5 de dezembro de 2011

A ungida

Uma ex-radical política pode liderar o Brasil em seu boom econômico?

Nicholas Lemann


Até o ano passado, Dilma Rousseff nunca havia se candidatado a um cargo público, mas foi escolhida para a presidência por seu carismático antecessor. Ilustração de Philip Burke

Tradução / Perto do final de "Viagens de Gulliver", Lemuel Gulliver passa alguns anos agradáveis na terra dos Houyhnhnms antes de retornar para a Inglaterra. Houyhnhnms são, vocês se lembram, essencialmente cavalos, que são servidos por criaturas semelhantes aos humanos, chamados Yahoos. Gulliver descreve para seus incrédulos anfitriões a situação em sua terra natal, onde os Yahoos governam sobre os Houyhnhnms. Como pode ser isso, eles querem saber, se os Yahoos caminham sem estabilidade sobre dois pés ao invés de firmemente em quatro, tem os dois olhos na frente da cabeça, de maneira que não podem ver o que há em cada lado sem precisar se virar, e precisam vestir roupas, porque seus pés não suportam o chão duro e sua pele não os protege do frio?

Se você está visitando o Brasil vindo dos Estados Unidos ou da Europa Ocidental, é difícil evitar o sentimento de ser um Yahoo na terra dos Houyhnhnms. Até recentemente, o Brasil tem sido um dos países mais rudes (em termos de educação) e economicamente instáveis do mundo. Agora sua economia cresce mais rapidamente que a dos Estados Unidos, e não foi atingido duramente pela Grande Recessão. O intervalo entre ricos e pobres nos EUA vem crescendo alarmantemente, enquanto no Brasil começa a diminuir. Vinte e oito milhões de brasileiros saíram da pobreza extrema na última década, ao mesmo tempo em que a pobreza nos EUA atinge seu maior percentual em anos O Brasil está em paz. Baniu qualquer tentativa de obter armas nucleares. Tem um orçamento equilibrado, dívida pública baixa, nível de emprego quase pleno, e inflação baixa. É, caoticamente, democrático. A imprensa é livre. O Brasil tem um quarto da terra agricultável no mundo. E há cinco anos o que parece ser um dos maiores campos de petróleo do mundo foi descoberto em suas águas. Brasileiros usualmente posicionam-se no topo dos indicadores de otimismo de seus cidadãos quanto ao futuro de seu país.

Segundo as rígidas regras de americanos e europeus desde o colapso do comunismo, nada disso deveria estar acontecendo. E isso não apenas porque o Brasil tem sido comandado por ex-revolucionários que nunca se arrependeram de suas ações, muitos dos quais – a presidente entre eles – ficaram presos durante anos por serem terroristas. O Brasil seguiu caminhos que fomos condicionados a pensar que são imcompatíveis com uma sociedade livre. Assim como os Houyhnhnms governam sobre os Yahoos, no Brasil o Estado controla o mercado. Ninguém fala de oportunidades individuais como o mais sagrado valor de uma sociedade. O governo central é muito mais poderoso e intrusivo do que é nos Estados Unidos; gasta pesadamente num programa extremamente popular que dá dinheiro aos muito pobres – a versão brasileira do programa que o Bill Clinton eliminou em 1996, quanto ele concorreu à eleição. O governo é bem mais corrupto. No Brasil, a criminalidade é alta, as escolas são fracas, as estradas são ruins e os portos mal funcionam. E mesmo assim, situado entre as grandes potências, conseguiu uma tripla proeza: alto crescimento econômico (diferentemente dos EUA e Europa), liberdade política (diferentemente da China) e queda na desigualdade (diferentemente de quase toda parte). Como isso pode acontecer?


Em Brasília, que eu visitei no verão passado, há dois palácios presidenciais, ambos projetados pelo arquiteto modernista Oscar Niemeyer. Em virtude da Casa Branca ter sido projetada principalmente como uma residência, o espaço dos escritórios na Ala Oeste parece um viveiro de coelhos. No Brasil, a presidente, Dilma Rousseff, vive com sua mãe e sua tia no Palácio da Alvorada, situado à margem de um pequeno lago, e trabalha no Planalto, no coração do bairro governamental. O Planalto é grandioso, com escritórios amplos e vastos espaços interiores com piso de pedra polida. Rousseff é uma presença vigorosa. Da mesma forma que a maioria das lideranças políticas do país, ela cresceu durante a ditadura que assumiu o poder com o golpe em 1964 e governou por vinte e um anos. Como integrante da organização VAR-Palmares, ela passou anos numa prisão e foi submetida a tortura. Hoje ela desenvolveu uma maneira eficaz de lidar com seu passado: ela é cândida e não se arrepende do que fez, mas vaga e lacônica.

No início da minha visita, Rousseff apresentou sua segunda principal iniciativa presidencial. A sua primeira iniciativa, o Brasil sem Miséria, anunciado em junho, era um programa de erradicação da miséria. Rousseff estabeleceu uma linha de pobreza, assim como fazem os EUA, e prometeu trazer todos que estão abaixo dela – dezesseis milhões de pessoas – para o outro lado até o fim de seu mandato, em 2014. Essa é uma promessa bem mais ambiciosa que a declaração de guerra de Lyndon Johnson contra a pobreza, em 1964, que muitos políticos americanosa consideravam inalcançável. Sob Rousseff, o objetivo principal do governo é reduzir a pobreza, e ela entende a promoção de um ambiente de prosperidade econômica como a melhor forma de fazer isso. Como Rousseff respondeu via email, a uma sequência de perguntas que eu lhe fiz através de seus assistentes, “O principal objetivo do desenvolvimento econômico deve ser sempre a melhora das condições de vida. Você não pode separar os dois conceitos. A criação e distribuição de riqueza eleva os padrões de vida; da mesma forma, a melhora das condições de vida leva à prosperidade econômica.”

A segunda iniciativa foi o que os americanos chamariam, com desprezo, de política industrial: o governo como orientador da economia de uma forma que os EUA, mesmo no auge do desespero de uma crise financeira, jamais considerariam.

O imenso espaço aberto do Planalto foi desenhado como uma espécie de auditório, ocupado por cadeiras dobráveis e um estrado. Os assentos plenos de repórteres, membros do Congresso Nacional e ministros de menor importância. Após alguns minutos, Rousseff irrompeu de cima por uma rampa branca espiralada que serve de escada entre o auditório e o andar de cima, seguida pelos ministros do alto escalão e uma penca de lideranças da indústria, todos envolvidos em negócios com o governo. A repórter a meu lado na seção de imprensa, Angela Pimenta, me cutuca e sussurra, “a gente chama esse grupo de O PIB”.

Após as autoridades tomarem seus lugares, o programa tem início, com um açucarado vídeo sobre o compromisso do Brasil com o crescimento e a inovação. Um desfile de ministros sobe no altar e anunciam um programa abertamente protecionista: tarifa sobre as importações, subsídios para os exportadores, favorecimentos especiais para as indústrias domésticas. A presidente Dilma Rousseff, trajando um vestido azul escuro, monárquica e impassiva, espera o fim dos discursos e aí se levanta e fala, com uma voz grave e sonora. Em sua juventude, Rousseff teve sua foto impressa em cartazes da polícia, usando óculos de lentes grossas e uma cabeleira escura e ondulada. Hoje ela está mais para austera, alguém que prende a atenção mas sem aquele ar natural dos políticos que sabem exatamente o que a audiência quer ouvir. “O momento atual exige coragem e ousadia”, diz ela. “Precisamos proteger nossa economia, nosso mercado de consumo, nossos empregos. É imperativo proteger a indústria brasileira da concorrência desleal da guerra cambial. Nossas fábricas e nossos trabalhadores precisam saber que o governo está a seu lado. Assim como não imaginamos nosso desenvolvimento sem inclusão social, não podemos imaginá-lo sem uma indústria inovadora, forte e competitiva”.

