19 de dezembro de 2008

Mudança de cores na China

A natureza do atual sistema socioeconômico da China tem sido debatida há algum tempo. Refletindo sobre o Adam Smith em Pequim de Giovanni Arrighi, Joel Andreas traça o caminho das relações de propriedade, serviços sociais e distribuição de renda na RPC desde o final dos anos setenta, chegando a conclusões inequívocas.

Joel Andreas





Ao longo da última década, a China passou a desempenhar, em poucos anos, um papel muito relevante na cena económica internacional e é cada vez mais comum ler que está a caminhar para se transformar na potência dominante do mundo. Na literatura dedicada a tais previsões, o trabalho de Giovanni Arrighi Adam Smith em Pequim (2007) distingue-se por duas razões. A primeira delas é que Arrighi enquadra a sua análise num grande e sofisticado modelo histórico de ascensão e da queda de uma sequência de potências hegemónicas. A segunda razão é que enquanto muitos estudiosos ocidentais vêem a ascensão da China com uma certa inquietação, Arrighi dá-lhe as boas-vindas com entusiasmo.

No modelo de Arrighi, que este desenvolveu de forma mais completa em The Long Twentieth Century (1994), o sistema do mundo capitalista evoluiu através de uma uma sucessão de ciclos hegemónicos. Cada um destes ciclos foi dominado por uma potência única e embora tenham tido características distintas, até agora todas as suas trajectórias têm evoluído de modo similar. Quando The Long Twentieth Century foi publicado, Arrighi estava já convencido de que o centro global da acumulação do capital se estava a deslocar do Atlântico Norte para a Ásia Oriental, embora naquela altura a China tivesse apenas iniciado a transformação da sua economia de um forma que lhe viria a permitir integrar-se inteiramente na economia global e transformar-se na “fábrica do mundo”. Hoje, a emergência de China como um poder económico global, e os contratempos militares e económicos dos Estados Unidos, deram a Arrighi a confiança para prever que a época da hegemonia americana será provavelmente seguida de uma era do domínio da Ásia Oriental, com a China no seu centro.

Para Arrighi, a hegemonia chinesa sobre o mundo pode ter três resultados positivos. Primeiro, reestruturando a hierarquia actual dos poderes, dominada pelo Ocidente, um período de superioridade da Ásia Oriental pode trazer maior igualdade entre as nações do mundo. Em segundo lugar, a hegemonia chinesa pode provar ser menos militarista e mais pacífica do que a hegemonia precedente dos Europeus e Americanos. Em terceiro lugar a ascensão da China pode abrir caminho a um desenvolvimento mais igualitário e mais humano da Ásia Oriental - um desenvolvimento baseado nas trocas de mercado, mas que não será capitalista.

O cenário optimista de Arrighi deu origem a reacções negativas por parte de analistas convencidos da superioridade da civilização Ocidental, e a análises mais cuidadas e positivas, por parte de outros, menos confiantes na ordem mundial produzida pela dominação ocidental. Cada uma das suas três previsões merece uma séria análise individual. Neste ensaio, limitar-meei apenas à última – que a China pode ser pioneira no desenvolvimento de um sistema de mercado não capitalista.

Naturalmente, o que se vê depende fortemente do enquadramento conceptual que se utiliza. Arrighi começa com um modelo do capitalismo derivado da narrativa histórica de Braudel sobre o desenvolvimento do capitalismo na Europa. Braudel dividiu a economia em três camadas.

Na parte inferior, a actividade económica consistiu na produção de bens de subsistência, com poucas trocas no mercado. Uma camada média era composta por actividades orientadas para o mercado organizado por empresários concorrentes entre si. O escalão superior era reservado aos que em rigor se poderiam considerar os capitalistas, tirando proveito das posições de monopólio e associados fortemente ao poder do Estado. Este é um enquadramento que tem servido de suporte de muitas análises dos sistemas-mundo, e Arrighi emprega-o para sugerir modelos distintos para o desenvolvimento do Ocidente e da Ásia Oriental. A Ocidente, os capitalistas dominaram o Estado, gerando uma combinação poderosa de expansão económica e militar que permitiu que às potências ocidentais conquistarem o mundo. Na Ásia Oriental, pelo contrário, um Estado forte promoveu as trocas mercantis, mas manteve o capital em grande escala sob o seu controle. Este modelo floresceu sob a supervisão hegemónica do império chinês, presidindo a um sistema relativamente pacífico de relações entre estados na região, o que fez deste império o mais rico no mundo até ao século XIX. Com o declínio do Estado chinês e a integração da Ásia Oriental numa economia mundial dominada pelas potências europeias durante o século XIX e princípio do século XX, o Japão enxertou elementos da economia capitalista ocidental na sua própria economia, criando assim um sistema híbrido.

Em The Long Twentieth Century, Arrighi tinha esperança de que o poder económico crescente do Japão, desprovido da sua dimensão militar após a segunda guerra mundial, pudesse promover um novo modelo em que o poder económico e o militar estariam dissociados, e poderia eventualmente gerar uma sociedade de mercado mundial póscapitalista. Em Adam Smith em Pequim, Arrighi desloca a sua atenção para a China, onde, escreve, um forte Estado-Providência criado pela revolução comunista tinha redescoberto o dinamismo económico do mercado, promovendo a iniciativa de massas de pequenos empresários, rurais e urbanos. À medida que a China conduz a Ásia Oriental no processo de recuperação da sua antiga posição de região economicamente mais desenvolvida do globo, sugere o autor, esta pode escolher conformar-se ao paradigma do capitalismo ocidental ou pode, em alternativa, traçar um trajecto diferente, mais de acordo com seu próprio passado.

Arrighi desenvolve os seus modelos numa grande escala, abrangendo as redes globais do poder e comércio, a concorrência entre os Estados e a evolução dos sistemas económicos políticos ao longo de centenas de anos. Como outros que trabalham no paradigma dos sistemas-mundo, ele está mais preocupado com as estruturas que reproduzem a desigualdade internacional do que com aquelas que reproduzem a desigualdade no interior das nações. Consequentemente, dá pouca atenção à análise dos detalhes das relações da produção. O que poderemos nós ver se revisitarmos a história económica chinesa recente, centrando a nossa atenção nas relações da produção? Esta será a minha linha de análise e com esta finalidade utilizarei o enquadramento conceptual de Marx. Considerarei de seguida a sugestão de Arrighi que a China pode estar a ser pioneira ao seguir uma trajectória de desenvolvimento diferente do Ocidente, usando a definição de Braudel do capitalismo, que se centra na relação entre o capital e o Estado.

Marx e Mao

O enquadramento de Marx é largamente familiar, pelo que o referirei de modo rápido afim de construir uma tipologia em três partes das organizações económicas com as quais analisaremos as mudanças no sistema económico da China. O primeiro tipo é baseado no trabalho familiar, o segundo é baseado na unidade de trabalho socialista e a terceira no trabalho assalariado capitalista.

Antes do advento do capitalismo, escreveu Marx, tanto nas zonas rurais como nos agrupamentos urbanos, o trabalho esteve sempre firmemente ligado aos meios de produção, e nenhum poderia ser livremente comprado e vendido. O capitalismo separou os dois e colocou ambos no mercado, criando um sistema baseado na troca livre do trabalho assalariado e meios de produção. Nos sistemas anteriores, as responsabilidades relativas quer à produção quer ao consumo tinham sido combinadas dentro das mesmas organizações económicas, que eram tipicamente baseadas na família e o consumo era a finalidade final da produção. Uma vez que as empresas capitalistas eram livres de empregar e despedir os trabalhadores e não tinham nenhuma responsabilidade quanto ao consumo dos seus empregados, poderiam, em contraste, fazer do lucro o seu objectivo principal. Isto fez do capitalismo um sistema dinâmico que era muito eficiente em afectar trabalho a fim de maximizar os lucros e de acumular capital. Embora as empresas capitalistas tenham existido desde há muito tempo, a primeira vez que o trabalho assalariado se transformou na forma dominante das relações da produção foi na Inglaterra durante a Revolução Industrial. A propagação das relações de produção capitalistas conduziu a concentrações extremas de actividade económica e a uma polarização severa entre classes sociais, alcançando níveis que tinham sido impossíveis sob sistemas baseados no trabalho familiar. Devido ao seu dinamismo e eficiência, Marx previu que este sistema seria dominante à escala mundial, mas antecipou igualmente que o socialismo poderia então inverter o que capitalismo tinha feito, voltando a reunir o trabalho e os meios de produção.

Antes de 1949, muita da economia chinesa estava organizada em torno das trocas mercantis, mas as relações capitalistas de produção desempenhavam apenas um papel relativamente limitado. A China tinha sido durante muito tempo uma sociedade altamente comercial, em que a terra era comprada e vendida e os produtos consumidos em massa, incluindo os cereais e os têxteis comuns eram comercializados em grande escala como matérias-primas. Muitos, se não a maioria, dos agregados familiares camponeses estavam envolvidos no mercado, vendendo não somente bens agrícolas, mas também produtos fabricados pelo agregado familiar, incluindo tecidos. Durante o século que antecedeu a revolução de 1949, o sector capitalista (isto é, o sector assente no trabalho assalariado) estava em crescimento mas era ainda microscópico e a produção dos agregados familiares camponeses, baseada no trabalho da família, constituía a maioria da produção da economia.

Durante a era de Mao Tsé Tung, 1949 a 1976, ambos os sectores do trabalho familiar e capitalista, foram virtualmente eliminados; as trocas no mercado foram restringidas fortemente e a economia foi reorganizada ao longo das linhas socialistas. A totalidade da população rural converteu-se em membros das brigadas colectivas da produção, e virtualmente toda a população urbana em membros das unidades de trabalho (que incluíam os funcionários do governo, as instituições tais como hospitais e escolas, as empresas de propriedade estatal e as colectivas). Os membros da unidade colectiva de trabalhadores eram pagos como assalariados, mas eram empregados permanentes, de modo que o trabalho não era assumido como uma mercadoria, livremente trocada. Tal como as famílias, as brigadas rurais da produção e as unidades de trabalho urbanas não podiam despedir os seus membros, e eram responsáveis não somente pela organização da produção mas também tinham a obrigação de garantir o consumo aos seus membros, o que reduzia estruturalmente a possibilidade de se tomar como objectivo máximo o lucro. Marx, pretendia que o trabalho e os meios de produção se reunissem, e isto foi precisamente o que o Partido Comunista Chinês fez.

Uma economia de mercado não-capitalista

Durante o período que se seguiu imediatamente a Mao, 1976 a 1992, as reformas iniciais do mercado constituíram o que poderia ser chamado uma economia de mercado não-capitalista. A China urbana continuou a ser dominada pelo sector público; apesar de empresas privadas em pequena escala terem sido autorizadas depois de 1978, estas desempenharam um papel marginal nas cidades. Nas empresas de propriedade estatal e colectiva, as características fundamentais do sistema das unidades de trabalho sobreviveram. Ambas continuaram a ser baseadas na propriedade pública e no emprego permanente. Embora as reformas estruturais realizadas a partir de meados dos anos 80 começassem a exigir que os trabalhadores assinassem contratos por vários anos (que substituíram formalmente o emprego para a vida) e algumas pequenas empresas começassem a dar sinais de falência, houve muito poucos despedimentos. As unidades de trabalho continuaram a ser responsáveis pelos meios de subsistência dos seus membros, quer no activo quer reformados.

Após 1984, as trocas mercantis substituíram gradualmente a economia planificada, e os incentivos económicos foram usados para estimular os gerentes/gestores das empresas a aumentar as taxas de lucro (que incluíam mecanismos que lhes permitiam manter os lucros acima de um montante previamente estipulado), mas a sua capacidade em dar prioridade aos lucros continuou a ser limitada pelas responsabilidades que as unidades de trabalho tinham para com os seus membros. De facto, nos anos 80, como era permitido que as empresas mantivessem parte dos seus rendimentos, muitos usaram uma grande parcela destes fundos para construir habitações para os seus empregados e para criar as unidades subsidiárias que foram frequentemente projectadas mais para fornecer trabalho aos filhos dos empregados do que para maximizar os lucros. No começo dos anos 90, mesmo depois de mais de uma década de reformas de mercado, as empresas do sector público eram dificilmente o tipo de máquinas de gerar lucros que se defendia e recomendava nas escolas de gestão no Ocidente. Mais ainda, estas permaneceram empresas sociais que abrigavam um número crescente de empregados e aposentados e uma colecção de unidades da produção e de serviços pouco flexíveis, incluindo complexos de apartamentos, clínicas de saúde, escolas vocacionais para os empregados, centros de guarda e escolas primárias e secundárias para os filhos dos seus membros, lojas, bares e cafés, instalações culturais e de recreio.

Nas margens do sector público urbano, desenvolvia-se um sector privado urbano modesto composto, na sua maior parte, por vendedores ambulantes, barbeiros, promotores de lojas pequenas, restaurantes, oficinas de reparações e assim por diante. No início, a empresa privada era restringida ao getihu (agregados familiares individuais), que legalmente não poderia empregar mais de sete empregados, mas mesmo depois desta limitação ter sido levantada em 1987, o getihu continuou a dominar o sector privado nas cidades da China. A sociedade urbana estava separada em dois mundos muito distintos, um `dentro do sistema’ e o outro ` fora do sistema’. Os dois mundos encontraram-se no portão da unidade colectiva de trabalho, onde os pequenos comerciantes e vendedores se encontravam para venderam os seus produtos aos que viviam dentro do sistema.

Na China rural, pelo contrário, a maioria da população dedicava-se a actividades económicas de organização familiar. Depois de a des-colectivização da agricultura ter sido concluída, em 1984, a terra continuou a ser propriedade da respectiva localidade, mas os direitos de exploração foram divididos entre as famílias dos camponeses e a produção agrícola foi organizada em torno do trabalho da família, tendo acontecido o mesmo com o florescimento da economia privada que foi baseado na indústria familiar, do comércio e dos transportes. Ao mesmo tempo, as maiores empresas industriais cresceram rapidamente nas vilas e cidades com acessos fáceis aos mercados urbanos e aos mercados externos. Pela lei, as township, as empresas de propriedade do distrito e das vilas, eram empresas de propriedade colectiva e muitas delas eram-no de facto, embora tenha havido uma enorme variedade de formas em que estas estavam realmente organizadas. No modelo de cariz mais colectivista, que predominou durante o rápido crescimento da região do delta de Yangtzé e podia também ser encontrado em muitas regiões, as fábricas de propriedade colectiva rural foram construídas pelas respectivas administrações da aldeia ou do distrito, com as autoridades locais em exercício e os habitantes dessas localidades a reivindicarem todos os postos de trabalho; mesmo quando as exigências de produção em mão-de-obra eram superiores à população activa local e se empregavam pessoas vindas de fora, os membros da comunidade local continuavam a exercer as melhores posições.

No outro extremo, num modelo que se estende para além das zonas económicas especiais no sudeste das províncias de Guangdong e de Fujian, rurais, as fábricas rurais foram geralmente financiadas por accionistas de Hong Kong e da Formosa e preferiam empregar trabalho imigrante do interior, mais barato. Embora fora das zonas económicas especiais tais empresas tivessem que se registar oficialmente como empresas colectivas, as suas relações da produção estavam muito mais perto do ideal do mercado livre. Devido ao facto de toda a indústria rural não estar sujeita à economia planificada, quer as fábricas de distrito ou das vilas fossem controladas pelas autoridades distritais e das vilas ou por empresários privados, o seu sucesso exigiu a gestão e formação empresarial, o emprego era mais instável e mais flexível, e os meios de produção e respectivas instalações produtivas mudavam mais rapidamente de mãos.

Se nós olharmos de longe, no tempo, para o país como um todo, durante o período que vai de 1978 a 1992, diríamos que havia dois grandes sectores: um sector público que estava ainda fortemente baseado, na sua maior parte, nas relações socialistas da produção e um sector privado em que prevaleciam as relações da produção familiares. Olhando um pouco para mais perto de nós, nas áreas urbanas, o sector público era dominante, com uma economia familiar próspera nas suas margens, enquanto nas áreas rurais, a economia familiar era dominante, com um sector empresarial em claro crescimento no que se refere às empresas distritais, as townships, e às fábricas das vilas, que constituíam no seu conjunto a produção socialista e a produção capitalista das pequenas empresas. Esta era, certamente, uma economia de mercado não-capitalista, embora já em acelerada mudança.

Privatizações e lucros

Desde 1992, as reformas muito mais radicais do mercado que foram aplicadas mudaram tudo. A visita de Deng Xiaoping, altamente publicitada, às empresas de capital estrangeiro criadas nas zonas económicas especiais do sudeste da China no início de 1992 é habitualmente citada como o momento chave que marcou a mudança mais radical na reestruturação da economia chinesa. Depois desse ano, o Partido Comunista Chinês incentivou fortemente o crescimento do sector capitalista privado e no final dessa década tinha presidido à privatização da grande maioria das empresas de propriedade pública. Entre 1991 e 2005, a proporção da mão-de-obra urbana empregada no sector público caiu de aproximadamente 82 por cento para aproximadamente 27 por cento (veja-se gráfico 1).

Gráfico 1. Parte do sector público no emprego urbano, 1978-2005 (%)

Fonte: National Bureau of Statistics of China, China Statistical Yearbook, Pequim, 2006, pp. 128–9.

