11 de abril de 2012

A política de ter uma vida

O trabalho em uma sociedade capitalista é um fenômeno conflituoso e contraditório.

Peter Frase

Jacobin


Tradução / O trabalho em uma sociedade capitalista é um fenômeno conflituoso e contraditório, especialmente em tempos difíceis. Nós simultaneamente não trabalhamos o bastante e trabalhamos demais; uma profunda fome de trabalho para alguns significa um banquete para outros. Os Estados Unidos alegadamente têm estado em “recuperação econômica” por mais de dois anos, e ainda assim 15 milhões de pessoas não podem encontrar trabalho, ou não podem encontrar tanto trabalho quanto elas dizem que gostariam. Ao mesmo tempo, até dois terços dos trabalhadores relatam em pesquisas que gostariam de trabalhar menos horas do que trabalham hoje, mesmo se isso exigisse uma perda de renda. A dor do desemprego está bem documentada, mas a dor do empregado apenas ocasionalmente vê a luz, sejam funcionários dos depósitos da Amazon trabalhando em um ritmo alucinado num calor sufocante, ou trabalhadores da Foxconn arriscando ferimentos e morte para construir eletrônicos descolados para a Apple.

Quando o trabalho está escasso, os horizontes políticos tendem a se estreitar, enquanto a crítica à qualidade do trabalho dá lugar à busca desesperada por qualquer tipo de trabalho. E trabalho, de qualquer tipo, parece ser tudo o que os políticos podem oferecer; direita e esquerda diferem apenas sobre quem devemos culpar pela escassez. Vá para o site da campanha do Barack Obama, e você será informado no topo da página sobre “Problemas” que “O presidente está adotando medidas agressivas para colocar os estadunidenses de volta ao trabalho e criar uma economia onde o trabalho duro e a responsabilidade sejam recompensados.” Do mesmo modo no site da federação trabalhista AFLCIO, onde um homem de macacão sorri por trás das palavras “o trabalho conecta a todos nós.” É assim que a virtuosa classe trabalhadora aparece na imaginação progressista: esforçada, responsável, definida e redimida pelo trabalho, mas vítima de uma economia que não pode criar o trabalho assalariado necessário na qual esta responsabilidade possa ser investida.

Quando a direita rejeita esta romantização dos trabalhadores como esforçados ascetas, é apenas para mudar melhor o foco da culpa por uma economia fraca, do capital para o trabalho. O economista da Universidade de Chicago e às vezes colaborador do New York Times, Casey Mulligan, tentou redefinir a recessão como inexistente ao insistir que o colapso de emprego refletia apenas um reduzido desejo de trabalhar, ao invés de uma escassez de demanda. Enquanto isso, os reacionários mais cultos choram sobre a minguante ética do trabalho como um arauto do declínio da civilização. Charles Murray, que fez seu nome promovendo considerações pseudo-científicas sobre a indolência e inferioridade mental de afro-estadunidenses, retornou recentemente com avisos medonhos sobre a decadência da classe trabalhadora branca. Os homens brancos, ele diz, perderam “industriosidade”, como demonstrado por taxas declinantes de participação na força de trabalho e semanas de trabalho mais curtas entre os empregados.

A resposta pronta progressista é que tais estatísticas refletem uma ausência de oportunidade ao invés de uma falta de iniciativa. Mas isto leva apenas a gritos pela criação de empregos, enfatizando o valor do “trabalho duro” sem refletir sobre a natureza daquele trabalho. A labuta esgotante do depósito da Amazon é com certeza difícil; também são, de certa maneira, as semanas de 80-horas e o stress intenso de um operador do Goldman Sachs. E ainda assim do primeiro dificilmente pode ser dito que está saudável ou aperfeiçoando o espírito humano, enquanto o segundo apenas cria riqueza para poucos e caos econômico para o resto de nós. A “industriosidade” de Murray é a atitude ridicularizada pelo marxista desobediente Paul Lafargue em seu panfleto de 1883, “O Direito à Preguiça”, “uma estranha ilusão” que aflige o proletariado com “uma paixão furiosa por trabalho.”

Lafargue é parte de uma tradição socialista dissidente, que insiste que uma política para a classe trabalhadora tem de ser contra o trabalho. Esta é a tradição selecionada pela teórica política Kathi Weeks em seu livro recente, “O Problema com o Trabalho: Feminismo, Marxismo, Políticas Anti-Trabalho e Imaginário Pós-Trabalho.”  Weeks identifica defensores de mais trabalho e aqueles que querem trabalhos melhores, e vê faltas em ambos. Como uma alternativa, ela sustenta a demanda direta e sem remorso por menos trabalho. No processo, ela articula poderosamente a defesa de uma política que apele para o prazer e o desejo, ao invés de sacrifício e ascetismo. Afinal de contas, é o ideal de auto-restrição e auto-negação que em última análise legitima a glorificação do trabalho, especialmente a ideologia da ética do trabalho.