A principal preocupação de Rousseff é com a queda nas taxas de crescimento e o aumento da inflação. Os Estados Unidos parece estar sempre em sua lembrança; é um exemplo de como não reagir à crise financeira global, e como um competidor econômico que, na sua visão, está deixando o dólar se desvalorizar para invadir o Brasil e outros países com seus produtos irresistivelmente baratos. A nova política econômica de Rousseff tem como objetivo afastar os efeitos da crise, e provar que o Brasil não será afetado pelas extravagâncias do país mais poderoso do Hemisfério Ocidental. Ela conclui o discurso com uma citação de um proeminente economista brasileiro: “Nossa economia não é mais liderada de fora mas de dentro para fora. Temos em nossas mãos as ferramentas da autodeterminação que no passado esteve em mãos das nações ricas”. O público aplaude de pé, polidamente, e ela deixa o palco.


A política no Brasil gira em torno de uma grande figura, e não é Dilma Rousseff. É seu predecessor, Luis Inácio Lula da Silva, conhecido pelos brasileiros e pelo resto do mundo, simplesmente como Lula. Quando ele terminou seu mandato, em janeiro, Lula tinha uma aprovação superior a oitenta por cento. (A equipe de Rousseff faz pesquisas constantemente e diz que, em menos de um ano de gestão, ela tem setenta por cento de aprovação). Nos últimos cinco dos oito anos de presidência de Lula, Rousseff trabalhou como ministra da Casa Civil, uma posição sem correspondência nos EUA; é uma espécie de primeiro ministro de todas as funções internas do governo, e a quem os outros gabinetes devem se reportar. Lula ungiu-a como sucessora em 2010, um ano após ela conseguir curar-se de um linfoma, e fez campanha para ela. Rousseff jamais havia disputado um cargo eletivo. Ele é presidente hoje graças à determinação de Lula de fazê-la presidente. Sua vitória precisou de um segundo turno, porque ela não obteve os cinquenta por cento dos votos no primeiro round, e ganhou apenas em função do impressionante apoio que recebeu da parte do Brasil para quem Lula é quase um deus – os pobres, afro-brasileiros do Nordeste. Ela perdeu no sul, onde passou a maior parte de sua vida.

Comparados à Lula, os presidentes norte-americanos de origem humilde parecem aristocratas. Ele nasceu de um pai alcóolatra que teve duas famílias em diferentes cidades – vinte e dois filhos no total. Lula deixou a escola na quarta série. Começou a trabalhar como torneiro-mecânico aos catorze, e perdeu um dedo num acidente quando tinha dezenove anos. A sua primeira mulher adoeceu gravemente durante a gravidez do que seria seu primeiro filho; ela morreu porque não teve acesso a um tratamento decente.

Lula se tornou altamente bem sucedido por os padrões de sua família, quando ele obteve um emprego como metalúrgico numa fábrica da Volkswagen em São Paulo. Ele era ativo no sindicato dos metalúrgicos, e tornou-se uma autoridade sindical, liderando greves e fazendo oposição ao regime militar. Passou um breve período na prisão. No fim dos anos 70, ele ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores, que todos chamam PT. É o partido de Rousseff também, embora ela só tenha se tornado um membro a partir de 2000.

Em 1985, a ditadura militar acabou. Em 1989, Lula, naquela época um membro do congresso nacional, participou da primeira eleição direta desde o fim da ditadura, e perdeu. O Brasil ainda engatinhava como democracia. Em função de um complicado sistema de voto proporcional, mais de vinte partidos estavam representados no congresso. O PT era um partido atípico em sua ambição de governar o país; a maioria dos outros era o que os brasileiros chama de “fisiológicos”, significando que eles não fingiam nenhuma ideologia além de seus interesses regionais. Existem trinta e oito ministérios, a maioria dos quais funciona como máquinas clientelistas para os pequenos partidos, em troca de seu apoio à coalizão governamental. (A que apoia o PT atualmente engloba dezesseis partidos.)

No início dos anos 90, o Brasil tinha uma das mais altas taxas de inflação do mundo: em 1993, a inflação era de mais de dois mil por cento ao ano. A reduzida classe média estava relativamente protegida de seus efeitos, porque todo contrato, salário, e benefícios, eram ajustados automaticamente pela taxa de inflação. Mas os pobres tinham que gastar seu salário imediatamente após recebê-lo, antes da alta no preço dos alimentos. “Dinheiro era como gelo derretendo em seus bolsos”, diz Arminio Fraga, um economista que então trabalhava para o governo.

Depois de uma série de batalhas perdidas contra a inflação, um presidente chamado Itamar Franco trouxe para o ministério da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, um aristocrático acadêmico (na verdade um sociólogo, não economista) com a reputação de ser levemente esquerdista. Cardoso desenvolveu um plano anti-inflação que finalmente deu certo, através sobretudo da eliminação do sistema monetário corrente e sua substituição pelo Real. O sucesso do Real fez de Cardoso um herói. Como Fraga explica, “ficou muito claro que aquele que matasse o dragão, poderia desposar a princesa.”

Cardoso elegeu-se presidente em 1994 e foi reeleito em 1998. Ele manteve a inflação baixa e privatizou uma série de empresas controladas pelo governo. Antes dele assumir o cargo, o governo possuía a companhia telefônica e demorava-se mais de dois anos para conseguir instalar uma linha telefônica em sua residência, a menos que você se dispusesse a comprar a linha de alguém por milhares de reais. As políticas de Cardoso tornaram possível ao Brasil participar da economia global.

O adversário de Cardoso em suas duas eleições foi Lula. Eles conheciam-se um ao outro desde os anos 70, e tiveram um relacoinamento conturbado. Lula concorreu duas vezes contra Cardoso como o candidato da esquerda, acusando-o de ser uma marionete dos mercados e oferecendo, por sua vez, o clássico programa político latino anti-capitalista de aplicar moratória na dívida pública, nacionalizar a indústria e romper com o Funo Monetário Internacional. Esse programa tornou-o insuportável aos empresários e à classe média, que receava que Lula, se presidente, se espelharia em Fidel Castro. Ele perdeu feio nas duas vezes. Cardoso escreveu em suas memórias que os dois pararam de conversar um com outro por cinco anos, e numa ocasião Cardoso processou Lula por difamação.

Em 2002, Cardoso retirou-se da disputa, e Lula mais uma vez disputou a presidência. Desta vez, ele fixou-se ao centro. No verão anterior às eleições, ele divulgou uma Carta aos Brasileiros, onde se comprometia a continuar o programa econômico de Cardoso (sem dar crédito por tê-lo criado). Quando ganhou, vencendo o candidato escolhido por Cardoso, os mercados brasileiros entraram em pânico. Mas Lula seguiu o caminho que havia prometido.

Enquanto manteve a política fiscal e monetária ainda mais disciplinada do que os EUA durante o mesmo período, ele simultaneamente pegou alguns programas sociais do governo anterior e ampliou-os a uma escala muito maior, e rebatizou-os como Bolsa Família. O Bolsa Família afeta diretamente um quarto da população brasileira – cinquenta milhões de pessoas – seja dando dinheiro para as famílias mais pobres ou pagando aos pais de baixa renda um estipênio, sob condição de que eles vacinassem suas crianças e as mandassem à escola. Ele também presidiu a criação do primeiro sistema crédito voltado aos trabalhadores, chamado crédito consignado, dando aos bancos o direito de deduzir empréstimos diretamente de seus contracheques. Nenhum desses planos poderia ter funcionado se Cardoso não tivesse domado a inflação, mas foi Lula que levou a fama.