Durante o início dos anos 90, as políticas que limitavam a dimensão das empresas privadas e que restringiam o investimento estrangeiro foram revogadas e as autoridades do Estado a todos os níveis eram também, por todos os meios, os seus promotores. Ao contrário do Japão, Coreia do Sul e Formosa, a China dava as boas vindas ao investimento directo estrangeiro, de braços bem abertos, e o capital começou a fluir ao país numa grande escala. Pequenos empresários vindos de Hong Kong, Formosa, Singapura e outros locais encontraram colaboradores nas townships e vilas chinesas, enquanto as grandes empresas multinacionais com as sedes nestes centros da diáspora chinesa assim como no Japão, Coreia do Sul, Estados Unidos e Europa, encontraram parceiros a níveis mais elevados. No ano 2000, quase um terço da indústria transformadora chinesa foi gerada por empresas filiadas ou associadas às grandes multinacionais estrangeiras.

O recente legitimado sector capitalista interno cresceu igualmente de forma rápida, devido por um lado aos empresários de sucesso oriundos das fileiras de habitantes rurais e das empresas em regime de agregado familiar (os getihu) e, por outro, devido aos quadros e aos profissionais do interior do sistema que tinham decidido ter chegado o seu tempo, que tinha chegado à altura de “saltar para o mar” (xiahai) das empresas privadas. Um segmento particular de grande sucesso de empresários (xiahai) era constituído por associações de familiares ou por associados de quadros de empresas públicas e de quadros da Administração Pública que foram capazes de usar as suas ligações criadas no interior do sistema para vencerem no acesso aos contratos, às licenças, ao crédito, aos recursos e aos mercados.

No sector público empresarial, o Partido Comunista Chinês decidiu-se pela política de manter as grandes e deixar as pequenas empresas (“hold onto the large and let go of the small”). Quase todas as empresas distritais (townships) e das vila, as empresas da grande maioria dos estados urbanos e a maioria das empresas colectivas foram parcial ou totalmente privatizadas. Algumas fábricas foram vendidas a investidores estrangeiros mas a maioria delas foi vendida a chineses. Nalguns casos iniciais as acções foram vendidas aos seus empregados, mas este modelo foi rapidamente rejeitado a favor de uma aquisição pela Administração. Uma vez que os administradores têm geralmente pouco capital, esta situação exigia geralmente arranjos financeiros com bastante criatividade. As investigações sobre a privatização nas áreas rurais e urbanas indicam que muitas das empresas de propriedade colectiva se transformaram em última instância em propriedade dos seus próprios administradores. Muitas empresas colectivas e estatais foram liquidadas e outras reduziram drasticamente o seu volume de mão-de-obra; como consequência da reestruturação do sector público e mais de cinquenta milhões de trabalhadores, ou seja cerca de 40 por cento da força de trabalho empregue no sector público, perdeu o seu emprego.

Esta transformação maciça do sector público em sector privado, em propriedade privada, transformou os seus administradores em proprietários e os outros, os membros da unidade colectiva de trabalho, em proletários sem direitos. As unidades colectivas de trabalho, em que antes os administradores e os trabalhadores tinham direitos garantidos, de repente transformaram-se em propriedade exclusiva dos seus administradores. Na linguagem de Marx, a força de trabalho ficou separada dos meios de produção e ambos foram convertidos em mercadorias e, nesta mudança, as anteriores responsabilidades pela produção e pelo consumo também se modificaram.

O controle de interesses

As grandes empresas nas quais o Estado decidiu manter o controle foram reestruturadas para se adaptarem a um modelo de grande empresa em que os seus activos foram convertidos em acções cotadas na Bolsa. O Estado manteve o seu controle sobre as maiores e mais estratégicas empresas, em particular, na banca, no petróleo, no aço, na energia eléctrica nas telecomunicações e na indústria de armamento. Numa segunda série de empresas um pouco mais pequenas, incluindo muitas que eram propriedade dos governos provinciais e locais, o Estado tornou-se um accionista minoritário. Os dirigentes das empresas agora reestruturadas eram agora formalmente responsáveis face a um conselho de administração, e holdings foram estabelecidas para gerir os activos do Estado e representar o interesse do Estado nestas administrações. Aos membros da administração foram atribuídos a tarefa de assegurar que os gestores maximizavam os interesses dos accionistas, e mesmo as holdings de empresas do próprio governo tinham como principal objectivo rentabilizarem ao máximo os activos do Estado.

De modo a manter alguma capacidade de dirigir as empresas públicas na linha dos interesses políticos, o Partido Comunista Chinês manteve o poder de nomear administradores para posições-chave e as autoridades governamentais continuaram a usar as holdings públicas para levar a cabo os objectivos do Estado que são de âmbito mais vasto que os simples dividendos trimestrais.

Contudo, a estrutura destas empresas foi fundamentalmente mudada de modo a que se lhes possa ser exigido - e que sejam capazes – de assumirem a rentabilidade como o seu objectivo fundamental. Para realizar este objectivo, abandonaram as suas anteriores obrigações para os seus empregados. As garantias do emprego para a vida foram eliminadas e as empresas reduziram não somente o volume de mão-de-obra utilizada mas igualmente despediram trabalhadores mais velhos que foram depois substituídos por trabalhadores mais novos, que eram menos caros e mais dóceis. As minas de carvão públicas, por exemplo, utilizam os serviços de empreiteiros para a exploração das minas e estes utilizam o trabalho de imigrantes, reduzindo assim o custo por tonelada, um sistema que faz com que a exploração das minas de carvão na China as tenha tornado as mais perigosas em todo o mundo. As empresas também encerraram subsidiárias não rentáveis e retiraram-se elas próprias da obrigação de fornecimento de habitação, cuidados médicos, as pensões, a puericultura, actividades recreativas, instrução e outros serviços para os empregados e para as suas famílias. Embora estas empresas permaneçam em parte como propriedade estatal, as características que faziam delas empresas socialistas foram eliminadas.

A entrada de China na Organização Mundial do Comércio, em 2001, que foi imediatamente acompanhada pela eliminação das restrições legais ao comércio internacional e ao investimento externo, veio dar uma maior força às reformas do mercado ao levar a que as empresas chinesas fiquem submetidas à concorrência internacional. Com muito poucas excepções, todas as empresas foram levadas a reduzir o custo do trabalho e os custos sociais que não contribuíam directamente para aumentar a rentabilidade.

Em consequência das reformas radicais realizadas nos últimos anos, a economia de mercado não capitalista que existiu nos anos 80 foi transformada numa economia capitalista. Já não há um sector socialista e virtualmente todas as empresas que empregam mais do que um punhado de pessoas, sejam públicas ou de propriedade privada, trabalham agora todas elas de acordo com os princípios capitalistas. O sector de trabalho familiar está em declínio, como o estão também as pequenas empresas capitalistas. O capital está a ser rapidamente centralizado: as pequenas fábricas estão a ser substituídas por fábricas maiores; as lojas e os pequenos restaurantes estão a ser substituídos por grandes cadeias; os mercados públicos por supermercados e por grandes centros comerciais.

Até aqui, a grande excepção a esta tendência foi a agricultura, onde o sistema do trabalho familiar foi protegido pelas leis que impedem as vendas individuais da terra e impedem também a produção em grande escala. Mesmo isto, entretanto, está a mudar. Nas áreas da agricultura comercial altamente desenvolvida, os grandes interesses da agro-indústria em grande escala estão a trabalhar sobre o sistema colectivo de posse da terra, desenvolvendo a aplicação de contractos não estandardizados ou mesmo alugando a terra e empregando a mão-de-obra como trabalhadores assalariados. Além disso, em Outubro deste ano o Comité Central do Partido Comunista Chinês decidiu permitir a venda de direitos de utilização da terra por agregados familiares individuais, com a finalidade explícita de concentrar a propriedade rural. Embora não seja ainda claro como é que a decisão será executada, é provável que venha a abrir a via para a expropriação em massa das terras que estão na posse das famílias de habitantes rurais..

Mesmo agora, a maioria de famílias rurais está directamente amarrada à produção capitalista através do trabalho migrante. Em muitas aldeias e vilas, só ficam as pessoas mais velhas e as crianças porque as gerações de idade para o trabalho vão-se embora, para fora, à procura de emprego, fornecendo assim muito do trabalho barato que faz da China o concorrente mais formidável no mundo da indústria transformadora virada para a exportação. Esta relação entre a agricultura de subsistência e o capital permite que os imigrantes enviem as suas remessas de dinheiro de volta à vila, mas igualmente subvencionam os seus próprios empregadores, os empregadores do trabalho migrante, que podem assim pagar como custo salarial um valor que não cobre sequer o custo de reprodução das novas gerações e do sustento dos que estão reformados.

O capitalismo é novo para a China. Embora as empresas capitalistas existissem já antes de 1949, estas eram somente uma pequena parte da economia; a economia como um todo é orientada hoje por imperativos capitalistas. Embora o sistema económico que emergiu em consequência das reformas recentes tenha certamente características chinesas, é baseado nas relações de produção cujo caminho foi aberto na Inglaterra, há duzentos anos e, de acordo com a predição de Marx, se tem espalhado por todo o mundo.

Polarização de classes

A reestruturação da economia de China ao longo das linhas de orientação e funcionamento capitalista produziu a polarização económica, reflectida num dramático e repentino aumento das disparidades de rendimento. Durante os anos que se seguiram à aplicação do primeiro conjunto de reformas do mercado que foi concretizado em 1978 e antes de as reformas radicais terem começado a serem aplicadas, o que aconteceu em 1992, a desigualdade de rendimentos aumentou, mas de forma relativamente modesta. A dimensão das empresas privadas era restrita e dentro do sector público os quadros viviam melhor que os restantes trabalhadores, mas não muito melhor; os seus salários eram mais elevados, mas ainda eram relativamente modestos; foram-lhes concedidos apartamentos maiores, mas estes continuavam, geralmente, a localizar-se nos mesmos complexos habitacionais da unidade colectiva de trabalho onde os seus subordinados viviam. A corrupção tornou-se patente, mas mesmo assim era ainda pequena quando comparada com o que estava para vir.

Foi a privatização que abriu o caminho para a emergência de uma classe que se tornou verdadeiramente rica. Esta classe inclui os empresários privados em grande escala, assim como os empresários do sector público que detêm interesses nas empresas sob o seu domínio. A riqueza acumulada por aqueles à frente de empresas privadas ou públicas criou também novas oportunidades para os quadros do Governo e Administração Pública e Instituições Públicas com fins não lucrativos. A corrupção em larga escala tornou-se mais tentadora e praticável, uma vez que muitas famílias tinham membros dentro e fora do sistema e os sinais de grande riqueza já não eram mal vistos. Ao mesmo tempo, os profissionais do sector público e os gestores poderiam agora exigir salários mais elevados, bónus e outras vantagens, justificando as suas reivindicações com os padrões de nível cada vez mais elevado do sector privado. Depressa começaram a abandonar os seus apartamentos relativamente modestos em complexos habitacionais da unidade colectiva de trabalho para se juntarem aos empresários bem sucedidos nos condomínios fechados suburbanos ou nos luxuosos arranhacéus que proliferaram nas principais cidades da China.

Hoje, os indivíduos mais influentes da China são extremamente ricos qualquer que seja o padrão de referência. As listas de ricos são avidamente lidas na China, e a mais antiga e mais conhecida delas é compilada por um contabilista britânico chamado Rupert Hoogewerf. No final de 2007, a lista de Hoogewerf incluiu 800 indivíduos na Republica Popular da China que valiam, em conjunto, qualquer coisa como 457 mil milhões de dólares. Nesta lista identificou 106 multimilionários, medidos em dólares americanos, um número mais elevado do que em qualquer um de todos os outros países com a excepção dos Estados Unidos, enquanto no extremo oposto do espectro social urbano, várias dezenas de milhões de trabalhadores que tinham estado empregados em fábricas de propriedade estatal desde que se formaram na escola secundária, têm agora sido despedidos, com poucas hipóteses de encontrarem um emprego na economia formal. Afortunados são aqueles que obtiveram pensões, outros, uma pequena pensão de subsistência, outros ainda uma pequena indemnização mas muitos foram deixados sem nada e o seguro de saúde desapareceu com o desaparecimento do seu emprego. Foram assim atirados para o fundo da escala social e juntaram-se pois às dezenas de milhões de migrantes rurais. Enquanto os operários despedidos atingem a sua condição actual devida à perda repentina dos rendimentos do trabalho, os trabalhadores migrantes vieram à procura de oportunidades nos mercados de trabalho urbanos recentemente abertos.

Em 1978, o coeficiente de Gini da China (a medida usada para comparar a desigualdade internacional de rendimento em que o valor 0 indica a igualdade absoluta e o valor 1 indica a desigualdade absoluta) foi calculado em 0,22 para a China. Este valor é das mais baixas taxas no mundo. Os observadores ficaram particularmente impressionados por este valor dada a dimensão da China e a sua diversidade geográfica. O PRC tinha realizado este estudo, apesar das grandes diferenças de rendimento entre as áreas urbanas e as rurais e entre as regiões mais e menos desenvolvidas, porque dentro de cada localidade as diferenças eram mínimas. Menos de três décadas mais tarde, em 2006, os dados deram o valor de 0,496, ultrapassando os Estados Unidos e aproximando-se das taxas dos países do mundo onde a desigualdade é maior, tais como o Brasil e a Africa do Sul. A desigualdade entre as regiões e entre as áreas rurais e as urbanas aumentaram ambas substancialmente, mas a mudança mais dramática tem sido a polarização do rendimento dentro das localidades.

Nas pequenas localidades a distância entre rendimentos cresceu significativamente, mas a parte superior da escala permanece bastante baixa quando comparada com as cidades, que viram um espectacular aumento na disparidade dos rendimentos. Em 1985, o rendimento per capita médio do quintil superior dos agregados familiares urbanos era aproximadamente três vezes maior do que o do quintil inferior; em 2006, o grupo da parte superior teve quase dez vezes mais rendimento do que o grupo inferior (veja-se o gráfico 2). Além disso, estes gráficos não capturam a extensão da polarização do rendimento porque o grupo superior é bastante vasto, abrangendo 20 por cento de agregados familiares urbanos e colocando assim os ricos nas classes médias.

Gráfico 2. Rendimento anual per capita dos 20 % mais ricos e mais pobres de agregados familiares urbanos, 1985-2006.

Rendimento em milhares de yuans. Fonte: Department of Urban Society and Economic Statistics, National Bureau of Statistics of China, China Urban Life and Price Yearbook 2007, Pequim, 2007, pp. 14-29.

Os dados do gráfico 2 indicam que todos os residentes urbanos, incluindo aqueles que estão na parte inferior, usufruem agora de rendimentos substancialmente mais elevados. Estes gráficos, entretanto, somente registam os rendimentos em dinheiro e, escondem, consequentemente, a perda de produtos e serviços que antes tinham sido distribuídos pelas unidades do Estado e pelas unidades colectivas de trabalhadores e não pelo mercado, incluindo os subsídios para a habitação ou habitação subvencionada, os serviços culturais e recreativos, os géneros alimentícios, as necessidades do agregado familiar, os cuidados médicos e a educação. A insuficiência na utilização do rendimento como instrumento para calcular o bem-estar através da transformação estrutural de um regime socialista numa economia capitalista torna-se clara se se compara o rendimento dos agregados familiares urbanos nos meados dos anos 80 com melhores rendimentos com o dos agregados familiares mais pobres hoje. O primeiro grupo, composto por quadros administrativos e profissionais, vivia em bons apartamentos e usufruía de conforto e segurança económicos substancialmente consideráveis, mesmo tendo apenas um rendimento anual médio de apenas 1400 yuan; o último grupo, composto principalmente de desempregados ou de trabalhadores informalmente empregados, apesar de terem um rendimento médio, em dinheiro, de 380 yuan, viviam em apartamentos deteriorados, tinham dificuldade em suportar as suas despesas e evitavam ir ao médico.

A expansão repentina de relações capitalistas de produção desde 1992 é o que fez disparar meteoricamente as desigualdades de rendimento na China. Até aí, porque o grande volume da actividade económica era organizado em torno da unidade de trabalho familiar e dos sistemas de unidades colectivas de trabalho que tinham adicionalmente a responsabilidade do consumo para os seus membros, o crescimento da desigualdade de rendimentos estava então estruturalmente condicionado. As reformas recentes retiraram estes condicionantes.

A polarização das classes sociais incitou à uma tremenda indignação popular e durante a última década os trabalhadores e os camponeses realizaram muitas e grandes manifestações de protestos em todo o país. Desde que assumiu o controlo do poder do Estado em 2003, Hu Jintao e Wen Jiabao distinguiram-se do regime anterior de Jiang Zemin e de Zhu Rongji por expressarem a sua preocupação com a polarização crescente do rendimento na China. Além disso, o governo implementou um número de medidas práticas para tentar ultrapassar as dificuldades enfrentadas pelos cidadãos mais pobres na China e para abrandar os efeitos mais prejudiciais resultantes das reformas do mercado. Embora estas medidas estejam associadas com Hu e Wen, muitas são anteriores à transição da liderança de 2003 e reflectem provavelmente um interesse partilhado entre os líderes chineses quanto às severas desestruturações das classes sociais e aos fortes descontentamentos causados pelas reestruturações económicas. O PCC, entretanto, governa agora um sistema económico dominado pelas empresas que são orientadas pelo objectivo de maximização dos lucros, a força motriz que está por detrás desta polarização. Além disso, o partido é levado ainda a um maior desenvolvimento deste sistema, usando as normas internacionais de gestão das grandes empresas como um modelo e a realçar ainda mais a estatura já formidável da China como o país que tem já a indústria transformadora mais competitiva do mundo, o que foi conseguido, na sua maior parte, pela exploração altamente eficiente de trabalho barato. Por isso mesmo, a polarização das classes sociais, apesar dos esforços do governo para a abrandar, continuou a avançar sem redução sequer do seu ritmo.

