1 de junho de 1998

A economia da turbulência global

Robert Brenner


NLR I/229, May–June 1998

A ECONOMIA DA TURBULÊNCIA GLOBAL (EDIÇÃO ESPECIAL)

Um levantamento impressionante da economia mundial de 1950 até o presente, do autor do aclamado The Boom and the Bubble. Originalmente publicado como NLR I/229, este é agora um livro Verso:

Encomende-o no site da Verso ou na Amazon dos EUA ou Reino Unido.

Durante anos, a disciplina da economia tem se afastado constantemente do mundo real em direção a axiomas formalizados e modelos matemáticos com uma influência apenas precária na realidade. Os comentadores procuram preencher a lacuna da melhor forma possível, mas na ausência de estudos de base reais, o jornalismo é vulnerável às miopias da moda e do imediatismo. Os enigmas mais profundos do desenvolvimento pós-guerra permanecem, em ambos os casos, praticamente intocados.

Reunindo os pontos fortes do economista e do historiador, Robert Brenner enfrenta este desafio. Neste trabalho, uma edição revista e recentemente apresentada do seu aclamado relatório especial da New Left Review, ele traça a turbulenta história pós-guerra do sistema global e desenterra os mecanismos de sobreprodução e sobrecompetição que estão por trás da sua crise de longo prazo desde o início da década de 1970, demonstrando assim os fatores completamente sistemáticos por trás da repressão salarial, do elevado desemprego e desenvolvimento desigual e levantando questões perturbadoras e de longo alcance sobre a sua trajetória futura.

Uma brilhante visão econômica do atual estado econômico mundial — The Nation

 

Aqui, finalmente - algo bom vindo da esquerda — Wall Street Journal

Elogios ao The Boom and the Bubble:

A melhor história financeira do período até agora — Jeff Madrick, New York Times

Suas implicações são portentosas — Jack Beatty, Atlantic Monthly

O trabalho recente de Robert Brenner é uma reafirmação solidamente argumentada e empiricamente impecável da centralidade da superprodução no capitalismo — Walden Bello, The Nation

Brenner oferece uma análise mais acadêmica da década recente do que a maioria dos comentadores que tendem a elogiar excessivamente ou a rejeitar as inovações tecnológicas recentes... uma espécie de thriller com um final a ser continuado — James Flanigan, Los Angeles Times

Robert Brenner é professor de história e diretor do Centro de Teoria Social e História Comparada da UCLA. Ele é o autor de The Boom and the Bubble: The US in the World Economy e Merchants and Revolution.

A economia da turbulência global

1. A ESTRUTURA DO ARGUMENTO: A sobrecapacidade e a superprodução na indústria em escala mundial estão na raiz de nossos problemas econômicos

A tese central deste texto é que as profundas e persistentes sobreca- pacidade e superprodução da industria em escala global, que levam a uma redução secular das taxas de lucro, estão na raiz do longo período de estag- nação econômica que se iniciou no começo dos anos 70, bem como de sua persistência e de sua exacerbação até o momento presente. A origem da sobrecapacidade e da superprodução encontra-se na profunda intensificação da competição internacional, que ocorreu ao final dos anos 60, como uma conseqüência da entrada acelerada das manufaturas alemãs e em especial japonesas nos mercados mundiais, o que trouxe uma redução da lucrati- vidade das empresas americanas da ordem de 409a no período 1965-73.

O problema da lucratividade não ficou por muito tempo confinado aos Estados Unidos, mas rapidamente afetou o Japão, a Alemanha e a maior parte do restante do mundo capitalista, quando da desvalorização do dólar por ocasião da crise monetária mundial e do colapso do acordo de Bretton Woods nos anos iniciais da década de 70. Além do mais, paradoxalmente e contrariando as expectativas econômicas convencionais, a sobrecapacidade " e a superprodução industriais não levaram aos esperados processos de ajus- tamento, e permanecem, portanto, ató o presente. Entrementes, a recuperação parcial (e provavelmente temporária) da lucratividade americana nos anos 90 tem sido mais do que contrabalançada pela queda abrupta da lucratividade na Alemanha e no Japão.

