12 de julho de 2012

Fugindo com algo

Como é que Wall Street passou a dominar tão completamente a política econômica de Obama?

Paul Krugman e Robin Wells


O presidente Barack Obama e o secretário do Tesouro Timothy Geithner durante a cúpula do G20 em Cannes, França, novembro de 2011. Pete Souza/White House

The Escape Artists: How Obama's Team Fumbled the Recovery
by Noam Scheiber
Simon and Schuster, 351 pp., $28.00

Pity the Billionaire: The Hard-Times Swindle and the Unlikely Comeback of the Right
by Thomas Frank
Metropolitan, 225 pp., $25.00

The Age of Austerity: How Scarcity Will Remake American Politics
by Thomas Byrne Edsall
Doubleday, 256 pp., $24.95

Tradução / Na primavera de 2012, a campanha de Obama decidiu ir atrás da história de seu oponente, Mitt Romney, na Bain Capital, uma firma de administração de fundos privados [private equity] que se especializou em assumir o controle de empresas e multiplicar o capital de seus investidores – às vezes, promovendo seu crescimento, mas frequentemente às custas dos seus trabalhadores. Na verdade, houve vários casos em que a Bain conseguiu lucrar mesmo quando as empresas adquiridas foram à falência.

Havia razões política claras para tal atitude. O próprio senador Ted Keneddy havia suscitado, com sucesso, a história dos trabalhadores arruinados pela Bain, em sua campanha contra Ronney em Massachussetes, em 1994. Além disso, o único discurso possível para Romney, na atual disputa pela presidência, é sua afirmação de que pode, como um homem de negócios bem- sucedido, consertar a economia. Fazia todo o sentido apontar as muitas sombras que pairam sobre a história de negócios de Romney – e fisar que o que é bom para a Bain, definitivamente não serve aos Estados Unidos.

No entanto, enquanto escrevíamos este artigo, dois políticos destacados do Partido Democrata minaram a estratégia. Primeiro, Cory Booker, o prefeito de Newark, descreveu os ataques ao private equitycomo “repugnantes”. Depois, ninguém menos do que Bill Clinton apressou-se a descrever a história de Romney como “legítima”, acrescentando: “Não acho que devemos ficar na posição em que dizer: ‘este é um trabalho ruim’, ou ‘este é um bom trabalho’”. (Mais tarde, ele apareceu ao lado de Obama e disse que uma presidência de Romney seria “calamitosa”).

O está acontecendo? A resposta atinge o centro das decepções — políticas e econômicas – com o governo Obama.

Quando o presidente foi eleito, em 2008, muitos progressistas esperavam uma repetição do New Deal. A situação econômica era, afinal, muito semelhante. Como em 1930, um sistema financeiro descontrolado levou primeiro a excesso de endividamento privado; e, em seguida, a uma crise financeira. A contração econômica que se seguiu (e persiste até hoje), embora não tão severa quanto a Grande Depressão, mantém uma semelhança óbvia com a do século passado. Por que as políticas deveriam seguir um script semelhante?

Mas, embora a economia de hoje mantenha forte semelhança com a dos anos 1930, o cenário político não a acompanha — pois nem os democratas, nem os republicanos são o que eram outrora. Ao chegar à presidência com Obama, boa parte do Partido Democrata foi quase capturada pelos interesses financeiros que levaram à crise. Como mostraram os incidentes com Booker e Clinton, parte do partido permanece nesta condição. Enquanto isso, os republicanos tornaram-se extremistas a um ponto que nunca se imaginou, três gerações atrás. A oposição radical que Obama tem enfrentado em questões econômicas contrasta com o fato de que a maioria dos republicanos no Congresso votou a favor, e não contra, a principal conquista de Roosevelt: a lei instituiu a Seguridade Social nos EUA, em 1935.


Essas mudanças nos partidos políticos dos EUA explicam o motivo de não ter havido um segundo New Deal; e por que a resposta política à crise econômica prolongada tem sido tão inadequada. A captura parcial do Partido Democrata por Wall Street e o efeito de distorção que ela produziu na política são os temas centrais do livro de Noam Scheiber, The Escape Artists: How Obama’s Team Fumbled the Recovery, uma visão, a partir de dentro, das ações da equipe econômica de Obama, desde os primeiros dias transição presidencial até o final de 2011.