Um trajecto distinto para a Ásia do Leste?

O modelo do Leste Asiático de Arrighi não deixa de ter alguma base empírica na história da China. Quer utilizemos o enquadramento conceptual de Braudel ou de Marx, é evidente que muita da economia chinesa esteve organizada em torno do mercado, das trocas mercantis, mas não na forma capitalista, quer no passado longínquo quer no passado ainda recente. A dinastia Qing promoveu uma economia destinada ao mercado baseada, na sua maior parte, no sistema de trabalho familiar; o desenvolvimento de relações capitalistas da produção foi condicionado por um Estado forte e não havia certamente uma classe capitalista que ditasse ordens ao trono. É igualmente pensável ver o sistema que emergiu nos anos 80, com um Estado forte, um sector dinâmico do trabalho familiar e somente um pequeno sector capitalista composto na sua maior parte de pequenas empresas, como a recuperação dos elementos básicos dessa anterior estrutura de referência.

Torna-se mais difícil, entretanto, sustentar este modelo no presente, depois das relações capitalistas da produção terem transformado a economia chinesa e a sua estrutura de classes. A definição de Arrighi do capitalismo, naturalmente, depende de uma fusão do capital e do poder do Estado. O carácter capitalista do desenvolvimento baseado no mercado não é determinado pela presença das instituições e disposições capitalistas mas sim pela relação do poder do Estado ao capital, escreve Arrighi. Adicionem-se tantos capitalistas quantos se quiser a uma economia de mercado, mas a menos que o Estado seja subordinado aos seus interesses de classe, a economia de mercado permanece não-capitalista’. O livro Adam Smith in Pequim permanece prudentemente agnóstico quanto ao facto de o Estado chinês estar no processo de se transformar numa comissão para gerir os interesses nacionais da burguesia”, mas como prova que tal não aconteceu ainda, Arrighi menciona os esforços do governo para estimular a concorrência, o que resultou no que se assemelha mais com um mundo de capitalistas à Adam Smith que são levados pela concorrência implacável a trabalhar para o interesse nacional. Ele deixa-nos com a imagem de um Estado chinês autónomo a obrigar os seus capitalistas a concorrerem entre si e contra as empresas menores, distritais e das cidades, com a preocupação do desenvolvimento nacional.

Esta imagem sugere uma maior diferença entre o Estado e o capital do que a que existe realmente. Durante a era de Mao, o PCC e o seu aparelho de Estado dominaram completamente a economia, e o processo subsequente de privatização e de criação de grandes empresas ocorreu sob a firme supervisão do partido. Em consequência, a maioria do sector capitalista consiste no Estado reestruturado e nas empresas colectivas e a maioria das pessoas responsáveis são originárias do Partido e do seu aparelho de Estado. Dirigentes partidários poderosos, desde Hu Jintao e de Wen Jiabao, no topo da escala, até abaixo, às secretárias do partido nas empresas distritais, tem filhos que se tornaram ricos executivos nos negócios. Mesmo os capitalistas que começaram as suas carreiras como pequenos empresários, fora do sistema do Partido-Estado, tiveram que tecer relações próximas do poder político para terem sucesso. As organizações provinciais do partido, municipais e distritais, proporcionam redes de poder que incluem as autoridades e os capitalistas locais.

Nas intrincadas ligações entre o capital e o Estado na China, a influência flui em ambos os sentidos, e toda a tentativa de medir a extensão em que o capital é responsável poderia levar-nos a um outro debate - mas isto seria igualmente verdadeiro para cada um dos estados que Arrighi inclui no seu modelo de capitalismo ocidental. Quaisquer que fossem os resultados de tal debate, uma coisa é certa: uma característica distintiva do actual sistema chinês é a extensão com que o capital é organizado em torno do aparelho do Estado. Este é certamente o caso no topo do poder, entre as enormes empresas públicas que ocupam os sectores estratégicos e de monopólio da economia. Agora que estas empresas estão transformadas em grandes empresas cotadas na Bolsa que devem centrar a sua atenção sobre os ganhos líquidos, elas assemelham-se muito ao nível capitalista da hierarquia de Braudel. Na China, entretanto, a associação íntima entre o poder do Estado e o capital verifica-se de cima até abaixo do aparelho, do governo central ao governo regional e local, do governo das províncias ao governo das vilas, todos estão envolvidos na gestão das empresas estatais e colectivas e mantêm ligações muito estreitas com as suas reincarnações privadas.

Que a configuração actual do poder na China pode apropriadamente ser considerada um Estado capitalista é confirmado pelo forte apoio do governo à expansão do sector capitalista. A ocupação do sector do trabalho familiar e o violento e implacável desaparecimento das pequenas empresas pelas empresas maiores foi conduzida sobretudo pelos mecanismos de mercado mas foi também uma opção de política económica do Estado. Os líderes políticos da China não querem os antigos mercados de produtos, querem supermercados modernos, e as autoridades governamentais esperam identificar e apoiar os vencedores na concorrência económica. Esta expectativa estende-se para além da direcção do Partido que prepara os futuros campeões nacionais, desde os quadros do aparelho central do partido até aos quadros de todo o poder local, que são os impulsionadores inveterados das empresas locais bem sucedidas. Sob estas circunstâncias, é difícil distinguir, quer conceptual quer empiricamente, entre o desenvolvimento das estratégias do Estado e os interesses pecuniários das autoridades governamentais e do elevado número de empresários, que estão entre si ligados por uma miríade de elos desde a família até todas as outras.

Dois tipos de desigualdade

Arrighi sublinha e correctamente a importância do sistema peculiar da China no que se refere à posse dos terrenos rurais, o que impediu os indivíduos de vender a terra, impedindo a expropriação em grande escala dos meios de subsistência dos camponeses. Estas leis protegeram o sistema do trabalho familiar na agricultura da sua possível usurpação capitalista, mas não foram de todo incompatíveis com a concretização de relações capitalistas da produção no resto da economia, e permitiram vias significativas ao capitalismo nas áreas mais rentáveis do sector agrário. Embora muitos empresários se tenham sentido certamente frustrados por estas leis, e os empregadores do trabalho migrante veriam com agrado o influxo crescente dos trabalhadores itinerantes que a venda de direitos da terra produziria, o sistema da propriedade da terra estabelecido nos anos 80 serviu os interesses mais vastos do capital. Foi ele que evitou não somente a instabilidade social associada às enormes populações dos sem-terra mas permitiu igualmente que a produção rural em bens de subsistência suportasse os empregadores de trabalhadores migrantes, e permitiu igualmente a criação de um grande exército de reserva do trabalho rural a flutuar de acordo com as exigências das variações da produção capitalista. De facto, quando a decisão recente do PCC para promover a venda de direitos do uso da terra pode agora permitir que o capitalismo floresça no campo, mas pode igualmente ajudar a desestabilizar o sistema no seu todo.

O facto de que a China se ter transformado na fábrica do mundo é uma realização impressionante, que pode certamente ser atribuída em parte ao trajecto específico de desenvolvimento que o país seguiu. Arrighi tem razão ao distinguir as características que são parte do legado socialista do país: Uma população que tem um razoável nível de instrução e de saúde e um campesinato que mantém a posse da terra. Estas, entretanto, não alteram o facto de o sector da economia que está a crescer de forma mais rápida e a concorrer com sucesso nos mercados internacionais estar a funcionar de acordo com os princípios capitalistas. De facto, as empresas neste sector podem concorrer com sucesso porque são capitalistas. Os empresários chineses e os seus sócios estrangeiros, com forte e efectivo apoio do Estado, criaram o que é - pelo menos até ao momento - o sistema mais eficiente de extrair a mais-valia. As características que fazem este sistema tão competitivo no mercado global são as mesmas que estão a produzir a polarização crescente das classes sociais na China.

As três ilações de Arrighi são estreitamente ligadas no seu modelo da Ásia Oriental mas não são necessariamente mutuamente dependentes. A China pode, sem dúvida, conduzir a Ásia Oriental a conseguir recuperar a sua posição como sendo a região economicamente mais dinâmica e rica do mundo, mas como as coisas estão neste momento, este desenvolvimento pode levar mais a mudar a forma do que a transcender a ordem capitalista existente. Além disso, parece improvável que a RPC possa ser capaz de recriar à escala do mundo o sistema de relações inter-estatais relativamente calmas entre a China, a Coreia e o Japão, a que a China presidiu durante diversos séculos.

Também não é ainda claro se China poderá usar a sua força industrial para alcançar uma posição mais elevada na hierarquia económica global. Enquanto Arrighi vê o governo chinês a fazer capitalistas, estrangeiros e nacionais, a concorrer no mercado mundial para acumular a riqueza da nação, outros vêem Wall-Mart fazer capitalistas na China e outros países também a competirem para extrair dos trabalhadores o máximo de produção para o mínimo de custos salariais. Mas se a China, com a sua vasta população, pode realmente deslocar-se da periferia para o centro da ordem económica mundial, esta deslocação reestruturaria significativamente a hierarquia global. Eu partilho da expectativa de Arrighi que tal mudança pôde contribuir para diminuir a desigualdade global extrema entre os países e as regiões que caracterizou a era da dominação do Atlântico Norte. Esta seria uma enorme e positiva mudança e por esta razão eu estou feliz em ver o peso de China na economia mundial aumentar. Mas se a reestruturação actual da ordem económica global terminará realmente por diminuir a desigualdade entre os países, o certo é que está certamente a agravar a desigualdade dentro dos países, e esta realidade é ainda mais evidente na China. Além disso, a capacidade actual da China no mercado mundial e a polarização crescente das classes sociais dentro do país são estreitamente ligadas. Ambas são produtos da transformação recente da economia da China, que criou um sistema de relações capitalistas da produção que é mais eficiente e mais brutal do que a maioria de todos eles.

31 de outubro de 2008

O triângulo imperial norte-americano e os gastos militares

Os Estados Unidos são únicos hoje entre os principais estados no grau de sua dependência de gastos militares e sua determinação de se manter à frente do mundo, tanto militar quanto economicamente. Nenhum outro país no mundo pós-Segunda Guerra Mundial foi tão globalmente destrutivo ou infligiu tantas fatalidades de guerra. Desde 2001, os gastos reconhecidos da defesa nacional dos EUA aumentaram quase 60% em termos de dólares reais, para um nível em 2007 de US$ 553 bilhões. Isso é maior do que em qualquer momento desde a Segunda Guerra Mundial (embora menor do que nas décadas anteriores como porcentagem do PIB). Com base nesses números oficiais, os Estados Unidos são relatados pelo Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI) como responsáveis por 45% dos gastos militares mundiais. No entanto, os gastos militares dos EUA são tão gigantescos e labirínticos que o que foi dito acima subestima grosseiramente sua verdadeira magnitude, que, como veremos abaixo, atingiu US$ 1 trilhão em 2007.

John B. Foster, Hannah Holleman e Robert WMcChesney


Monthly Review Volume 60, Number 5 (October 2008)

Tradução / Os Estados Unidos atualmente são o único - entre os grandes Estados - a utilizar o aumento dos gastos militares para manter seu domínio econômico sobre o mundo. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial nenhum outro país tem sido tão destrutivo e capaz de infringir uma série de atos de guerra. É sabido que desde 2001 os gastos militares norte-americanos cresceram 60%.

Estes gastos são necessários ao imperialismo. Isso representa - como o economista polonês Michael Kalecky sugeriu - um triângulo imperial. Este triângulo envolve o Estado financiador da produção militar, a mídia/propaganda e os chamados efeitos reais ou imaginários sobre o emprego que, por sua vez, torna-se um grande fator de estabilidade social dos Estados Unidos.

Segundo alguns analistas, o crescente militarismo imperialista está divorciado da história recente norte-americana. Tal militarismo era comumente visto como resposta à ameaça da União Soviética. Entre ameaças e guerras, em resposta aos paladinos da guerra permanente, surgiram comentaristas de distinta visão, e que - diferente da história da "ameaça do terrorismo" - preferiram situar esse estado de coisas como produto da irracionalidade de parte da superestrutura norte-americana.

Exemplo dessa visão pode ser encontrado em Sobre o Império (2008), do historiador Eric Hobsbawn. Nele, Hobsbawn coloca:

Francamente, não consigo entender o que está acontecendo nos Estados Unidos desde 11-09, data que viabilizou a colocação em marcha de planos de longo prazo visando à supremacia mundial a partir da mente de determinados ”políticos loucos”. Hoje um regime de extrema-direita objetiva mobilizar os ‘verdadeiros americanos’ contra algum demônio externo e contra um mundo que não reconhece seus valores, sua superioridade e o destino manifesto da América. É óbvio que o crescente perigo de guerra cresce por conta da incontrolável irracionalidade do governo de Washington. Dar a chance de aprendizado ao Estados Unidos no sentido de retornar a uma política externa racional é a mais imediata e urgente questão da política internacional.

Como vimos, ao observar a influência de um novo irracionalismo introduzido por George W. Bush e uma camarilha neoconservadora sobre os Estados Unidos, Hobsbawn conclama um retorno da “megalomania” para a política externa racional. Por outro lado, acreditamos que uma expectativa mais realista pode ser obtida ao retomarmos as origens da “ascendência militar“ dos EUA (conforme indicou C. Wright Mills) na Guerra Fria, que assumiu papel central na constituição do império norte-americano e em sua economia.

A permanente economia de guerra e o keynesianismo militar

Em 1944, Charles Wilson, presidente da General Electric e vice-presidente-executivo da War Production Board, proferiu uma conferência na Associação de Ordenança Militar advogando uma permanente economia de guerra. De acordo com seu plano, toda grande corporação deveria ter um laço representativo com os militares. Este iria formar a base de um programa a ser iniciado pelo presidente como “comandante-em-chefe” em cooperação com os departamentos da Guerra e da Marinha.

Argumentou ele: “O que pode ser mais natural e lógico do que somarmos esforços iniciados nos objetivos estratégicos de nosso Estado, construindo uma eficaz indústria de guerra com prontas reservas a uma possível guerra a ser iniciada?”. O interessante foi o intento de Wilson – ao indicar este plano – de colocar ao Congresso o simples papel de aprovar ou não os necessários fundos de guerra.

Neste chamamento feito antes do final da Segunda Guerra Mundial, por um “continuado programa de preparação industrial” para a guerra, Charles E. Wilson articulou uma visão que caracterizava a oligarquia norte-americana nos anos subsequentes ao final da citada guerra. Nos estertores de nossa era militarista tal visão foi sendo adotada como base do programa de estímulos à economia. Nos seis primeiros anos influenciados pela Segunda Guerra Mundial a economia norte-americana expandiu-se em 70%, recuperando-se da Grande Depressão da década de 1930. O início da Guerra Fria assistiu ao que se convencionou chamar de “keynesianismo militar”, cuja promoção efetiva da demanda teria o efeito de multiplicar os lucros dos monopólios a partir do aumento dos gastos militares. Eis uma fórmula capaz de sustentar o capitalismo norte-americano.

John Maynard Keynes em sua principal publicação, A teoria do Emprego, do Juro e da Moeda, de 1936, sinalizou que a resposta à estagnação econômica reside na efetiva promoção da demanda através de gastos governamentais. “Filho bastardo” do keynesianismo, o “keynesianismo militar” foi visto de forma benigna, mas com fortes consequências negativas ao grande negócio cuja essência é os gastos militares.

O primeiro a teorizar esta tendência do “keynesianismo militar” sob o capitalismo monopolista foi Kalecki. Em 1943, em Os Aspectos Políticos do Pleno Emprego e em outros ensaios subsequentes, ele expôs que o capitalismo monopolista tem uma profunda aversão à intervenção governamental ao mercado de commodities. Porém, esta aversão não se aplica aos gastos militares devido aos interesses intrínsecos ao mesmo. Se a absorção de grande massa de mais-valia foi a chave do processo de acumulação pós-Segunda Guerra Mundial no campo do capitalismo norte-americano, este movimento dependeu sobremaneira do alavancamento dos gastos militares, dando margem ao que Kalecki nomeou de “complexo imperialista armamentista”. Para Kalecki, este novo regime de acumulação, baseado nos gastos militares – que caracterizou o capitalismo monopolista norte-americano pelos idos dos anos 1950 – estabeleceu uma poderosa fundação política e econômica cuja direção é expressa por um “triângulo imperial”, conforme segue:

  • O imperialismo joga papel na manutenção de um alto nível de empregos através de investimentos em armas e indústrias auxiliares e através da manutenção de um largo corpo de forças armadas e empregos públicos;
  • O aparelho de comunicação de massas, trabalhando sob os auspícios da classe dominante, emite propaganda para ganhar a opinião pública aos objetivos imperialistas;
  • O crescimento do nível de emprego e dos padrões de vida, em comparação ao período anterior à guerra (como resultado do aumento da produtividade do trabalho), facilitou a absorção popular das mensagens governamentais;
  • O resultado pode ser medido pela presença, na década de 1950, de uma extensa economia militarizada em todos os poros do império, e com o suporte de todos os fatores da comunicação servindo aos desígnios da nova ordem imperialista-militar. 

Segundo observou Kalecki, os sindicatos norte-americanos tornaram-se parte deste conjunto. A situação política dos Estados Unidos, de acordo o materialismo histórico, é consequência do estágio monopolista de desenvolvimento capitalista. Isso se reflete em sua superestrutura. Como apontou Harry Magdoff, a principal característica da política econômica norte-americana é a preocupação com a segurança nacional e seus respectivos interesses comerciais (expressa no montante dos gastos militares).