Permutações da ética do trabalho

A paixão furiosa por trabalho não é uma constante da natureza humana, mas alguma coisa que precisa ser constantemente reforçada, e sucessivas versões da “ética do trabalho” têm sido usadas para alimentar a fornalha dessa paixão. Na aurora do capitalismo, o chamado ao trabalho era um chamado à salvação, como Weeks explica em sua leitura de “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” de Max Weber. Ela reconhece que, longe de fornecer uma alternativa idealista à descrição de Marx sobre a ascensão do capitalismo, Weber complementa o Materialismo histórico descrevendo a construção de uma ideologia da classe-trabalhadora. A palavra é usada no sentido de Althusser: “a relação imaginária de indivíduos para com as suas condições reais de existência.” A ética protestante permitiu aos trabalhadores imaginar que quando trabalhavam pelos lucros do patrão, eles estavam na verdade trabalhando por sua salvação e pela glória de Deus.

Lá pelo século XX, entretanto, o chamado havia se tornado material: o trabalho duro garantiria uma prosperidade de base ampla. Cada um dos projetos gêmeos de modernidade industrial desse século desenvolveram esse chamado à sua própria maneira. Autoridades soviéticas promoviam o movimento estacanovita, que glorificava contribuições excepcionais à produtividade da economia socialista. Em Detroit, enquanto isso, o líder sindical social-democrata Walter Reuther denunciava defensores de menos horas de trabalho por minarem a economia estadunidense na luta contra o comunismo. Em nenhum dos casos a qualidade do trabalho industrial era posta em questão; era apenas uma questão de quem estava no controle e quem colhia os espólios.

A ética do trabalho industrial encalhou na natureza alienante do labor industrial. Trabalhadores que ainda se lembravam da Grande Depressão podiam estar dispostos a se subordinar à linha de montagem em troca de um pagamento garantido, mas seus filhos foram encorajados a exigir mais. Como Jefferson Cowie relembra em sua história “Stayin' Alive: The 1970s and the Last Days of the Working Class”, os anos 70 foram caracterizados por uma agitação trabalhista amplamente difundida, e pelo que era popularmente chamado de “a tristeza de colarinho azul”, enquanto “trabalhadores estavam sendo aparelhados para o imposto sindical, mas almejavam se libertar da natureza amortecedora do trabalho em si.” No reino da teoria de esquerda, este desenvolvimento se refletiu na voga por críticas “humanistas” do trabalho, baseadas na Teoria da Alienação do jovem Marx. Weeks destaca o marxista-freudiano Erich Fromm, que defendia que “a auto-realização do homem... está inextricavelmente ligada à atividade de trabalho,” que se tornará autêntica e auto-realizadora uma vez que esteja liberta do controle capitalista. Ao reconhecer as limitações na demanda por mais trabalho, os humanistas ao invés disso pediam por um “trabalho melhor.”

Mas esta crítica se provou duplamente insatisfatória: ou ela aponta para trás, na direção de um primitivismo austero, ou para frente, rumo outra iteração do capitalismo. Nas mãos de feministas como Maria Mies, a crítica do trabalho alienado se torna um chamado para produzir apenas para uso imediato, ao invés de para troca; isto, Weeks nota, é “uma prescrição para um ascetismo mundial da primeira ordem.” Se a forma produtivista do marxismo traficou a ilusão de que as forças de produção do capitalismo poderiam ser acolhidas e preservadas independente das relações de produção baseadas em classe, então o chamado romântico para um retorno ao trabalho de pequena escala ou de manufatura artesanal tenta dividir outra relação dialética de Marx, aquela entre valor de troca e valor de uso. Mas o valor de uso, como a produtividade, é em última análise uma categoria interna para o capitalismo; a exigência de que o que nós produzimos seja “útil” é inseparável da ética do trabalho em si.

A linha de argumento mais influente contra o trabalho industrial, porém, não tem sido a asceta, mas ao invés, o que os sociólogos Luc Boltanski and Eve Chiapello chamam de “crítica artística.” Sob essa crítica, o trabalho industrial está condenado não por que separa troca e uso, mas por que restringe a autonomia, liberdade e criatividade do trabalhador. A solução não seria reconectar o trabalho a um labor artesanal humilde, mas elevar os trabalhadores a indivíduos autônomos, auto-moldáveis e flexíveis, realmente capazes de se realizar em seus trabalhos.