Scheiber começa tratando da influência que Wall Street exerceu sobre o conjunto da equipe econômica. Em suas primeiras páginas, ele conta como a campanha de Obama apoiava-se nos conselhos políticos de “acadêmicos obscuros, radicais sem muitos vínculos e burocratas ultrapassados” – a exemplo de Austan Goolsbee, um jovem professor de economia da Universidade de Chicago, e Paul Volcker, o octogenário embora ainda vigoroso ex-presidente do Federal Reserve[o equivalente americano do Banco Central – Nota da tradução]. Porém, em setembro de 2008, um outro grupo havia se formado e começou a disputar influência. Era composto por endinheirados de dentro do mercado. A maioria deles tinha trabalhado para o ex-secretário do Tesouro de Clinton, Robert Rubin — que foi sócio da Goldman Sachs antes de integrar o governo de Bill Clinton e, após sair, tornou-se diretor, conselheiro e depois presidente do Citigroup. Eram os rubinistas.

Em pouco tempo, este grupo substituiu inteiramente a equipe anterior. Por exemplo, a pessoa encarregada de estudar possíveis contratações era Jason Furmam, economista de Washington que dirigiu o Projeto Hamilton, um think tank de tendência neoliberal fundado por Rubin e mantido por financistas simpatizantes do Partido Democrata. Mike Froman – um auxiliar de Rubin durante seu mandato como secretário do Tesouro (e que o acompanhara no Citigroup) — foi o chefe pessoal da equipe de transição formada por Obama. Foi Froman quem indicou e apoiou, posteriormente, Larry Summers e Tim Geithner como principais candidatos para o departamento do Tesouro.

Summers, economista de Harvard e ex-subsecretário do Tesouro de Robert Rubin, (mais tarde, seu substituto como secretário do Tesouro e também consultor de um fundo de hedge de Wall Street), seria o principal assessor econômico de Obama, na condição de diretor do Conselho Econômico Nacional. Geithner – que havia sido o braço direito de Summers na secretaria do Tesouro de Clinton e, mais tarde, presidente do Federal Reserve de Nova York – fora uma das três pessoas que agiram, no outono de 2008, para salvar os maiores bancos do país, em termos muito favoráveis a estes. Como Scheiber escreve: “Ao escalar Mike Froman como encarregado da contratação, Obama escolheu para seu governo um staff composto por infiltrados (do mercado financeiro) e gente do establishment.”


O domínio dos rubinistas no novo governo chocou muitos progressistas. Para muitos a revogação da Lei Glass-Steagall, promovida por Bill Clinton e defendida por Robert Rubin (mas contestada por Paul Volcker, presidente do FED), simbolizava as relações muito amigáveis entre o governo Clinton e Wall Street, e ajudara a disparar a crise financeira de 2008. A lei Glass-Steagall, datada da época da Grande Depressão, proibia as instituições financeiras de manter contas bancárias garantidas pelo Estado e, ao mesmo tempo, atuar nos mercados de derivativos. Ela não teria impedido a implosão de 2008 em Wall Street. O incêndio teve como combustíveis os níveis extraordinariamente elevados de alavancagem de bancos de investimento como o Lehman e Merrill Lynch e a construção de imensos portfólios de hipotecas de segunda linha, por instituições como o Bank of America. Mas os progressistas estavam certos, ao lembrar que Wall Street fora perigosamente desregulada por muito tempo, e que todo o país agora estava pagando por isso.

No entanto, o novo governo se fez de surdo a estas preocupações. Como relata Scheiber, quando um senador democrata protestou que a equipe liderada por Geithner e Summers tinha sido muito simpática com Wall Street durante a década de 1990, Obama rejeitou as preocupações, afirmando que “precisava de pessoas com quem pudesse contar em uma crise. Além disso… eles tinham mudado”.

Foi algo como uma conspiração? Não – como Scheiber explica, tudo foi menos intencional e mais complicados do que parece. Por um lado, Obama tinha necessidade de ter mãos experientes e credibilidade imediata, em meio à pior crise financeira desde a Grande Depressão. Por outro, pesou a inapetência do presidente por decisões politicas fortes. Mas também é claro que a personalidade de Obama e seu temperamento foram fundamentais para alinhar a sorte do presidente com a dos pupilos de Rubin. Como Scheiber observa com correção, Obama e Tim Geithner têm, em comum, infâncias similares como expatriados e um discreto estilo auto-depreciativo, que os leva a evitar o conflito direto. Sem dúvida, a equipe econômica dos sonhos de Obama deu-lhe a “afirmação intelectual” pela qual, observa Scheiber, “ele suplicava.”