Muitas das idéias de Kalecki foram posteriormente desenvolvidas por Paul Baran e Paul Sweezy no livro Capitalismo Monopolista (1966). Baran e Sweezy desenvolveram cinco pontos que sintetizam o corolário da política econômica imperialista e sustentam a consolidação de uma oligarquia no poder norte-americano através de uma massiva superestrutura de caráter militar. São eles: a defesa da hegemonia política global exercida pelos EUA e seu império contra tratados externos, expressos em ondas revolucionárias arquitetadas pela União Soviética; a criação de uma plataforma de segurança internacional como base objetiva à expansão e monopolização das oportunidades econômicas no exterior; o fomento de núcleos de Pesquisa e Desenvolvimento a serviço das grandes corporações; a geração de uma população complacente, menos recalcitrante à influência nacionalista e manipulada pela ideologia da “guerra infinita”; e o espraiamento, pelo território nacional, de uma vasta capacidade produtiva como forma de prevenção a estagnação econômica através da promoção de investimentos de baixo risco com retornos financeiros de alta monta (indústria armamentista).

Tal como Kalecki, Baran e Sweezy argumentaram, a oligarquia norte-americana manteve “sob rédea curta os gastos civis”. Segundo eles sugeriram, esta oligarquia, por um lado, “chegou ao seu limite extremo” no que tange à proporção sobre a renda nacional de 1939, mas. por outro, ela foi “generosa com os militares”. Manobras orçamentárias foram executadas, em grande parte, através de pretextos relacionados ao financiamento de guerras a serviço do império. O Pentágono, naturalmente, trabalhou para assegurar a capilarização de bases militares e indústrias de material bélico por todo o território norte-americano. Desta forma, se garantiria o acesso de numerosas corporações aos lucros inerentes ao ramo industrial militar, maximizando o apoio no Congresso como expressão dos efeitos no âmbito dos estados e municípios.

Na visão dos membros da oligarquia norte-americana, o círculo virtuoso entre despesas militares e crescimento econômico, representado pelo keynesianismo militar, era motivo de comemoração e não um alvo de críticas. Conforme explanou o economista de Harvard, Sumner Slichter, em um congresso de banqueiros, realizado em outubro de 1949, enquanto os gastos com a Guerra Fria fossem mantidos a depressão econômica seria algo de “difícil concepção”. A Guerra Fria serviu para desde “elevar a demanda por mercadorias de base” até “manter um elevado nível de emprego”. Para Slichter, os estadunidenses poderiam “agradecer aos russos pelo auxílio em tornar o capitalismo nos Estados Unidos mais forte do que nunca”.

O keynesianismo militar serviu como base objetiva para o principal documento/plano elaborado pelos Estados Unidos durante a Guerra Fria: o famoso NSC-68. Ele foi lançado pelo Conselho de Segurança Nacional em abril de 1950, pouco antes da Guerra da Coréia, com data de proscrição marcada para o ano de 1975.

O objetivo central do NSC-68 foi delinear um caminho, cujas ações serviriam para ganhar a dianteira contra a União Soviética em todos os campos de atividades possíveis. O documento aponta para a necessidade de elevação abrupta dos gastos militares para algo em torno de 50% de seu orçamento, alcançando, assim, índices de investimentos somente comparáveis aos assumidos durante a Segunda Guerra Mundial. Sob o ponto de vista da economia, o NSC-68 declarou:

O programa (de expansão militar) não resultará em um real decréscimo dos padrões de vida. Ao contrário, os efeitos econômicos do programa resultarão num incremento do PIB nacional. Uma das grandes lições da Segunda Guerra Mundial consistiu no fato que relaciona a utilização total de capacidade produtiva instalada com a transferência de recursos ao setor civil da economia e assim fechando um ciclo econômico marcado pelo aumento do consumo e, consequentemente, elevação dos padrões de vida. Por exemplo, após autorizarmos mudanças de preços, a parte da renda familiar destinada ao consumo aumentou em 20% entre 1939 e 1944.

A consolidação de uma economia de guerra permanente, nos moldes apontados por Charles E. Wilson, deu-se justamente na época em que o presidente Einsenhover levantou os interesses inerentes ao “complexo industrial-militar” em sua famosa carta de despedida, de janeiro de 1961. Expressão desta consolidação é encerrada na observação do mesmo Charles E. Wilson, para quem: “muitos cidadãos norte-americanos têm demonstrando grande interesse neste negócio. [...] São propriedades, negócios, empregos, grandes salários para cientistas e votos e oportunidades de carreira jamais imaginados. Uma inversão nesta tendência poderá causar muitos problemas, a começar pela Califórnia, nossa principal base industrial aeronáutica”.

Daí a preocupação expressada por Eisenhower, em sua carta de despedida, acerca de um “complexo industrial-militar de grandes proporções” e pelo fato de “anualmente os investimentos em segurança militar terem sido maiores do que o rendimento líquido de todas as corporações norte-americanas juntas”. Foi o reconhecimento tardio de uma realidade evidente. O desenvolvimento desse complexo descrito por Eisenhower não se restringia às necessidades de caráter puramente econômicas. Utilizando as sínteses expostas por Baran e Sweezy, a própria ordem mundial, hegemonizada pelo grande capital norte-americano, só poderia ser mantida por um “longo tempo” a partir da ampliação da intervenção militar norte-americana pelo mundo, rechaçando possíveis focos de subversão que pudessem surgir. Todo esse complexo sistema militar não poderia ser abandonado sem renunciar ao próprio projeto imperial. Renunciar a esta capacidade seria como renunciar ao próprio império.

O labirinto dos gastos militares norte-americanos

Mesmo um caminho menos tortuoso para medir o compromisso entre o governo norte-americano e o complexo industrial-militar no período iniciado ao fim da Segunda Guerra Mundial deve passar pelo exame detalhista da evolução dos gastos militares empenhados pelos EUA. Tal estudo não é dos mais fáceis. O orçamento militar norte-americano assemelha-se a um labirinto e a infinidade de números e cifras pode, facilmente, conduzir o analista a um verdadeiro “beco sem saída”.

Grande parte dos analistas aponta o Instituto de Gestão e Orçamento (OMB), e seus chamados “Quadros Históricos” (gerados em conjunto com o orçamento federal), como uma fonte confiável de dados. Existem também outras fontes. Segundo o Instituto Nacional de Averiguação da Renda e Produto (NIPA), por exemplo, os gastos militares alcançaram, em 2007, US$ 662 bilhões, significando U$ 100 bilhões adicionais em relação aos dados coletados na OMB. Os dados da NIPA sugerem um maior rigor em relação aos números da OMB. Neles estão incluídos, como gastos militares, os investimentos do governo em capital fixo (novas cadeias produtivas de armas), o financiamento de crédito em bancos para empresas produtoras de material bélico, além da folha de pagamento de inativos, civis e militares, que prestaram serviços neste setor industrial (na contabilidade orçamentária da OMB este tipo de pagamento consta como “gastos intergovernamentais”).

Mas adotar os métodos de estudo e do orçamento do NIPA, apesar de auxiliar, não resolve o problema do labirinto em torno dos gastos militares. Para isso é necessário relacionar minuciosamente os gastos diretos na indústria armamentista anexos a outros departamentos e ministérios. Entre eles os ditos “auxílios” governamentais a governos estrangeiros, financiamento de exportações de armas, entre outros.

Os itens levantados são devidamente reconhecidos, no âmbito da OTAN, por exemplo, como gastos militares. Utilizando uma base de cálculo que contempla tais variáveis, conclui-se que os gastos militares norte-americanos em 2007 alcançaram - sim - a cifra de US$ 1 trilhão.

Esta estimativa vai ao encontro da análise de muitos críticos sobre os gastos militares norte-americanos. Em um artigo publicado em junho de 2007, na Monthly Review, o economista James Cypher, partindo de pressupostos metodológicos semelhantes aos sugeridos por nós, demonstrou uma estimativa de gastos em atividades militares da ordem de US$ 929,8 bilhões em 2006. Mais recentemente Chalmers Johnson, apontou que, se levados em consideração todos os elementos constitutivos da parcela do orçamento dedicada aos gastos em defesa, em 2008, o total empregado é de, pelo menos, US$ 1,1 trilhão.

Método semelhante foi utilizado para estimar a parcela do PIB correspondente às despesas militares, entre o fim da Segunda Guerra Mundial até o presente. De acordo com o levantamento, em 2007 o total das despesas militares sob o total do PIB foi de 7,3%, ou seja, o maior índice dos últimos 10 anos.

Para auferir a dimensão real dos gastos militares é de crucial importância sempre relacionar o total de gastos como proporção dentro do orçamento. Ao analisar o conjunto das despesas lançadas na planilha orçamentária do governo faz-se necessária a exclusão da previdência social, saúde e outras formas de transferência de renda e recursos, pois este tipo de despesa é considerado como algo que, na ponta do processo, acaba se tornando um meio de autofinanciamento governamental sob a forma de impostos derivados tanto da renda individual, quanto do consumo. Analisando o orçamento governamental da forma proposta, percebemos um declínio iniciado no último ano do governo Reagan (1988), quando as despesas militares corresponderam a 68% do orçamento, e em 2003 quando as despesas militares representaram 49%. Desde então, observa-se uma mudança nessa tendência de queda de forma que, em 2007, os gastos em defesa chegaram a 52% do dispêndio orçamentário.

O triângulo imperial norte-americano hoje

O que concluir diante do que foi dito até agora? Trata-se da conclusão de Hobsbawn e outros, segundo a qual, a expansão do militarismo norte-americano atual resultou da ação de “um grupo de políticos sem consciência” que construíram em Washington um bunker de extrema-direita? Acreditamos que esta opinião é um tanto quanto inadequada.

Para sermos claros, caso uma administração democrata (Al Gore) tivesse chegado ao poder em 2000, não teríamos certeza sobre as intervenções no Afeganistão e no Iraque. Embora, como,ocorre com os republicanos, os interesses imperiais continuariam a ser perseguidos.

A administração Bush, desde o primeiro momento, distinguiu-se por contar com os “neoconservadores” em seu núcleo de governo. Porém, não faltou apoio para a viabilização dos fins beligerantes: ambos os partidos do Congresso granjearam-lhe forte apoio, além de mídia, judiciário e grandes corporações. Desacordos restringiram-se a questões mais periféricas como, por exemplo, a quantidade de militares a ser enviados ao “teatro de operações”. Questões como a utilização de tortura foram devidamente evitadas. As grandes contestações partiram somente no âmbito da base da sociedade.

Tudo isso sugere que o militarismo e o imperialismo estão profundamente arraigados na sociedade estadunidense, pelo menos em seus altos escalões. A expansão da hegemonia norte-americana é parte de uma estratégia imperial, sustentada pela ideologia militarista. A Guerra do Iraque pode ser melhor vista como parte do intento norte-americano de controlar o Golfo Pérsico e seu petróleo – objetivo comum aos dois lados que disputam o controle da superestrutura do imperialismo. Os vastos gastos militares norte-americanos – cerca de 50% do orçamento federal e cerca de 7% do PIB – são expressão concreta da, cada vez mais ilimitada, estratégia imperial.

O imperialismo norte-americano vive com um paradoxo de poder imediato (expressado em seu poderio militar) ao mesmo tempo em que demonstra sinais de decadência econômica. Esta é a dupla realidade de poder temporário. Realidade que se alia a indicadores de um declínio em longo prazo. Tal contexto levou a elite a clamar por “Um Novo Século Americano”, através do soerguimento de seu poderio militar e da força econômica e geopolítica, por exemplo, na região petrolífera do Golfo Pérsico.

Nos últimos anos, os Estados Unidos ampliaram sobremaneira suas bases (contam com bases instaladas por volta de 70 países) e operações militares (incluídas as realizadas em conjunto com outros países) pelo mundo. Washington, atualmente, não apenas investe em produção de armas, como também construiu uma vasta presença física no planeta, viabilizando o controle rápido sobre qualquer evento contrário aos seus interesses fora de seu território.

Rejeitando o argumento de que o militarismo, intrínseco ao imperialismo norte-americano, é meramente produto de “megalomania”, usamos, como base, as elaborações de Kalecki sobre os pontos norteadores do triângulo imperial. Nos termos keynesianos, ainda carece de compreensão a forma como o enorme aparato militar, a serviço do imperialismo norte-americano, serviu para viabilizar uma política de pleno-emprego e de combate à estagnação econômica.

Em um período de estagnação econômica, crises financeiras, declínio de hegemonia, colapso ambiental e novas insurgências populares, Washington, representando a oligarquia norte-americana, mais uma vez lança-mão do monopólio da mídia para persuadir a opinião pública a apoiar seu projeto imperial, através da histeria de guerra.

Isso se torna possível graças à existência de uma mídia domesticada sob os auspícios de um sistema privado de propaganda que, por sua vez, designa os limites tolerados ao debate.

Todavia, o triângulo imperial tem sido crescentemente confrontado por suas próprias contradições.
Como Baran e Sweezy expuseram há mais de quadro décadas, o sistema militar norte-americano é afrontado por dois obstáculos internos. Os gastos militares tendem a incorporar novas tecnologias, fazendo com que os índices de absorção de mão-de-obra entrem em curva descendente.

“Ironicamente”, eles observam, “os enormes dispêndios militares podem contribuir de forma substancial ao fomento do desemprego: muitas das novas tecnologias produzidas a partir de pesquisas voltadas ao setor militar estão sendo posteriormente utilizadas no setor civil, redundando em um aumento da produtividade do trabalho e reduzindo a demanda por trabalho”. Segundo, a expansão de “armas de destruição em massa”, e seus efeitos devastadores, poderão ter como epifenômeno uma crescente revolta contra o permanente estado de guerra em todos os níveis da sociedade.

Hoje a enorme força bélica de Washington não é capaz de transpor seus próprios limites, conforme tem provado os atoleiros do Iraque e do Afeganistão. Apesar de sua grande capacidade de destruição, os Estados Unidos são altamente limitados no exercício de impor suas vontades e desejos. O sonho da Pax Americana, apresentado em meio à Guerra Fria, transformou-se atualmente em um pesadelo. E o que é interessante é que o papel jogado pela mídia nos últimos anos contribuiu – de forma contraditória – ao rápido crescimento da mídia independente, que tem desafiado a concentração no setor de comunicações nos Estados Unidos.

Não resta dúvidas de que uma sociedade levada a apoiar uma posição global e uma ordem social através de gastos anuais em armas de US$ 1 trilhão – financiando assim a destruição do mundo, enquanto é afrontada por problemas inegáveis de desigualdade, crise financeira, pobreza extrema, desperdício e declínio de desenvolvimento na sua própria casa - é uma sociedade prenhe de mudanças. Eis o nosso objetivo: angariar esta mudança.

John Bellamy Foster é editor de Monthly Review e professor de sociologia da Universidade de Oregon. Hannah Holleman é doutoranda pela Universidade de Oregon. Robert W. McChesney é professor do Departamento de Comunicação da Universidade de Illinois.

25 de outubro de 2008

Implosão financeira e estagnação

John Bellamy Foster e Fred Magdoff



Mas, podem perguntar, não irão os poderes instituídos, mais uma vez, aguentar a pressão e fazer abortar a crise antes que ela tenha possibilidade de seguir o seu curso? Sim, obviamente. Até aqui, isso tem sido um procedimento operacional padrão e não se pode pôr de lado a hipótese de voltar a ter êxito, no mesmo sentido ambíguo do que aconteceu após o colapso do mercado de acções de 1987. Se assim for, teremos que passar de novo por todo o mesmo processo, mas a um nível mais elevado e mais precário. Mas, mais tarde ou mais cedo, da próxima vez ou noutra a seguir, não haverá êxito… Nessa altura estaremos numa situação sem precedentes tal como as condições das quais ela terá surgido. 
- Harry Magdoff e Paul Sweezy (1988) [1]

Tradução / "A primeira regra da banca central", escreveu há pouco o economista James K. Galbraith, é que "quando o barco começa a afundar, os banqueiros centrais devem danar-se para o salvar". [2] Em resposta a uma crise financeira duma dimensão nunca vista desde a Grande Depressão, o Federal Reserve e outros bancos centrais, apoiados pelos seus departamentos de tesouraria, têm vindo a "danar-se" há mais de um ano. A partir de Julho de 2007, quando o colapso dos dois fundos de pensões Bear Stearns, que tinham especulado fortemente em títulos de crédito suportados por hipotecas, assinalou o início duma importante sufocação de crédito, a administração do Federal Reserve e o Departamento do Tesouro dos EUA manobraram todos os cordelinhos à medida que a finança implodia. Inundaram o sector financeiro com centenas de milhares de milhões de dólares e prometeram derramar mais uns milhões de milhões, se necessário – manobrando a uma escala e com um estendal de ferramentas sem precedentes.

Numa cena altamente dramática, o presidente da administração do Federal Reserve, Ben Bernanke, e o secretário do Tesouro, Henry Paulson, apareceram perante o Congresso na tarde de 18 de Setembro de 2008, informando os legisladores estupefactos, nas palavras do senador Christopher Dodd, "que estavam literalmente a dias de um colapso total do nosso sistema financeiro, com todas as suas implicações quer internamente quer a nível global". Logo a seguir Paulson apresentou um plano de emergência para uma operação de salvamento da estrutura financeira, no valor de 700 mil milhões de dólares, em que seriam utilizados fundos do governo para adquirir títulos de crédito suportados por hipotecas praticamente sem qualquer valor (referidas por "lixo tóxico") na posse das instituições financeiras. [3]

A explosão de fúria e desacordo generalizados, na sequência da proposta do secretário do Tesouro, levou a uma inesperada revolta na Câmara dos Representantes, que votaram contra o plano de salvamento. Apesar disso, poucos dias depois o plano de Paulson (com alguns acrescentos destinados a dar cobertura política aos representantes que mudassem o seu sentido de voto) conseguiu a aprovação do Congresso. No entanto, logo que o plano de salvamento foi aprovado, o pânico financeiro alastrou globalmente e as acções caíram a pique em todas as partes do mundo – quando os negociantes se aperceberam da gravidade da crise. O Federal Reserve reagiu inundando literalmente a economia com dinheiro e emitindo um comunicado de que estava preparado para ser o comprador de última instância de todo o mercado de papel comercial (dívidas a curto prazo contraídas pelas grandes empresas), possivelmente até ao limite de 1,3 milhões de milhões de dólares.

