18 de maio de 2021

A maré está virando contra o apartheid israelense

Com enormes protestos pró-Palestina surgindo ao redor do mundo – incluindo a própria histórica greve geral palestina que aconteceu na última terça – o apartheid israelense está sentindo o tremor. O próximo passo é derrubá-lo.

Sumaya Awad e Daphna Thier

Jacobin

Cidadãos palestinos de Israel manifestam-se em Haifa, Israel, em 18 de maio de 2021, para marcar uma greve geral nacional convocada pela liderança árabe do país e para expressar solidariedade aos palestinos na Faixa de Gaza. (Mati Milstein / NurPhoto via Getty Images)

Tradução /  “Você apoia os protestos, os protestos violentos, que emergiram em solidariedade a você e outras famílias que estão na mesma situação que você agora?”
“Você apoia o despejo violento da minha família e eu?”

Semana passada, a CNN entrevistou Mohammed El-Kurd de Sheikh Jarrah, em Jerusalém – certamente a primeira vez que um palestino que estava resistindo ao despejo teve chance de falar na rede. Com essa breve oportunidade, o jovem palestino desafiou décadas de representações maliciosas da luta palestina na mídia tradicional.

A entrevista foi emblemática por lançar uma mudança nas percepções sobre a realidade do apartheid israelense. Mohammed é parte de uma nova geração de palestinos cuja indignação está comovendo pessoas em todo o mundo – e alimentando a resistência na Palestina.

Um povo, uma luta

Na terça, os palestinos iniciaram uma histórica greve geral nacional chamada “Unity Intifada”. Milhões participaram fechando seus negócios e se reunindo em enormes manifestações em diversas cidades na Palestina. Outros 1.6 milhões de trabalhadores palestinos em Israel entraram em greve, incluindo trabalhadores do tráfego, professoras e enfermeiras, mesmo com ameaça de demissão, atravessando décadas de fragmentação política e geográfica.

“As cenas da Palestina são impressionantes”, disse o escritor palestino Salem Barahmeh. “Ramallah cantando por Gaza, Haifa cantando para Ramallah, a bandeira palestina estiada em Jerusalém. É um dia incrível liderado pelo povo pela libertação da subjugação à um regime tirânico. Vida longa à Palestina.”

Os protestos históricos estão sendo organizados por jovens palestinos que rejeitam qualquer associação com a liderança palestina tradicional. Quando um membro da Autoridade Palestina tentou visitar Sheikh Jarrah, o comitê do bairro divulgou uma declaração repudiando aqueles que cooperam com forças de segurança israelenses. Como apontou recentemente o jornalista palestino Amjad Iraqi, “uma característica extraordinária das manifestações é que não estão sendo organizadas por partidos ou figuras políticas, mas sim por jovens ativistas palestinos, comitês de bairro e movimentos de base”.

E não são somente os palestinos na Palestina ocupada que estão resistindo. Os jordanianos têm protestado contra a embaixada israelense por dias mesmo com violentas repressões policiais. Na última sexta, centenas se uniram na famosa ponte Allenby que liga a Jordânia e a Cisjordânia, entoando “abram a fronteira”. Muitos conseguiram atravessar.

No Líbano, também, pessoas se juntaram na fronteira, cantando e balançando bandeiras, se preparando para atravessar e marchar para Jerusalém. Palestinos em Haifa tuitaram instruções sobre quais estradas usar quando entrarem no país. (Um manifestante foi alvejado e morto por tropas israelenses).

Além de atos de solidariedade, esses protestos na fronteira são declarações de que os palestinos desejam voltar para a sua terra. Milhões de jordanianos e libaneses são, na realidade, palestinos, deslocados em 1948 e 1967.

E os protestos na fronteira são históricos. Muitos comentaram que a última vez que os palestinos estavam tão unidos foi em 1947, depois da fundação violenta do Estado de Israel.

A maré está virando

As coisas estão mudando fora da Palestina, também.

Protestos em solidariedade emergiram em boa parte do Oriente Médio, do Levante ao Golfo ao norte africano, sinalizando o potencial para um levante muito maior na região.