A economia mundial tem então experimentado um longo período de descenso, uma vez que a queda secular e abrupta da lucratividade trouxe uma redução, também secular e abrupta no ritmo de expansão dos investimentos, particularmente dos investimentos industriais. Por sua vez, a forte redução da expansão dos investimentos trouxe, a partir de 1973, uma piora radical da performance econômica do mundo, quando comparada à verificada no período anterior de óoom (meados dos anos 40 até 1973). A queda no ritmo de crescimento dos investimentos teve ainda como conse- qüência uma queda no crescimento da produtividade, tornando assim ine- vitável a redução dos salários e precipitando o aumento e a persistência do desemprego em massa em escala global.

A persistência da sobrecapacidade e da superprodução mesmo diante da queda dos lucros

A sobrecapacidade e a superprodução no setor industrial em escala mundial tem paradoxalmente persistido até hoje, a despeito da queda na lucratividade porque: I) houve e há insuficiente saída de meios de produçao e de força de trabalho desses ramos; II) tem havido muita entrada justamente neles.

Com a redução da lucratividade em diversos ramos da indústria, seria de esperar que as firmas realocassem meios de produção e trabalho em outros ramos. Por que isto não tem ocorrido em larga escala?

1. As empresas industriais haviam feito enormes investimentos em capital fixo nesses ramos. Este capital “jã estava pago”; fazia, assim, senti- do que as firmas utilizassem esse capital, por assim dizer, “free of charge”, ou seja, sem custo adicional, a despeito de sua reduzida lucratividade, uma vez que elas ainda podiam (e podem) auferir retornos razoáveis sobre seu capital circulante, composto de força de trabalho, matérias-primas e pro- dutos semi-acabados.

2. Graças a sua vasta experiência em seus ramos, as corporações in- dustriais que dominavam (e dominam) os mercados mundiais geralmente possuíam (e possuem) um enorme “capital intangível” — conexões com for- necedores e consumidores e sobretudo conhecimento tecnológico. Como este “capital intangível” é aplicável apenas a estes ramos, estas firmas tendem a considerar irracional, mesmo face a diminutas taxas de lucro, fechar as portas e mudar de ramo. Ao contrário, ao longo de todo esse período, elas têm preferido lutar a se mudarem.

3. Por causa dos “monopólios tecnológicos”, mesmo temporários, as empresas industriais tenderam, durante a fase de õoom, a auferir taxas de lucro significativamente mais altas que a maior parte das firmas fora des- se setor. Como resultado, a alternativa de mover-se para o ramo dos servi- ços — setor financeiro à parte — raramente foi considerada atraente.

A mudança para o ramo dos serviços tornou-se especialmente di- fícil, principalmente fora dos Estados Unidos, porque os sindicatos e a regulação estatal dificultavam que as empresas pudessem se beneficiar, com redução dos níveis e da taxa de crescimento dos salários, dos então menores níveis e taxas de aumento da produtividade verificada nos servi- ços, comparativamente à indústria.

5. Ultrapassada a fase de boom, o subitamente menor ritmo de cresci- mento da demanda — resultado do reduzido aumento dos lucros (e portan- to dos investimentos) e dos salários (e portanto do consumo) — agravou essa situação, uma vez que restringir o crescimento de novas linhas de produtos para as quais os investimentos poderiam dirigir-se.

Mas se, com isto, explicamos por que muito poucos meios de produção saíram de um setor sobrecarregado em termos de capacidade e de nível de produção, temos ainda que explicar por que tais recursos continuaram a entrar nele de modo significativo.

O crescimento da sobrecapacidade e da superprodução na indústria teve início ao final dos anos 60 e início dos 70 porque os produtores ale- mães, e especialmente japoneses, foram conseguindo auferir altas taxas de lucro, embora preeipitando o excesso de oferta internacional nesses ra- mos, graças aos baixos custos derivados da combinação da utilização de meios de produção avançados com salários relativamente baixos. Ao longo do período subseqüente, particularmente nos anos 80 e 90, os produtores sediados no leste e sudeste asiático também consideraram proveitoso exa- cerbar a sobrecapacidade e a superproduçao internacionais na indústria pelo mesmo motivo. Assim, a combinação das mais avançadas técnicas de produção com salários relativamente baixos, quando comparados a seus competidores, fez com que esses produtores pudessem incorporar largas fatias do mercado.