Mas, apesar da tentativa de abastecer o sistema com dinheiro para efectuar a continuação das operações de crédito mais básicas, a economia viu-se apanhada no terreno da armadilha da liquidez, que originou o amontoar de dinheiro e a paragem dos empréstimos entre bancos que preferiram guardar o dinheiro por consideraram esses empréstimos demasiado arriscados. Uma armadilha da liquidez é uma ameaça quando as taxas de juro nominais caem quase a zero. O habitual instrumento monetário de baixar as taxas de juros perde a sua eficácia dada a impossibilidade de fazer baixar as taxas de juro abaixo de zero. Nesta situação a economia sofre de um acentuado aumento do que Keynes chamava a "propensão para amontoar" dinheiro ou valores equivalentes a dinheiro, como os títulos do Tesouro.

O medo do futuro perante o que estava a acontecer na crise cada vez mais profunda traduziu-se em que os bancos e outros participantes do mercado preferiram a segurança do dinheiro vivo, por isso nada do que o Fed injectou serviu para estimular o empréstimo. A corrida para a liquidez, reflectida em parte em compras de títulos do Tesouro, fez baixar a taxa de juros desses títulos para uma fracção de 1 por cento, ou seja, entrou-se ainda mais profundamente no terreno da armadilha da liquidez. [4]

Perante o que o Business Week designou como a "idade de gelo financeiro", quando cessaram os empréstimos, as entidades financeiras nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, seguidas em bloco pelas potências do G-7, anunciaram que iriam comprar acções nos principais bancos, a fim de injectar capital directamente, recapitalizando os bancos – uma espécie de nacionalização parcial. Entretanto, alargaram o seguro de depósitos. Nos estados Unidos o governo propôs-se garantir 1,5 milhões de milhões de dólares em novas dívidas emitidas pelos bancos. "No total", afirmou o New York Times a 15 de Outubro de 2008, um mês apenas depois do colapso do Lehman Brothers que desencadeou a crise da banca, "o custo potencial para o governo do último pacote de salvamento atinge os 2,25 milhões de milhões de dólares, o triplo do pacote de salvamento inicial de 700 mil milhões de dólares, que se concentrou na compra de activos problemáticos aos bancos". [5] Mas, poucos dias depois, o mesmo jornal corrigia a sua estimativa sobre os custos potenciais de todas as operações de salvamento, declarando: "Em teoria, os fundos comprometidos para tudo, desde as operações de salvamento do Fannie Mae e do Freddie Mac e da firma de Wall Street, Bear Stearns e da seguradora American International Group, até ao pacote de ajuda financeira aprovado pelo Congresso, para proporcionar garantias para protecção de mercados financeiros seleccionados [como o do papel comercial] é de facto um número muito grande: uma estimativa de 5,1 milhões de milhões de dólares". [6]

Apesar de tudo isto, a implosão financeira continuou a alastrar e a aprofundar-se, enquanto vemos por todo o lado fortes contracções na "economia real". Os principais fabricantes de automóveis dos EUA estão a sofrer graves quebras económicas, mesmo depois de Washington, em Setembro de 2008, ter concordado em conceder à indústria um empréstimo de 25 mil milhões de dólares a juros baixos. A construção de habitações unifamiliares atingiu o ponto mais baixo de 26 anos. Prevê-se que o consumo sofra quedas recorde. Os empregos estão a desaparecer rapidamente. [7] Dada a gravidade do choque financeiro e económico, existem agora receios generalizados entre os que estão no centro do poder empresarial de que a implosão financeira, mesmo se estabilizada de modo suficiente que permita o desenredamento e o assentamento ordenados das múltiplas insolvências, conduza a uma estagnação profunda e duradoura, como a que atingiu o Japão nos anos 90, ou até mesmo a uma nova Grande Depressão. [8]

A crise financeira, como se sugere acima, foi inicialmente considerada como uma falta de dinheiro ou de liquidez (o grau em que os valores podem ser comercializados rapidamente e prontamente convertidos em dinheiro com preços relativamente estáveis). A ideia era que este problema de liquidez podia ser resolvido injectando dinheiro nos mercados financeiros e baixando as taxas de juros. No entanto, há uma grande quantidade de dólares no mundo financeiro – hoje mais do que antigamente – o problema é que os que detêm esses dólares não estão dispostos a emprestá-los aos que possivelmente não podem vir a reembolsá-los, e esses são praticamente todos os que precisam de dólares nos dias de hoje. Portanto, isto deve ser preferivelmente considerado como uma crise de solvência em que o capital contabilístico das instituições financeiras americanas e britânicas – e muitas outras na sua esfera de influência – tem sido desvalorizado pelo valor em queda dos empréstimos (e empréstimos securitizados) que detêm, os seus activos.

Do ponto de vista contabilístico, a maior parte dos grandes bancos americanos estava insolvente em meados de Outubro, o que levou a uma série de precipitadas fusões de emergência, incluindo a compra do Washington Mutual e do Bear Stearns pelo JP Morgan Chase, a absorção do Countrywide e do Merrill Lynch pelo Bank of America, e a aquisição do Wachovia pelo Wells Fargo. Tudo isto está a criar um sector da banca mais monopolista com o apoio do governo. [9] A injecção directa de capital governamental nos bancos sob a forma da compra de acções, juntamente com as consolidações de bancos, poderá quando muito comprar o tempo necessário para liquidar de modo ordenado a vasta massa de empréstimos duvidosos, restaurando a solvência, mas a um ritmo muito mais baixo de actividade económica – o de uma grave recessão ou depressão.

Nesta crise que vai piorando, logo que se remenda um buraco aparece uma série de outros. Ainda se desconhece a total extensão do valor dos prejuízos das hipotecas securitizadas, das dívidas de consumidores e de empresas, e dos diversos instrumentos que tentaram combinar essas dívidas com formas de seguro contra a sua falta de pagamento (como as "obrigações sintéticas de dívida colateralizada" (CDO's), que contêm permutas crédito-débito "empacotadas" com CDO's. As principais categorias destes instrumentos financeiros foram reavaliadas recentemente para 10 a 20 por cento menos na sequência da falência do Lehman Brothers e da aquisição forçada do Merrill Lynch. [10] À medida que os fortes cortes no valor de tais activos são aplicados genericamente, a base do capital próprio das instituições financeiras vai desaparecendo juntamente com a confiança na sua solvência. E assim, os bancos estão a fazer o que John Maynard Keynes disse que fariam em tais circunstâncias: a amontoar dinheiro. [11] Por detrás disto tudo, na base da economia, está a deterioração da situação económica das famílias, debilitadas por décadas de salários reais congelados e por uma dívida de consumo cada vez maior.

"Isso" e o emprestador de última instância

Para compreender o significado histórico total desta evolução é necessário olhar para a função do governo dos EUA e dos demais países capitalistas como "emprestador de última instância". Actualmente assumiu a forma de oferta de liquidez ao sistema financeiro em crise, seguido pela injecção directa de capital nessas instituições e, por fim, se necessário, nacionalizações abertas. É este compromisso do estado em ser o emprestador de última instância que tem conferido confiança no sistema ao longo dos anos – apesar do facto de a super estrutura financeira da economia capitalista ter ultrapassado em muito a sua base no que os economistas chamam de economia "real" de bens e serviços. Portanto, nada é mais assustador para o capital do que aparecer o Federal Reserve e outros bancos centrais a fazer tudo o que podem para salvar o sistema e não conseguir impedir que ele se afunde cada vez mais – uma coisa que antigamente era considerada impensável. Embora o Federal Reserve e o Tesouro dos EU tenham intervindo maciçamente, parece que as dimensões totais da crise continuam a escapar-lhes.

Há quem lhe tenha chamado um "momento Minsky". Em 1982, o economista Hyman Minsky, conhecido pela sua hipótese de instabilidade financeira, fez a pergunta crucial: "Poderá 'isto" – a Grande Depressão – voltar a acontecer?" Conforme observou, não havia respostas fáceis para esta pergunta. Para Minsky a questão fundamental era se um colapso financeiro podia despedaçar uma economia real já em dificuldades – como na Grande Depressão. O sistema financeiro inerentemente instável crescera em escala ao longo de décadas, mas o mesmo acontecera ao governo e à sua capacidade de servir como emprestador de última instância. "Os processos que contribuem para a instabilidade financeira", observou Minsky, "são uma parte inevitável de qualquer economia capitalista descentralizada – i.e., o capitalismo é defeituoso por natureza – mas a instabilidade financeira não leva inevitavelmente a uma grande depressão; 'Isso' pode não acontecer". [12]

Mas aí estava implícita a ideia de que 'isso' também podia voltar a acontecer – nem que fosse pela possibilidade de uma explosão financeira e de uma instabilidade crescente poderem concebivelmente exceder a capacidade de resposta do governo – ou uma resposta suficientemente rápida e decisiva. Teoricamente, o estado capitalista, em especial o dos Estados Unidos, que controla o que equivale a uma divisa mundial, tem capacidade para impedir uma crise tão perigosa. A principal preocupação é uma "dívida-deflação" maciça (um fenómeno explicado pelo economista Irving Fisher durante a Grande Depressão) como demonstrado não só pela experiência dos anos 30 como no Japão nos anos 90. Nesta situação, conforme Fisher escreveu em 1933, "uma deflação provocada pela dívida recai sobre a própria dívida. Cada dólar de dívida ainda não pago torna-se num dólar maior, e se o sobre-endividamento com que começámos for suficientemente grande, a liquidação da dívida não consegue competir com a queda dos preços que provoca". Por outras palavras, os preços caem quando os devedores vendem bens para pagar as suas dívidas, e quando os preços caem as restantes dívidas têm que ser pagas em dólares mais valiosos do que os que se pediram emprestados, provocando mais falhas de pagamentos, provocando preços ainda mais baixos, e portanto uma espiral de deflação. [13]

A economia ainda não está nesta situação medonha, mas o espectro aproxima-se. Como afirmou Paul Asworth, principal economista americano no Capital Economics, em meados de Outubro de 2008, "Com a taxa de desemprego a subir rapidamente e os mercados de capitais em tumulto, quase tudo aponta para a deflação. A única coisa em que se pode ter esperança é que a rápida acção dos políticos talvez consiga evitá-la antes". "As economias do mundo rico", alertou a revista Economist no início de Outubro, "já estão a sofrer um processo moderado desta 'dívida-deflação'. A combinação da queda dos preços das casas e da contracção do crédito está a forçar os devedores a reduzir as despesas e a vender bens, o que por seu turno ainda faz baixar mais os preços das casas e de outros bens… Uma queda geral nos preços ao consumidor tornará as coisas ainda piores". [14]

Supunha-se que a simples ideia de que tais acontecimentos se pudessem repetir hoje na economia dos EUA estivesse afastada pela função do emprestador de última instância, com base no conceito de que o problema era principalmente monetário e podia ser sempre resolvido através de meios monetários, inundando a economia de liquidez ao menor sinal de perigo. Assim, o presidente da administração do Federal Reserve, Ben Bernanke, fez um discurso em 2002 (enquanto governador do Federal Reserve) significativamente intitulado "Deflação: Assegurar que 'Isso' Não Vai Acontecer Aqui". Nesse discurso sustentava que havia muitas formas de garantir que "Isso" não aconteceria hoje, apesar da crescente instabilidade financeira:

O governo dos EUA tem uma tecnologia, chamada impressora (ou, hoje em dia, o seu equivalente electrónico) que lhe permite produzir todos os dólares americanos que quiser, praticamente sem qualquer custo. Ao aumentar o número de dólares americanos em circulação, ou apenas ao ameaçar credivelmente que o vai fazer, o governo dos EU está também a reduzir o valor do dólar em termos de bens e serviços, o que equivale a aumentar os preços em dólares desses bens e serviços. Chegamos à conclusão de que, num sistema de papel moeda, um determinado governo pode sempre gerar despesas mais altas e portanto uma inflação positiva. 
Claro que o governo dos EUA não vai imprimir dinheiro e distribuí-lo a esmo (embora como veremos depois, haja políticas práticas que se aproximam deste comportamento). Normalmente, o dinheiro é injectado na economia através de compras feitas pelo Federal Reserve. Para estimular despesas maciças quando as taxas de juros a curto prazo chegam a zero, o Fed tem que aumentar a escala das suas compras de activos ou, possivelmente, alargar o menu de activos que adquire. Em alternativa, o Fed pode encontrar outras formas de injectar dinheiro no sistema – por exemplo, fazendo empréstimos a bancos a taxas de juro baixas ou cooperando com as entidades fiscais. [15]

Nesse mesmo discurso, Bernanke sugeria que nessas circunstâncias "um corte de impostos, financiado por dinheiro" destinado a evitar a deflação, era "equivalente na sua essência à famosa 'chuva de helicóptero' de dinheiro, de Milton Friedman" – uma afirmação que lhe granjeou a alcunha de "Helicóptero Bem". [16]

Economista académico que conquistou a sua reputação graças aos seus estudos sobre a Grande Depressão, Bernanke foi produto do conceito proposto mais influentemente por Milton Friedman e Anna Schwartz na sua conhecida obra, A Monetary History of the United States, 1867-1960, de que a origem da Grande Depressão tinha sido monetária e podia ter sido combatida quase exclusivamente em termos monetários. A falha na abertura das comportas monetárias no seu início, segundo Friedman e Schwartz, tinha sido a principal razão para que os maus tempos económicos tivessem sido tão graves. [17] Bernanke opunha-se profundamente a concepções anteriores da Depressão que a consideravam produto das fraquezas estruturais da economia "real" e do processo de acumulação subjacente. Ao falar no 75º aniversário da queda do mercado de acções de 1929, afirmou:

Durante a Depressão propriamente dita, e durante várias décadas a seguir, a maior parte dos economistas defenderam que os factores monetários não tinham sido uma causa importante da Depressão. Por exemplo, muitos observadores apontaram para o facto de que as taxas de juros nominais estiveram perto do zero durante grande parte da Depressão, concluindo que a política monetária tinha sido o mais confortável possível e no entanto não tinha produzido qualquer benefício tangível para a economia. A tentativa de usar uma política monetária para arrancar uma economia duma profunda depressão foi frequentemente comparada a "empurrar uma corda". 
Durante as primeiras décadas depois da Depressão, a maior parte dos economistas procurou explicações na evolução do lado real da economia, em vez de nos factores monetários. Alguns argumentaram, por exemplo, que se assistira nos efervescentes anos 20 a um excesso de investimento e a um excesso da construção, que levaram ao colapso quando se chegou à conclusão de que os retornos desses investimentos eram menores do que os esperados. Outra teoria, outrora muito popular, era que fora um problema crónico de "subconsumo" – a incapacidade de as famílias comprarem suficientes bens e serviços para utilizar a capacidade produtiva da economia – que tinha precipitado a queda. [18]

A resposta de Bernanke a tudo isto foi reafirmar solidamente que o que tinha precipitado (e explicado) a Grande Depressão, eram os factores monetários praticamente por si sós, e eram eles os meios fundamentais, na verdade quase os únicos, para combater a dívida-deflação. Quase não valia a pena abordar as tendências na economia real, tais como o aparecimento do excesso de capacidade na indústria. Quando muito, eram uma ameaça deflacionária que seria contrariada pela reflação. [19] Nem, conforme argumentou noutro sítio, era necessário explorar o ponto de vista de Minsky de que o sistema financeiro da economia capitalista era instável por natureza, visto que esta análise dependia da irracionalidade económica associada a loucuras especulativas e portanto se afastava do modelo formal de "comportamento económico racional" da economia neoclássica. [20] Bernanke concluiu um discurso, que comemorava o 90º aniversário de Friedman em 2002, com as palavras: "Gostaria de dizer a Milton e a Anna: Quanto à Grande Depressão, vocês tinham razão, fomos nós que a fizemos. Lamentamos muito. Mas graças a vocês, não voltaremos a fazer isso". [21] "Isso", claro, era a Grande Depressão.

Na sequência da queda do mercado de acções em 2000, desenvolveu-se um debate nos círculos da banca central sobre se deviam fazer-se "ataques preventivos" contra futuras bolhas de valores para evitar tais catástrofes económicas. Bernanke, representando a ortodoxia económica reinante, deu o tom argumentando que não se devia tentar fazer isso, visto que era difícil de saber se uma bolha era mesmo uma bolha (quer dizer, se a expansão financeira era justificada por fundamentos económicos ou por novos modelos de negócio, ou não). Além do mais, rebentar uma bolha seria atrair o desastre, como nas tentativas do Federal Reserve para o fazer nos finais dos anos 20, levando (segundo a interpretação monetarista) às falências da banca e à Grande Depressão. E concluiu: "uma política monetária não pode ser dirigida de modo suficientemente primoroso para guiar preços de valores, sem correr o risco de graves danos colaterais para a economia… Embora não seja possível eliminar a volatilidade da economia e dos mercados financeiros, temos que ser capazes de a moderar sem sacrificar as enormes forças do nosso sistema de mercado livre". Em resumo, defendia Bernanke, sem dúvida com alguma razão dada a natureza do sistema, o melhor que o Federal Reserve podia fazer, face a uma bolha importante, era restringir-se principalmente à sua função de emprestador de última instância. [22]

Mesmo no pico da bolha da habitação, Bernanke, na altura presidente do Conselho de Consultores Económicos de Bush, declarou com os olhos completamente fechados: "Os preços das casas subiram quase 25 por cento nos últimos dois anos. Embora tenha aumentado a actividade especulativa nalgumas áreas, a nível nacional as subidas dos preços reflectem fortes fundamentos económicos, incluindo um robusto crescimento em empregos e receitas, taxas de hipotecas baixas, taxas sólidas de formação familiar, e factores que limitam a expansão da oferta de habitação nalgumas áreas". [23] Ironicamente, foram estas opiniões que levaram à nomeação de Bernanke para presidente da administração do Federal Reserve (em substituição de Alan Greenspan) no início de 2006.

