4 de julho de 2018

O México de AMLO

Edwin F. Ackerman

Jacobin

O recém-eleito presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, em coletiva de imprensa no Palacio Nacional, na quarta-feira, na Cidade do México. Manuel Velasquez / Getty

Tradução / É difícil superestimar a dimensão da vitória de Andrés Manuel López Obrador , o AMLO como é amplamente conhecido no México, nas eleições presidenciais de seu país neste último domingo. AMLO ganhou com 53% dos votos, incríveis 30 pontos percentuais a mais que o segundo colocado, o direitista Ricardo Anaya. O presidente eleito do México obteve a maior quantidade de votos presidenciais na história de seu país — e com a mais ampla margem de vitória desde a transição democrática de 2000. Ele triunfou em todos menos um dos trinta e dois estados — pelo menos doze deles lhe deram mais do que 60% dos votos, tendo ainda prevalecido em 80% dos municípios.

O Morena, partido de AMLO criado em 2014 e, portanto, ainda em sua primeira eleição nacional, também conseguiu vitórias esmagadoras — garantindo maiorias sólidas para o Congresso e o Senado. O partido vai dirigir cinco dos nove governos estaduais que estavam em disputa, ganhando a maioria destes com margens históricas. Na Cidade do México, em que AMLO foi prefeito no início dos anos 2000, a candidata do Morena, Claudia Sheinbaum, foi eleita com dezesseis por cento a mais que o segundo colocado. Em Tabasco, estado em que nasceu López Obrador, o candidato do partido ganhou com quarenta pontos de vantagem. Os incríveis ganhos foram para além dos bastiões tradicionais de AMLO, atingindo boa parte da região norte. Os três principais partidos Mexicanos — o PRI, o PAN e o PRD — acordaram na manhã de segunda transformados em partidos secundários. A arena política inteira foi sacudida da noite para o dia.

Apesar de AMLO ter liderado as pesquisas por meses, muitos no país começaram o dia das eleições preocupados com possíveis operações de fraude e compra de votos. Diversos relatos dispersos de atividades suspeitas ao longo do dia aumentaram estes temores. Alguns relatos eram dramáticos. No estado de Puebla, por exemplo, uma van que carregava urnas roubadas bateu ao tentar fugir. Moradores da região correram para pegar os culpados e deram os braços em volta do veículo para proteger as urnas enquanto aguardavam a chegada das autoridades locais. O processo eleitoral em si foi marcado por violência, com mais de cem candidatos de diferentes partidos assassinados ao longo da campanha, a maioria pelas mãos dos cartéis de drogas.

Mas a noite terminou em tom eufórico para AMLO e seus apoiadores. Discursos antecipados dos opositores reconheceram a derrota, reduzindo as tensões. O Instituto Nacional Eleitoral confirmou que AMLO estava a caminho da vitória. O presidente em final de mandato, Peña Neto, foi à televisão nacional reconhecer os resultados e garantir à nação que a transição será pacífica. Centenas de milhares encheram a praça Zocalo, no centro da Cidade do México, para celebrar a notícia. Em discurso emocionado, López Obrador agradeceu aos movimentos de esquerda de antes — dos camponeses, trabalhadores, estudantes — que abriram o caminho para este momento. Você não está sozinho, o público cantava enquanto AMLO reconhecia a responsabilidade histórica que lhe fora confiada. Ele relembrou o slogan de sua campanha eleitoral passada a seis anos atrás: para o bem de todos, primeiro os pobres.

Mesmo assim, ao baixar a poeira, algumas perguntas permanecem. Que momento exatamente é este? E qual a natureza do mandato que foi claramente concedido a AMLO? Antes de ir a Zocalo, AMLO proferiu um discurso desde seu hotel, no qual afirmava aos mercados que estava comprometido à disciplina fiscal e financeira. Afonso Romo, provável Chefe de Gabinete (NT –– equivalente ao Ministro Chefe da Casa Civil no Brasil) de um futuro governo AMLO, é um interlocutor hábil entre o presidente eleito e o mercado financeiro. Ele chefia uma das maiores corretoras da América Latina e tem relações próximas ao ex-presidente Carlos Salinas de Gortari (do PRI), que forçou o país a adotar uma rota neoliberal no final dos anos 80. Naquela noite de domingo na Zocalo, o público também aplaudiu o nome de Romo quando anunciado por López Obrador na equipe de transição.