Mas essa equipe, que pode ter dado a Obama afirmação intelectual, não lhe ofereceu conselhos muito bons. No fim das contas, a resposta de Obama à crise financeira foi desequilibrada e inadequada. Wall Street recebeu um resgate generoso, com poucas exigências de contrapartidas; os trabalhadores e proprietários de imóveis hipotecados foram abandonados por planos impotentes de estímulo e redução das dívidas.

É verdade, nem todos os membros da equipe agiram errado. Sabemos hoje que especialmente Christina Romer, uma professora de Berkeley nomeada para chefiar o Conselho de Assessores Econômicos de Obama, reivindicou, desde o início, um estímulo econômico muito maior que proposto pelo governo. Mas Romer foi escanteada. Quem falava ao ouvido de Obama era Larry Summers — uma pessoa que não tem vergonha em mostrar seu brilhantismo. A princípio, isso poderia não fazer muita diferença. Enquanto acadêmico, Summers defende perspectivas econômicas keynesianas não muito diferentes das de Romer (ou das nossas). Mas, em vez de transmitir uma análise econômica sóbria, ele tentou mostrar sua astúcia política antevendo o que o Congresso estaria disposto a aceitar. Como resultado, deixou de defender a causa de um estímulo econômico maior.


Mas é Tim Geithner, o secretário do Tesouro de Obama, que aparece – ainda mais que o presidente – como o elemento decisivo desta saga. Em contraste com Summers – retratado por Scheiber como um rubinista flexível, disposto a alterar seus pontos de vista diante de provas e convencido, em especial, de que os acionistas de bancos socorridos podiam e devia pagar mais para os contribuintes – Geithner é descrito como um rubinista doutrinário, que enxerga, como sua principal tarefa, restaurar a confiança do mercado financeiro. Em sua cabeça, isso significa não fazer nada que possa perturbar Wall Street.

Um pacote de socorro financeiro era, sem dúvida, necessário. Mas Geithner atropelou Summers – e até mesmo Obama – desenhando um resgate no qual: (I) os contribuintes assumiram todo o risco, sem ganhar nada em troca; (II) as investidas especulativas do Goldman Sachs contra a AIG foram honradas na íntegra e validadas graças ao resgate da empresa pelo governo; e (III) o plano de regulação dos mercados de derivativos foi, como disse um lobista, “o que o próprio mercado gostaria de ter formulado”. Não houve, é claro, debate algum sobre responsabilidade ou dolo, sequer uma insinuação de que os banqueiros tinham feito algo errado, ao colocando a economia em tal situação. Isso, afinal, poderia “minar a confiança”...

Como Geithner conseguiu dominar tão completamente as políticas econômicas? Em parte, graças sua habilidade como articulador. Mesmo quando não podia ganhar uma disputa pelo argumento, ele o fazia por outros meios. Muitas vezes, ele simplesmente esperava as pessoas desistirem – foi sua tática com Rahm Emanuel, sabendo que a atenção maníaca deste acabaria desviando-o para outro assunto. E, crucialmente, Geithner foi autorizado pela falta de vontade de Obama em resolver impasses entre seus assessores. Quando a opinião pública manifestou seu ódio diante do socorro aos bancos, David Axelrod, Robert Gibbs, e Rahm Emanuel voltaram-se para Geithner e insistiram com ele para que acionistas de bancos pagassem algum preço pelo resgate oferecido pelo governo ao setor bancário. Geithner simplesmente recusou-se a ceder, argumentando de modo capcioso que os bancos já haviam pago um preço por serem forçados a levantar capital no mercado. Como Scheiber aponta com precisão, esta fala ignorava o fato de que, ao respaldar os bancos durante sua implosão autoinfligida, o governo norte-americano fornecera-lhes uma apólice de seguro de bilhões de dólares. No final, Geithner ganhou.

Se Geithner foi o designer ativo do plano de resgate de Wall Street, Obama foi o facilitador passivo da intransigência do Partido Republicano. Scheiber descreve como, por inúmeras vezes, a busca de soluções bipartidárias, por parte do presidente, deixou o partido mais conservador em vantagem. Scheiber observa que “na mente de Obama, ‘partidário’ está igualado a ‘paroquial’, ou mesmo a ‘corrupto'”, o que o levou a “fazer enormes concessões, antes mesmo que a negociação tivesse começado”. Também ressalta que o apetite do presidente para ser aceito pelos dois partidos sempre foi “profundamente confuso” e que, ao contrário da abordagem de Obama, “as pressões dos partidos podem muito bem servir ao interesse público, quando não há outro caminho para passar a legislação”.

