11 de dezembro de 2013

Socialismo: Convertendo a miséria histérica em infelicidade comum

A Esquerda quer dar às pessoas a chance de fazer algo mais com suas vidas, lhes dando tempo e espaço longe do mercado.

Corey Robin


Josu Gonzalez / Flickr

Tradução / No New York Times de ontem, Robert Pear fala sobre um fato pouco conhecido sobre o Obamacare: os pacotes de convênio disponíveis no modelo federal têm franquias muito altas. Atraídas pelas mensalidades baixas, as pessoas acabam se descobrindo ferradas por franquias, co-pagamentos, encargos por serviços e profissionais fora da rede, e todas as diferentes palavras e maneiras que as companhias de convênio inventam para esconder o fato de que você está pagando os olhos da cara.

Pelas apólices oferecidas na opção federal, como em muitos estados, as franquias anuais muitas vezes superam $5,000 para um indivíduo e $10,000 para um casal. 
Seguradoras inventaram novas apólices assumindo que os consumidores escolheriam um plano baseado principalmente no preço, como refletido na mensalidade. Mas convênios com mensalidades mais baixas geralmente possuem franquias mais altas. 
Em El Paso, Texas, por exemplo, para um marido e esposa ambos de 35 anos, um dos planos mais baratos na opção federal, oferecido pela Blue Cross and Blue Shield, tem uma mensalidade menor que $300 por mês, mas a franquia anual é de mais de $12,000. Para um casal de 45 anos buscando um convênio de opção federal em Saginaw, Michigan, uma apólice com uma mensalidade de $515 por mês tem uma franquia de $10,000. 
Em Santa Cruz, Califórnia, onde esse mercado é operado pelo Estado, Robert Aaron, um engenheiro autônomo de 56 anos, disse que estava procurando um plano de baixo custo. O melhor que pôde encontrar tinha uma mensalidade de $488. Mas a franquia anual era de $5,000 e isso, ele diz, “soa realmente alto.” 
Como contraste, de acordo com a Fundação Kaiser Family, a média das franquias anuais em planos de saúde pagos pelos empregadores é de $1,135.

É verdade que se você é parte de uma família de três, recebendo anualmente até $48,825 (ou, se você é um indivíduo ganhando até $28,725 anuais), você é elegível para subsídios. Esses podem ser bem substantivos nos extremos mais baixos da escada de renda. Mas enquanto você começa a se aproximar daqueles limites superiores (que nem são realmente tão altos; de fato, abaixo da renda familiar média), os subsídios começam a minguar. Deixando indivíduos e famílias com uma conta e tanto, como mesmo este texto, que em geral é otimista sobre o Obamacare, reconhece.

Além dos números, o que sempre me atinge nestas discussões é simplesmente o quão complicado o Obamare é. Mesmo se nós aceitarmos as premissas de seus defensores, o número de passos, detalhes, ressalvas e qualificações que são necessárias para defendê-lo, é por si mesmo um problema político massivo. Como estamos vendo agora.

Mais importante que as questões política, a complexidade bizantina é um sintoma do que a cidadã comum tem de confrontar quando ela tenta arrumar cobertura de saúde para si e sua família. Como qualquer um que têm mesmo bons planos sabe, navegar o mundo de números, formulários e ligações telefônicas pode ser uma proposição assustadora. Isso requer um tempo excessivo, obstinação, experiência, inteligência e charme manipulativo (para que não acabe se encontrando no lado errado de um operador telefônico descontente). O Obamacare se encaixa bem com esse mundo e o multiplica.

Não estou interessado em discutir aqui o que era possível através de reforma na Saúde e o que não era; nós já tivemos esse debate mil vezes. Mas pensei que poderia ser útil levantar novamente parte deste post que fiz, quando comecei a escrever em meu blog, sobre quanto tempo e energia nosso mundo capitalista requer que nós gastemos, e o que uma abordagem de esquerda para a economia poderia ter a dizer sobre isso tudo. É esse mundo da experiência cotidiana – o que é tentar e arranjar bens básicos para si mesmo e/ou sua família – o que eu gostaria que tanto “liberais” e esquerdistas tivessem mais contato com.

O texto segue uma ideia que tenho sobre o socialismo e o estado de bem-estar social por vários anos. Plagiando Freud e bebendo do meu próprio utopismo anti-utópico, acredito que o objetivo do socialismo é converter miséria histérica em infelicidade comum. Deus, isso seria tão bom!