Na sua atual configuração, o Morena é uma coalizão ampla de distintos interesses antissistema. AMLO se apresenta, corretamente, como integrante de uma longa linhagem de dissidentes de esquerda. Boa parte de seu apelo é de que utilizará o Estado como uma força redistributiva agindo em prol da classe trabalhadora. No entanto, Romo e outros apoiadores de classe média e alta do Morena acreditam sua tarefa histórica ser construir as condições básicas para um regime liberal capitalista. Esta tarefa tem sabor antissistêmico no atual contexto dado que exige um fim do banditismo, consolidar o Estado de Direito e talvez até reduzir a evasão de impostos. A mensagem da campanha de AMLO encontrou um jeito de juntar estas duas visões: a corrupção impede o Estado de gerir de forma redistributiva o capitalismo, e o crescimento do crime organizado é consequência da retirada do Estado da economia. Com a legitimidade política dos partidos passando por grave crise, o Morena ofereceu um caminho para distintas frações de classe. Ele é um bloco político temporário que contém sérias tensões internas.

E mesmo assim, López Obrador pode não ver estas duas visões — a de Romo e a dos líderes de esquerda que ele reivindicou em seu discurso — como contraditórias. Uma das razões que explicam a dificuldade dos observadores de fora em localizar a ideologia política de AMLO (há abundância em debates de se ele deve ou não ser classificado como de “esquerda”) é que sua trajetória política é inteiramente peculiar ao caso mexicano. Ele não vem de uma esquerda socialista ou social democrata como seus equivalentes na Europa. Ele não vem do ativismo sindical como Lula ou Evo na América do Sul.

López Obrador foi membro do partido oficialista, o Partido Institucional da Revolução (PRI), no início de sua carreira, quando a organização — herdeira da revolução agrária radical do início do século XX — ainda possuía uma forte ala nacionalista, sendo também o único veículo para entrar no serviço público. Seu primeiro cargo nos anos 70 foi como diretor da fundação indígena em seu próprio estado, uma agência responsável por executar projetos locais de desenvolvimento. Nos anos 80, ele foi forçado a deixar o cargo de dirigente estadual do PRI por suas tentativas em democratizar a organização. O giro brusco do PRI ao neoliberalismo ao longo da década deixou a ala nacionalista do partido isolada, a levando eventualmente a romper com a organização. AMLO rompeu também, iniciando sua longa marcha enquanto um membro da oposição.

AMLO trabalha com a noção de um aparato estatal com neutralidade de classe que pode servir como árbitro e regulador do conflito de classes. Para ele, o pecado do PRI foi ter traído este projeto ao ceder o controle da economia ao setor privado, que deu início à deslegitimação política do Estado. E, portanto, na atual conjuntura regulamentar o conflito de classes e reconstruir a autoridade do Estado exige lançar uma agenda capitalistadesenvolvimentista de redistribuição: para o bem de todos, primeiro os pobres. É aqui onde se encontra a enorme promessa e os limites de sua presidência.

O que será a correlação de forças dentro do Morena daqui a alguns anos obviamente ainda segue em aberto. A visão de AMLO, produto de sua trajetória, e o peso do mandato que lhe foi cedido, cria uma longa margem para manter junta essa coalizão de forças. Contudo, as tensões estão predestinadas a surgir.

Sobre o autor
Edwin F. Ackerman é Professor Assistente de Sociologia na Universidade de Syracuse.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Guia essencial para a Jacobin

A Jacobin tem divulgado conteúdo socialista em ritmo acelerado desde 2010. Eis aqui um guia prático para algumas das obras mais importantes ...