A bolha da habitação começou a esvaziar no início de 2006 na mesma altura em que o Fed estava a aumentar as taxas de juro numa tentativa de conter a inflação. O resultado foi o colapso do sector da habitação e dos títulos suportados por hipotecas. Confrontado com uma importante crise financeira no início de 2007, Bernanke, na qualidade de presidente do Fed, pôs a impressora em marcha a todo o vapor, inundando de dólares a nação e o mundo, mas cedo constatou para seu grande desespero que tinha estado a "empurrar uma corda". Não houve quantidade de infusões de liquidez capazes de ultrapassar a insolvência em que as instituições financeiras estavam atoladas. Incapazes de cumprirem as suas exigências financeiras correntes - se fossem instados a fazê-lo – os bancos recusaram-se a renovar empréstimos enquanto acumulavam o dinheiro disponível em vez de emprestarem e estimularem de novo o sistema. A crise financeira depressa se tornou tão universal que os riscos de emprestar dinheiro aumentaram em espiral, visto que muitos beneficiários de empréstimos anteriormente dignos de crédito se viam agora possivelmente à beira da insolvência. Numa armadilha da liquidez, como ensinara Keynes, pôr a funcionar as impressoras apenas ajuda à acumulação de dinheiro mas não a novos empréstimos e gastos.

No entanto, como veremos, as verdadeiras raízes da falência financeira penetravam muito mais profundamente: a estagnação da produção e do investimento.

Da explosão financeira à implosão financeira

Em poucas palavras, a nossa explicação é que a explosão financeira nas últimas décadas e a implosão financeira que agora ocorre se explicam principalmente em relação às tendências para a estagnação no interior da economia subjacente. Os economistas e os especialistas dos meios de comunicação têm dado uma série de outras explicações para a crise actual (na sua maioria concentrando-se nas causas próximas). Essas explicações incluem a redução das regulamentações do sistema financeiro; as taxas de juros muito baixas introduzidas pelo Fed para combater os efeitos da queda da bolha de acções "Nova Economia" de 2000, levando à bolha da habitação; e a venda de grande quantidade de hipotecas "subprime" a muita gente que não tinha posses para comprar uma casa e/ou não tinha percebido totalmente as condições das hipotecas.

Tem sido dada muita atenção às técnicas pelas quais as hipotecas eram empacotadas e depois "fatiadas e sorteadas" e vendidas a investidores institucionais em todo o mundo. Também pode ter estado envolvida uma fraude aberta nalgumas dessas manobras financeiras. A queda dos valores das casas depois do rebentamento da bolha da habitação e a incapacidade de muitos detentores de hipotecas subprime de continuarem a fazer os seus pagamentos mensais, juntamente com as consequentes penhoras, foi certamente a palha que quebrou a espinha ao camelo, levando a esta falência catastrófica do sistema. E poucos duvidam hoje que tudo piorou por causa do entusiasmo de desregulamentação, avidamente promovido pelas firmas financeiras, que as deixou com menos defesas quando as coisas deram para o torto.

Apesar de tudo isso, o problema de raiz era muito mais profundo, e devia ser procurado numa economia que passava por um crescimento mais lento, dando origem à explosão financeira quando o capital procurou "alavancar" a sua saída para o problema aumentando a dívida e ganhando lucros especulativos. Podemos observar na tabela 1 a extensão a que a dívida disparou em relação ao PIB durante as últimas quatro décadas. Tal como os números indicam, a característica mais notável no desenvolvimento do capitalismo durante este período tem sido a expansão da dívida.

Tabela 1. Dívida interna [*] e PIB (milhões de milhões dólares)

PIB
Dívida
total
Dívida por sector
Habitação
Firmas
financeiras
Negócios
não financeiros
Governo
(locais, estaduais & federal)
19701,01,50,50,10,50,4
19802,74,51,40,61,51,1
19905,813,53,62,63,73,5
20009,826,37,08,16,64,6
200713,847,713,816,010,67,3


[*] A parte federal da dívida local, estatal e federal inclui apenas a porção na posse do público. A dívida total em 2007, se se acrescentar a dívida federal na posse de organismos federais, passa para 51,5 milhões de milhões de dólares.



Fontes: Flow of Funds Accounts of the United States, Table L.1 Credit Market Debt Outstanding, Federal Reserve and Table B-1, Gross domestic product, 1959-2007, Economic Report of the President, 2008.

Este fenómeno ainda é mais claro no gráfico 1 que mostra a subida em flecha da dívida privada em relação ao rendimento nacional desde os anos 60 até ao presente. A dívida do sector financeiro como percentagem do PIB elevou-se pela primeira vez do nível rasteiro nos anos 60 e 70, acelerou a partir dos anos 80 e disparou depois de meados dos anos 90. A dívida da habitação como percentagem do PIB subiu fortemente a partir dos anos 80 e depois aumentou ainda mais depressa no final dos anos 90. A dívida de negócios não financeiros em relação ao rendimento nacional também subiu durante o período, embora menos espectacularmente. O efeito geral é um aumento maciço na dívida privada em relação ao rendimento nacional. O problema ainda se agrava mais se se acrescentar a dívida governamental (local, estatal e federal). Com todos os sectores incluídos, a dívida total em percentagem do PIB sobe de 151 por cento em 1959 para uns astronómicos 373 por cento em 2007!

Esta subida na carga da dívida acumulada em percentagem do PIB estimulou fortemente a economia, especialmente no sector financeiro, alimentando enormes lucros financeiros e marcando a financiarização crescente do capitalismo (a mudança de gravidade da produção para a finança no seio da economia como um todo). A imagem dos lucros, associados a esta financiarização acelerada, está representada no gráfico 2, que fornece um índice de série tempo (1970 = 100) dos lucros americanos financeiros versus não financeiros e o PIB. A partir de 1970, os lucros financeiros e não financeiros tendiam a aumentar ao mesmo ritmo do PIB. Mas, nos finais dos anos 90, a finança pareceu assumir vida própria, com os lucros das corporações financeiras americanas (e em menor grau os lucros das corporações não financeiras também), projectados para a estratosfera, aparentemente divorciados do crescimento do rendimento nacional, que se manteve relativamente estagnado. As corporações, jogando no que se transformou num gigantesco casino, usaram e abusaram da alavancagem – ou seja, apostavam frequentemente trinta ou mais dólares emprestados por cada dólar seu que era utilizado. Isto ajuda a explicar os lucros extraordinariamente altos que conseguiram ganhar enquanto as suas apostas tiveram êxito. Claro que o crescimento da finança não se restringiu meramente aos Estados Unidos mas foi um fenómeno global com exigências especulativas de riqueza muito distanciadas da produção global, e com a mesma contradição essencial que percorreu todo o mundo capitalista avançado e as economias "emergentes".



Já nos finais dos anos 80 a gravidade da situação se estava a tornar clara para os que não estavam comprometidos com as formas de pensamento institucional. Olhando para a situação em 1988, no aniversário da queda do mercado de acções de 1987, os editores da Monthly Review, Harry Magdoff e Paul Sweezy, afirmaram que mais tarde ou mais cedo – ninguém poderia prever exactamente quando ou como – ocorreria provavelmente uma grande crise do sistema financeiro que derrotaria a função de emprestador de última instância. Isto simplesmente porque nessa altura toda a precária super estrutura financeira teria crescido a uma escala tal que os meios das entidades governamentais, embora maciços, deixariam de ser suficientes para deter a avalanche, principalmente se não agissem suficientemente depressa e decididamente. Conforme afirmaram, era bastante possível que na próxima vez o esforço de salvamento tivesse "êxito no mesmo sentido ambíguo do que aconteceu após o colapso do mercado de acções de 1987. Se assim for, teremos que passar de novo por todo o mesmo processo, mas a um nível mais elevado e mais precário. Mas, mais tarde ou mais cedo, da próxima vez ou noutra a seguir, não terá êxito", gerando uma grave crise da economia.

Como exemplo duma avalanche financeira à espera de acontecer, apontaram para o "mercado de acções de Tóquio em grande alta", como um possível prelúdio para uma enorme implosão financeira e uma subsequente estagnação profunda – uma realidade que se iria materializar pouco tempo depois, resultando na crise financeira do Japão e na "Grande Estagnação" dos anos 90. Os valores dos activos (tanto no mercado de acções como no imobiliário) caíram num valor equivalente a mais de dois anos de PIB. Quando as taxas de juro chegaram ao zero e se instalou a dívida-deflação, o Japão ficou preso na clássica armadilha da liquidez sem forma expedita de relançar uma economia já profundamente atolada na sobrecapacidade da economia produtiva. [24]

"No mundo actual dominado pela finança", escreveram Magdoff e Sweezy em 1987 na sequência imediata da queda do mercado de acções nos EUA:

O crescimento subjacente da mais-valia não consegue acompanhar o ritmo da acumulação do capital em dinheiro. Na ausência de uma base de mais-valia, o capital em dinheiro acumulado torna-se cada vez mais nominal, fictício mesmo. Provém da venda e compra de papéis, e baseia-se na presunção de que os valores dos activos continuarão inflacionados indefinidamente. Por outras palavras, o que temos é uma especulação em marcha baseada na crença de que, apesar das flutuações no preço, os valores dos activos prosseguirão sempre numa única direcção – para cima! Com este cenário como pano de fundo, a queda do mercado de acções de Outubro [1987] assume um significado de longo alcance. Ao demonstrar a falácia de um movimento infindável para cima dos valores dos activos, denuncia o cerne irracional da economia de hoje. [25]

Estas contradições, associadas a bolhas especulativas, têm sido evidentemente, até certo ponto, endémicas no capitalismo através de toda a sua história. Mas, na era pós Segunda Guerra Mundial, conforme argumentaram Magdoff e Sweezy, em linha com Minsky, a carga da divida tornou-se cada vez maior, apontando para o crescimento de um problema que era acumulativo e cada vez mais perigoso. Em The End of Prosperity, Magdoff e Sweezy escreveram: "Na ausência de uma grave depressão durante a qual as dívidas são forçosamente eliminadas ou drasticamente reduzidas, as medidas de salvamento do governo para evitar o colapso do sistema financeiro resumem-se apenas a preparar o terreno para mais camadas de dívidas e constrangimentos adicionais durante o avanço económico seguinte". Conforme Minsky disse, "Sem uma crise e um processo de dívida-deflação para contrabalançar as crenças no êxito de riscos especulativos, estimula-se a propensão para a subida dos preços e para uma estratificação financeira ainda mais alta". [26]

Os economistas e os analistas de negócios da corrente dominante foram momentaneamente confrontados com estas questões inconvenientes, mas rapidamente as puseram de lado. Embora o crescimento espectacular da finança não pudesse ter deixado de criar nervosismo de tempos a tempos – por exemplo, a famosa referência de Alan Greenspan à "exuberância irracional" – a presunção predominante, promovida pelo próprio Greenspan, era que o crescimento da dívida e da especulação representava uma nova era de inovação do mercado financeiro, i.e., uma mudança estrutural sustentável no modelo de negócios, associada a novas técnicas revolucionárias de gestão de risco. Greenspan estava tão apaixonado pela "Nova Economia" tornada possível pela financiarização que fez notar em 2004: "Não só as instituições financeiras individuais se tornaram menos vulneráveis aos choques de factores de risco subjacentes, como também o sistema financeiro no seu todo tornou-se mais elástico". [27]

Foi apenas com a chegada da crise financeira em 2007 e a sua persistência até 2008 que encontramos analistas financeiros em sítios surpreendentes a falar abertamente com perspectivas diferentes. Assim, como observou Manas Chakravarty, colunista económico do site investidor da Índia na Web, Livemint.com (em parceria com o Wall Street Journal), em 17 de Setembro de 2008, no contexto do colapso de Wall Street,

"o economista americano Paul Sweezy assinalou há muito que a estagnação e a enorme especulação financeira surgiram como aspectos simbióticos do mesmo impasse económico irreversível de raízes profundas. Ele disse que a estagnação da economia subjacente significava que o negócio estava cada vez mais dependente do crescimento da finança para preservar e aumentar o seu capital em dinheiro e que a superstrutura financeira da economia não podia expandir-se inteiramente independente da sua base na economia produtiva subjacente. Com uma presciência notável, Sweezy disse que o rebentamento de bolhas especulativas seria, portanto, um problema recorrente e crescente". [28]

Evidentemente, Paul Baran e Sweezy em Monopoly Capital, e posteriormente Magdoff e Sweezy na Monthly Review, tinham assinalado outras formas de absorção de mais-valia tais como as despesas do governo (em especial as despesas militares), o esforço de vendas, o estímulo proporcionado por novas inovações, etc. [29] Mas todas elas, embora importantes, mostraram-se insuficientes para manter a economia em coisas como o pleno emprego, e nos anos 70 o sistema estava atolado numa profunda estagnação (ou estagflação). Era a financiarização – e o crescimento da dívida que esta promovia activamente – que ia surgir como o estímulo quantitativamente mais importante para a procura. Mas apontava inevitavelmente para um dia de avaliações financeiras e de uma cascata de incumprimentos de pagamentos.

Na verdade, alguns analistas preponderantes, sob a pressão dos acontecimentos, foram forçados a reconhecer no verão de 2008 que poderia vir a ser inevitável uma desvalorização maciça do sistema. Jim Reich, o chefe da investigação de crédito do Deutsche Bank, examinando o tipo de relação entre lucros financeiros e o PIB exibida no gráfico 2, publicou uma análise intitulada "Uma reversão de um milhão de milhões de dólares?" em que argumentava que:

Os lucros financeiros dos EUA desviaram-se da média durante a década passada numa base acumulativa… O sector financeiro dos EUA fez cerca de 1,2 milhões de milhões (1 200 mil milhões de dólares) de lucros 'excessivos' na década passada em relação ao PIB nominal… Portanto a reversão da média [a teoria de que os retornos nos mercados financeiros com o tempo "revertem" para uma projecção da média a longo prazo, ou linha tendencial] pode sugerir que será necessário anular 1,2 milhões de milhões de dólares de lucros antes de o sector financeiro americano ficar limpo dos excessos da década passada… Dado que… Bloomberg informa que, até agora nesta crise, os financeiros americanos já registaram 184 mil milhões de dólares, se acreditarmos que a dimensão do sector financeiro tem que encolher até ao nível da década passada, então temos que chegar à conclusão de que o sector ainda tem que sofrer a perda de mais um milhão de milhões de dólares antes de voltarmos à tendência de período longo em lucros financeiros. Uma ideia assustadora e que, a estar correcta, levará a um longo período de permanente intervenção das autoridades numa tentativa de fazer parar a sua destruição potencial. Será fundamental encontrar qual a dimensão adequada do sector financeiro no "novo mundo" para saber qual o grau de destruição que vai ser necessária no sector.

A ideia duma reversão da média de lucros financeiros à sua linha tendencial a longo prazo na economia como um todo foi adiantada apenas para sugerir a dimensão da mudança iminente, visto que Reid aceitava a possibilidade de que existem razões estruturais do "mundo real" para explicar o peso relativo da finança – embora ainda não estivesse disposto a aceitar nenhuma delas. Como reconheceu, "avaliar a dimensão 'natural' adequada para o sector financeiro em relação ao resto da economia é uma charada impressionantemente difícil". Com efeito, será de pôr em dúvida se existe mesmo um nível "natural". Mas só a ideia de que era possível ocorrer uma maciça "destruição de lucros", antes que o sistema pudesse continuar a sua marcha e que isso implicaria um "longo período de permanente intervenção das autoridades numa tentativa de fazer parar a sua destruição potencial", demonstrava bem o facto de que a crise era muito mais grave do que na altura se supunha – uma coisa que pouco depois se tornou evidente. [30]

O que tal raciocínio sugeria, em linha com o que Magdoff e Sweezy tinham defendido nas últimas décadas do século XX, era que a autonomia da finança em relação à economia subjacente, associada ao processo de financiarização, era mais relativa do que absoluta, e que viria a ser necessário por fim uma grande época económica negra – maior do que o simples rebentar duma bolha e a inflação de outra. E provavelmente seria tanto mais devastadora quanto mais o sistema a adiasse. No entretanto, conforme Magdoff e Sweezy tinham feito notar, a financiarização podia continuar durante algum tempo. E com efeito não havia outra resposta para o sistema.