O centrismo inato de Obama levou-o a adotar a preocupação com o déficit orçamentário de Geithner e de Peter Orszag (o chefe do Escritório de Orçamento e Gestão, outro protegido de Rubin), desprezando os protestos verbais de Summers e Romer, para quem não era o momento de se preocupar com déficits. Como resultado, Obama nunca compreendeu que o estímulo econômico original foi suficiente. Esta posição deixou-o emparedado quando se tornou claro – já no verão de 2010, ou mesmo antes — que as medidas eram, na verdade, quase insignificantes.

O ponto mais baixo, no balanço de Scheiber, foi a participação inepta de Obama nas negociações de 2010 sobre o destino dos cortes de tributos para os ricos, que haviam sido decretados no governo Bush. A própria equipe econômica, profundamente preocupada porque “o presidente estava ausente” do embate, passou a agir por conta própria. Foram Geithner e o antigo braço direito político de Clinton, Gene Sperling, que arrancaram concessões dos republicanos no acordo final, enquanto Obama ainda procurava um consenso. Outra vítima desse período foi a busca real de qualquer alívio da dívida para os proprietários de imóveis hipotecados. Por volta do final de 2010, tanto Summers quanto Romer deixaram Washington frustrados.


O livro de Scheiber é, portanto, uma história deprimente a respeito de quanto a influência de Wall Street sobre os democratas livrou o sistema financeiro de pagar pelo caos que provocou e evitar, de quebra, uma regulamentação eficaz de sua atividade. Também conta como Obama foi incapaz de confrontar os republicanos mais intransigentes. Mas o que tornou este partido tão extremista? Este é, de diferentes maneiras, o tema de dois outros livros recentes: Pity the Billionaire de Thomas Frank e The Age of Austerity de Thomas Edsall.

Frank concentra-se no que chama de “algo único na história de movimentos sociais dos Estados Unidos: uma conversão em massa para a teoria do livre mercado como resposta aos tempos difíceis”. Trata-se de algo realmente notável. Afinal, por três décadas, antes da crise financeira norte-americana, as políticas públicas e a política institucional foram crescentemente dominadas pela ideologia do laissez-faire – a crença de que os mercados (e os mercados financeiros, em particular) devem ser autorizados a correr soltos. Depois, veio a queda inevitável. Mas, longe de exigir um retorno a uma maior regulamentação, grande parte do eleitorado norte-americano voltou-se para a visão de que a crise foi causada, em muito, pela intervenção do Estado. Em consequência, este setor agrupou-se em torno de políticos dispostos a mergulhar ainda mais fundo nas políticas que levaram à crise.

Como isso aconteceu? A resposta de Frank é que a causa foram os próprios resgates. Ao agir à la Geithner, socorrendo os banqueiros sem rédeas e sem culpa, o governo Obama deixou grande parte público norte-americano irritado e com a sensação – correta – de que alguém estava fugindo com algo. A direita foi hábil em explorar essa sensação. O famoso discurso de Rick Santelli da CNBC, em fevereiro de 2009 – que iniciou o movimento Tea Party – foi uma denúncia do TARP, o resgate aos grandes bancos aprovado nos últimos dias da administração Bush (embora uma enormidade de eleitores acreditem que foi aprovado no governo Obama). É verdade que Santelli dirigiu toda a sua ira para uma parte ínfima do TARP – a ajuda prevista aos proprietários de imóveis em dificuldades, que, em grande parte, nunca se materializou – evitando mencionar o socorro muito maior oferecido aos bancos. Mas pelo menos ele estava culpando alguém, coisa que o governo Obama recusou-se a fazer.

E na hora em que Obama começou, timidamente, a sugerir que alguns banqueiros poderiam ter se comportado relativamente mal, já era tarde demais. Todo o Partido Republicano (e grande parte do eleitorado) já tinha aderido a uma narrativa na qual a crise financeira de 2008 – que se seguiu a 14 anos de domínio da extrema-direita republicana no Congresso e a oito anos nos quais os conservadores linha-dura controlaram todos os três ramos do governo – foi causada... por excesso de intervenção do governo, para ajudar os pobres e, especialmente, os não-brancos. Nas palavras de Frank:

“O culpado, para variar, é o governo.... Os funcionários forçaram os bancos a oferecer empréstimos especiais para uma minoria de tomadores (...) e toda a crise financeira foi resultado da interferência do governo.”