Em Londres, 100.000 marcharam no final de semana. Em Paris, protestantes rejeitaram uma proibição do governo e apareceram aos milhares nas manifestações. Carregando cartazes caseiros com slogans “Não Consigo Respirar”, “Salvem Sheikh Jarrah” e “Libertem Gaza”, milhares protestaram em diversas cidades nos EUA na semana passada. Na capital Washington, dez mil pessoas em um mar de bandeiras palestinas marcharam para exigir o fim do financiamento estadunidense aos crimes de guerra israelenses. 20.000 marcharam em Chicago.

Vozes palestinas na CNN e no Washington Post e um número sem precedentes de declarações feitas por celebridades estão deixando claro que a luta por justiça na Palestina não é mais uma questão marginalizada. Mark Ruffalo se uniu à Susan Sarandon, ativista de longa data, exigindo sanções contra Israel. Viola Davis divulgou uma explicação sobre a limpeza étnica em Sheikh Jarrah.

Também significativa foi a intervenção, na semana passada, de membros do Congresso que são pró-Palestina, incluindo membras do “Esquadrão”, que foram além de discursos vazios sobre o “ciclo de violência” e dor sentidos por “ambos os lados” e falaram explicitamente contra a impunidade que o governo estadunidense garante a Israel.

A deputada palestina-americana Rashida Tlaib, em uma ação histórica, pediu aos colegas do Congresso para reconhecerem a Nakba e as campanhas de limpeza étnica de 1947-1948. Ayanna Pressley e Cori Bush conectaram a luta palestina com o Black Lives Matter, com Bush declarando, “somos anti-apartheid”.

E Alexandria Ocasio-Cortez estabeleceu conexões entre o massacre israelense em Gaza e o imperialismo estadunidense em Porto Rico:

Minha família é da ilha de Porto Rico, e eu cresci visitando minha família na ilha de Vieques, onde os Estados Unidos bombardearam seus próprios territórios...e, quando criança, eu dormia ao som das bombas estadunidenses detonando. Eles diziam na época que aquilo se chamava treinamento. Treinamento. E quando eu vi aqueles ataques aéreos financiados pelos EUA, eu me perguntei se as nossas comunidades foram treinamentos para isso. É da nossa conta porque temos um papel ativo nisso.

Isso é da nossa conta

Mais de 40 mil palestinos em Gaza perderam suas casas nos últimos sete dias de ataque israelense. Mais de 200 palestinos foram mortos, incluindo 59 crianças. Israel bombardeou um prédio da imprensa, uma usina elétrica, escolas que abrigavam refugiados, a maior biblioteca e editora de Gaza e estradas que levavam para hospitais. Durante um intervalo de 20 minutos no bombardeio na última quinta, um palestino em Gaza tuitou: “Eu sobrevivi a três guerras nesse país. Os últimos 20 minutos foram piores que todas elas”. Não há nada que justifique o dito direito de legítima defesa de Israel.

Por vezes os EUA defenderam os crimes de guerra de Israel enquanto bombas produzidas nos EUA caiam do céu sobre os palestinos vindas de aviões produzidos nos EUA. Apenas esse mês, Joe Biden aprovou uma venda de 735 milhões de dólares em armas para Israel. Uma ação para estabelecer sanções contra Israel poderia prejudicar tudo isso.

O mundo está finalmente vendo a verdade sobre Israel, e a maré está virando a nosso favor. Com uma insistência por sanções nos EUA e com movimentos nas ruas da Palestina, o apartheid israelense poderia finalmente começar a ruir. E, de fato, é exatamente isso que os palestinos querem que façamos. Os grevistas pediram por sanções contra Israel e por um boicote a produtos israelenses, declarando basicamente, “não apoie quem ocupa”.

Apelos morais não derrubaram o colonialismo israelense. Somente um movimento que pressione os EUA e outros governos a pararem com seu apoio ao maquinário bélico de Israel pode responsabilizar Israel – e impulsionar a luta pela liberação palestina.

Sobre os autores

Sumaya Awad é diretora de estratégia e comunicações do Adalah Justice Project e co-editora de Palestine: A Socialist Introduction (Haymarket Books).

Daphna Thier é socialista, mãe de uma criança e ativista que mora no Brooklyn. Ela é autora colaboradora do volume Palestine: A Socialist Introduction (Haymarket Books).

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