Em 2005, os jornais brasileiros descobriram um monstruoso escândalo, chamado “mensalão”; o PT vinha fazendo pagamentos regulares a seus aliados para manter a política e coalizão. O escândalo derrubou os dois aliados mais importantes de Lula, que eram seus sucessores em potencial: Antonio Palocci, seu ministro da Fazenda, e o principal responsável por manter as orientações econômicas de Cardoso; e José Dirceu, seu chefe de gabinete, outro ex-radical que havia sido preso nos anos 60. (Seus colegas sequestraram o embaixador americano no Brasil e conseguiram, como resgate, liberar Dirceu e outros prisioneiros. Dirceu então mudou-se para Cuba, fez cirurgia plástica para disfarçar o rosto, e, poucos anos depois, retornou secretamente ao Brasil sob um nome falso). A queda de Palocci e Dirceu foi a razão da ascensão de Dilma Rousseff.

As políticas de Lula foram tão bem aceitas que ele se reelegeu em 2006, apesar do escândalo do mensalão. Durante o segundo termo, num período de altos preços para commodities, o Brasil se tornou o principal fornecedor de alimentos e minério de ferro para a China, e a China ultrapassou os EUA como maior parceiro comercial do Brasil.

A confiança de Lula em sua habilidade de reunir gente não se limitaria às fronteiras do Brasil. Como presidente, ele viajou o mundo, tornando-se amigo de parceiros comerciais e chefes de Estado como Hugo Chávez, Fidel Castro, Muammar Qaddafi, Bashar al-Assad e Mahmoud Ahmadinejad. Em 2004, ele enviou tropas brasileiras ao Haiti depois de um golpe. Lula foi a Ramallah e tentou trazer a paz entre Israel e Palestina. Ele foi a Ankara e negociou um acordo pelo qual a Turquia iria trocar urânio não-enriquecido iraniano por urânio enriquecido de outros países, supostamente para fins pacíficos. Ele também manteve um caloroso relacionamento com George W.Bush, o que o próprio Cardoso não foi capaz de fazer.

Em 2001, o economista da Goldman Sachs, Jim O’Neill, inventou o acrônimo BRIC, para designar as economias emergentes do mundo: Brasil, Rússia, Índia e China. Lula adorou a ideia, e em 2006, ele ajudou a criar uma associação formal BRIC, que agora inclui a África do Sul. É fácil tirar sarro das aventuras globais de Lula, mas o seu país colheu enormes vantagens. Brasil é agora a sétima maior economia do planeta e deve ultrapassar em breve a França e o Reino Unido e tornar-se a quinta. “Esta é a primeira vez na história que uma nação de porte continental tenta se projetar no mundo através de um poder pacífico”, disse-me Thomas Shannon, o embaixador americano em Brasília. “No passado, as nações tornavam-se potências globais através de calamidades”.


Cardoso reclama, em suas memórias, que em função de Lula estar sempre em movimento, ninguém jamais sabe onde ele está. Minha própria experiência foi que Lula é acessível, através de seus assessores, mas fluido. Foi combinado que nós encontraríamos muito antes d’eu saber exatamente onde e quando. O encontro teve lugar ao final da tarde, no início de agosto, num novo Sofitel em São Paulo, uma das muitas manifestações da nova prosperidade do Brasil pós-Lula. Dois membros da equipe aguardavam-me na melhor suíte do hotel, junto com Lula: seu jovem assessor de imprensa, José Chrispiniano, e Ottoni Fernandes, outro ex-guerrilheiro, que hoje trabalha como seu assessor de comunicação.

Lula é um homem baixo e atarracado, com cabelos grisalhos e uma barba cheia. Ele vestia um terno cinza de listras finas e uma camisa preta de seda. Seus assessores me contaram que esta seria a sua primeira entrevista longa desde que ele havia deixado a presidência, em janeiro. (No momento, Lula está sendo tratado de um câncer de garganta e está inacessível).

Lula começou anunciando que ele iria fazer o cafezinho, um ritual que inicia qualquer encontro no Brasil. Mesmo funcionários subalternos tem assistentes para trazer café numa bandeja, então, preparando ele mesmo o café, Lula me enviava uma mensagem do tipo de homem ele era. “Eu vou fazê-lo entre o brasileiro e o americano”, ele disse, com um grande sorriso. “O brasileiro é muito forte e o americano é muito fraco”. Ele me passou a xícara. “Ótimo!” Ele olhou ao redor e disse, dirigindo-se de lado a qualquer um, “eu nunca sei como é o café antes”.

Sentamo-nos em torno de uma grande mesa numa sala de reunião. Lula não fala inglês, então eu havia trazido uma intérprete, Elisabeth Bastos, comigo. Ela deu a Lula e a mim aparelhos de ouvido de maneira que ela podia fazer uma tradução simultânea, aos moldes da Assembléia Geral das Nações Unidas. Depois de um momento, porém, Lula começou a se incomodar e tirou o aparelho. Ele pegou sua cadeira e a pôs junto a mim, de forma que nossos joelhos quase se tocavam, e pediu a Bastos para sentar-se um pouco atrás dele; depois da minha pergunta, ela poderia apenas sussurrar a tradução em seu ouvido. Como fazem os melhores políticos, Lula gosta de estabelecer uma relação física quando está falando com uma pessoa. Seu rosto largo, rude e triangular estava bem diante de mim. Enquanto falava, seus olhos castanhos se arregalavam, suas sobrancelhas remexiam-se, suas pernas agitavam-se, seu indicador curto e grosso cutucava meu joelho.

Lula explicou que quando era presidente ele não conseguiu agir apenas segundo as regras constitucionais para as relações entre o Executivo, partidos e Congresso. “Aqui é bem mais difícil”, ele disse. “É o que chamaríamos de democracia direta. Quero dizer que eu trabalhei junto com a sociedade civil para que esta produzisse políticas públicas que interessavam ao governo. Todas as grandes questões foram debatidas a nível local, a nível estadual e a nível nacional. Poucos governos no mundo praticam a democracia do jeito que fazemos. No auge da crise de 2008, ouvimos os homens de negócio e ouvimos os trabalhadores”. Ele sugeria que o governo americano não havia feito consultas tão amplas durante a crise. "Todo ano, eu tinha um encontro com as pessoas que viviam nas ruas".

No início de sua trajetória, disse Lula, ele pensava em si mesmo como representando apenas os trabalhadores, mas desde então ele desenvolveu a visão universal que ele tem hoje. “Vou te contar uma história”, ele disse. “Eu era contra a política. Quando fizemos nossas primeiras greves”, no final dos anos 70, “eu não gostava de política, e não gostava das pessoas que gostavam de política. Eu achava que isso era sabedoria. Hoje, eu vejo que era ignorância. Os militares criaram categorias de profissões essenciais que não podiam fazer greves: professores, bancários, bombeiros, frentistas. Quando eu fui à Brasília pela primeira vez para falar ao Congresso, eu descobri que dos quinhentos e treze membros do Congresso havia apenas dois trabalhadores. Dois! Em 15 de julho de 1978, eu tive a ideia de criar o PT. Em novembro, eu, que não gostava nem um pouco de política, já estava fazendo campanha para o candidato a senador Fernando Henrique Cardoso”, significando que ele havia transcendido o paroquialismo para ajudar alguém que não era um companheiro-trabalhador. “Por que eu quis me tornar um político? Porque eu estava certo que eu podia fazer o que eu estava esperando que outros fizessem por mim. E nós fizemos mais do que estava em nossos planos”.

