administradores passaram a impor aos trabalhadores várias penalidades arbitrárias e punições.

Em 2007 os trabalhadores da Siderurgia Tonghua começaram os protestos. Durante esses protestos, um trabalhador da era maoísta, “Mestre Wu”, afirmou-se como líder. Wu deixou claro para os trabalhadores que a verdadeira questão não era acerca de nenhum problema particular, mas sim “a linha política de privatizações”.

Em julho de 2009 os trabalhadores realizaram uma greve geral. Quando o administrador geral de Jianlong ameaçou demitir todos, os trabalhadores furiosos espancaram-no até à morte. Embora o governador da província e milhares de policiais armados estivessem presentes, ninguém ousou intervir. Após o linchamento, a província de Jilin foi forçada a cancelar o plano de privatização.

A vitória na Siderurgia Tonghua foi uma grande inspiração para os trabalhadores de muitos lugares da China. Os trabalhadores de várias outras siderurgias protestaram também e forçaram os governos locais a cancelar os planos de privatização. Trabalhadores ativistas de outras províncias consideraram a vitória em Tonghua como a sua própria e lamentaram que “muito poucos capitalistas tenham sido mortos”. [12]

Após anos de privatização massiva, a parcela do setor estatal no valor da produção industrial chinesa ficou reduzida a menos de 30%. Apesar disso, o setor estatal continua a dominar vários setores chave da indústria. Em 2008 as empresas estatais e detidas pelo Estado representavam 59% do valor da produção na extração e limpeza de carvão, 96% na extração de petróleo e gás natural, 72% no processamento e no refinamento de petróleo e 42% na fundição e prensagem de metais ferrosos (ferro e aço), 45% na manufatura de equipamentos de transporte e 92% na produção e abastecimento de energia elétrica. [13] [Ver aqui a lista das 500 maiores companhias chinesas em 2010. N. do T.]

Apesar de agora os trabalhadores do setor estatal representarem apenas cerca de 20% dos empregados do setor industrial, seu número bruto é de cerca de 20 milhões e estão concentrados nos setores energéticos e da indústria pesada, que têm uma importância estratégica para a economia capitalista chinesa. Num futuro surto de lutas da classe trabalhadora chinesa, os trabalhadores do setor estatal, através de seu controle dos setores chaves da indústria, poderão exercer um poder econômico e político desproporcionadamente elevado.

Acima de tudo, os trabalhadores do setor estatal chinês podem se beneficiar com sua experiência política e histórica únicas. Com a ajuda de intelectuais revolucionários socialistas, eles podem emergir como liderança de toda a classe trabalhadora chinesa e dar aos futuros movimentos uma clara orientação revolucionária socialista.

A ilegitimidade da riqueza capitalista chinesa

Após três décadas de transição para o capitalismo, a China foi deixou de ser um dos países economicamente mais igualitários e transformou-se num dos países com maiores desigualdades. De acordo com o Banco Mundial, em 2005, os 10% de famílias mais ricas possuíam 31% da renda total da China, enquanto as 10% mais pobres possuíam apenas 2% da renda total. [14]

A desigualdade de fortunas é ainda mais escandalosa. De acordo com o ““World Wealth Report” de 2006, os 0.4% de famílias mais ricas controlam 70% da riqueza nacional da China. Em 2006 existiam cerca de 3.200 pessoas cujos bens particulares atingiam um valor superior a 100 milhões de yuans (equivalentes a cerca de 15 milhões de dólares norte-americanos). Destes 3.200, cerca de 2.900, ou seja, 90%, são filhos de funcionários superiores do governo ou do Partido. A sua fortuna conjunta é estimadas em 20 trilhões [biliões] de yuans – correspondentes aproximadamente ao PIB chinês em 2006. [15]