Porque a saída de força de trabalho e meios de produção foi ocorrendo muito lentamente e a entrada muito rapidamente, a sobrecapacidade e a superprodução no setor industrial tenderam a se reproduzir, impedindo assim a recuperação dos lucros na indústria e na economia como um todo.

A falência das políticas

Os governos têm, de modo geral, tentado enfrentar a estagnação eco- nômica decorrente dessa situação através de sucessivos experimentos, ora em gastos deficitários keynesianos, ora utilizando a velha receita moneta- rista de orçamento equilibrado e aperto de crédito. No entanto, nenhuma dessas políticas teve, até agora, sucesso. Isto se deve ao fato de que ambos os experimentos baseiam-se em medidas que operam através de mudanças no nivel agregado da demanda — o keynesianismo no sentido ascen- dente, o monetarismo no sentido oposto — quando o problema não é de excesso nem de deficiência de demanda no ngregodo, mas de sobrecapaci- dade e, portanto, insuficiéncia de demanda num setor específico, ou seja, o setor industrial. O problema originou-se de má orientação dos investimen- tos e, assim, requer o planejamento do investimento para sua resolução.

O keynesianismo

O keynesianismo falhou porque, concedendo subsídios à demanda, permitiu que firmas com baixa produtividade e baixos lucros continuassem operando — firmas que, na ausência desses subsídios, teriam ido à falência. Impediu, assim, a eliminaçño dessas firmas e sua superação por firmas apresentando altas taxas de lucro — o que seria um requisito para a retomada da lucratividade da economia.

Além disso, devido ao fato de que o incremento da demanda possibili- tado pelo keynesianismo teve lugar em um ambiente econômico dominado por firmas com taxas de lucro em declínio e às portas da falència, este se deu em concomitância a uma oferta relativamente menor do que a do pe- ríodo anterior — quando a lucratividade média e global era maior. As fir- mas, portanto, auferiram excedentes relativamente menores e, em con- seqüência, a cada aumento na demanda, investiram menos, na média, do que o teriam feito em outras circunstâncias. A falta de fôlego do investi- mento (e, portanto, da oferta) confrontada com o incremento keynesiano da demanda provocou, então, aumento de preços e inflação, ao invés de recuperaçäo econômica.

O monetarismo

O monetarismo falhou pelo motivo oposto ao do keynesianismo. Pela redução dos gastos governamentaîs, operação com orçamentos equilibra- dos e redução na oferta de crédito, o monetarismo acelerou a destruição das firmas caracterizadas por altos custos e baixos lucros, e ajudou a con- ter o aumento dos salários, levando a uma tendència de aumento da lucra- tividade. Teve, porém, o defeito fundamental de, pela reduçäo da demanda no agregado, ter operado indiscriminadamente, prejudicando, assim, tam- bém värias empresas de alta produtividade e altos lucros. Aplicado de for— ma consistente, portanto, o monetarismo tendeu a levar à depressão.

Além disso, pelo fato de o monetarismo ter reduzido a oferta de crédito quando a demanda por empréstimos crescia, seu custo aumentou radical- mente. A demanda por empréstimos, por sua vez, crescia em função da combinação de uma série de fatores: o experimento de “keynesianismo militar” empreendido pela administração Reagan (muito provavelmente como resultado da necessidade de manter a economia dos EUA e do mun- do reagindo face ao draconiano aperto de crédito empreendido por Volker no ínício dos anos 80); os altos custos arcados pelos governos europeus para sustentar a crescente massa de desempregados; a tentativa dos trabalhadores de manterem seu padrão de vida mesmo com salários estagnados; e a onda sem precedentes de fusões e aquisições por parte das ins- tituições de crédito. Tudo isso ocorrendo conjuntamente, no contexto da reduzida disponibilidade de crédito, trouxe um aumento recorde das taxas rears de juros. Este aumento, por sua vez, compensou toda a redução de custos que as políticas monetaristas haviam conseguido por meio da redu- ção dos salários e da elîminação de meios de produção ineficientes.