Se tivéssemos continuado as políticas de FHC, o Brasil teria quebrado”, diz Lula. “O Brasil deu certo apenas porque mudamos suas políticas. A única coisa que mantivemos foi a responsabilidade fiscal. Uma coisa – foi tudo. O que aconteceu depois de domada a inflação? Nós éramos muito ativos em política internacional. Por muitos anos, o Brasil não teve política de investimento. Não havia habilidade para gerar empregos. Nenhuma política para redistribuir a renda. E eu tive uma outra ideia, Nicholas: eu tive a ideia de que não havia sido eleito para brigar com meu antecessor. Eu não tinha tempo para brigar com ele, então eu decidi governar o país.”

Eu perguntei a Lula se a sua visão política havia mudado enquanto ele era presidente, especialmente na questão do manejamento da economia. “Eu acho que mudou”, ele disse. “Mudaram porque, uma vez que você se torna presidente, é como ser pai. Quando você é filho, você acha que seu pai tem todo o dinheiro do mundo para te dar. Quando você é oposição, ou líder sindical, você acha que o governo tem todo o dinheiro do mundo. Quando você se torna governo, você descobre que o governo não tem todo aquele dinheiro que você achava que tinha, e você tem contas que são vinte vezes o que você pode pagar. Então eu vi que a economia não era tão fácil como eu pensava quando eu era um líder sindical, mas eu também descobri que não era tão difícil como algumas lideranças políticas diziam. A gente tinha que distribuir a renda para poder crescer. Os economistas não achavam que isso era possível. Nós provamos que era possível crescer, distribuir riqueza, e fazer isso com inclusão social sem inflação. Hoje o Brasil tem trezentos e cinquenta bilhões de dólares em reservas. Não devemos um centavo ao FMI e o FMI nos deve catorze bilhões.”

Sobre o papel do Brasil nas questões internacionais, “eu descobri uma coisa em política: uma grande ciumeira entre os políticos”, disse Lula, sacudindo tristemente a cabeça. “Aqueles que já estão sentados à mesa, tomando parte num banquete, não querem que ninguém mais possa desfrutar do banquete”. Logo após a sua posse, ele disse, ele discursou sobre a fome no sul do Brasil e depois foi a Davos, Suíça, para a convenção anual dos senhores da economia global. “Eu fiz o mesmo discurso sobre a fome. Eu sou possivelmente o único político que expressou a mesma mensagem no Fórum Social e no Fórum Econômico em Davos, e quando eu voltei pra casa eu tisse a meu ministro de Relações Exteriores que a gente precisava trabalhar duro para mudar a geografia comercial e política do mundo.

Nós tomamos a decisão de fortalecer nossas relações com o Oriente Médio, China, Índia e África, sem cortar nossas boas relações com EUA e Europa. Nossa ideia era diversificar nossas relações o máximo possível; queríamos fazer negócio com muitos países. Eu queria ser como vendedor de rua, um camelô. No Brasil, nós o chamamos Turcos. Eles levam mercadorias numa mala e tapetes e roupas sob seus braços”.

Ele rapidamente representou o personagem de um Turco: ele inclinava-ser sob o peso de uma sacola imaginária, com seu rosto vincado por uma expressão de grande esforço, e deu a volta em torno de sua cadeira. “Eu tinha a imagem de minha mãe comprando produtos em sua porta. Eu pensei que o Brasil tinha certas limitações perto dos EUA, que tem mais tecnologia que o Brasil e compete com nosso setor agrícola. Então o que tínhamos que fazer? Olhar para os parcerios que eram semelhantes ao Brasil. O vendedor de rua não vai vender seus produtos na avenida mais sofisticada ou no bairro mais rico de Nova York.

Ele vai aos quarteirões mais pobres, assim como se faz no Brasil. Então a gente foi à América Latina, África, Oriente Médio, e Ásia. Esse ano, se tudo for bem, estaremos exportando trezentos bilhões de dólares.” Seu dedo cutuca meu joelho. “O Brasil tem a oportunidade de crescer em parceria com países parecidos ao Brasil”.

Lula disse que o Brasil deveria ser aceito como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o pequeno corpo que detêm as principais cartas nas deliberações da ONU. Esta parece ser a mesa onde os políticos ciumentos se sentam, a que ele se referia antes, da qual o Brasil e outros países como ele são excluídos.

“Nós não temos o direito de manter a mesma visão do mundo que tínhamos em 1948”, ele disse. Ele se recosta um momento e procura ver se os seus assessores concordam. Eles concordam. “Como é que em 1948, a ONU foi sábia o bastante para criar o Estado de Israel, e em 2011 não o é para criar o Estado da Palestina? Como é que a ONU permitiu que a Otan fizesse o que fez na Líbia, em vez de trazer a Líbia à mesa”.

Ele volta sua atenção para mim. “Eu vou te contar um episódio sobre o Irã”, ele disse. “Eu vou lembrar disso pelo resto da minha vida. Eu nunca havia falado com Ahmadinejad. Ele pediu para me encontrar em Nova York. Depois de nossa conversa, a primeira pergunta que fiz ele foi: Sr.Presidente, é verdade que você não acredita no Holocausto? Se sim, você é o único que não acredita. E o que ele disse foi: O que eu quis dizer foi, na Segunda Guerra Mundial, setenta milhões de pessoas morreram, e os judeus pensam que eles foram os únicos que morreram. Eu disse: Se é isso que você quer dizer, então diga isso. Setenta milhões de pessoas morreram. Os seis milhões de judeus não morreram simplesmente. Foi um genocídio. Eles não estavam na guerra. Então, no encontro do G-20, eu falei com Obama, Sarkozy, Merkel, Brown, Berlusconi.” Ele cutucou meu joelho de novo. “Eu disse: porque vocês não falam com Ahmadinejad? Vocês não podem fazer política se não falam com as pessoas”. Eu viajei ao Irã, contra a vontade de muitos amigos e presidentes, e o que aconteceu? Eles assinaram um compromisso sobre proliferação nuclear, justamente como o Conselho de Segurança queria que eles fizessem. Mas para minha surpresa, eles decidiram manter as sanções, como punição ao Irã. Por quê? Porque não foram eles que levaram adiante o acordo? Essa foi a primeira vez que eu tive o sentimento que o ciúmes em política é um assunto muito delicado”. Outra cutucada. “Eu falei muitas vezes com Bush e Obama. Eu dizia: Como vocês não vêem que a América Latina hoje é diferente de como era nos anos 60? Eu não acredito que vocês não tenham ideia de como é o Brasil agora! Eu escuto políticos dizendo que devíamos tratar o Brasil da mesma maneira que tratamos qualquer outro país pequeno. Mas todos devem ser tratados com respeito.” Lula balançou a cabeça. “Talvez eu não tenha alcançado meu objetivo. O jogo internacional, não é fácil.”

Eu perguntei a Lula sobre o tema que estava na cabeça de todo mundo na política brasileira: quais eram seus planos? Ele evitou a questão, e listou os possíveis sucessores que ele considerou antes de escolher Dilma. “Eu conheci Dilma Rousseff um pouco antes da minha eleição em 2002”, ele disse. “A primeira vez que conversamos, quando eu estava esboçando meu plano energético, eu decidi que ali estava minha ministra de Energia. José Dirceu é um amigo, um companheiro fundador do PT, presidente do partido. Um camarada. Antonio Palocci é um dos caras mais inteligentes que eu conheci. Ele cometeu erros que não deveria ter cometido. Ambos estão temporariamente fora da política, e Dilma é nossa presidente. Eu os respeito a todos, e quanto a Dilma, eu admiro a sua competência, sua lealdade, e sua determinação.” Hoje, Dirceu é advogado no Rio de Janeiro, oficialmente banido da política até 2015. Palocci, que não sofreu nenhum banimento, entrou no mundo dos negócios.

