27 de abril de 2019

Conclusões provisórias

Encerro meu percurso nesta Folha com três notas breves

Andre Singer
Professor de ciência política da USP, ex-secretário de Imprensa da Presidência (2003-2007). É autor de "O Lulismo em Crise".


Há mais de seis anos comecei a escrever neste espaço. De lá para cá, a democracia brasileira entrou em crise e ainda não se vê luz no horizonte. Encerro o percurso com três notas breves, a título de considerações finais sobre o tema.

1. Ascensão do Partido da Justiça (PJ). No final de 2012, quando esta coluna tinha início, acabava o julgamento do mensalão. Manobras discutíveis no STF (Supremo Tribunal Federal) visavam prender líderes petistas. Um ano depois, o então presidente da corte, Joaquim Barbosa, mandou-os para a cadeia, num feriado de 15 de novembro.

À época, assinalei que era “o simbolismo ideal para um possível futuro candidato a chefe do Executivo”. Dito e feito: em 2018, Barbosa passou meses na condição de presidenciável pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro). Por razões pouco claras, na última hora, desistiu do sonho presidencial.

O metafórico PJ, porém, já havia encontrado um sucessor à altura, o que talvez explique a desistência do ministro aposentado do STF. O juiz Sergio Moro, líder da Lava Jato e hoje ministro da Justiça, é virtual candidato à sucessão de Jair Bolsonaro.

Em janeiro, Bolsonaro teve seu primeiro compromisso internacional como presidente, em Davos (Suíça) para participar do Fórum Econômico Mundial. (Fabrice Coffrini/AFP)

2. Surgimento do Partido Fardado (PF). Em meio ao vazio que tomou conta do sistema partidário, varrido pela Lava Jato, militares da ativa, completamente afastados da cena política desde 1989, voltaram a agir. Em 2017, comandantes do Exército conclamaram a população a se manifestar. Hoje, um deles é vice-presidente da República.

Se a existência do PJ é até hoje motivo de controvérsia, o aparecimento do PF foi um verdadeiro raio em céu azul. As casernas tinham permanecido por 30 anos em rigoroso silêncio. Em questão de meses, no entanto, fardados ocuparam postos-chave na administração do país, tendo à frente um capitão reformado expulso dos quartéis.

A reviravolta foi tamanha que há poucos dias o general Hamilton Mourão, o mesmo que no passado demonstrou simpatia pelo torturador Brilhante Ustra, foi objeto de elogios por uma deputada do PC do B (Partido Comunista do Brasil).

3. Paralisia oposicionista. O golpe à brasileira —lento, gradual e seguro— encontrou a oposição desarticulada. O povo, por sua vez, tem assistido a tudo bestializado, como disse Aristides Lobo em 1889.

O lulismo, que segue vivo na estrutura capilar do PT (Partido dos Trabalhadores), desdobrou a falsa percepção histórica de que seria possível eliminar a pobreza e reduzir a desigualdade de cima para baixo. Não será. Chegado certo limite, as classes dominantes, com o entusiástico apoio da classe média, repõem o atraso.

Agradeço à Folha o privilégio de ter me permitido dialogar por quase 300 sábados com os seus leitores.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Guia essencial para a Jacobin

A Jacobin tem divulgado conteúdo socialista em ritmo acelerado desde 2010. Eis aqui um guia prático para algumas das obras mais importantes ...