Da estagnaçäo à crise? Porque os anos 90 năo conseguiram trazer um novo período de ascensão

Por ter havido insuficiente saída e muita entrada de força de trabalho e meios de produção, tenderam a persistir a sobrecapacidade e a superpro- dução no setor industrial e, devido ao fato de a política econômica dos anos 80 e 90 não ter logrado enfrentar esse problema de fundo, a lucratividade das indústrias nos EUA, Alemanha e Japão e nas economias do G7 toma- das no agregado não se recuperou quando da recessão de 1990-91, levando à continuidade da estagnaçäo secular. Estaria havendo uma reviravolta neste quadro nos anos 90, como se acredita quase unanimemente?

Há efetivamente um importante elemento de verdade nesta versão muito difundida de “uma nova era econômica”. Nos Estados Unidos, du- rante os anos 90, a lucratividade, e em particular a da indústria, cresceu substancialmente, embora permanecendo — mesmo em 97 — num nível in- ferior aos verificados no boom do pós-guerra. Foi este aumento de lucra- tividade que forneceu um fundamento real ao boom das bolt as de valores da década (apesar de a valorização das ações ter sido muito superior à que poderia ser justificada pelo aumento dos lucros). No entanto, o aumento das taxas de lucro năo tern sido acompanhado por uma melhora significaiva da performance oconômica: com efeito, em termos de crescimento do produto agregado, do investimento (estoques de capital), da produtividade e dos salários, o Room dos anos 90 foi o mais fraco do período pós-guerra. Indo mais diretamente ao ponto, a recuperação da lucratividade ame- ricana por si só muito dificilmente constituirá a base para um novo e sustentável boom, e isto pelos seguintes motivos:

I. Esta recuperaço foi obtida, em grande medida, às custas dos maiores competidores dos Estados Unidos, trazendo então, em escala lobal, estagnação e crise, que agem no sentido contrário e contrabalaçam a recuperação americana. Em certa medida, essa recuperação da lucratividade resultou de um longo e brutal processo de esvaziamento do setor industrial (falências, terceirizações), que fez com que ele diminuísse de tamanho e ficasse, na média, muito mais custo-eficiente. No entanto, essa recuperação da lucratividade do setor industrial serta inconcebível ma ausûncia de uma importante elevaçäo da competitividade do produto americano, fun- damentada, porém, näo em aumento da eficiència, mas na desvalorização do dólar de 40-60'7o na década frente ao iene e ao marco, em dez anos de congelamento dos salários reais por hora, e no virtual finn dos aumentos de gastos do governo advindo da administração Clinton em 1993 (em 1997, o orçamento público americano estava efetivamente equilibrado). O resul- tado foi que, enquanto as manufaturas americanas encontravam-se relativamente a salvo, durante a primeira metade dos anos 90 (uma ópoca de reduçfio no crescimento dos custos em termos mundiais), a combinação da desvalorização do dólar com a repressão dos salários e o virtual congela- mento dos gastos do governo estava levando ao desastre as economias ja- ponesa e alemä, orientadas para a via exportadora. Ambas sofreram o duplo impacto do declínio da competitividade nte-à-uis oz produtores americanos e do crescimento reduzido de seu maior mercado, o americano. Não admi- ra que elas tenham então, na primeira metade dos anos 90, sofrido sua pior crise no pós-guerra, enfrentando uma abrupta redução ria lucratividade de suas indústrias e a maciça eliminação de meios de produção nesses ramos, enquanto que os Estados Unidos gozavam sua recuperação;

2. A recuperação da lucratividade americana baseou-se em condições que eram auto-elimináveis e que, portanto, teridiam a ser apenas temporárias. A partir de 1995, as coisas começaram a se modificar. Em primeiro lugar, tanto o marco quanto especialmente o iene experimentaram drástica desvalorização. Em seguida, quando o boo si dou Estados Unidos trouxe finalmente uma maior aceleração do crescimento, especialmente em 1997, os salários dos Estados Unidos começaram a crescer. A competitividade americana sentiu este impacto e começou a enfraquecer;