Quando eu perguntei a Lula se ele poderia considerar concorrer à presidência novamente, ele disse: “Não existe isso de ficar fora da política para sempre. Apenas depois de morto, um político pode sair da política para sempre. Olhe para Jimmy Carter: ele falhou como presidente, e agora ele é o melhor ex-presidente em política. Eu o admiro enormemente. E Clinton – ele nunca perderá sua importância. Então o que acontecerá no futuro? Eu não sei. Eu já desempenhei meu papel no Brasil. Assim como eu não tenho coragem de dizer que eu irei concorrer a algum cargo em determinado momento, eu não coragem de dizer que não vou. Se a presidente Dilma quiser concorrer à reeleição, é seu direito. Ninguém pode negar a ela esse direito. Existe apenas uma maneira dela não fazê-lo: se ela não quiser. Nós temos muitos jovens no Brasil que estão no momento certo para concorrer à presidência. Eu permanecerei na política. Eu vou continuar viajando. Eu estive em vinte e um países somente este ano. Eu vou a mais vinte três até dezembro.” O diagnóstico de câncer impediu Lula de atinir esse objetivo. “Eu não nasci político. Eu estive fora da política até os 31 anso. Mas eu sei que irei morrer como político. Essa é minha sina.”

Os assessores de Lula tentaram concluir a entrevista, mas Lula não parecia afim de parar. Finalmente, ele se levantou e me deu um abraço: não um desses cuidadosamente calculado entre conhecidos sem intimidade, mas um longo, apertado, usando os dois braços, barriga contra barriga. A gente conversou um pouco mais enquanto eu me despedia. Lula disse que ainda era muito cedo para escrever suas memórias presidenciais. Em vez disso, ele iria publicar uma coletânea de cinquenta memórias, escritas por pessoas que participaram de sua administração. Empresários iriam contribuir, e gays e índios e mesmo Bill Gates, se ele quisesse. E depois Lula pensa em criar um museu da democracia. Além disso, há dois documentários sobre a sua presidência em andamento. Ele me deu outro abraço e dissemos adeus.


Nos próximos anos, o governo brasileiro terá uma série de oportunidades de alto nível de ganhar projeção ou embaraçar-se. A conferência Rio + 20 sobre desenvolvimento sustentável será realizada em junho, no aniversário da Eco 92. Depois virá a Copa do Mundo, em 2014, e as Olimpíadas, em 2016, ambas no Rio de Janeiro. O charme da cidade é bem conhecido, assim como seus problemas: aeroportos inadequados, trânsito terrível e chocantes índices de pobreza e criminalidade nas favelas, que se estendem pelas montanhas que cortam toda a cidade. Não há um serviço de trem entre Rio e São Paulo, que estão entre as maiores cidades do mundo e ficam mais próximas que Nova York e Washington DC. Uma dúzia de estádios e vários novos museus deverão supostamente estar prontos antes que o mundo inteiro chegue – bilhões de dólares em projetos.

O governador do estado do Rio de Janeiro, que encampa a cidade e o interior, é Sérgio Cabral, um político em ascenção que é frequentemente mencionado como um potencial futuro presidente do Brasil. Cabral governa de um amplo e murado complexo dentro da capital. O dia em que eu o visitei, ele estava trabalhando até tarde. Lula estava na cidade e eles participaram de um evento juntos, após o qual Cabral deu uma carona a Lula em seu helicóptero. Cabral, filho de um jornalista que foi preso na ditadura, é um político nato, mas, diferente de Lula, que faz o tipo íntimo, Cabral faz o tipo exuberante. Ele é um belo homem, agitado, com uma vasta cabeleira e um peito inflado. Ele sabia que seu papel era me contar sobre os planos que ele e a presidente Dilma tinham para melhorar o Rio – ele fala inglês entusiasticamente, embora nem sempre de maneira muito correta – mas ainda estava emocionado com seu recente encontro com Lula. “O Presidente Lula é incrível!”, declarou.

Um assistente nos trouxe café. Na mesa de Cabra, olhando para seus visitantes, havia fotos dele com o presidente Obama e com Lula. “Ele escolheu uma mulher, uma mulher forte, para concorrer à presidência – pela primeira vez na história”, disse Cabral. “Todos os ministros – finanças, infra-estrutura – obedecem a ela. Ele nunca havia participado de uma eleição em sua vida. Ela tem uma linda trajetória, uma história”. Ele estava se referindo às suas atividades como militante e seu tempo de prisão. “Ela arriscou sua vida em prol da democracia. Mas ela nunca concorreu!” Cabral não mostrava, obviamente, que isso tivesse grande importância no currículo de Dilma.

“Eu concorri à reeleição junto com sua campanha – incrível!”, ele disse. “Ela não parecia inexperiente. Não! Eu a acompanhei em muitos debates – incrível! Ela aprendia tudo rápido”. Ele descreveu um desses terrivelmente chatos eventos de campanha que se arrastavam interminavelmente. “Ela saía?”, ele disse. “Não. Ela gostava! Assim como eu, ela tem um forte respeito pelo presidente Lula. Ela é grata a ele”.

Cabral, assim como a maioria dos políticos brasileiros que encontrei, queria se vangloriar de como o Brasil vem manejando bem a sua economia. “É muito importante não termos problemas como o que Obama está tendo com a dívida pública”, disse. “A oposição republicana é diferente da oposição aqui. Eu acho que o ódio contra um homem negro ocupando a presidência não deveria ser razão para pôr o país em perigo. Eles desrespeitam Obama por causa da sua raça. E isso não é ruim apenas para Obama, mas para o país. No Brasil, a oposição tentou dar umas rasteiras em Lula, mas o povo se manteve solidário com Lula. O trabalhador, o negro, o operário, a mulher. O mundo está mudando. Graças a Deus.”

Neste momento, numa grande tela na parede, um website informou que Lula fez a mesma observação à imprensa que ele havia feito a mim: a única razão para Dilma não ser candidata em 2014 seria se ela não quisesse ser – uma afirmação em código, eu pensei. Mas Cabral declarou que esta era, como sempre, uma magnífica demonstração de apoio de Lula à sucessora escolhida. Cabral tinha que sair, mas antes ele se virou para mim e declarou: "Lula é nosso líder! Lula é meu líder!"


Mais tarde, eu fui conhecer uma clásssica favela carioca, o Santa Marta, que se tornou mundialmente famosa quando Spike Lee fez o clipe de Michael Jackson, “They Don’t Care About Us”, em 1996. Você vai ao Santa Marta pegando um teleférico que o leva até o alto da montanha. No topo, há uma estação de polícia onde consta uma placa com uma homenagem a Cabral e seus colegas. A estação de polícia foi construída originalmente para ser uma creche, mas o índice de violência era tão alto que os pais tinham medo de deixar as crianças por lá.

Em 2008, o governo decidiu usar o Santa Marta para implementar sua nova política de combate ao crime. Um batalhão de centenas de policiais ocupou a favela e a “pacificou”. As paredes da estação policial ainda tem marcas de balas, uma lembrança das batalhas entre a polícia e a gangue que dominava a favela. Gradualmente, conforme a situação foi se normalizando e a a gangue se dissolveu, a ocupação se tornou num tipo mais sofisticado de ocupação policial. Mais de cem policiais estão permanentemente entre as dez mil pessoas que vivem na favela. Por toda a comunidade, cabos de eletricidade e tv são instalados e paredes de concreto são levantadas. Há muitas igrejas (treze pentecostais, uma católica), centros de assistência social, policiais especialmente treinados fazendo rondas, e pequenos bares, restaurantes e outros negócios – tudo graças a algum tipo de subsídio governamental.