Devido às origens da classe capitalista chinesa, uma grande parte da sua riqueza resultou do saque dos bens estatais e coletivos acumulados na era socialista. A generalidade da população considera habitualmente essa riqueza como ilegítima. Segundo uma estimativa, durante o processo de privatização e liberalização do mercado, bens estatais e coletivos num montante de cerca de 30 trilhões [biliões] de yuans foram transferidos para capitalistas que beneficiavam de ligações íntimas com o governo. [16] Um relatório recente descobriu que em 2008 a chamada “renda cinza” [a “renda cinza” é a parte da renda da população urbana que escapa ao controle e fiscalização do Estado. Nota do Passa Palavra] totalizou 5.4 trilhões de yuans, equivalentes a 18% do PIB da China. Os autores do relatório consideram que a maior parte da “renda cinza” resulta de corrupção e roubo dos ativos públicos. [17]

Diz-se que Wen Jiabao, primeiro-ministro chinês, é um dos primeiros-ministros mais ricos do mundo. Seu filho é o proprietário da maior empresa de capital privado. Sua esposa está à frente da indústria de joias chinesa. Calcula-se que a família Wen tenha acumulado uma fortuna de 30 bilhões [milhares de milhões] de yuans (cerca de 4,3 bilhões de dólares americanos). Calcula-se que Jiang Zemin (ex-presidente e secretário-geral do Partido) possua uma fortuna de 7 bilhões de yuans e que Zhu Rongji (ex-primeiro-ministro) possua 5 bilhões de yuans. [18]

A corrupção disseminada por todo o lado não só prejudicou seriamente a legitimidade do capitalismo chinês, mas também prejudicou a capacidade da classe dominante para agir segundo o seu próprio interesse de classe. Sun Liping, um proeminente sociólogo acadêmico, observou recentemente que “a sociedade chinesa está se deteriorando em ritmo acelerado”. De acordo com Sun, os membros das elites dominantes da China estão sendo guiados exclusivamente por seus interesses pessoais a curto prazo, o que significa que ninguém se preocupa com os interesses a longo prazo do capitalismo chinês. A corrupção está “fora de controle” e se tornou “ingovernável”. [19]

A proletarização da pequena burguesia

Nas décadas de 1980 e 90, a pequena burguesia (trabalhadores especializados e técnicos) constituiu uma base social importante da política pró-capitalista de “reforma e abertura”. No entanto, o rápido crescimento atual da desigualdade capitalista levou não só ao empobrecimento de centenas de milhões de trabalhadores, mas também destruiu os “sonhos de classe média” de muitas pessoas da pequena burguesia.

Segundo as estatísticas oficiais, cerca de um quarto dos chineses que concluíram a faculdade em 2010 estão desempregados. Dos estudantes que se graduaram no ano anterior, cerca de 15% continuam desempregados. Quanto aos possuidores de graduação universitária considerados “empregados”, frequentemente têm de aceitar salários que não são superiores aos da mão-de-obra migrante não qualificada. Cerca de um milhão de graduados (em comparação com a atual graduação anual de cerca de seis milhões) são conhecidos como “tribos de formigas”. Ou seja, vivem em condições similares a favelas nas periferias das grande cidades chinesas. [20] O aumento dos custos de moradia, saúde e educação tem comprometido ainda mais o estatuto econômico e social da pequena burguesia chinesa existente ou potencial, obrigando-a a deixar de aspirar aos padrões de vida de “classe média”.

Um licenciado universitário colocou na Internet o que pensava de sua “vida miserável”. [21] Depois de anos de trabalho, percebeu que não pode comprar um apartamento ou casar e ter um filho. O jovem pergunta a si mesmo:

Por que eu preciso ter uma namorada? Por que eu preciso ter um filho? Por que eu preciso me importar com meus pais? Vamos mudar nossa maneira de pensar. Se não nos importarmos com nossos pais, não nos casarmos, não tivermos filhos, não precisarmos comprar apartamento, não precisarmos pegar ônibus, nunca ficarmos doentes, nunca nos formos divertir, nunca comprarmos uma refeição, descobriremos o segredo da vida feliz! A sociedade está nos deixando loucos. Não podemos satisfazer as simples necessidades básicas. Será que estamos errados? Queremos apenas sobreviver. [22]

À medida que cada vez mais pessoas da pequena burguesia sofrem a proletarização das suas condições econômicas e sociais, um número crescente de jovens tem se radicalizado politicamente.