3. A recuperação da lucratividade foi acompanhada de uma redução no crescimento da demanda, tanto em escala doméstica quanto internacional, que [atualmente exacerbaría os problemas subjantes de sobrecapacidade e superprodução em escala global. Apesar da situação descrita no item 2, pode parecer que haja a possibilidade de que a complementaridade seja, no fim das contas, favorecida frente à competitividade, e que o boom americano em investimentos leve a economia mundial a um novo movi- mento ascendente, embasado no crescimento benigno da especialização mutuamente benéfica e da divisão internacional do trabalho. Esse cenário otimista, porém, é muito pouco verossímil, pela razão fundamental de que as políticas governamentais verificadas na economia mundial, longe de resolverem o problema de longo prazo de sobrecapacidade e superprodução internacionais, tenctem a exacerbá-lo. Durante os anos 90, quando os Estados Unidos colocavam um fim no keynesianismo militar da era Reagan- Bush e instalavam uma política permanente de controle orçamentário, os governos europeus, na tentativa de ajustarem suas economias para a unificação monetária, perseguiam uma política fiscal ainda mais restritiva, enquanto os aumentos de salários eram restringidos por toda a parte. A redução das demandas tanto dos governos quanto dos consumidores levou praticamente todas as economias a se voltarem para a via exportadora em grau nunca antes visto, na tentativa de recuperarem seus niveis de atividade. No entanto, como os produtos industriais constituem a parcela mais expressiva daquilo que se chama tradables, o resultado foi um crescimen- to acelerado da oferta desses bens em escala global, justamente no mo- mento em que o crescimento do mercado mundial estava se desacelerando. As economias asiáticas, incluindo o Japão, têm sido, de longe, as mais nega- tivamente afetadas por esse desastre. É fácil perceber, porém, que o fluxo crescente de exportações irá forçar para baixo a lucratividade também nos Estados Unidos, quebrando assim a principal base objetiva do boom, isto é, o crescimento dinâmico do setor manufatureiro americano. Além disso, se os preços das ações caírem de modo a refletir a nova lucratividade, as- sim também deverá cair a demanda doméstica, colocando um fim no boom cíclico, não somente nos Estados Unidos, mas tambóm, e de forma talvez ainda mais dramática, no cenário internacional.

II. DA TEORIA À HISTÓRIA: Desenvolvimento desigual e longo descenso. As Economias Avançadas do Boom à Estagnação, 1950-1998

"A economia da turbulência global" dedica-se a mostrar, por meio de um relato da história da economia mundial no pós-guerra, que os mecanismos anteriormente descritos estão na base do processo pelo qual a economia capitalista moveu-se de um longo boom para um longo descenso. O argumento central é que estes mecanismos colocarem-se em movimento durante o pós-guerra através de um padrão de desenvolvimento e competição internacional desigual. Neste processo de evolução internacional de- sigual, os países de desenvolvimento mais antigo, que são ao mesmo tempo os blocos dominantes da economia mundial, notadamente os Estados Unidos (mas também o Reino Unido), sofreram as desvantagens de dete- rem a liderança tecnológica, terem evoluído mais em termos sócio-eco- nômicos e serem donos do statys hegemônico na economia mundial. Ao mesmo tempo, alguns dos países de desenvolvimento mais recente na economia internacional, notadamente o japão e, em alguma medida, a Alemanha — e, mais tarde, também partes do sudeste asiático — foram beneficiados pelo fato de serem "seguidores" em termos tecnológicos, menos avançados sócio-economicamente e não terem hegemonia inter- nacional. Foi a combinaçao e interação desses blocos - de desenvolvimento mais antigo e mais recente — que determinou, em larga medida, o caráter do longo boom e a natureza do descenso que lhe sucedeu.

Na fase inicial do desenvolvimento do pós-guerra — o período do boom propriamente dito, que durou até meados dos anos 60 — os Estados Unidos e os blocos recém-emergentes da Europa e Japão experimentaram proces- sos de crescimento que eram não somente altamente desiguais, como também, num grau surpreendente, "autônomos". O comércio cresceu rapida- mente, mas começou em toda parte em um nível muíto baixo. Em particular, mesmo no final da década de 60, a economia americana permaneceu fundamentalmente "autocontida", já que os produtores desse país confinaram-se ao mercado doméstico e mostraram-se capazes, em sua maior parte, graças aos altos níveis de produtividade, assim como pela proteção natural advinda da distância, de defenderem seus mercados dos competi- dores estrangeiros (enquanto, por outro lado, aumentavam significativamente seus investimentos estrangeiros no resto do mundo).