Há atualmente dezenove unidades de pacificação em favelas do Rio; o governo objetiva fazer um total de quarenta até 2014. Isso vai requerer milhares de novos oficiais de polícia. A maior favela do Rio, Rocinha, foi ocupada por três mil soldados no mês passado. O projeto nas favelas é um impressionante exemplo da ambição, poder e determinação do governo brasileiro de representar um bom papel para a Copa do Mundo e Olimpíadas, e da enorme necessidade de recursos se for dar o próximo passo para o desenvolvimento nacional.


Dilma Rousseff, agora com sessenta e três, é a segunda criança do segundo casamento (com uma brasileira bem mais jovem) do ex-comunista bulgariano chamado Petar Russev. Ele fugiu da Europa para o Brasil nos anos 30, mudou seu nome para Pedro Rousseff, tornou-se um empresário de sucesso, e criou seus três filhos numa atmosfera de riqueza, cultura e boa educação. (O irmão mais velho de Dilma, Igor, é um advogado; sua irmão mais nova, Zana, morreu há mais de trinta anos.) Dilma era uma estudante universitária durante o golpe de 1964 que impôs uma ditadura militar no Brasil, e rapidamente se radicalizou. Ao final dos anos 60, ela era casada com outro militante, Cláudio Galeno Linhares. Eles viviam escondidos, guardando e transportando armas, bombas e dinheiro roubado, planejando e executando “ações”.

Dilma jamais negou seu passado, mas ela raramente o discutiu em detalhes e hoje não toca no assunto. Em 2003, ela deu um depoimento a uma repórter da Folha de São Paulo, maior jornal do país, sobre um incidente no qual ela e uma colega chamada Maria Celeste Martins (então colegas de militância, depois colegas de governo) tiveram que esconder armas com urgência: “Celeste e eu entramos com um balde; eu me lembro bem deste balde porque ele tinha munição. As armas a gente enrolara num edredon. A gente levou tudo para uma pensão e colocamos embaixo da cama. Havia tanta coisa que levantava a cama do chão. Foi difícil para a gente dormir ali, muito desconfortável. Os rifles automáticos leves, dos quais tínhamos tantos, estavam todos ali. Tínhamos uma metralhadora automática, e explosivos plásticos. Falando disso hoje, eu pareço não ser a mesma pessoa”. (Rousseff insiste que ela nunca participou pessoalmente de ações violentas durante seus anos de militância.)

Ao final dos anos 60, Rousseff deixou Galeno por Carlos Araújo, outro proeminente militante. Ele ficaram juntos por vinte e cinco anos; sua filha, agora com mais de trinta, é uma promotora pública. Em 1994, quando Rousseff descobriu que Araújo tivera um filho com outra mulher, o casamento se rompeu, mas hoje eles mantêm uma relação cordial. Ela e Araújo são conhecidos por terem (supostamente) planejado a operação mais bem sucedida, financeiramente, da resistência ao regime: o roubo, em 1969, de dois milhões e meio de dólares de um cofre na casa da amante do ex-governador de São Paulo. No início dos anos 70, os militares finalmente a capturaram. Ela passou três anos na prisão, onde foi sujeita a toda espécie de torturas.

Depois que foi libertad, e já recuperada psicologicamente, Rousseff graduou-se em Economia e depois trabalhou numa consultoria. Ela juntou-se ao principal partido do Rio Grande do Sul, o Partido Democrático Trabalhista, o PDT, e logo começou a assumir posições no governo em Porto Alegre, onde sua filha vive hoje. Nos anos 80, estava claro que ela havia encontrado sua vocação como burocrata. Ela ascendeu à posição de secretaria de Energia no governo estadual do Rio Grande do Sul, onde ela conheceu Lula e o impressionou tão fortemente que ele decidiu nomeá-la Ministra de Energia em sua administração.

Perto do final da presidência de FHC, havia frequentes “apagões” no país, uma das razões pelas quais ele jamais seria tão popular como Lula seria. Quando Dilma Rousseff foi Ministra de Energia no governo Lula, não houve mais apagões. Ela fez uma série de ousadas intervenções na logística do setor, com resultados impressionantes. Rousseff é uma ávida consumidora de alta cultura – ópera, literatura (ela fez uma visita certa feita a casa de Marcel Proust, no interior da França), artes, filosofia, teatro – mas ela ascendeu no poder porque era inteligente e durona e podia fazer as coisas acontecerem no Brasil.

Dilma é tão diferente de Lula quanto Lula era de FHC. Lula não prestava atenção aos detalhes; Dilma conhece os detalhes de tudo. Ele era mais político, ela é mais diplomática. Como Paulo Sotero, que dirige o Instituto Brazil do Centro de Estudos Woodrow Wilson, em Washington DC, define: “Dilma compreende tudo em que Lula acredita”. David Rothkopf, um consultor americano de política externa, que participou de encontros com Dilma, me disse que “ela comanda a sala. As pessoas a obedecem. Ela está acostumada a isso. Ela sempre vem preparada. Você sabe para onde as coisas vão. E tem uma reputação algo intimidante.” Glauco Arbix, que dirige uma agência governamental chamada Finep (a principal ferramenta de financiamento para pesquisas em inovação científica e tecnológica, uma tarefa que os americanos nunca confiariam a uma agência governamental), e que trabalhou com Lula e com Dilma, observa: “Ela tem um estilo diferente, totalmente diferente. Ela é uma economista por prática. Ela tem uma metodologia; ela procura coerência, razão. Eu não sei se essas qualidades são de grande valia para um presidente. Elas reduzem a sua flexibilidade. ” Ele acrescentou, sobre Lula, “se ele gostasse de voce, e você lhe apresentasse um projeto, ele diria: vai em frente, meu filho. Ela quer saber como você vai organizar as coisas, quais as suas expectativas, como você medirá os resultados.”

Lula tinha uma poderosa e natural conexão com os brasileiros pobres que formam três quartos da população. Como um ex-membro do governo me disse, “eles olham para ele e pensam: esse cara podia ser eu”. Dilma, que as pessoas frequentemente descrevem como alguém sem muito carisma, teve que ser treinada para falar em público e socialização política. Ela é uma mulher educada de classe média. Lula pode falar com total convicção sobre como foi emocionante comprar sua primeira televisão e seu primeiro ar-condicionado. Ele lutou contra a ditadura, e sua administração propôs a criação de uma comissão da verdade para investigar os abusos cometidos no passado. Mas foi Dilma quem assinou oficialmente a sua criação.

João Moreira Salles, um documentarista que passou bastante tempo com Lula em 2002, me disse, “O dia que Lula podia trocar seu macacão por um terno foi muito feliz para ele. Ele disse, ‘vestir um macadão só é legal se você não é obrigado a vesti-los’. Dilma, pode-se dizer, é mais de esquerda. Lula, estou seguro, acredita em Deus. Eu tenho dúvidas se Dilma acredita.”

Após assumir, Dilma começou a se distanciar das iniciativas exóticas de Lula no campo da política externa. Ela declarou que, como alguém que havia sido torturado, ela tinha uma preocupação especial com um governo que tortura, e isso influenciaria a parceria diplomática com o Irã. Ela tirou as tropas brasileiras do Haiti. Tudo isso não por causa de uma postura mais humilde perante o mundo, mas em busca de mais eficiência e menos excentricidade.