Na década de 1990, a esquerda política praticamente não existia na China. Mas durante a primeira década deste século a esquerda chinesa aumentou muito. Três sites de esquerda, Wu You Zhi Xiang (A Utopia), Bandeira de Mao Tsé-tung e Rede dos Trabalhadores Chineses, adquiriram uma influência nacional. Alguns sites que seguem a linha dominante, como o Fórum de Fortalecimento do País, um site noticioso ligado ao jornal oficial do Partido, Diário do Povo, têm sido dominado por postagens de tendência política esquerdista.

Nos dias 9 de setembro e 26 de dezembro de 2010 trabalhadores de centenas de cidades e estudantes de cerca de oitenta universidades e instituições de ensino superior em toda a China organizaram encontros de massa espontâneos para celebrar Mao Tsé-tung, muitas vezes enfrentando a oposição e a repressão dos governos locais. No Ano Novo chinês de 2011 (9 de fevereiro), aproximadamente setecentas mil pessoas visitaram e homenagearam a localidade onde Mao nasceu, Shaoshan, na província de Hunan. [23] Dado o atual contexto político da China, celebrações espontâneas de Mao Tsé-tung converteram-se, na prática, em protestos anticapitalistas de massa.

O limite do capital é o próprio capital

O modelo chinês de acumulação de capital tem se baseado em um conjunto de fatores históricos particulares: a exploração desumana de uma enorme força de trabalho barata; a exploração massiva dos recursos naturais, com a consequente degradação ambiental; e um modelo de crescimento dependente do aumento das exportações para os mercados dos países capitalistas centrais. Nenhum destes fatores é sustentável a longo prazo.

Como as economias estadunidense e europeia lutam contra a estagnação e enfrentam o possível acréscimo das crises no futuro, a China já não pode contar com as exportações como motor de sua expansão econômica. Além do que, é geralmente aceite que os investimentos excessivamente elevados levaram a China a um excesso massivo de capacidades de produção e contribuíram para uma procura insustentável de energia e recursos naturais. A queda da taxa de lucro do capital pode acabar por levar ao colapso do investimento e a uma crise econômica grave. Assim, a economia capitalista chinesa necessita de se “reequilibrar” através da promoção do consumo interno. [24] Mas como pode ser alcançado este objetivo sem comprometer os interesses básicos da classe capitalista chinesa?

Atualmente, o consumo familiar representa cerca de 40% do PIB da China, o consumo governamental representa cerca de 10%, o superávit comercial representa 5% e os investimentos representam cerca de 45%. Os salários dos trabalhadores e a renda dos camponeses somam cerca de 40% do PIB. Assim, a renda da classe trabalhadora corresponde aproximadamente ao consumo familiar total. [25] Se o investimento governamental for considerado como fazendo parte do lucro bruto capitalista, então o lucro bruto capitalista (que é igual ao PIB, menos os salários e o consumo do governo) é aproximadamente 50% do PIB. Subtraída a depreciação do capital fixo, o lucro capitalista líquido representa aproximadamente 35% do PIB. Este lucro capitalista muito elevado (ou taxa de mais-valia muito elevada) é a base político-econômica da rápida acumulação de capital da China.