No mesmo período, as economias japonesa e alemã assegurav tãm- bém altas taxas de crescimento através da manutenção de elevadas taxas de investimento e de crescimento da produtividade, particularmente nos ramos industriais, assim como pela obtenção de substanciais taxas de crescimento das exportações. Mas ó preciso ressaltar que essas duas econo- mias foram capazes de transformar suas expressivas trajetórias de cresci- mento em trajetórias verdadeiramente espetaculares pela sua capacidade de se apropriarem, basicamente em detrimento dos produtores america- nos e ingleses, de parcelas crescentes do mercado internacional. A essa altura, a produção mundial crescia a taxas aceleradas e o comércio inter- nacional crescia a uma velocidade também expressiva, ainda que 50% in- ferior àquela do crescimento da produção. Os “seguidores”, portanto, pude- ram se desenvolver com tanto sucesso graças à peculiar posição que ocupa- vam nos mercados internacionais, relativamente à economia líder. No entanto, embora os produtores sediados nos Estados Unidos tenham perdido importantes fatias de exportação (e sofrido alguma penetração de im- portações) durante esse período, essas perdas tiveram inicialmente um impacto limitado na performance econômica do país, óevido ã diminuta dependência dos produtores americanos com relação às vendas internacionais e ao seu domínio sobre seu próprío mercado doméstico. O processo de apropriação de fatias de mercado americanas e inglesas teve um expressivo impacto positivo nas economias japonesa e alemã, mas afetou a economia americana apenas de forma marginal, porque aquelas eram muito menores que esta. De qualquer forma, para o sistema como um todo, os enormes ganhos advindos do comércio superaram de longe as restrições ao crescimento enfrentadas pelas economias líderes por conta de sua compe- titividade em declínio.

Mas o desenvolvimento desigual náo permaneceu benéfico em seus efeitos por muito tempo. A partir dos anos iniciais da década de 60, graças principalmente à dramática redução das barreiras à entrada ao final dos anos 50, o crescimento do comórcio acelerou-se espetacular e inesperadamente. Os produtores americanos de produtos industriais subitamente encontraram seus mercados, tanto os estrangeiros quanto o doméstico sob uma enorme pressão das exportações a baixo custo e baixo preço dos intento, pela sólida oferta de recursos das instituições financeiras, alta blocos recém-desenvolvidos, especialmente o Japão. Como conseqüência da pressão baixísta sobre os preços, eles não puderam realizar seus investimentos correntes às taxas de lucro previamente estabelecidas. Ocorreu, então, uma queda na relação capital/produto, assim como uma diminuição dos lucros. O resultado do que era efetivamente um processo de sobreinvestimento levando à sobrecapacidade e superprodução na industria em esca- la internacional — especialmente considerando-se a enorme fatia da produção global que a produção americana representava — foi uma grande queda na lucratividade agregada das economias capitalistas avançadas, não teve fim; ao contrário, prosseguiu a passos largos, principalmente no setor industrial, nos anos compreendidos entre 1965 e 1973.

A queda da lucratividade resultou numa crise prolongada, o “longo descenso”, já que ela não provocou o ajustamento requerido e foi logo ex- perimentada por todas as economias capitalistas avançadas. Muitas in- dústrias americanas, que sustentavam uma diminuta lucratividade em seus investimentos, continuaram, porém, a deter uma fatia expressiva do mercado e a assegurar, ao menos sobre o capital circulante, a taxa de lucro estabelecida. Nesse período, entre 1969 e 1973, como parte desse mesmo processo de intensificação da competitividade que levou à queda da lucratividade americana, a explosão dos superávits em conta corrente dos japoneses e alemães e o dóficit em conta corrente dos americanos catalisado pelo déficit público recorde nos Estados Unidos precipitaram o colapso do sistema de Bretton Woods e, com este, uma brutal desvalorização do dólar, o que levou a uma dramática reestruturação dos custos relativos em favor dos produtores americanos. O marco alemão e o iene valorizaram-se sobremaneira frente ao dólar e, conseqüentemente, uma parte do peso da queda da lucratividade foi levaôa para fora da economia americana e a crise internacional se estendeu tanto para o Japão quanto para a Alemanha.

