5 de junho de 2015

Alta dos juros atende só ao mercado e sacrifica a população

Leda Paulani


Ignorar que economia é política é o discurso que tem feito triunfar, há mais de duas décadas, o paraíso das finanças

Na visão dos ortodoxos de plantão, a credibilidade é bem de primeira necessidade. O produto, claro, vem embalado com o rótulo de autonomia do Banco Central, de preferência em mandato descontinuado com o do mandatário eleito pelo povo.

Para eles, só um BC confiável traria as expectativas inflacionárias para o centro da meta (4,5%) em 2016, e a diferença entre esse valor e o que o mercado prevê para esse ano (5,6%) mede a perda de credibilidade da instituição. (Esse BC, alegam, não é digno de confiança, pois seu presidente, Tombini, não entrega o que promete.)

Mas isso ainda é pouco: para eles, a única forma de persuadir o "público" de que a economia será conduzida com responsabilidade é a equipe econômica não se sujeitar ao papel de marionete, como teria ocorrido no primeiro mandato de Dilma.

Não basta, pois, um BC independente do governo. É a equipe econômica toda que deve sê-lo.

Quem sabe, então, a par do presidente do BC, não fosse o caso de escolher também um ministro da Fazenda em mandato descontinuado com o do mandatário eleito. Assim, o governo "governaria", e os responsáveis e zelosos técnicos cuidariam da economia.

Levy sem amarras

Noutras palavras, imaginemos um Levy sem amarras políticas, livre para cortar a gosto os gastos públicos, pouco importando o aprofundamento do círculo vicioso já em curso –ajuste fiscal - queda do produto - queda da arrecadação - piora no resultado primário - mais ajuste–, e, junto com esse Levy, um presidente do BC igualmente livre para subir a gosto a Selic.

Essa desconexão total, absoluta, entre política e economia não seria o paraíso das finanças, o paraíso fiscal? No paraíso das finanças existente no Brasil (de onde ainda serão expulsos todos os heterodoxos!), há uma conta que se faz e outra que nunca é feita.

A que se faz: a cada aumento de 10% no salário mínimo, os gastos do governo sobem cerca de R$ 25 bilhões (afinal, no dizer de nossos ciosos técnicos, qualquer um que estuda as contas públicas sabe que é insustentável a política de aumento persistente do salário mínimo acima da inflação).

Conta que nunca foi feita
A conta que nunca é feita: a cada aumento de mero 1% na taxa Selic, os gastos do governo sobem cerca de R$ 14 bilhões.

O primeiro aumento é puro despautério, o segundo necessidade incontornável.

Tudo se passa como se o dinheiro que paga o aumento do mínimo estourasse as contas públicas, enquanto o outro, o que paga os rendimentos da riqueza financeira, não causasse, milagrosamente, mal algum (antes o contrário, pois ainda reduz a inflação, certo?).

Os felizes cidadãos do paraíso das finanças (alguns poucos milhares) dispõem desse dinheiro bendito, enquanto os milhões de viventes restantes só possuem a seu alcance o dinheiro que faz sangrar.

É forçoso concluir que o "público" para o qual são tão necessárias tais credibilidade e responsabilidade é bem reduzido: resume-se aos agentes do mercado financeiro. Os zelosos técnicos devem zelar por eles e pela produção do dinheiro milagroso.

O que aparece como exigência técnica atende interesses bem definidos.

Ocultar a economia atrás da técnica, ignorar que economia é política, por implicar escolhas, é pressuposto essencial do discurso que tem feito triunfar no Brasil, há mais de duas décadas, o paraíso das finanças, em detrimento do país que abriga os milhões de viventes restantes.

Sobre a autora
LEDA PAULANI, 60, é professora titular do Departamento de Economia da FEA-USP

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