Ora, suponhamos que a China precise de se reequilibrar em direção a uma economia movida pelo consumo. A Tabela 1 apresenta cenários alternativos de um possível “reequilíbrio” do capitalismo chinês. Cada cenário harmoniza-se com um determinado conjunto de condições necessárias para estabilizar a economia capitalista (com uma taxa de lucro estável e não declinante). Por exemplo, se a taxa de crescimento econômico da China caísse para 7% ao ano, então, para estabilizar a taxa capital/produção, os investimentos precisariam baixar para 36% do PIB (arredondados para 35% na Tabela 1). Considerando que os principais mercados de exportação da China (os Estados Unidos e a União Europeia) provavelmente estagnarão no futuro, enquanto as importações de energia e matérias-primas pela China continuarão a crescer, presume-se que o balanço comercial da China volte ao equilíbrio. De onde se conclui que a soma do consumo familiar (salários) e do consumo governamental precisa de subir para cerca de 65% do PIB. O lucro bruto precisa de descer para 35% do PIB e o lucro líquido, para 20% do PIB. [26]

Tabela 1. Cenários alternativos do reequilíbrio da economia chinesa

(*) Assume-se que a taxa de depreciação seja de 5%. Assim, se a taxa capital/produção for 3/1, a depreciação será equivalente a 15% do PIB.

Portanto, neste exemplo, é necessário redistribuir cerca de 15% do PIB do lucro dos capitalistas para o salário dos trabalhadores ou despesas sociais. Como poderá ser realizada uma redistribuição de tamanhas proporções, mesmo em condições políticas ideais? Que setor da classe capitalista irá sacrificar seus interesses próprios em prol dos interesses coletivos da classe? Dada a natureza corrupta e ilegítima da riqueza capitalista chinesa, surge também a questão de saber como pode ser implementado o interesse coletivo da classe capitalista, mesmo se as lideranças do Partido Comunista decidirem promover o interesse coletivo capitalista. Por definição, os rendimentos e as fortunas de origem corrupta não estão sujeitas a tributação.

Em um aspecto o contexto histórico atual é fundamentalmente diferente de qualquer momento anterior na história capitalista. Após séculos de uma acumulação capitalista implacável, o sistema ecológico global está à beira do colapso e a crescente crise ecológica global ameaça destruir a civilização humana no século XXI. Sendo a maior consumidora mundial de energia e a maior emissora de dióxido de carbono, a China está agora precisamente no centro das contradições ecológicas globais.

A China usa o carvão para cerca de 75% de seu consumo energético. De 1979 até 2009, o consumo de carvão na China cresceu a uma taxa anual de 5,3% e a economia chinesa cresceu a uma taxa anual de 10% (mas na última década, de 1999 a 2009, o consumo de carvão na China acelerou-se para 8,9% por ano). Usando generosamente um cálculo pouco sofisticado, calcula-se que a futura taxa de crescimento econômico da China seja equivalente à taxa de crescimento da futura produção de carvão acrescida de mais 5%. [27] Segundo fontes governamentais chinesas, o país tem reservas de carvão de cerca de 190 bilhões [milhares de milhões] de toneladas métricas. O Quadro 1 compara a produção histórica de carvão na China com sua produção futura projetada, admitindo que o carvão recuperável remanescente seja idêntico à reserva oficial. [28]

Quadro 1. Produção de carvão chinesa (histórica e projetada, em milhões de toneladas métricas, 1950-2050)

Fonte: A informação sobre a produção histórica de carvão da China é de Dave Rutledge, “Hubbert’s Peal, the Coal Question, and Climate Change”, The Excel Workbook (2007), http://rutledge.caltech.edu ; os dados foram atualizados de acordo com BP, Statistical Review of World Energy, http://bp.com ; as projeções futuras baseiam-se em cálculos do autor.

Segundo as projeções, a produção de carvão chinesa atingirá o pico em 2026 com um nível de produção de 4,7 bilhões [milhares de milhões] de toneladas métricas. Calcula-se que a taxa de crescimento da produção de carvão decline para 3,5% em 2009-2020; 0,4% em 2020-2030; -2,5% em 2030-2040; e -4,8% em 2040-2050. Isto implica que a taxa de crescimento econômico deverá ser de 8,5% na década de 2010; 5,5% na de 2020; 2,5% na de 2030; e 0% na de 2040.

