20 de abril de 2019

Episódio de censura revela a perigosa confusão existente no país

Personagens mudam de posição a cada momento e todos os gatos parecem pardos

André Singer

Folha de S.Paulo

Pedro Ladeira/Folhapress

De que lado está Antonio Dias Toffoli? De parte com Lula, de quem foi auxiliar, ou dos que atacaram Lula, como Gilmar Mendes, de quem se tornou amigo?

Ao constranger a liberdade de um veículo de direita, Alexandre de Moraes, que também é de direita, encontra-se em que posição?

Quando utilizam o arbítrio para coibir ataques, quiçá também arbitrários, os meritíssimos do STF (Supremo Tribunal Federal) ajudam a quem?

O episódio da “censura” encerrado quinta (18), com a liberação da reportagem da revista Crusoé, revela a perigosa confusão em que nos encontramos. No terreno pantanoso, em que personagens mudam de posição a cada momento, todos os gatos parecem pardos, estimulando o golpismo.

E contumazes adversários da imprensa, como o presidente Bolsonaro, aproveitam para pescar em águas turvas, declarando que, sem a mídia, “a chama da democracia se apaga”.

Em tais momentos, convém baixar a bola e recomeçar a jogada desde atrás. O estopim do golpismo veio da Operação Lava Jato. A partir de 2014, “prisões alongadas”, na expressão de um dos atores acima citados, começaram a ser executadas ao bel-prazer de promotores, delegados e juízes. Na época, o impacto das revelações escandalosas —e pelo menos em parte reais— atordoou a consciência do que se passava.

Aos poucos ficou claro que se instalava um poder paralelo e parcial. Visava, sobretudo, embora não exclusivamente, destruir o PT e o lulismo. A ofensiva teve papel decisivo no impeachment de Dilma.

Após o impedimento, setores que tinham feito vista grossa aos desmandos do “tenentismo togado”, certeiro nome sugerido pelo sociólogo Luiz Werneck Vianna, começaram a lhe opor resistência. Talvez por cálculo, uma vez que agora o MDB e o PSDB entravam na mira. Pouco importa.

Os torquemadas retrucaram com a melhor arma de que dispõem: novas e críveis denúncias de corrupção. O episódio Joesley Batista, que quase levou Michel Temer pelo mesmo caminho que Rousseff, foi emblemático do confronto em curso. O ex-presidente sobreviveu graças ao Congresso.

Depois, a eleição de Bolsonaro e a consequente nomeação de Sergio Moro, o homem que liderou o levante das togas, foi uma vitória importante do time inquisitorial. Já o inquérito instaurado por Toffoli em 14 de março para proteger o tribunal assim como a censura praticada por Moraes no último dia 12 fazem parte da resposta da equipe garantista.

Onde deve ficar a opinião pública democrática? A favor do combate à corrupção, desde que feito de modo rigorosamente equilibrado e dentro da lei. Contra qualquer tipo de arbítrio, antessala do autoritarismo, seja ele praticado por quem for.

Sobre o autor

Professor de ciência política da USP, ex-secretário de Imprensa da Presidência (2003-2007). É autor de “O Lulismo em Crise”.

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