Desse modo, a direita consegue reposicionar-se como suposta inimiga do odiado “Big Business” – não porque ele maneja negócios, mas porque seria “insuficientemente capitalista”. Não há melhor prova da circulação deste ponto de vista, pontua Frank, que um artigo de Paul Ryan [o vice-presidente na chapa de Mitt Rommey], na Forbes de 2009. Intitulado “Abaixo o Big Business”, o texto exorta: “cabe ao povo americano – inovadores e empreendedores, pequenos empresários... tomar uma atitude”.

Mas por que a direita foi tão mais capaz de aproveitar o momento que Obama e companhia? Já vimos uma parte da resposta: os democratas em geral, e o presidente em particular, estavam próximos demais de Wall Street, para lidar com uma crise que os mercados financeiros haviam criado. Frank também destaca um ponto importante: no clima político recente, a ignorância tem sido realmente uma força... É preciso lembrar que o universo intelectual hermético que a direita criou para si mesma – uma espécie de realidade alternativa, murada contra qualquer evidência que possa contradizer a fé nas maravilhas do livre mercado e os males da intervenção do governo – seria um peso para o Partido Republicano. E ele, de fato, destrói a capacidade de formular políticas reais. Em termos políticos, no entanto, a atitude tem dado aos republicanos unidade e certeza, onde os democratas apresentam-se fracos e divididos.


E de onde a unidade republicana realmente vem? Frank não explica isso, mas há uma teoria nova e boa em A Era da Austeridade de Thomas Edsall. Curiosamente, não se trata da teoria que o próprio Edsall expõe.

A tese ostensiva de Edsall, desenvolvida já no início do livro, é de há escassez, na raiz de nossas novas batalhas políticas. Teríamos penetrado numa nova era de jogo pesado na política institucional, porque o encolhimento da economia e um déficit orçamentário considerável tornaram impossível satisfazer as necessidades dos dois partidos políticos ao mesmo tempo

“Os dois principais partidos políticos estão presos em uma luta de morte para proteger os benefícios e bens que fluem para suas respectivas bases, cada um tentando expropriar os recursos do outro. Estamos diante de um futuro brutal.”

No entanto, o máximo de evidência que Edsall arrola em favor desta é apontar para as consequências da crise econômica — que não, de modo algum, uma crise de escassez, mas sim de políticas financeira e macroeconômica ruins. Por que, exatamente, deveria haver uma “luta de morte” por recursos, quando a economia norte-americana poderia produzir, segundo estimativas do Gabinete do Orçamento do Congresso, 900 bilhões de dólares a mais, em bens e serviços – bastando recolocar em movimento os trabalhadores desempregados, e outros recursos não-utilizados? Por que deve haver uma luta amarga em torno do orçamento, quando o governo dos EUA, embora reconhecidamente tenha grandes déficits, continua capaz de obter empréstimos às taxas de juros mais baixas da história?

A verdade é que a austeridade que Edsall enfatiza é mais o resultadodo que a causa da nossa política amargurada. Temos uma economia deprimida, em grande parte, porque os republicanos bloquearam quase todas as iniciativas propostas por Obama para criar empregos, recusando-se até mesmo a confirmar as indicações do presidente para o conselho do Federal Reserve (Peter Diamond, economista do MIT laureado com o Nobel, foi rejeitado por falta de qualificações suficientes…). Vivemos uma batalha enorme em torno dos déficits não porque eles realmente representem um problema imediato, mas porque os conservadores encontraram na histeria em torno deles uma maneira útil para atacar programas sociais.

Então de onde vem a amargura da política vem? Edsall fornece grande parte da resposta. Nomeadamente, o que ele retrata é um Partido Republicano radicalizado não pela luta por recursos – a carga tributária sobre os ricos é a menor em várias gerações –, mas por medo de perder o controle político, numa nação em processo de mudanças. A parte mais marcante de A Era da Austeridade, pelo menos segundo nossa leitura, é o capítulo enganosamente intitulado “A Economia da imigração”. Ele não diz muito seu título; o que faz, em vez disso, é documentar em que medida os imigrantes e os seus filhos estão, literalmente, mudando a cara do eleitorado americano.

