11 de setembro de 2017

A "crise" nuclear norte-coreana é uma ilusão

Apesar de seus eventos perturbadores — lançamentos de mísseis balísticos, testes de armas nucleares, exercícios militares, ameaças bombásticas — a “crise” norte-coreana dos últimos meses é em grande parte uma invenção.

John Mecklin


Tradução / Há um ano, a probabilidade de que a Coreia do Norte lançaria um míssil com carga nuclear sobre os Estados Unidos era praticamente zero: o Norte não tinha capacidade de fazer tal ataque. Desde então, Pyongyang alcançou avanços tecnológicos. Mas apesar do que alguns analistas acreditam, outros dizem que não existe prova definitiva e publicamente disponível de que a Coreia do Norte tem um míssil com alcance capaz de acertar os Estados Unidos continentais, uma ogiva nuclear miniaturizada para acompanhá-lo e a tecnologia para garantir que o armamento sobreviva ao calor e à pressão da reentrada na atmosfera.

Evidentemente, isso não significa que este é um espetáculo inofensivo. Mas mesmo que o Norte adquira aquelas capacidades técnicas, a possibilidade de que possa atacar os Estados Unidos com um míssil nuclear vão permanecer extraordinariamente baixas, por uma razão sobrepujante: como explicou em detalhes Jon Wofsthal, ex-diretor de controle de armas do governo Obama, o líder norte-coreano Kim Jong-Un não é nem louco nem suicida. Ele sabe que seu regime seria varrido do mapa em questão de horas (talvez minutos) após seu uso de uma arma nuclear. Cerca de 1590 ogivas nucleares lançadas em mísseis balísticos e bombas dos EUA garantiriam esse resultado. O Norte só conseguiu material físsil para construir somente 10 a 20 ogivas nucleares, segundo o relatório público mais especializado no assunto.

É também bastante improvável que os Estados Unidos vão fazer um ataque militar preemptivo — convencional ou nuclear — sobre a Coreia do Norte porque fazer isso quase certamente levaria a centenas de milhares de mortes na Coreia do Sul, talvez muito mais. Mesmo sem recorrer às armas nucleares, o Norte poderia usar milhares de foguetes e ataques de artilharia nas primeiras horas de uma guerra, numa barragem de explosivos convencionais que, como ameaçou o noticiário estatal norte-coreano, transformaria Seul num “mar de fogo”. Pyongyang também tem enormes estoques de armas e foguetes químicos e, portanto, também pode transformar a capital sul-coreana num mar de gases sarin e VX.

Diante da inegável realidade da mútua dissuasão, a “crise” norte-coreana de 2017 pode ser vista mais claramente como um espetáculo midiático criado pelo Camarada Kim e o Presidente Trump para seus próprios objetivos de relações públicas. É uma brincadeira perigosa. No atual ambiente midiático acirrado, qualquer pequena jogada no teatro internacional de Kim ou Trump — seja para ganho político, para obter vantagem em negociação ou como massagem no ego — seria tão amplificada por sua repetição 24 horas por dia na internet e na TV a cabo que acabaria sendo vista como um insulto nacional humilhante. Uma resposta impulsiva àquele insulto poderia levar a uma espiral que acabaria na catástrofe. Em termos mais concretos: se forças americanas tivessem abatido o míssil norte-coreano recentemente lançado sobre o espaço aéreo japonês, será que Kim iria, numa bravata, lançar outro míssil, talvez voltado para a direção de Guam? Trump iria, então, sentir-se obrigado a apresentar uma resposta à altura? Etcétera — com o possível resultado final na forma de nuvens-cogumelo.

A melhor maneira de reduzir o risco de uma guerra acidental apresentado pela crise teatral inventada no Nordeste da Ásia seria persuadir seus principais atores — Kim e Trump — de que o espetáculo que estão encenando é inacreditável e dificilmente trará os resultados que cada um quer. Mas eu realmente não espero que meu ponto de vista vai motivar dois líderes de alto (porém imerecido) nível a mudar de ideia em questões de vida, morte e audiência televisiva.

Portanto, proponho a segunda melhor abordagem: os jornalistas deveriam parar de escrever e televisar sobre a situação norte-coreana como se tudo tivesse mudado e a guerra estivesse bem próxima. A Coreia do Norte está procurando um arsenal nuclear utilizável há anos. Seu mais recente teste nuclear subterrâneo teve uma potência maior do que as detonações anteriores, produzindo uma força explosiva de mais ou menos 100 000 toneladas de TNT, cerca de quatro a cinco vezes o tamanho da bomba lançada sobre Nagasaki. Essa potência maior pode ter vindo de uma bomba de fissão “turbinada” com isótopos de hidrogênio ou de uma verdadeira arma de fusão, popularmente conhecida como bomba de hidrogênio. Baseados nas informações atualmente disponíveis, os especialistas não sabem dizer qual é o caso.

Mesmo que o teste de 3 de setembro tenha envolvido uma bomba de hidrogênio de verdade, Sig Hecker — ex-diretor do Laboratório Nacional de Los Alamos e um dos principais especialistas americanos no programa nuclear norte-coreano — disse à revista que eu edito, o Bulletin of the Atomic Scientists, que isso não seria “um divisor de águas”. Se fosse jogada sobre uma cidade americana, qualquer bomba norte-coreana — seja baseada em fusão ou fissão, seja de 20, 100 ou 800 kilotons — produziria devastação e a morte instantânea de dezenas de milhares de pessoas. É uma perspectiva assustadora. Mas é bom lembrar que os líderes norte-coreanos sabem que detonar uma arma nuclear sobre os Estados Unidos ou seus aliados seria certeza de suicídio nacional.

É claro que os testes de mísseis balísticos e as bombas nucleares norte-coreanas são eventos importantes que o noticiário internacional deve reportar. Mas a urgência que as mídias jornalísticas do mundo imprimem à crise acaba sendo, na verdade, um fator para prolongá-la, o que abre mais possibilidades de erros de cálculos e guerra. A situação norte-coreana poderia voltar a ser aquele tipo de diplomacia lenta e difícil que termina numa solução aceitável se os jornalistas minimizassem o Teatro de Marionetes do Camarada Kim e do Presidente Trump e focasse na realidade factual: a Coreia do Norte é um país minúsculo e empobrecido que seria vaporizado instantaneamente se vier a lançar um ataque sério aos Estados Unidos e, assim, a probabilidade de tal ataque é ridiculamente pequena. Sem um ambiente midiático que encoraja a percepção de crise grave, a possibilidade de um ataque preemptivo americano é igualmente pequena.

Jornalistas não podem fazer os líderes da Coreia do Norte e dos EUA agir de maneira responsável. Mas a mídia pode ajudar o público a entender que a “crise” coreana não passa de exibicionismo coreano e que um teatro de marionetes cheio de bravatas é um substituto bem patético para a diplomacia profissional.

Sobre o autor
John Mecklin é jornalista e editor-chefe do Bulletin of the Atomic Scientists.

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