Mas esta posição rapidamente coalhou em uma apologia do mundo precário do Capitalismo pós-anos 70, em que indivíduos eram encorajados a celebrar empregos instáveis e rendas incertas como formas de liberdade ao invés de insegurança. Benefícios intangíveis eram oferecidos como uma alternativa a uma parcela na produtividade crescente, que se dissociou de salários. Assim nós chegamos a uma terceira iteração da ética do trabalho na era pós-industrial, onde o trabalho é agora representado não como um caminho para a salvação e nem como uma estrada para riquezas, mas como uma fonte de identidade e realização pessoal. Esta ética está exemplificada por empresas da moda no Vale do Silício como a Apple, que teria dito aos seus empregados, em resposta às suas demandas salariais, que “dinheiro não deveria ser uma questão quando você estiver empregado na Apple. Trabalhar na Apple deveria ser visto como uma experiência.”

Nestas circunstâncias, Weeks argumenta, clamores por “trabalho melhor” não são apenas inadequados, eles tendem a reproduzir e estender uma forma de Capitalismo que tenta colonizar as vidas e personalidades de seus trabalhadores. Daí que “empoderamento do trabalhador pode impulsionar eficiência, flexibilidade pode servir como um jeito de cortar custos, e participação pode produzir compromisso com a organização... qualidade se torna quantidade enquanto o chamado por um trabalho melhor é traduzido em uma demanda por mais trabalho.” Qualquer tentativa de reconstruir o sentido do trabalho em uma forma não alienante precisa começar, então, rejeitando o trabalho por completo.

Ainda assim, a invocação manipuladora da autonomia do trabalho só é possível por que a crítica artística tocou em desejos reais. Dadas as deficiências do velho paradigma de trabalho industrial, dificilmente parece possível ou desejável retornar a um ideal proletário mais velho de emprego de longo prazo e protegido em uma única empresa. E ainda assim, há alguns ainda tentando ressuscitar a ideia de um trabalho melhor. Em “O Precariado: A Nova Classe Perigosa”, o economista Guy Standing identifica a nova massa de trabalhadores inseguros como um “precariado” ao invés de um proletariado, um que deseja “controle sobre a vida, um renascimento da solidariedade social e uma autonomia sustentável, enquanto rejeita velhas formas trabalhistas de proteção e paternalismo estatal.”

Como Weeks, Standing é um proponente de uma Renda Básica incondicional – um pagamento regular fornecido para cada indivíduo independente deles trabalharem ou não e do quanto trabalhem – como uma forma de fornecer segurança de renda sem trancar as pessoas em empregos. Ainda assim, ele baseia seu apelo no conceito de trabalho, agora expandido além dos limites do trabalho assalariado. “O fato de que há uma aversão aos empregos sendo oferecidos não significa que... as pessoas não queiram trabalhar,” ele argumenta, por que de fato “quase todo mundo quer trabalhar.” Subsequentemente, porém, ele fala de “resgatar” o trabalho de sua associação com o trabalho assalariado: “Todas as formas de trabalho deveriam ser tratadas com igual respeito, e não deveria haver a presunção de que alguém que não está empregada não está trabalhando ou que alguém que não está trabalhando hoje seria um aproveitador ocioso.” Isso evoca a noção de uma fábrica social em que nós contribuímos com vários tipos de atividade produtiva que não são diretamente remuneradas, desde educar os filhos até codificar programas de software aberto.

Mas nenhuma quantia de redefinições pode escapar da associação do trabalho com a ética capitalista do produtivismo e da eficiência. O contraste entre trabalhador e “aproveitador ocioso” implica que nós podemos medir se qualquer atividade dada é produtiva ou útil, ao traduzi-la em uma medida comum. O capitalismo tem tal medida, o valor monetário: o que tiver valor no mercado é, por definição, produtivo. Se a crítica do capitalismo pretende ir além disto, ela deve ultrapassar a ideia de que nossas atividades possam ser subordinadas a uma medida de valor única. De fato, exigir que o tempo fora do trabalho seja realmente livre é rejeitar o chamado para justificar a sua utilidade. Esta é uma sacada central do anti-ascetismo consistente de Weeks, que resiste a qualquer esforço para substituir a ética do trabalho com algum código igualmente homogeneizador que valide externamente a organização do nosso tempo. O tempo para além do trabalho não deve ser para troca ou para uso, mas sim para si mesmo. O ponto, como Weeks coloca, é “ter uma vida”, enquanto nós encontramos caminhos para “sustentar os mundos sociais necessários para, entre outras coisas, a produção.”