Assim, na década de 2020 a economia capitalista chinesa precisá de realizar uma redistribuição de renda no montante de 20% do PIB, dos lucros líquidos para os salários, se quiser manter uma economia capitalista estável (ver Tabela 1). Na década de 2030 o lucro líquido capitalista terá de cair abaixo de 10% do PIB e em seguida não há praticamente mais espaço para a redistribuição de renda.

A crise energética iminente é apenas uma entre as muitas contradições ecológicas que a China enfrenta. Segundo Charting Our Water Future (Traçando o Futuro de Nossa Água), calcula-se que a China tenha um déficit de água de 25% até 2030, já que o aumento das necessidades da agricultura, da indústria e das cidades sobrecarregará os limitados recursos hídricos. [29] Se não se puser fim à atual tendência de erosão do solo na China, o país poderá sofrer um déficit alimentar de 14% a 18% em 2030-2050. Como resultado das mudanças climáticas e do declínio da disponibilidade de recursos hídricos, a produção chinesa de cereais pode cair entre 9% e 18% na década de 2040. [30]

A vitória do proletariado?

A humanidade está agora em uma encruzilhada crítica. O prosseguimento do sistema capitalista mundial provocará não só o empobrecimento definitivo de bilhões [milhares de milhões] de pessoas, mas é praticamente certo que leve também à destruição da civilização humana. Isto confere urgência a uma questão histórica mundial: com que força poderá a humanidade contar para prosseguir a revolução global do século XXI e, portanto, o socialismo e a sustentabilidade ecológica?

Marx esperava que o proletariado desempenhasse o papel de coveiro do capitalismo. No atual curso da história mundial, as classes capitalistas ocidentais conseguiram responder aos desafios das classes trabalhadoras através de reformas sociais limitadas. As classes capitalistas do centro chegaram a este compromisso temporário sobre a base da superexploração das classes trabalhadoras da periferia e da exploração massiva dos recursos naturais e ambientais do mundo. Ambas estas condições, por agora, chegaram ao fim. Na próxima década ou nas duas próximas décadas, as classes trabalhadoras proletarizadas podem, pela primeira vez, se tornar a maioria da população mundial. Com a proletarização massiva da Ásia, as condições históricas mundiais estão se aproximando daquilo que, de acordo com Marx, irá levar à vitória do proletariado e à queda da burguesia.

Sendo a maior produtora manufatureira e consumidora enérgica, a China está cada vez mais no centro das contradições do capitalismo. A análise acima sugere que provavelmente, após o ano de 2020, as crises econômica, política, social e ambiental convergirão na China.

Dado o legado da revolução chinesa, é possível que as condições históricas subjetivas na China favoreçam uma solução revolucionária socialista para suas contradições. A classe trabalhadora do setor estatal, que é influenciada por uma consciência socialista, pode potencialmente se apoderar dos setores chave da economia chinesa e desempenhar um papel dirigente na próxima luta revolucionária. Pode ser formada uma ampla aliança de classes revolucionária entre os trabalhadores do setor estatal, os trabalhadores imigrantes e a pequena burguesia proletarizada.

Devido à posição central da China no sistema capitalista global, é impossível exagerar o significado de uma revolução socialista vitoriosa na China. Ela iria quebrar todas as cadeias de commodities do capitalismo global. Isto iria modificar decisivamente a balança global de poder em favor do proletariado mundial. Iria abrir o caminho da revolução socialista global do século XXI e aumentar enormemente a possibilidade de que a próxima crise global seja resolvida de modo a preservar a civilização humana.

A história decidirá se o proletariado da China e do mundo está à altura de suas tarefas revolucionárias.