De volta à economia real: O problema da estagnação

Paul Baran, Paul Sweezy e Harry Magdoff defenderam incansavelmente desde os anos 60 até aos anos 90 (muito em especial em Monopoly Capital ) que a estagnação era o estado normal da economia de capitalismo de monopólio, para além de factores históricos especiais. A prosperidade que caracterizou a economia nos anos 50 e 60, insistiram, era atribuível a factores históricos temporários, tais como: (1) o amontoar de poupanças do consumidor durante a guerra; (2) uma segunda grande vaga de automobilização nos Estados Unidos (englobando a expansão das indústrias do vidro, do aço e da borracha, a construção do sistema de auto-estradas inter-estados e o desenvolvimento dos subúrbios); (3) a reconstrução das economias europeia e japonesa devastadas pela guerra; (4) a corrida ao armamento da Guerra Fria (e duas guerras regionais na Ásia); (5) o aumento do esforço de vendas marcado pela ascensão de Madison Avenue; (6) a expansão do FIRE (finança, seguros e imobiliário); e (7) o predomínio do dólar como divisa hegemónica. Logo que se desvaneceu o extraordinário estímulo destes factores, a economia começou a afundar-se de novo na estagnação: crescimento lento e aumento do excesso de capacidade e desemprego/subemprego. Por fim, foram os gastos militares e a explosão da dívida e a especulação que constituíram os principais estímulos que mantiveram a economia afastada da depressão. Mas estes não foram suficientes para evitar o reaparecimento das tendências de estagnação, e o problema foi piorando com o tempo. [31]

Podemos observar a realidade duma estagnação crescente no quadro 2, que mostra as taxas de crescimento real da economia, década após década, durante as últimas oito décadas. O baixo ritmo de crescimento nos anos 30 reflecte a profunda estagnação da Grande Depressão. Esta foi seguida pela extraordinária ascensão da economia dos EU nos anos 40 sob o impacto da Segunda Guerra Mundial. Durante os anos 1950-69, hoje frequentemente referidos como uma "Idade de Ouro" económica, a economia, alimentada pelo conjunto de factores históricos especiais acima referidos, conseguiu um forte crescimento económico numa economia de "tempo de paz". Mas veio a provar-se que isso também era demasiado temporário. A acentuada queda das taxas de crescimento nos anos 70 e seguintes apontam para uma tendência persistente para uma expansão mais lenta da economia, à medida que se desvaneciam as principais forças que impulsionavam as taxas de crescimento nos anos 50 e 60, impedindo que a economia regressasse à sua prosperidade anterior. Nas décadas seguintes, em vez de recuperar a sua anterior taxa tendencial de crescimento, a economia afundou-se lentamente.

Tabela 2. Crescimento do PIB real 1930-2007

% média anual
Década de 19301,3
Década de 19405,9
Década de 19504,1
Década de 19604,4
Década de 19703,3
Década de 19803,1
Década de 19903,1
2000 – 20072,6


Fonte: National Income and Products Accounts Table 1.1.1. Percent Change from Preceding Period in Real Gross Domestic Product, Bureau of Economic Analysis.


Foi a realidade da estagnação económica a partir dos anos 70, conforme recentemente sublinharam os economistas heterodoxos Riccardo Bellofiore e Joseph Halevi, que levou ao aparecimento do "novo regime capitalista financiarizado", uma espécie de "keynesianismo financeiro paradoxal" no qual a procura na economia era estimulada basicamente "graças a bolhas de valores". Além disso, foi o papel de liderança dos Estados Unidos em gerar essas bolhas – apesar (e também por causa) do enfraquecimento da acumulação de capital propriamente dita – conjuntamente com o estatuto de divisa de reserva do dólar, que fez com que o capital monopólio-finança americano fosse o "catalisador da efectiva procura mundial", a partir dos anos 80. [32] Mas esse padrão de crescimento financiarizado foi incapaz de produzir um rápido avanço económico, nem por muito nem por pouco tempo, e era insustentável, conduzindo a novas bolhas que rebentavam periodicamente, fazendo com que a estagnação aparecesse cada vez mais à superfície.

Um elemento fundamental para explicar toda esta dinâmica encontra-se no rácio em queda dos salários e ordenados em percentagem do rendimento nacional nos Estados Unidos. A estagnação nos anos 70 levou o capital a desencadear uma guerra de classes acelerada contra os trabalhadores para conseguir lucros forçando a descida dos custos do trabalho. O resultado foram décadas de desigualdade cada vez maior. [33] O gráfico 3 mostra uma acentuada queda na parte de salários e ordenados em PIB entre os finais dos anos 60 e o momento actual. Isto reflecte o facto de que os salários reais dos trabalhadores privados não agrícolas nos Estados Unidos (em dólares de 1982) atingiram um pico em 1972, a 8,99 dólares por hora, e em 2006 tinham descido para 8,24 dólares (equivalente à taxa de salários horários reais), apesar do enorme crescimento na produtividade e nos lucros durante as últimas décadas. [34]


Isto fez parte duma redistribuição maciça de receitas e riqueza para o topo. Ao longo dos anos de 1950 a 1970, por cada dólar adicional ganho pelos 90 por cento de pessoas que estavam em baixo, os que estavam no topo - 0,01 por cento – receberam 162 dólares adicionais. Em contrapartida, de 1990 a 2002, por cada dólar acrescentado ganho por esses 90 por cento de baixo, os tais 0,01 por cento do topo (actualmente cerca de 14 mil famílias) ganharam 18 mil dólares adicionais. Nos Estados Unidos os 1 por cento dos muito ricos em 2001, no seu conjunto, detinham mais do dobro do total dos 80 por cento da população em baixo. Se medíssemos isto apenas em termos de riqueza financeira, i.e., excluindo o património da habitação ocupada pelos seus proprietários, os 1 por cento do topo possuíam mais do que o quádruplo dos 80 por cento de baixo. Entre 1983 e 2001, os 1 por cento do topo apoderaram-se de 28 por cento da subida no rendimento nacional, de 33 por cento dos ganhos totais em situação líquida e de 52 por cento de todo o crescimento em valor financeiro. [35]

O facto verdadeiramente notável nestas circunstâncias foi que o consumo familiar continuou a aumentar de um pouco mais de 60 por cento do PIB no início dos anos 60 para cerca de 70 por cento em 2007. Isto só foi possível porque passou a haver maior número de famílias com dois ordenados (visto que as mulheres engrossaram a força do trabalho), as pessoas passaram a trabalhar mais horas e a ter múltiplos empregos, e a dívida do consumidor foi aumentando constantemente. A dívida da habitação foi estimulada, principalmente nas últimas fases da bolha da habitação, por uma subida dramática nos preços das casas, levando os consumidores a contrair empréstimos maiores do que o valor da propriedade (o chamado "efeito riqueza" da habitação) – um processo que acabou subitamente quando a bolha rebentou e os preços das casas começaram a cair. Conforme se mostra no gráfico 1, a dívida da habitação aumentou de cerca de 40 por cento do PIB em 1960 para 100 por cento do PIB em 2007, com um aumento especialmente acentuado a partir dos finais dos anos 90. [36]

Este crescimento do consumo, baseado na expansão da dívida familiar, veio a provar-se ser o calcanhar de Aquiles da economia. A bolha da habitação assentava num acentuado aumento da dívida familiar com base na hipoteca, enquanto que os salários reais tinham estado essencialmente congelados durante décadas. Os consequentes incumprimentos entre novos proprietários marginais originaram a queda dos preços das casas. Isto originou um número cada vez maior de proprietários que ficaram a dever mais pelas suas casas do que aquilo que elas valiam, criando mais incumprimentos e uma queda maior dos preços das casas. Os bancos, procurando reforçar os seus balanços começaram a rejeitar novas extensões da dívida de cartões de crédito. O consumo entrou em queda, perderam-se empregos, desapareceram as despesas de capital e começou uma espiral descendente de duração desconhecida.

Durante os últimos trinta anos, mais ou menos, o excedente económico controlado pelas grandes empresas, e nas mãos de investidores institucionais, como as companhias de seguros e os fundos de pensões, derramou um fluxo cada vez maior num estendal exótico de instrumentos financeiros. Pouca porção dos vastos excedentes económicos foi utilizada para expandir o investimento, que se manteve num estado de simples reprodução, reduzido a uma simples substituição (embora com uma tecnologia nova e mais avançada), em oposição a uma reprodução alargada. Dado que as grandes empresas se revelaram incapazes de encontrar a procura para a sua produção – uma realidade reflectida no já longo declínio da utilização da capacidade da indústria (ver gráfico 4) – e foram confrontadas com a escassez de oportunidades de investimentos lucrativos, o processo da formação líquida de capital tornou-se cada vez mais problemático.


E assim, os lucros foram sendo cada vez mais desviados do investimento na expansão da capacidade produtiva e canalizados para a especulação financeira, enquanto que o sector financeiro parecia gerar tipos ilimitados de produtos financeiros destinados a fazer uso deste capital em dinheiro. (Este fenómeno existia à escala global, levando Bernanke a referir-se em 2005 a uma "abundância de poupanças global", com enormes quantidades de capital à procura de investimento circulando por todo o mundo e canalizado cada vez mais para os Estados Unidos dado o seu papel de liderança na financiarização). [37] Podemos observar as consequências disso no gráfico 5, que mostra o dramático divórcio entre lucros e investimento líquido em percentagem do PIB nos últimos anos, como investimento fixo privado não residencial como parte do rendimento nacional a cair significativamente durante o período, mesmo quando os lucros como parte do PIB se aproximam de um nível nunca visto desde os finais dos anos 60/princípios dos anos 70. Isto marca, na terminologia de Marx, uma viragem da "fórmula geral para o capital" D(Dinheiro)-M(Mercadorias)-D' (dinheiro original mais mais-valia), em que os bens eram centrais para a produção de lucros – para um sistema cada vez mais assente no circuito do capital em dinheiro por si só, D-D' , em que o dinheiro gera mais dinheiro sem qualquer relação com a produção.


Como a financiarização pode ser considerada como a resposta do capital à tendência de estagnação na economia real, uma crise de financiarização significa inevitavelmente um ressurgimento da estagnação endémica subjacente à economia do capitalismo avançado. A desalavancagem da enorme dívida acumulada durante as últimas décadas está agora a contribuir para uma profunda crise. Além disso, com a financiarização paralisada, não se vê outra saída para o capital monopolista-financeiro. O prognóstico é pois que a economia, mesmo depois de estabilizada a actual crise de desvalorização, será caracterizada, na melhor das hipóteses, por algum tempo de crescimento mínimo, e por um alto desemprego, subemprego e excesso de capacidade.

O facto de o consumo americano (facilitado pelo enorme défice contabilístico americano actual) ter proporcionado uma efectiva procura crucial para a produção de outros países significa que o abrandamento nos Estados Unidos já está a ter efeitos desastrosos externamente, com uma liquidação financeira a nível global a todo o vapor. As economias "emergentes" e subdesenvolvidas foram apanhadas por uma série de problemas desconcertantes. Estes englobam a queda de exportações, a descida dos preços dos bens, e as repercussões de altos níveis de financiarização no topo duma base económica instável e altamente exploradora – enquanto são sujeitas a renovadas pressões imperialistas dos estados centrais.

Os próprios estados centrais também estão em dificuldade. A Islândia, que tem sido comparada ao canário na mina de carvão, sofreu um colapso financeiro total, exigindo ajuda do exterior e possivelmente um assalto maciço aos fundos de pensões dos cidadãos. Durante mais de dezassete anos a Islândia tem tido um governo de direita liderado pelo ultra-conservador Partido da Independência em coligação com os partidos centristas sociais-democratas. Sob esta liderança a Islândia adoptou em força a financiarização neoliberal e a especulação e assistiu a um crescimento excessivo dos seus sectores da banca e da finança com os activos totais dos seus bancos a aumentar de 96 por cento do PIB no final de 2000 para nove vezes o seu PIB em 2006. Agora os contribuintes islandeses, que não foram responsáveis por estas acções, têm que aguentar a carga das dívidas especulativas externas dos seus bancos, o que se traduz num drástico declínio do seu nível de vida. [38]

Uma economia política

A economia na sua fase clássica, que abrangia a obra não só de individualistas-possessivos, como Adam Smith, David Ricardo, Thomas Malthus, e John Stuart Mill, mas também de pensadores socialistas, como Karl Marx, chamava-se economia política. Esta designação era significativa porque apontava para a base de classes da economia e para o papel do estado. [39] A bem dizer, Adam Smith introduziu a noção da "mão invisível" do mercado que substituía a anterior mão visível do monarca. Mas, apesar disso, o contexto político de classe da economia mantinha-se presente em Smith e em todos os outros economistas clássicos. Nos anos 1820, conforme Marx observou, havia "disputas magníficas" entre economistas políticos que representavam diversas classes (e fracções de classes) da sociedade.

No entanto, a partir das décadas 1830 e 40 em diante, quando a classe trabalhadora surgiu como uma força na sociedade, e quando a burguesia industrial conquistou o controlo firme do estado, desalojando interesses instalados (muito especialmente com a rejeição das Leis dos Cereais), a economia passou da sua anterior forma de discussão para a "má consciência e intenção malévola da apologética". [40] O fluxo circular da vida económica foi sendo reconceptualizado a pouco e pouco como um processo envolvendo apenas os indivíduos, o consumo, a produção e os lucros marginais. O conceito de classe desapareceu assim da economia, mas foi abraçado pelo novo campo da sociologia (em formas cada vez mais abstraídas das relações económicas fundamentais). Também se dizia que o estado não tinha nada a fazer directamente com a economia e passou para o novo campo da ciência política. [41] A economia foi assim "purificada" de todos os elementos de classe e políticos, e apresentada cada vez mais como uma ciência "neutra", tratando de princípios universais e trans-históricos das relações entre capital e mercado.

Tendo perdido quaisquer raízes significantes na sociedade, a economia neoclássica ortodoxa, que se apresentava como um simples paradigma, tornou-se numa disciplina dominada por abstracções largamente sem sentido, modelos mecânicos, metodologias formais e linguagem matemática, divorciada das evoluções históricas. Era apenas uma ciência do mundo real; a sua principal importância residia no seu papel enquanto ideologia auto-confirmada. Entretanto, os negócios reais prosseguiam ao longo das suas próprias linhas, esquecidos completamente (por vezes também intencionalmente) das teorias económicas ortodoxas. A incapacidade de a economia aceite aprender as lições da Grande Depressão, i.e., as falhas inerentes de um sistema de acumulação com base em classes na sua fase de monopólio, incluía uma tendência para ignorar o facto de que o problema real reside na economia real, e não na economia monetário-financeira.

Actualmente, nada parece mais míope do que a laminar rejeição de Bernanke das teorias tradicionais da Grande Depressão que traçaram as causas subjacentes ao desenvolvimento da sobrecapacidade e procura fraca – convidando a uma rejeição semelhante de tais factores hoje em dia. Tal como o seu mentor Milton Friedman, Bernanke defendeu a opinião económica neoliberal dominante das últimas décadas, com a sua insistência em que ao escorar "a rocha que inicia um deslizamento de terras" era possível impedir indefinidamente uma avalanche financeira de "proporções importantes". [42] Se o estado do terreno por cima estava em movimento, e se isso se devia a processos reais, relacionados com o tempo, não era motivo para preocupação. Ironicamente, Bernanke, o académico especialista da Grande Depressão, adoptou a política de "não ver o mal, não ouvir o mal, não falar do mal" que tinha sido descrita por Ethan Harris, principal economista americano do Barclays Capital, em relação às bolhas de valores. [43]

Devemos pois voltar-nos para a opinião contrária que sublinha as contradições socioeconómicas do sistema. Durante algum tempo, em resposta à Grande Depressão dos anos 30, na obra de John Maynard Keynes, e de outros pensadores associados às tradições keynesianas, institucionalistas e marxistas – o mais importante dos quais foi o economista polaco Michael Kalecki – houve um certo revivalismo de perspectivas político-económicas. Mas a seguir à Segunda Guerra Mundial, o keynesianismo foi sendo reabsorvido a pouco e pouco pelo sistema. Isto ocorreu em parte através do que se chamou a "síntese neoclássica-keynesiana" – que, como afirmou Joan Robinson, um dos colegas mais jovens de Keynes, teve o efeito de abastardar Keynes – e em parte através do crescimento estreitamente relacionado do keynesianismo militar. [44] Por fim, surgiu o monetarismo como a resposta dominante para a crise de estagflação dos anos 70, juntamente com a ascensão de outras ideologias conservadoras do mercado livre, tais como a teoria do lado da oferta, as expectativas racionais, e a nova economia clássica (resumida como ortodoxia neoliberal). A economia perdeu a sua categoria explícita político-económica e o mundo voltou de novo para a mitologia dos mercados auto-reguladores, auto-equilibradores, isento das questões de classes e de poder. Quem quer que questionasse isto, era caracterizado como um político e não como um economista, e portanto excluído da discussão económica dominante. [45]

Não é necessário dizer que a economia nunca deixou de ser política; o que aconteceu é que a política que era promovida estava tão entrelaçada no sistema do poder económico que quase se tornava invisível. A mão visível do monarca, de Adam Smith, estava transformada na mão invisível, não do mercado, mas da classe capitalista, que estava escondida por detrás do véu do mercado e da concorrência. No entanto, em cada crise económica grave esse véu ia sendo parcialmente rasgado e expunha a realidade do poder de classe.

O pedido do secretário do Tesouro Paulson ao Congresso em Setembro de 2008, de 700 mil milhões de dólares para salvar o sistema financeiro pode constituir um ponto de viragem no reconhecimento e escândalo popular do problema económico, levantando pela primeira vez em muitos anos a questão da economia política. Tornou-se de imediato visível para toda a população que a questão crítica na crise financeira e na profunda estagnação económica que estava a surgir era: Quem vai pagar? A resposta do sistema capitalista, entregue às suas próprias manobras, foi a mesma de sempre: os custos seriam suportados desproporcionalmente pelos que estão em baixo. O velho jogo da privatização de lucros e da socialização de prejuízos seria jogado de novo pela enésima vez. A população seria chamada a "apertar o cinto" para "pagar a factura" de todo o sistema. A capacidade de o público em geral ver para além desta fraude nos próximos meses e anos dependerá, claro, duma enorme quantidade de esclarecimento pelos sindicalistas e activistas dos movimentos sociais, e do grau com que o império do capital fique desnudado pela crise.