Questões políticas da demanda

O que seriam políticas para se ter uma vida? É mais fácil rejeitar a ideologia do trabalho em teoria do que criar uma estratégia política que avance uma agenda anti-trabalho na prática. Nenhum dos lados da relação dialética de reforma-ou-revolução do socialismo do Século XX é particularmente útil a respeito disso. A Social-Democracia conseguiu liberar parcialmente os trabalhadores do trabalho, ao fornecer serviços públicos e suportes de renda que diminuem a dependência do trabalho assalariado. Ainda assim, esta desmercantilização do trabalho tem sido hesitante e receosa, graças a uma preocupação com manter o pleno-emprego e conservar trabalhos. A tomada insurrecional do poder do estado, enquanto isso, se deixa a estrutura de relações capitalistas de trabalho intactas, meramente coloca os trabalhadores a cargo de sua própria exploração – conheça o novo chefe, assim como o antigo.

Weeks tenta transcender estas limitações elaborando um conceito de demanda política que mistura impulsos reformistas e revolucionários. A demanda é vista aqui como um chamado por uma reforma específica, mas também como algo mais. A demanda, e a forma com que ela é articulada, pode ser uma ferramenta de desmistificação ideológica e para o que Fredric Jameson chama de “mapeamento cognitivo,” traçando um gráfico das relações entre várias esferas de produção e reprodução. Uma demanda pode ser algo em torno do que se organizar, uma forma de construir capacidade coletiva. Finalmente, uma demanda pode preparar o palco para lutas e transformações radicais no futuro, mesmo se ela não desafia as fundações do sistema de imediato.

Este conceito de demanda evoca a ideia de André Gorz de “reforma não-reformista,” apesar de Weeks fugir da implicação de que uma demanda poderia ter implicações radicais enquanto ainda co-participando no terreno reformista de propostas políticas e compromissos táticos. Em um movimento que é reminiscente da ansiedade sobre “demandas” no ambiente do Occupy Wall Street, parece às vezes que Weeks quer preservar suas credenciais radicais ao negar que o sistema pudesse jamais acomodar as demandas que ela leva em frente.

Ainda assim, as duas demandas específicas que ela discute, apesar de serem ambíguas, estão dentro do horizonte do reformismo: uma renda básica incondicional e uma diminuição do tamanho da semana de trabalho. Estas são propostas comuns o bastante entre Esquerdistas de convicção anti-trabalho, mas o tratamento dado a elas por Weeks é distintivo por que ela baseia ambas as exigências nas políticas do Feminismo. A renda básica é oferecida como um sucessor para “salários para o serviço doméstico,” uma demanda clássica de Feministas Marxistas que emergiram da cena trabalhista Italiana. O objetivo, diz Weeks, é sublinhar “a arbitrariedade com que contribuições à produção social são e não são recompensadas com salários,” tornando assim visível a enorme soma de trabalho reprodutivo não-assalariado realizado por mulheres. Contra aqueles que rejeitam a renda básica como uma doação imerecida, podemos responder que é o Capitalismo que arbitrariamente se recusa a pagar por uma proporção enorme do trabalho que o sustenta.

Horas de trabalho mais curtas são, também, uma demanda inerentemente feminista. O proletário da imaginação romântica da Esquerda tem sempre sido implicitamente uma figura masculina, o trabalhador de turno-cheio dependendo do trabalho reprodutivo de uma mulher no lar. Contudo, Weeks é cuidadosa ao rejeitar gritos pela redução do tempo de trabalho sobre a premissa de arrumar mais tempo para a família. Tais argumentos podem contestar a ética do trabalho, mas eles fazem isso apenas reforçando uma ética familiar igualmente perniciosa. O tempo em casa acaba retratado como inerentemente melhor ou menos alienante do que o tempo no espaço de trabalho, e a necessidade por tal tempo se torna naturalizada. Isso ignora as caracteríticas alienantes e opressivas da família, que levaram uma geração anterior de feministas a buscar a liberdade e autonomia relativas no trabalho assalariado. E mais, o ascetismo de auto-negação da ética do trabalho não foi superado mas meramente deslocado, do local de trabalho para o lar. Horas de trabalho mais curtas, afirma Weeks, deveriam ser oferecidas não como um suporte para a família tradicional, mas como “um meio de assegurar o tempo e o espaço para forjar alternativas aos ideais, condições de trabalho e vida familiar vigentes.”