A grande determinação de Dilma parece voltar-se para o esforço de fazer do Brasil – sempre em linha com sua ideologia e de seu governo de pôr o governo o primeiro lugar, e o mercado em segundo – um país mais importante. A primeira potência visitada foi a China, não os EUA. O presidente Obama visitou Dilma em Brasília antes dela ir à Washington. A ocasião foi um pouco desastrada: Obama e a Otan haviam acabado de decidir o bombardeio da Líbia, um ato que o Brasil não apoiara, e Dilma e seu ministro de Relações Internacionais, Antonio Patriota, tiveram seu encontro com Obama interrompido por meia hora por um assunto urgente que Obama teve de resolver. Ainda sim, a mensagem da visita foi inequívoca.


Durante o verão e o outono, uma série de escândalos dominou Brasília. A Folha revelou que Antonio Palocci, que havia sido gerente de campanha de Dilma e era seu chefe de gabinete [na verdade, ministro da Casa Civil], aumentara seu patrimônio líquido vinte vezes através de uma firma de consultoria que ele dirigia enquanto trabalhava na campanha e também como deputado. (No Brasil, deputados tem permissão para obter ganhos externos, mas a prosperidade de Palocci levantou suspeitas). Embora Palocci jamais foi oficialmente acusado de nada, ele renunciou, assim como tinha feito cinco anos antes, durante a gestão Lula, por ocasião do escândalo do mensalão.

O ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, demitiu-se após reportagens em jornais sobre corrupção em sua pasta; vários funcionários do ministério saíram junto com ele. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, demitiu-se após ter concedido uma entrevista a uma revista na qual ele chamava outro ministro de “fraco”. Os ministros da Agricultura, do Turismo, e dos Esportes, demitiram-se após acusações de corrupção. O ministro do Trabalho está sob acusações similares. Todos eles negaram os malfeitos. O resumo da situação, enviado pelo gabinete de Dilma para mim, foi esse: “Corrupção, infelizmente, é um mal que assola todos os países. A luta contra ela deve ser constante, é uma batalha diária.”

A atitude da classe política brasileira frente a esses escândalos é complicada. Ninguém acredita que Dilma seja corrupta: ela tem mostrado muito mais intolerância para com a corrupção do que os presidentes anteriores. Mas ela trabalhou por anos com a maioria das pessoas que pediram demissão. Ela sabia que Palocci era um príncipe das trevas, e mesmo assim ela lhe deu a posição mais alta de seu governo. Algumas pessoas acham que a sua faxina é uma maneira de demonstrar sua independência em relação a Lula (quando o escândalo de Palocci estourou, ele veio à Brasília para assegurar aos membros do Congresso que as coisas iriam se ajustar). Marina Silva, outra protegida de Lula, que rompeu com ele por causa da política ambiental leniente de seu governo, comparou a situação em Brasília à história do “Real Lear”. Lula é Lear, e a questão é saber qual das filhas de Lear Dilma irá se tornar, se a cândida Cordélia ou uma de suas dúplices irmãs Regan e Goneril.

Outros acham que Dilma, uma hiper-racional, caxias, minuciosa gerente, estaria reagindo exageradamente aos escândalos de uma maneira que iria lhe prejudicar politicamente. Cada um dos ministros caídos em descrédito pertenciam a partidos da coalizão liderada pelo PT, e sendo publicamente humilhados, esses partidos poderiam decidir deixar a nave mãe.

Lula took power in a country of poor people whom Cardoso had prepared for progress. Rousseff rules a country whose center of gravity has moved to what Brazilians call “Classe C”—the lower-middle class—thanks to the success of the Bolsa Família, general economic growth, and other social programs. Brazil has a population of a hundred and ninety million. Ten years ago, perhaps forty million of them were arguably middle class or working class; today, it’s a hundred and five million. But the Brazilian political and economic system is built to serve poor people and big government-connected businesses. Less than ten per cent of the population pays income tax. The majority receive some form of direct benefits from the government. The government development bank, bndes, is by far the biggest and best domestic source of low-interest credit to businesses.

In a middle-class country, people demand more from government than protection from poverty, hunger, crime, and disease. They want modern schools and infrastructure, a more advanced, higher-paying economy, and cleaner politics. Rousseff’s first announced task may be eliminating poverty, but her real job as President is to begin building a government for a middle-class nation. It requires at least some signalling about fiscal austerity, to keep business happy and to play to the middle class’s sensitivity about government waste. (Rousseff has already announced two rounds of significant budget cuts, something Lula never stressed.) And, most of all, she has to satisfy rising public demand for goods, services, and continuing prosperity.

Back in her days as Energy Minister and as civil minister, Rousseff repeatedly tangled with environmentalists over the construction of new power plants in the Amazon, which she approved in order to keep the electricity flowing to booming urban Brazil. In 2008, Marina Silva, then Lula’s Minister of the Environment, resigned in protest. In 2010, Silva ran against Rousseff as the Green Party candidate, and surprised everyone by finishing third, with nineteen per cent of the vote. Early this year, Rousseff severely disappointed environmentalists by approving construction of the Belo Monte dam, a hydroelectric power facility that will flood a large swath of rain forest. Indigenous people from the Amazon recently staged protests against it.

Rousseff has to keep revving the engine of prosperity for ordinary Brazilians, and make sure people know who’s responsible for it. During the 2010 campaign, she and her opponents competed over who could promise the biggest increase in the Bolsa Família. (Since Rousseff took office, the average grant has increased by twenty-four per cent.)

In the United States, during the second half of the twentieth century, this kind of political apparatus fell victim to its own success. Policies that succeed in creating a middle-class nation can generate their own opposition, because the people they’ve helped tend to become hostile to the kind of governance they used to want. If this happened in Brazil, it would feel, at least to the country’s current cadre of leaders, as if, by effectively promoting economic progress, they had used their time in power to turn the country over from the Houyhnhnms to the Yahoos. While I was in Brasília, I spoke with an economist named Ricardo Paes de Barros, a Ph.D. from the University of Chicago. He is the under-secretary of a new government agency that is charged with long-term planning, called the Secretariat for Strategic Affairs. He was organizing a workshop, at which the President was scheduled to give the opening remarks, on the politics of the new Brazilian middle class. “This new middle class, they talk a lot about meritocracy,” he said, disapprovingly. “They forget that a lot of their success was based on solidarity. Suddenly, now I’m not so concerned about inequality. They start talking about merit. Wow, it’s a big problem. People are very concerned. Very, very concerned. It will have very important political implications.”


Dilma Rousseff reabilitou Cardoso, seu antecessor afastado, que não era bem-vindo em Brasília quando Lula era presidente. Em março, quando o presidente Obama visitou, ela convidou Cardoso para se sentar à mesa principal no almoço oficial. Quando a notícia chegou a Lula, ele percebeu que sua agenda não lhe permitiria estar em Brasília naquele dia. Em junho, quando Cardoso comemorou seu octogésimo aniversário, Dilma Rousseff tornou pública uma floreada e graciosa carta de parabéns a ele. Homenagear Cardoso envia um sinal poderoso para as classes bancárias e empresariais do Brasil, que o reverenciam.

Cardoso lives in a modern apartment building in a wealthy section of São Paulo, more in the manner of a retired senior academic than of a former head of state. On the day I saw him, he had just returned from a long European trip. He has a full head of snow-white hair and wears wire-rimmed glasses; he had on a tweed jacket, slacks, and soft leather loafers. We sat and talked in his living room, drinking the inevitable small cups of coffee that his maid brought in on a tray. He speaks perfect English, among several other languages. Cardoso has spent his life analyzing Brazilian society. He has an ability, rare in a politician, to pull back emotionally from the field of play. In his memoirs, he says that he first discovered that poverty existed, as a child growing up in an overwhelmingly poor country, by reading John Steinbeck’s “The Grapes of Wrath.” But distance isn’t the same as dispassion. Another anecdote has George W. Bush, in one of their talks, asking him, “Do you have blacks in Brazil?” Cardoso was shocked. About half of Brazil’s population is made up of people of African descent.