***

Há um argumento mais profundo e mais substantivo a ser feito para uma abordagem de Esquerda para a economia. Na utopia neoliberal, todos nós somos forçados a gastar um tempo excessivo mantendo rasto de toda e qualquer faceta de nossas vidas econômicas. Isso, de fato, é um objetivo declarado abertamente:uma vez que sejamos mais conscientes sobre nosso dinheiro, de onde ele vem e para onde vai, neoliberais acreditam que seremos mais responsáveis ao gastá-lo e investí-lo. É claro, os ricos têm contadores, advogados, assistentes pessoais e outros para fazer isso para eles, então o argumento não se aplica a eles, mas essa é uma outra história, para outro dia.

O sonho é que nós todos teríamos nosso gazilhão de contas individuais – uma para aposentadoria, uma para doença, uma para desemprego, uma para as crianças, e assim por diante, cada uma conectada com nosso emprego, para que entendêssemos que tudo de bom na vida depende de nossos chefes (e não do governo) – e a cada dia nós iríamos checar como as coisas estariam indo, o que precisaria ser atendido, o que poderia ser melhor investido em outro lugar. É como se, no sonho neoliberal, seríamos todos aposentados em Boca, com nada melhor para fazer do que contatar o nosso corretor, exceto é claro que não seríamos. De fato, se Republicanos (e alguns Democratas) pudessem fazer as coisas do seu jeito, nós nunca nos aposentaríamos.

Na vida real (ou pelo menos em nossa vida preferida), nós temos outras coisas melhores para fazer. Nós temos livros para ler, filhos para criar, amigos para encontrar, pessoas amadas para cuidar, diversões para curtir, bebidas para beber, caminhadas para fazer, internet para navegar, sofás para deitar, jogos para jogar, filmes para assistir, protestos para fazer, movimentos para construir, marchas para marchar, e mais. Na maioria dos dias, não temos tempo para fazer nada disso. Nós estamos trabalhando por horas demais e por salário de menos, e nas poucas horas (minutos) que sobram depois que as crianças estão dormindo, a louça e as roupas estão lavadas, nós temos de pechinchar com companhias de seguro sobre as contas do médico, lidar com funcionários da escola precisando de formulários assinados, e mais.

O que é mais espantoso sobre a proposta de Romney – e a visão de mundo neoliberal, em geral – é que ela apenas contribuiria para aumentar esse aborrecimento imenso, essa merda incrível da vida cotidiana. Uma conta a mais para acompanhar, uma campainha a mais para responder. Por que qualquer um iria querer viver assim? Eu não sei mesmo, mas acho que esse é o objetivo dos neoliberais: não apenas que a gente seja mais responsável com nosso dinheiro, mas também que a gente seja mais consumido por ele, para que a gente não tenha tempo para nada mais. Especialmente nada, como Política, que poderia perturbar a ordem social como ela está.

Nós vimos uma versão disso durante o debate sobre o plano de assistência médica de Obama. Eu me lembro distintamente, apesar de agora não conseguir encontrar, de um daqueles garotos-prodígio da Saúde – talvez tenha sido Ezra Klein – com risinhos sobre a Economia elegante e o visual legal do plano de Obama: como você poderia ir para a internet, checar o plano, comparar esta pequena brecha de um plano com aquela pequena brecha de outro, e o quão ótimo isso tudo era por que era simplesmente complicado para caralho.

Pensei comigo: ou você é muito jovem, ou um acadêmico. E como sou um acadêmico, e pude apenas experimentar vertigem ao olhar para todos aqueles malditos gráficos e tabelas, decidi que, quem quer que você fosse, seria muito jovem. Apenas alguém nos seus vinte e tantos anos – esperto o bastante para dominar uma lei incomumente complicada sem ter de fazer uso real dela – poderia olhar aquele Everest de palavras e números e dizer: Sim! Aí está a Liberdade!

É a isso que a visão neoliberal nos reduz: homens e mulheres tão confrontados pelos aborrecimentos do dia-à-dia que ou somos forçados a dominá-los, como o garoto-maravilha da blogosfera, ou nos tornamos seus escravos. Ou somos atletas do mercado ou a equipe de suporte que toma conta da corrida.

Não é isso que a Esquerda quer. Nós queremos dar às pessoas a chance de fazer algo mais com suas vidas, alguma coisa além de meramente tomar conta delas, sem ter que tomar um desvio de trinta anos em Wall Street para chegar lá. O jeito de fazer isso não é imergir as pessoas mais ainda nos caminhos e meios do mercado, mas dando a elas tempo e espaço para sair disso. É isso que um bom Estado de Bem-Estar Social, uma verdadeira Social-Democracia faz: ao invés de ser consumido pela vida, ela lhe permite construir sua vida. Livremente. Uma campainha a menos para responder, não uma a mais.

Colaborador

Corey Robin é o autor de The Reactionary Mind: Conservatism from Edmund Burke to Donald Trump e editor colaborador da Jacobin.

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