Notas

Alguns dos links abaixo estão quebrados por terem os sites ficado fora de ar. Para os leitores interessados na obtenção de quaisquer materiais, por favor, contate o autor.

[1] Acerca das contradições de classe sob o regime socialista e o impacto favorável da tigela de arroz generalizada no poder da classe operária, ver Minqi Li, The Rise of China and the Demise of the Capitalist World Economy (Londres: Pluto Press; Nova Iorque: Monthly Review Press, 2008), 50-59.

[2] National Bureau of Statistics, the People’s Republic of China, Statistical Year Book of China 2009, http://stats.gov.cn.

[3] Ver Research Group of the Chinese Academy of Social Sciences, “A Research Report on the Current Structure of Social Strata in China,”, em Social Blue Book 2002: Analyses and Predictions of China’s Social Conditions, org. Ru Xin, Lu Xueyi e Li Peilin (Beijing: Social Sciences Literature Press, 2002), 115-132.

[4] Li, ibid., 89, 108.

[5] Sobre as condições de trabalho na China ver Dale Wen, “China Copes with Globalization,” relatório do International Forum on Globalization (2005), http://ifg.org; Martin Hart-Landsberg, “The Chinese Reform Experience: A Critical Assessment,” Review of Radical Political Economics, publicado on-line antes da publicação impressa, 28 de setembro de 2010.

[6] Para um resumo das descrições da mídia chinesa acerca da “segunda geração de trabalhadores migrantes” ver a entrada Xinshengdai Nongmingong ou “A New Generation of Migrant Workers” pela enciclopédia online Baidu, http://baike.baidu.com.

[7] John Chan, “Honda Rocked by Further Strikes in China,” The World Socialist Website, 10 de junho de 2010, http://wsws.org.

[8] Para as estatísticas sobre os empregos não rurais ver World Bank, World Development Indicators, http://databank.worldbank.org.

[9] Em outubro de 2010 o primeiro-ministro chinês Wen Jiabao pediu por uma “reforma política”, quando foi entrevistado pela rede estadunidense de televisão CNN. Ver Jonathan Fenby, “Political Reform Is China’s Fatal Flaw”, Financial Times, 15 de outubro de 2010.

[10] Zhang Yaozu, “The Evolution and Development of the Working Class Over the Six Decades of New China”, maio de 2010, http://zggr.net.

[11] Zhong Qinan, “The Class Experience of the Chongqing Kangmingsi Workers’ Struggle to Defend Their Proper Rights”, maio de 2010, http://zggr.net.

[12] Pei Haide, “A Study of Two Cases of Struggle by the Urban Traditional Workers”, maio de 2010, http://zggr.net.

[13] National Bureau of Statistics; ibid.

[14] Outro indicador usado correntemente para medir a desigualdade social é o coeficiente de Gini. Se o coeficiente de Gini for igual a 100, indica a desigualdade completa; se for igual a 0, indica igualdade completa. Segundo dados do World Bank, o coeficiente de Gini da China em 2005 foi de 41,5, comparado com 40,8 nos Estados Unidos (em 2000) e 36,8 na Índia (em 2005). Ver World Bank, ibid.

[15] Yuzhi Zhang e Zhongfu Jiang, “The Domestic Governance Countermeasure in Order to Enhance Soft Power of China Communist Party”, International Journal of Business and Management 5, no. 7 (julho de 2010): 170-74, http://ccsenet.org.

[16] Qi Zhongfeng, “Economic Estimations of the Size of Rent-Seeking in the Period of Market Transition”, Commercial Times, 2006 (21), http://cnmoker.org. *

[17] Wang Xiaolu, “Grey Income and National Income Distribution”, agosto dwe 2010, http://view.news.qq.com.

[18] Anônimo, “China’s Top Ten Families”, setembro de 2010, http://hua-yue.net.

[19] Sun Liping, “The Chinese Society Is Decaying at an Accelerating Rate”, fevereiro de 2011, http://hua-yue.net.