The health of the Brazilian political system matters greatly to Cardoso. He wrote, “I would never have imagined what a disappointment Lula would be as president.” In his view, Lula operated government as a cash dispensary and did nothing to reinforce the fundamental strength of the economy. Nevertheless, in 2002 Cardoso arranged for a daylong tutorial for a Brazilian minister at the Bush White House on orderly Presidential transitions. In the past half century, Brazil had not been able to manage one.

I asked Cardoso to describe the current Brazilian model of government and politics. “I’m not sure,” he said. “We don’t know yet to what extent competitive capitalism is making progress or the old model of bureaucratic capitalism is still alive. It’s a mix between these two. Since China is such an attractive model, and China has this aspect of state control of the economy, this justifies it in Brazil to many people. But in our case it’s kind of a backward movement toward more control of the economy and society by the state. It would be difficult for Brazil to take in its entirety the American model. The idea that the individual is really the essence of society is more vigorous in America than in Brazil. We are more collectivist. We believe the state is important. And I don’t know to what extent the American model remains as it was in the past. You have two different visions. It might be the first time since Roosevelt that you have so profound a division in American society.”

We got onto the subject of the corruption scandals in Brasília. Before Rousseff took office, Cardoso said, whenever the press revealed an official’s misdeeds, “President Lula would say, ‘It’s not like that—he’s a good guy.’ President Dilma does not have the same position. I don’t know if she will have the strength to go ahead. She starts by saying it’s the moment to clean up, to clear everything, but I don’t know if she realizes how difficult it will be to clean up, because the system is so entrenched, this sharing of power by different groups and parties. Power means control of government benefits. It’s very difficult to control one part without destroying the system. Lula was advising her not to go very fast. Realistically, perhaps he was right.”

The greatest challenge for Rousseff, he said, will be loosening the government’s hold on the economy so that Brazil can keep moving forward. Why is that so difficult? “This is her heart,” Cardoso said, meaning her mistrust of the market. “Because of her past. But she is intelligent enough to know this can be done moderately.”


Uma tarde, eu estava sentado em uma sala de espera no Planalto entre os compromissos quando a ministra da Comunicação Social, Helena Chagas, que durante semanas foi agradavelmente evasiva sobre exatamente quando e onde eu poderia falar com Dilma Rousseff, irrompeu e disse que a presidente queria me ver. Ela me levou a um vasto escritório guardado por um soldado. Dilma Rousseff veio até a porta, deu um aperto de mão firme e me levou para dentro. A presidente estava sentada de frente para nós — minha tradutora, Hilda Lemos, alguns assessores e eu, sentados em cadeiras e sofás. Eu faria uma pergunta em inglês; Rousseff acenava com a cabeça e respondia em português. Rousseff é alta, tem testa alta e olhos grandes e brilhantes. Quando ela fala, ela tende a dar uma palestra, gesticulando com as mãos e olhando em volta para se certificar de que o que está dizendo é registrado.

She began by talking about Brazil’s economy. “We are in a situation in Latin America that is different from the situation in the U.S. and the E.U.,” she said. “You had, in 2008, a crisis in the very core of your economy. In our view, seeing it from the outside, you did not succeed in overcoming the causes of the crisis. One of the things that amazes us is why the American economy cannot recover, considering that it plays a very important role in the international scene.” She paused to let her small audience wonder for a moment, and then delivered her answer: “It seems that the benefits went to those who caused the crisis—large banks, mainly—and consumers had to pay the price of the subprime bubble in order to keep their homes and recover their consumption capacity. The reaction of the U.S. and the E.U. has been to export the crisis. They flooded the market with excessive liquidity.”

She was talking, in part, about the Federal Reserve Board’s policy of quantitative easing, which she dislikes because it causes the real to be too strong relative to the dollar and so hurts Brazilian companies that want to sell their goods abroad and compete with American products at home. (The Brazilian industrial sector has had two straight quarters of negative growth.) “Of course, it benefits American exports, but it’s no less true that in countries like Brazil it creates an imbalance. It’s not that our countries are less competitive. It’s because the system creates false incentives.”

Rousseff knows that protectionism has a bad reputation, especially in the United States. “We are not vulnerable to going back to the favoritism of the nineteenth and twentieth centuries,” she said. “They did not work. We have to use the mechanisms we have. We have cheap products, but we are dealing with an unrealistic exchange rate. We need to keep the economy growing, without inflation, and generate revenue to continue our income-distribution policy. We have raised millions of Brazilians into our middle class. We created our own market, with huge effort. It could not have grown without our reducing inequality.” In this there was some mixture of defensiveness, competitiveness, and a conviction that Brazil had pulled ahead of the United States in its understanding of economic management in the twenty-first century. “We have always defended free trade with rules,” she said. “It’s important for the U.S. and European recovery. Every day, I root for the U.S. to recover its employment. We do not have a vision of Brazil as isolated. We have a vision of Brazil and the U.S. as part of the world.”

I asked Rousseff whether her distant past as a militant is relevant to her life as President. She unhesitatingly said that it is. “We always change. You acquire more experience. The experiences of the past were extremely enriching to me. I would not have been able to come as far as I have if I had not had those experiences. They gave me the generosity of wanting to have a developing country, a sovereign country. Things are much more complex now than they were then.”

A Brazilian who was once seated next to Rousseff at a dinner told me that he had asked her about her livro de cabeceira—Portuguese for the “book on the bedside table.” She said that at that moment it was “The Education of Henry Adams.” Adams has always struck me as magnificently dour and disapproving about the supplanting of the old American aristocracy by a new social and political order built around industrial capitalism. So I asked Rousseff about it. She had an entirely different interpretation.

“I like the book very much,” she said. “I got to it because I read some books of American history, but it was not first on my list. I read about John Adams. From there I got to Henry Adams—one of the most interesting figures in American history. There’s a side of him that’s very intriguing. First, because of the reflection: a literary reflection about himself and the influence of his father, as a chancellor representing the United States during the Lincoln Administration. I saw very clearly there was a very serious issue”—in the coming of the Civil War. “Not only slavery but the division of the United States.”

Ela se levantou da cadeira. Ela precisava voltar sua atenção para assuntos mais urgentes, mas primeiro ela tinha um ponto a fazer. Ela levantou um dedo no ar, como um professor universitário, e disse: "Mas essa não é a questão mais interessante. A questão mais interessante é entender a elite política e financeira dos Estados Unidos e por que eles viram que seriam uma grande nação. Por que eles adotaram um homem, um voto. Havia o aspecto paternal de Boston: os Adams contra os Quincys, que eram mais aristocráticos." Rousseff estava pensando, claramente, que a América de Henry Adams representava o triunfo dos Adams sobre os Quincys: uma nação escolhendo trocar seu passado aristocrático por um sistema mais democrático, não tanto para ser mais justo quanto para ser mais significativo. Os americanos podem ver Adams como uma repreensão patrícia, mas Rousseff claramente o via como alguém que passou sua carreira participando da criação de uma potência mundial - exatamente o que ela queria fazer. "O que eu vi no livro, olhando para o Brasil, é que eles" – Henry Adams e seus associados - "viram que para construir uma grande nação tinha que ser construída com base na educação. E devo dizer que o invejei."

Publicado na versão impressa da edição de 5 de dezembro de 2011.

Nicholas Lemann é redator da The New Yorker e professor da Escola de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade de Columbia. Seu livro mais recente é “Transaction Man: The Rise of the Deal and the Decline of the American Dream”.

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