Não há dúvidas de que a actual bancarrota económica crescente e o escândalo político produziram uma rotura fundamental na continuidade do processo histórico. Como é que as forças progressistas vão abordar esta crise? Primeiro que tudo, é importante rejeitar quaisquer tentativas para apresentar os graves problemas económicos que agora enfrentamos como uma espécie de "desastre natural". Têm uma causa, e ela reside no próprio sistema. E embora a crise não tenha sido com certeza bem recebida pelos que estão no topo da economia, a verdade é que foram eles os principais beneficiários do sistema, enriquecendo descaradamente às custas do resto da população, e devem ser responsabilizados pelas pesadas cargas agora impostas à sociedade. São os ricos que devem pagar a factura – não só por razões de elementar justiça, mas também porque eles, colectivamente, e o seu sistema constituem a razão de as coisas estarem tão mal como estão; e porque a melhor forma de ajudar a economia e os que estão em baixo é tratar directamente das necessidades destes últimos. Não pode haver pára-quedas dourados para a classe capitalista pagos à custa dos contribuintes.

Mas o capitalismo tira partido da inércia social, usando o seu poder para roubar descaradamente quando não pode confiar apenas na exploração "normal". Sem uma revolta de baixo, a carga recairá pura e simplesmente sobre os que estão em baixo. Tudo isto requer um levantamento de massas, social e económico, tal como aconteceu na segunda metade dos anos 30, incluindo a revivificação dos sindicatos e dos movimentos sociais de massas de todos os tipos – utilizando o poder para a mudança garantido ao povo pela Constituição; indo mesmo ao ponto de ameaçar a actual bipolaridade do sistema de dois partidos.

Que irá tentar fazer nestas circunstâncias esse movimento radical a partir de baixo, se vier a surgir? Aqui hesitamos responder, não porque haja falta de acções necessárias a fazer, mas porque um movimento político radicalizado determinado a varrer décadas de exploração, desperdício e irracionalidade será, se surgir, como uma tempestade em fúria, abrindo novas perspectivas para a mudança. Qualquer coisa que se possa sugerir nesta altura corre o duplo risco de parecer demasiado radical agora e demasiado tímido no futuro.

Alguns economistas e comentadores liberais argumentam que, dada a presente crise económica, nada será eficaz sem um programa de importantes obras públicas destinado a promover o emprego, uma espécie de outro Novo Acordo. Robert Kuttner defendeu no Desafio de Obama que "uma recuperação económica exigirá mais do que 700 mil milhões de dólares por ano em novos gastos públicos, ou em compensação um corte de 600 mil milhões de dólares em despesas militares. Porquê? Porque não há mais nenhuma estratégia plausível para conseguir uma recuperação económica geral e para o reequilíbrio da economia". [46] Mas isto é mais difícil de fazer do que de dizer. Há razões para crer que os interesses económicos dominantes bloquearão o aumento dos gastos civis governamentais a uma escala destas, mesmo numa crise, por interferirem com o mercado privado. A verdade é que as compras civis do governo em 1939 se situavam em 13,3 por cento do PNB – o que Baran e Sweezy em 1966 teorizaram como estando a aproximar-se dos seus "limites máximos" – e desde então pouco mudaram, com o consumo civil do governo e as despesas de investimento desde 1960 até ao presente numa média de 13,7 por cento do PNB (13,8 por cento do PIB). [47] Portanto não se deve subestimar as forças de classe que podem bloquear um importante aumento nas despesas governamentais não militares, mesmo numa profunda estagnação. Quaisquer avanços nesta direcção exigirão uma forte luta de classes.

No entanto, não pode haver dúvidas de que a mudança deve ser dirigida primeiro e acima de tudo para a satisfação das necessidades básicas da população no que se refere à alimentação, à habitação, ao emprego, à saúde, à educação, a um ambiente sustentável, etc. Irá o governo assumir a responsabilidade de proporcionar trabalho útil a todos os que o desejarem e dele necessitarem? Irá haver habitação disponível (livre de hipotecas esmagadoras) para toda a gente, alargando-se também aos sem abrigo e aos que vivem em habitações degradadas? Irá ser instituído um sistema de saúde nacional para cobrir as necessidades de toda a população, substituindo o pior e mais caro sistema de saúde do mundo capitalista avançado? Irão as despesas militares ser reduzidas drasticamente, renunciando-se ao domínio imperialista global? Irão os ricos pagar pesados impostos e as receitas e riqueza ser redistribuídas? Irá o ambiente, quer global quer local, ser protegido? Irá o direito a organizar tornar-se uma realidade?

Se estes pré-requisitos elementares de qualquer futuro decente parecem impossíveis no actual sistema, então o povo deve tomar nas suas próprias mãos a criação de uma nova sociedade que proporcione estes bens genuínos. Acima de tudo é necessário "insistir em que tanto a moral como a economia apoiam o sentimento intuitivo das massas de que os recursos humanos e naturais da sociedade podem e devem ser usados em benefício de toda a gente e não apenas de uma minoria privilegiada". [48]

Nos anos 30 Keynes condenou o crescente domínio do capital financeiro, que ameaçava reduzir a economia real a "uma bolha num redemoinho de especulação", e recomendou a "eutanásia do senhorio". Mas a financiarização é tão essencial para o capital monopólio-finança de hoje, que tal "eutanásia do senhorio" não pode ser conseguida – contrariando o sonho de Keynes de um capitalismo mais racional – sem passar para além do próprio sistema. Neste sentido estamos nitidamente num ponto de viragem global, em que o mundo talvez esteja finalmente preparado para dar o passo, como Keynes também visionou, de repudiar e alienar o código moral de "o justo é ilegal e o ilegal é justo" – utilizado para justificar a ganância e a exploração necessários para a acumulação do capital – virando-o do avesso para criar uma ordem social mais racional. [49] Para tal, porém, é necessário que a população assuma o controlo da sua economia política, substituindo o actual sistema de capitalismo por algo que se assemelhe a uma real democracia política e económica; aquilo que os actuais dirigentes do mundo mais temem e condenam – como o "socialismo". [50]

Notas:

1. Harry Magdoff e Paul M. Sweezy, The Irreversible Crisis (New York: Monthly Review Press, 1988), 76.
2. James K. Galbraith, The Predator State (New York: The Free Press, 2008), 48.
3. "Congressional Leaders Were Stunned by Warnings," New York Times, September 19, 2008.
4. Manas Chakravarty e Mobis Philipose, "Liquidity Trap: Fear of Failure," Livemint.com, October 11, 2008; John Maynard Keynes, The General Theory of Employment, Interest and Money (London: Macmillan, 1973), 174.
5. "Drama Behind a $250 Billion Banking Deal," New York Times, October 15, 2008.
6. "Government's Leap into Banking Has its Perils," New York Times, October 18, 2008.
7. "Single-Family Homes in U.S. Fall to a 26-Year Low," Bloomberg.net, October 17, 2008; "Economic Fears Reignite Market Slump," Wall Street Journal, October 16, 2008.
8. Ver "Depression of 2008: Are We Heading Back to the 1930s," London Times, October 5, 2008. Sobre a estagnação japonesa, ver Paul Burkett e Martin Hart-Landsberg, "The Economic Crisis In Japan," Critical Asian Studies 35, no. 3 (2003): 339–72.
9. "The U.S. is Said to Be Urging New Mergers in Banking," New York Times, October 21, 2008.
10 "CDO Cuts Show $1 Trillion Corporate-Debt Bets Toxic," Bloomberg.net, October 22, 2008.
11. "Banks are Likely to Hold Tight to Bailout Money," New York Times, October 17, 2008.
12. Hyman Minsky, Can "It" Happen Again? (New York: M. E. Sharpe, 1982), vii–xxiv; "Hard Lessons to be Learnt from a Minsky Moment," Financial Times, September 18, 2008; Riccardo Bellofiore and Joseph Halevi, "A Minsky Moment?: The Subprime Crisis and the New Capitalism," in C. Gnos and L. P. Rochon, Credit, Money and Macroeconomic Policy: A Post-Keynesian Approach (Cheltenham: Edward Elgar, forthcoming). Para as opiniões de Magdoff e Sweezy sobre Minsky ver The End of Prosperity (New York: Monthly Review Press, 1977), 133–36.
13. Irving Fisher, "The Debt-Deflation Theory of Great Depressions," Econometrica, no. 4 (October 1933): 344; Paul Krugman, "The Power of De," New York Times, September 8, 2008.
14. "Amid Pressing Problems the Threat of Deflation Looms," Wall Street Journal, October 18, 2008; "A Monetary Malaise," Economist, October 11–17, 2008, 24.
15. Ben S. Bernanke, "Deflation: Making Sure 'It' Doesn't Happen Here," National Economists Club, Washington, D.C., November 21, 2002, http://www.federalreserve.gov .
16. Ethan S. Harris, Ben Bernanke's Fed (Boston, Massachusetts: Harvard University Press, 2008), 2, 173; Milton Friedman, The Optimum Quantity of Money and Other Essays (Chicago: Aldine Publishing, 1969), 4–14.
17. Ben S. Bernanke, Essays on the Great Depression (Princeton: Princeton University Press, 2000), 5; Milton Friedman and Anna Schwartz, A Monetary History of the United States, 1867–1960 (Princeton: Princeton University Press, 1963). Para opiniões mais realistas sobre a Grande Depressão, tendo em consideração a economia real, assim como factores monetários, e encarando-a sob a perspective da estagnação do investimento, que caracterizou sobretudo a Depressão, ver Michael A. Bernstein, The Great Depression (Cambridge: Cambridge University Press, 1987), e Richard B. DuBoff, Accumulation and Power (New York: M.E. Sharpe, 1989), 84–92. Sobre as teorias clássicas da Grande Depressão, ver William A. Stoneman, A History of the Economic Analysis of the Great Depression in America (New York: Garland Publishing, 1979).
18. Ben S. Bernanke, "Money, Gold, and the Great Depression," H. Parker Willis Lecture in Economic Policy, Washington and Lee University, Lexington, Virginia, March 2, 2004, http://www.federalreserve.gov.
19. Ben S. Bernanke, "Some Thoughts on Monetary Policy in Japan," Japan Society of Monetary Economics, Tokyo, May 31, 2003, http://www.federalreserve.gov.
20. Bernanke, Essays on the Great Depression, 43.
21. "On Milton Friedman's Ninetieth Birthday," Conferência de homenagem a Milton Friedman, Universidade de Chicago, 8 de Novembro de 2002. Ironicamente, Anna Schwartz, agora com 91 anos, indicou numa entrevista ao Wall Street Journal que o Fed sob a batuta de Bernanke estava a travar a última Guerra, esquecendo que o problema era a incerteza quanto à solvência dos bancos, e não um problema de liquidez como o que levou à Grande Depressão. "Bernanke is Fighting the Last War: Interview of Anna Schwartz," Wall Street Journal, October 18, 2008.
22. Ben S. Bernanke, "Asset Prices and Monetary Policy," discurso ao New York Chapter of the National Association for Business Economics, New York, N.Y., October 15, 2002, http://www.federalreserve.gov; Harris, Ben Bernanke's Fed, 147–58.
23. Ben S. Bernanke, "The Economic Outlook," October 25, 2005; citado em Robert Shiller, The Subprime Option (Princeton: Princeton University Press, 2008), 40.
24. Magdoff e Sweezy, The Irreversible Crisis, 76; Burkett and Hart-Landsberg, "The Economic Crisis in Japan," 347, 354–56, 36–66; Paul Krugman, "Its Baaack: Japan's Slump and the Return of the Liquidity Trap," Brookings Papers on Economic Activity, no. 2 (1998), 141–42, 174–78; Michael M. Hutchinson and Frank Westermann, eds., Japan's Great Stagnation (Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 2006).
25. Magdoff e Sweezy, The Irreversible Crisis, 51.
26. Magdoff e Sweezy, The End of Prosperity, 136; Hyman Minsky, John Maynard Keynes (New York, Columbia University Press, 1975), 164.
27. Citação de Greenspan, New York Times, October 9, 2008. Ver também John Bellamy Foster, Harry Magodff, e Robert W. McChesney, "The New Economy: Myth and Reality," Monthly Review 52, no. 11 (April 2001), 1–15.
28. Manas Chakravarty, "A Turning Point in the Global Economic System," Livemint.com, September 17, 2008.
29. Ver John Bellamy Foster, Naked Imperialism (New York: Monthly Review Press, 2006), 45–50.
30. Jim Reid, "A Trillion-Dollar Mean Reversion?" , Deutsche Bank, July 15, 2008.
31. Ver Paul A. Baran e Paul M. Sweezy, Monopoly Capital (New York: Monthly Review Press, 1966); Harry Magdoff e Paul M. Sweezy, The Dynamics of U.S. Capitalism (New York: Monthly Review Press, 1972), The Deepening Crisis of U.S. Capitalism (New York: Monthly Review Press, 1981), e Stagnation and the Financial Explosion (New York: Monthly Review Press, 1987).
32. Bellofiore e Halevi, "A Minsky Moment?"
33. Ver Michael Yates, Longer Hours, Fewer Jobs (New York: Monthly Review Press, 1994); Michael Perelman, The Confiscation of American Prosperity (New York: Palgrave Macmillan, 2007.
34. Economic Report of the President, 2008, Table B-47, 282.
35. Correspondents of the New York Times, Class Matters (New York: Times Books, 2005), 186; Edward N. Wolff, ed., International Perspectives on Household Wealth (Cheltenham: Edward Elgar, 2006), 112–15.
36. Para a discriminação por classes da dívida familiar, ver John Bellamy Foster, "The Household Debt Bubble," capítulo 1 em John Bellamy Foster e Fred Magdoff, The Great Financial Crisis: Causes and Consequences (New York: Monthly Review Press, 2009).
37. Ben S. Bernanke, "The Global Savings Glut and the U.S. Current Account Deficit," Sandridge Lecture, Virginia Association of Economics, Richmond Virginia, March 10, 2005, http://www.federalreserve.gov .
38. Steingrímur J. Stigfússon, "On the Financial Crisis of Iceland," MRzine.org, October 20, 2008; "Iceland in a Precarious Position," New York Times, October 8, 2008; "Iceland Scrambles for Cash," Wall Street Journal, October 6, 2008.
39. Ver Edward J. Nell, Growth, Profits and Prosperity (Cambridge: Cambridge University Press, 1980), 19–28.
40. Karl Marx, Capital, vol. 1 (New York: Vintage, 1976), 96–98.
41. Ver Crawford B. Macpherson, Democratic Theory (Oxford: Oxford University Press, 1973), 195–203.
42. Friedman e Schwartz, A Monetary History of the United States, 419.
43. Harris, Ben Bernanke's Fed, 147–58.
44. Ver John Bellamy Foster, Hannah Holleman, e Robert W. McChesney, "The U.S. Imperial Triangle and Military Spending," Monthly Review 60, no. 5 (October 2008): 1–19.
45. Para a discussão da estagnação da economia desde os anos 70, ver Perelman, The Confiscation of American Prosperity. Ver também E. Ray Canterbery, A Brief History of Economics (River Edge, NJ: World Scientific Publishing, 2001), 417–26.
46. Robert Kuttner, Obama's Challenge (White River Junction, Vermont: Chelsea Green, 2008), 27.
47. Baran e Sweezy, Monopoly Capital, 159, 161; Economic Report of the President, 2008, 224, 250.
48. Harry Magdoff e Paul M. Sweezy, "The Crisis and the Responsibility of the Left," Monthly Review 39, no. 2 (June 1987): 1–5.
49. Ver Keynes, The General Theory of Employment, Interest, and Money, 376, e Essays in Persuasion (New York: Harcourt Brace and Co., 1932), 372; Paul M. Sweezy, "The Triumph of Financial Capital," Monthly Review 46, no. 2 (June 1994): 1–11; John Bellamy Foster, "The End of Rational Capitalism," Monthly Review 56, no. 10 (March 2005): 1–13.
50. Sobre este aspecto, é necessário, pensamos, ir mais além da economia liberal, e tentar uma crítica impiedosa de tudo o que existe. Mesmo um economista liberal relativamente progressista, como Paul Krugman, recentemente galardoado com o prémio de economia do Banco da Suécia em honra de Alfred Nobel, torna claro que o que o torna num pensador predominante, e daí ser membro do clube no topo da sociedade, é o seu profundo compromisso com o capitalismo e os "mercados livres" e o seu desdém pelo socialismo – proclamando altivamente que "há bem poucos anos… uma revista chegou mesmo a dedicar-me um ataque numa notícia de capa por causa das minhas opiniões pró-capitalistas". Paul Krugman, The Great Unraveling (New York: W. W. Norton, 2004), xxxvi. Neste contexto, ver Harry Magdoff, John Bellamy Foster, e Robert W. McChesney, "A Prizefighter for Capitalism: Paul Krugman vs. the Quebec Protestors," Monthly Review 53, no. 2 (June 2001): 1–5.

Sobre os autores

John Bellamy Foster é editor da Monthly Review e professor de sociologia na Universidade de Oregon. É o autor de Naked Imperialism (Monthly Review Press, 2006), entre muitas outras obras. Fred Magdoff é professor emérito de ciências das plantas e do solo na Universidade de Vermont em Burlington, professor adjunto de cereais e solos na Universidade Cornell, e director da Fundação Monthly Review. Este artigo é o capítulo final do livro de John Bellamy Foster e Fred Magdoff, The Great Financial Crisis: Causes and Consequences (Monthly Review Press, Janeiro de 2009).

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