[20] Zac Hambides, “China’s Growing Army of Unemployed Graduates”, The World Socialist Website, 4 de outubro de 2010, http://wsws.org.

[21] Um graduado pelo ensino superior pretende ter uma renda anual de 50.000 yuans, após taxas e descontos. Em comparação, em 2008, o salário médio anual, antes de descontados os impostos, dos empregados do setor formal era de cerca de 29.000 yuans. Ver National Bureau of Statistics, ibid.

[22] Anônimo, “A College Graduate’s Perspective: I Can Barely Survive—The Miserable Life with a Monthly Salary of 4,000 Yuan”, Março 2008, http://bbs1.people.com.

[23] Mao Tsé-tung nasceu em 26 de dezembro de 1883, e morreu em 9 de setembro de 1976. Ver Lao Shi, “People Commemorate the 117th Anniversary of Mao Zedong’s Birth Throughout the Country,” fevereiro de 2001, http://wyzxsx.com; Xu Rong e Zuo Yuanyuan, “Mao Zedong‘s Hometown Becomes the Tourists’ Favorite—680,000 People Visited Shaoshan During the New Year,” fevereiro 2011, http://redchinacn.com.

[24] Ver Martin Wolf, “How China Must Change If It Is to Sustain Its Ascent”, Financial Times, 22 de setembro de 2010, 11.

[25] É claro que as famílias da classe trabalhadora poupam uma parte de sua renda. Por outro lado, os capitalistas também consomem. Em um nível macroeconômico, as poupanças da classe trabalhadora são mais ou menos compensadas pelo consumo dos capitalistas.

[26] Para ver por que uma taxa investimento/PIB de 36% é necessária para estabilizar a economia capitalista, considere que se uma taxa de investimento for superior a 36%, então o investimento líquido medido como taxa do PIB será maior do que 21% (após descontada a depreciação). Como a taxa inicial capital/produção é estabelecida em 3/1, se o investimento líquido for superior a 21% do PIB, o estoque [stock] de capital crescerá a mais de 7% (7=21/3), isto é, mais rápido do que o PIB. Isto implica que aumente a taxa capital/produto ou que diminua a taxa de lucro do capital.

[27] Este cálculo grosseiro pressupõe uma melhoria muito rápida de eficiência energética e a substituição do carvão por outras fontes de energia, o que pode não se concretizar. É possível que no futuro a melhoria da eficiência energética e a substituição de fontes de energia sejam um tanto aceleradas. Mas a produção mundial de petróleo atingirá decerto seu máximo em um futuro próximo. Isso reduzirá o consumo petrolífero da China e imporá um limite adicional ao crescimento econômico chinês.

[28] Se o carvão recuperável remanescente na China se revelar significativamente maior do que sua reserva oficial, então as emissões adicionais de dióxido de carbono resultantes da queima do carvão tornarão qualquer estabilização razoável do clima praticamente impossível.

[29] International Finance Corporation, et al., Charting Our Water Future, Executive Summary, 2009, http://mckinsey.com.

[30] Liming Ye, Jun Yang, Ann Verdoodt, Rachid Moussadek e Eric Van Ranst, “China’s Food Security Threatened by Soil Degradation and Biofuels Production,” 1-6 de agosto de 2010, comunicação apresentada no 19º Congresso Mundial de Ciências do Solo, Brisbane, Austrália; The Chinese Academy of Agricultural Sciences, “Impact of Climate Change on Chinese Agriculture,” 2010, http://china-climate-adapt.org.

Minq Li ( minq.li@economics.utah.edu ) leciona Economia na Universidade de Utah, Salt Lake City, desde 2006. Foi prisioneiro político na China de 1990 a 1992. Seu livro, The Rise of China and the Demise of the Capitalist World Economy, foi publicado pela Pluto Press e pela Monthly Review Press em 2009.

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