30 de junho de 2015

A restauração da dignidade

Agora mais do que nunca, o povo grego está na necessidade de apoio e solidariedade em todas as formas.

Giannakopoulos Georgios

Jacobin

Tradução / Em 11 de novembro de 2011, o Primeiro-Ministro da Grécia, George Papandreou, foi convocado para uma reunião de emergência em Cannes, França, para defender seu plano de fazer um referendo destinado a validar o segundo acordo de resgate e o plano de reestruturação da dívida.

Papandreou argumentou que um voto "sim" sobre os termos do programa acordado iria acalmar as tensões crescentes na sociedade grega e criar consenso tão necessário para as "reformas" que o governo grego tinha concordado em empreender.

Os principais atores da Eurozona insistiram que a única opção que havia sobre a mesa era um referendo do tipo “dentro-ou-fora”, sobre a permanência da Grécia na Eurozona e na União Europeia (UE). Diante de uma rebelião de seu próprio partido, Papandreou engavetou o plano para o referendo, declarou-se vencido e renunciou. O governo de coalizão que veio em seguida ratificou todos os acordos pró-catástrofe, que só fizeram aprofundar a crise econômica e reduzir ainda mais o poder de barganha dos gregos.

Domingo, foi a vez de um novo Primeiro Ministro, Alexis Tsipras, jogar outra vez com um referendo. Mas a decisão do governo Tsipras nada tem a ver com 2011. O referendo proposto por Papandreou era a última chantagem tentada por um governante encurralado, tentando ludibriar os eleitores e induzi-los a acreditar que votar a favor do “resgate” seria votar a favor da permanência da Grécia na Eurozona.

É muito irônico que Papandreou acuse Tsipras de explorar “aa grande arma da democracia como uma manobra tática, minando sua essência política.”

Diante da intransigência das “instituições” (FMI, BCE e CE), e com o modus operandi de “chutar o balde” dos demais estados europeus, Tsipras decidiu convocar o eleitorado para que avalie as demandas irracionais dos credores. O radicalismo popular do governo parece ser a única tática que resta para melhorar o cada vez mais fraco poder de barganha da Grécia – uma das últimas cartas que resta, numa série de derrotas táticas. Ele também é o único caminho para defender a soberania popular do país.

A rápida formação de uma estranha coalizão de governo com o partido ANEL, de direita, deu ao partido Syriza autoridade sobre a economia. Uma equipe constituída dos principais economistas do partido e respectivos assessores recebeu a missão de renegociar os programas de “resgate”. O Ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, tornou-se o rosto da mudança política e levou essa mensagem por toda a Europa. A Grécia procuraria renegociar os acordos de empréstimo, visando a conseguir um “compromisso honroso” que garantiria o acerto final para a Questão Grega.

O argumento foi formulado na linguagem da democracia: as instituições tinham de respeitar “o mandato” do governo recém eleito para pôr fim às políticas de arrocho “austeridade. Além disso, o governo grego fez repetidos apelos a um “interesse europeu mais amplo”: uma mudança na Grécia faria subir a maré anti-austeridade na Europa e traria de volta o crescimento, em benefício do “europeu médio”. Por fim, as reformas que o governo busca promover teriam o selo de aprovação de instituições internacionais “benevolentes” como a Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD) e a Organização Internacional do Trabalho. (OIT).

O acordo de fevereiro foi o primeiro marco na internacionalização da questão grega. Alguns viram aí um passo em direção a um “compromisso honroso”. Outros, como um passo atrás, tropeço, derrota estratégica. Naquele momento, argumentei que seria um recuo tático, o qual, pelo menos, parecia tem criado um horizonte político mais favorável à estratégia antiausteridade do Syriza.

No entanto, o tempo que o governo grego parecia ter ganho ficou aquém. Ao contrário do que cabia esperar, o Banco Central Europeu extrapolou seu papel tecnocrático e impôs novas sanções, dessa vez limitando a liquidez do sistema bancário grego. Intensificava-se o estrangulamento da economia grega. Até o Ministro Varoufakis usaria depois um termo tradicional da região dos Bálcãs “besa”, para denunciar aos gregos o quanto era vergonhosa a posição dos parceiros europeus. O horizonte político não mudou. A única mudança efetiva foi trocar o nome da Troika e iniciar novo processo de negociação.

"Flexibilidade" tornou-se a palavra-chave das semanas seguintes. As negociações resumiram-se a processo de duas frentes. De um lado, grupos reuniram-se em Paris, Bruxelas e Atenas para discutir metas fiscais e coleta de dados. O fato de que já não houvesse ministros gregos a fazerem fila para receber ordens dos representantes da troika foi visto como um pequeno passo na direção de restaurar a dignidade do povo grego. De outro lado, vários canais abriram-se entre Tsipras e os mais altos funcionários da UE. Mas não tardou para que todos vissem que a tal “flexibilidade” que ofereciam aos gregos tinha alcance muito limitado.

Um bloco de estados credores na Europa, liderados pela Alemanha, não quis correr o “risco” de ceder às “demandas” gregas. Qualquer mudança no status quo implicaria grave atentado contra o dogma da estabilidade fiscal que prevalecia na Europa. Ao mesmo tempo, governos no atormentado sul da Europa, especialmente na Espanha, temiam que qualquer concessões à Grécia pusesse em perigo o futuro político deles mesmos. Há um método cuidadosamente pensado e conduzido nessa loucura – o que explica as repetidas convocações para “restaurar a sanidade e a humanidade”.