No entanto, este era apenas o inicio do que seria um desccnso extre- mamente profundo. Não havia saída fácil para a crise, já que os processos de ajustamento que eram necessários para levá-la a um fim não eram efetivados com a intensidade necessária. Ao invés de abandonarem suas linhas de produção, as corporações industriais americanas, ajudadas pela desvalorização do dólar, procuraram aumentar sua lucratividade e competitividade, empreendendo uma poderosa onda de investimentos durante os anos 70 e reduzindo radicalmente o custo dos salários (diretos e indiretos). Face aos produtos americanos mais baratos, e tomados ainda mais bara- tos pela expressiva desvalorização do dólar, e face ao menor crescimento da demanda mundial, os produtores japoneses e alemães enfrentavam agora o mesmo tipo de pressão baixísta sobre os preços encarada por seus pares americanos no período imediatamente anterior e, assim como eles, viam tambem seus lucros serem reduzidos. Mas, ao invés de reagirem realocando seus recursos, eles também aceitaram taxas mais baixas de retorno e procuraram, na medida do possível, produzir como antes, auxiliados, neste intento, pela sólida oferta de de recursos das instituições financeiras, altamente acomodativas. Não houve, em outras palavras, um movimento uniforme para fora das linha de produção com reduzida lucratividade. Ao contrário, os produtores procuravam manter-se faznedo o que sempre haviam feito e tentando reduzir seus custos. Eles, assim, intensificaram sua guerra competitiva exacerbando a sobrecapcidade e a superprodução, com consequências altamente destrutivas.

A redução secular da lucratividade agregada aumentou ainda mais a instabilidade sistêmica, mas não levou à depressão, porque o maciço crescimento das dívidas, pos- sibilitado pelo enorme aumento dos empréstimos públicos, impediu que a sucessão das recessões enfrentadas pela economia mundial em 1974-75, 1979-82 e 1990-91 a levasse para uma situação fora de controle. No entan- to, o mesmo processo que permitiu que a economia mundial evitasse a depressão levou a um descenso muito prolongado, porque impediu a elimi- nação das firmas com altos custos e baixa lucratividade, particularmente no setor industrial, o que seria necessário para a recuperação da lucratividade agregada.

Desde o fim dos anos 70, a substituição das políticas keynesianas de criação de déficits pela perseguição da austeridade acelerou a destruição do capital “redundante”, especialmente nas indústrias. No entanto, a ele- vação das taxas reais de juros a níveis históricos e a redução do crescimen- to da demanda dificultaram a necessária alocação dos meios de produção em novas linhas. Assim, como a sobrecapacidade e a superprodução indus- triais permaneceram, a lucratividade não foi recobrada; o crescimento da demanda por investimentos continuou, assim, a rarear, enquanto o cresci- mento do consumo e dos gastos do governo declinava, levando à continuidade da estagnação.

A partir de meados dos anos 80, com base em outra onda de pesada desvalorização do dólar frente ao iene e ao marco, iniciou-se uma nova grande mudança de locus das produções manufatureiras mais competiti- vas, desta vez em favor dos Estados Unidos e em detrimento da Alemanha e do Japão. Nos Estados Unidos, apesar de o crescimento ter se mantido lento, a lucratividade começou a elevar-se, especialmente em meados dos anos 90, em grande parte porque, além da brutal desvalorização do dólar, o crescimento dos salários foi efetivamente reprimido. Entretanto, como permanece nas economias capitalistas avançadas uma enorme restrição ao crescimento da demanda doméstica — o crescimento dos salários foi ain- da mais reduzido e as políticas macroeconômicas tornaram-se mais restri- tivas e mais universalmente aplicadas, atingindo finalmente a política fiscal americana depois de 1993 — não parece haver nenhuma possibilidade de se ultrapassar o problema de fundo da reduzida lucratividade do setor industrial em nível mundial: a sobrecapacidade e a superprodução na in- dústria foram perpetuadas e exacerbadas por todo o mundo capitalista avançado e, confrontadas com o crescimento cada vez mais lento dos mer- cados domésticos, as economias líderes estão, num círculo vicioso, se ori- entando ainda mais profundamente para as exportações de produtos industriais.

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