Como Edsall admite, a face em mutação do eleitorado tem tido o efeito de radicalizar o Partido Republicano.

“Para os brancos de inclinação conservadora”, ele escreve – e não é esta a própria definição da base republicana? – a mudança para uma nação de minoria-maioria [isto é, uma nação na qual as minorias compõem a maioria quantitativa] irá reforçar a visão já amplamente difundida, de que programas que beneficiam os pobres estão transferindo os dólares do contribuinte para minorias – dos brancos para negros, primeiro; e agora, além de tudo, para os “pardos”.

É a retórica de Rick Santelli bem aqui, diante de nós.

O Partido Republicano poderia, em princípio, ter respondido a essas mudanças, tentando redefinir-se como uma agremiação para além das pessoas brancas. Em vez disso, escreve Edsall, a resposta tem sido “apostar que podem continuar a ganhar como um partido branco, apesar da crescente força do voto minoritário.” E isso significa uma estratégia de tratoragem radical, que vai desde política de imigração até os tributos – passando, é claro, pela questão do estímulo econômico, que beneficiaria em alguma medida também as minorias.


O efeito imediato desse confronto amargo tem sido paralisar a política econômica na crise. Obama poderia ter se aproveitado de uma janela de oportunidade, em seus primeiros meses na presidência. Mas, como mostra Scheiber, essa janela se perdeu e houve pouca possibilidade de ação efetiva desde então. Por isso, a contração se arrasta. Mas, como Thomas Mann e Norman Ornstein dizem no título de seu novo livro, It’s Even Worse Than It Looks. Eles argumentam que o Congresso – e, na verdade, o sistema político norte-americano – está perto de chegar ao colapso institucional. Entramos em uma nova política de “tomada de reféns”, eles nos dizem, sintetizada pela batalha de 2011 sobre o teto da dívida. E eles sugerem que o fiasco da política macroeconômica em curso pode ser apenas o começo.

É um livro notável, embora deprimente, especialmente impressionante dada sua origem. Mann e Ornstein são estudiosos do Congresso profundamente respeitados, e seu livro parece, na aparência, sintetizar o tipo de esforço bipartidário que os insiders de Washington dizem amar. Mann está na Brookings Institution, liberal; Ornstein, no American Enterprise Institute, conservador. No entanto, eles rejeitam a tentação de nublar suas conclusões em nome de “equilíbrio”. O que o país enfrenta, escrevem, não é um problema com o partidarismo em abstrato, e sim um problema com um partido:

"Embora a imprensa tradicional e analistas não-partidários tenham dificuldade em compreender, um dos dois principais partidos, o Republicano, rumou para um extremo ideológico; desdenhoso da herança social e política da ordem política americana; incapaz de assumir compromissos; não persuasível pelo entendimento convencional de fatos, provas, e ciência; pouco respeitoso com a legitimidade de sua oposição política. Quando um partido se move dessa forma, para tão longe do centro da política norte-americana, é extremamente difícil implementar políticas que respondam aos desafios mais prementes ao país."

E onde, em tudo isso, está a esperança, que foi tão difundida em 2008? Francamente, é difícil encontrá-la agora. O presidente Obama tem parte da culpa por isso; ele escolheu ouvir as pessoas erradas, e, possivelmente, perdeu sua melhor chance de transformar a economia (Só para ficar claro, isso não é uma sugestão que Mitt Romney faria melhor. Pelo contrário, Romney está profundamente comprometido com a falsa narrativa republicana sobre o que aflige a nossa economia, e todas as indicações são de que, se ganhar, irá agravar dramaticamente uma má situação). Mas, no final das contas, o problema de fundo não tem a ver com personalidades ou lideranças individuais. Diz respeito à nação como um todo. Algo deu muito errado com os Estados Unidos. Não envolve apenas sua economia, mas sua capacidade de funcionar como nação democrática. E é difícil prever quando e como o dano poderá ser sanado.

Sobre os autores

Paul Krugman is a columnist for The New York Times and Distinguished Professor of Economics at the Graduate Center of the City University of New York. He was awarded the Nobel Prize in Economics in 2008.
 (July 2016)

Robin Wells is the coauthor, along with Paul Krugman, of Economics and has taught economics at Princeton, Stanford Business School, and MIT.
 (July 2012)

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