Quando entramos em maio, foram empregados uma série de novos neologismos para refletir as novas realidades: Grimbo [“Grécia” + “limbo”], Graccident [“Grécia” + “acidente”], “Varoufexit” [“Varoufakis” + “Sair”], “Gredge” [“Grécia” + “beira do abismo”]. As táticas de negociação dos gregos trocaram de marcha. Naquele momento já se tornara muito claro que as esperanças dos gregos – de obter um acordo-ponte que conduzisse rumo a um acordo final para a questão grega – sempre fora miragem. As instituições europeias até gostaram de reiniciar as negociações em Bruxelas, servindo-se de uma equipe de especialistas para discutir detalhes das medidas fiscais.

Quatro linhas vermelhas gregas começaram a tomar forma: o sistema de aposentadorias, o mercado de trabalho, privatização e arrecadação de impostos. A progressão das negociações levou a violações de quase tudo que havia nas linhas vermelhas do governo, ao mesmo tempo em que cresciam as tensões entre as instituições. Reinava a desarmonia, e uma nova linha, dessa vez ainda mais vermelho rubra, raiava no horizonte: recusa total a aceitar nova rodada de cortes, já inimagináveis, em salários e aposentadorias.

Este mês, a coisa engrossou, com o atraso no pagamento da parcela devida ao FMI. Discussões, reuniões, teleconferências, minirreuniões proliferaram. Debate exaustivo, sem precedentes, sobre o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) virou assunto de conversas diárias em toda a Grécia e em toda a Europa. Com o passar do tempo, foi-se tornando cada vez mais claro que as propostas não passavam de ultimatos, cujo único objetivo era quebrar o governo Tsipras. Embora recessionária, a última proposta grega fazia algum sentido com alívio da dívida e previa plano moderado para atender às necessidades mais imediatas de dinheiro no país.

A troika não mostrou qualquer flexibilidade. Já estavam sendo elaborados planos para “mudança de regime”. Os líderes da direita no Partido Nova Democracia e os partidos de centro-esquerda da coalizão Potami foram chamados a Bruxelas, para conversações. Era hora para o Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Junker, fazer o que ele mais sabe fazer – jogar culpas e responsabilidade nas costas dos outros.

Enfrentado a demandas impossíveis, o governo Tsipras só tinha duas opções. Uma, submeter-se ao aprofundamento da depressão econômica na Grécia. Segunda, convocar o povo, fosse em novas eleições ou num referendo.

A política grega entra agora em fase nova, mais divisiva, que aprofunda as divisões políticas do período chamado “do memorandum”. Ao contrário do que demandam alguns líderes europeus e seus procuradores políticos na Grécia, o governo insistiu que a votação nada tem a ver com o lutar da Grécia na Eurozona e na União Europeia.

O referendum nada tem a ver com “dentro/fora” nem com “euro/dracma”. Pelo modo como foi redigido, o referendum tem a ver com aceitar ou rejeitar o mais recente acordo proposto pelas instituições. O governo tem sugerido que pode mudar de posição no caso de se viabilizar algum acordo de último momento, mas nada disso parece agora possível.

Apesar de esse movimento não conflitar com o mandato do Syriza para negociar um acordo anti-austeridase, dentro do contexto hoje existente da Eurozona, seria hipocrisia não reconhecer que, no caso de resultado “Não” no referendo, será imperioso pôr outras alternativas sobre a mesa. É preciso dizer também que um “Não não é de modo algum rejeição ou renúncia à condição da Grécia, de membro da Eurozona e da União Europeia, como pregam o Partido Comunista da Grécia e outros partidos menores da esquerda radical. Um “Não” no referendo de 5 de agosto de 2015 reafirmará que o país continua interessado em encontrar terreno comum na Europa.

No caso de resultado “Sim”, o governo e o Partido Syriza ter-se-ão deixado apanhar numa “armadilha da democracia”. Os credores da Grécia e seus procuradores na política local argumentarão que, apesar da clara maioria parlamentar com que conta o governo, ele já não tem legitimidade política para firmar qualquer tipo de acordo com os credores da Grécia. Discussões sobre novas eleições ou outras coalizões para governar com certeza proliferarão. Essa é a razão pela qual cada um e todos os euroburocratas em Bruxelas estão fazendo campanha a favor do voto “sim”.

Comentaristas observaram corretamente que a decisão do governo a favor do referendum repõe em cena o direito à oposição democrática e repõe a democracia outra vez no mapa de uma Europa cada dia mais autoritária. O demos tomou o palco e tem de ser deixado deliberar livremente sobre o futuro de sua comunidade política. Mas a corrida aos bancos patrocinada pelo credor e o inevitável controle sobre capitais nos bancos gregos fez surgir uma política do medo.

A Grécia não está só nem pode ser deixada só nesses tempos críticos. Como disse Pablo Iglesias: "O problema não é a Grécia: o problema é a Europa." Agora, mais que nunca, o povo grego precisa de apoio e solidariedade, de todas as formas, por todos os meios acessíveis: que se tomem as ruas, no dia do referendum, que se criem e divulguem-se campanhas de solidariedade por toda a Europa e em todo o mundo.

Haverá, dentre os que pregam um voto “não” – como o líder do ANEL [“Gregos Independentes”] e Ministro da Defesa, Panos Kammenos — os que abraçam o mais furioso nacionalismo. Esse não é o argumento que inspira a esquerda. Entendemos que o interesse nacional que o governo grego defende corretamente está em primeiro lugar e sobretudo alinhado a interesses transnacionais europeus. Nosso amor à Grécia não nos faz fantasiar com grandezas nacionais “só nossas” nem nos empurra para ilusões de autossuficiência econômica.

Por décadas, o destino da Grécia esteve entregue aos seus estadistas “iluminados”. Agora é diferente. É chegada a hora de o povo exercer o seu direito democrático e decidir sobre o futuro das gerações vindouras.

Giannakopoulos Georgios é doutorando em História na Queen Mary University of London.

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