Trabalhadores contra o trabalho

A rejeição do trabalho tem uma história rica na teoria de Esquerda, mas uma presença mais intermitente na política de massa. Ela brota esporadicamente, do movimento pelo dia de trabalho de 10 horas no Século XIX ao Agosto Quente italiano de 1969. Uma grande dificuldade é que ao abandonar a ética do trabalho, a política anti-trabalho simultaneamente abraça a causa dos trabalhadores assalariados enquanto mina sua identidade como trabalhadores assalariados. Ela insiste que a sua libertação deve ocasionar a abolição simultânea de sua auto-concepção como trabalhadores. Isso contrasta com a visão Marxista mais tradicional, em que a classe trabalhadora primeiro se realiza na metafórica “ditadura do proletariado” antes de enfim se dissolver em uma sociedade totalmente sem classes. Mas mesmo um marxista tão ortodoxo como Georg Lukács observou em “História e Consciência de Classe” que “o proletariado apenas aperfeiçoa a si mesmo aniquilando e transcendendo a si mesmo.” Seu destino derradeiro é ser não apenas uma classe para-si mas “contra-si.”

Este não é um problema único da luta contra o Capitalismo, e é talvez inerente a qualquer política realmente radical. É sempre mais fácil apresentar demandas nos termos do inimigo do que rejeitar aqueles termos por completo, independente se isso significa minorias raciais demandando assimilação para sociedades brancas ou gays e lésbicas demandando admissão na instituição do casamento burguês. Ao pedir que os trabalhadores abandonem não só seus grilhões mas suas identidades como trabalhadores, teóricos anti-trabalho renunciam a formas de orgulho e solidariedade da classe trabalhadora que têm sido a cola para muitos movimentos de Esquerda. Eles sonham com um movimento de trabalhadores contra o trabalho. Mas isto requer algumas novas concepções de quem nós somos e quem nos tornaremos, se estivermos para jogar fora o rótulo “trabalhador.”

Escritores na tradição anti-trabalho têm frequentemente buscado estas novas identidades nas perspectivas e práticas de figuras que são marginais ao processo de produção e exteriores à classe-trabalhadora. Lafargue decaiu em uma nobre selvageria, comparando o proletariado iludido a “os Espanhóis, em quem o animal primitivo não foi atrofiado,” os quais por esse motivo reconheciam que “o trabalho é o pior tipo de escravidão.” Para Oscar Wilde, o artista mostrava a nós o futuro da vida depois da nossa libertação do trabalho e da propriedade, quando todos poderiam finalmente desenvolver um “verdadeiro, belo e saudável Individualismo.” O trabalho era, para ele, não a fonte de uma vida cheia de sentido mas sua antítese, e a promessa da modernidade era que ele poderia ser superado para os muitos como já foi superado para poucos:

“O fato é que a civilização precisa de escravos. Os gregos estavam absolutamente certos neste ponto. A menos que haja escravos para fazer o trabalho feio, horrível e desinteressante, a cultura e a contemplação se tornarão quase impossíveis. A escravidão humana é incorreta, desmoralizadora e não é segura. O futuro do mundo depende da escravidão mecânica, da escravidão da máquina. E quando os homens da ciência não forem mais convocados a partirem para o deprimente East End para distribuir a gente faminta chocolate de má qualidade e cobertores de qualidade ainda pior, terão um delicioso tempo disponível para planejar coisas maravilhosas e estupendas para satisfação própria e dos demais.”

Os argumentos de Lafargue e de Wilde tem sobretons Nietzchnianos, com a defesa do trabalho retratada como uma forma de ressentimento e a ética do trabalho como uma detestável moralidade escrava. Weeks também faz esta conexão em seu capítulo final, juntando Nietzche e o Marxista iconoclasta Ernst Bloch como um teórico de Política utópica. Desistir do ressentimento, Week sugere, significa perguntar, “Nós podemos desejar, e estamos dispostos a criar, um novo mundo que não seria mais ‘nosso mundo’, uma forma social que não produziria sujeitos como nós?” Isso traz de volta a dificuldade levantada acima, como diz respeito à política da rejeição do trabalho: “seu mandato para abraçar o presente e afirmar o seu eu e, ao mesmo tempo, desejar a sua superação; sua prescrição por auto-afirmação mas não por auto-preservação ou auto-engrandecimento.”

Em outro lugar, Weeks observa que nós não devemos subestimar o quanto da hesitação sobre posições anti-trabalho tem suas raízes no medo. Medo da ociosidade, medo do hedonismo – ou emprestando uma frase de Erich Fromm, medo da liberdade. É relativamente fácil dizer que no futuro serei o que sou agora – um trabalhador, talvez apenas com mais dinheiro ou mais segurança no emprego ou mais controle sobre meu trabalho. É outra coisa nos imaginar como tipos diferentes de pessoas por completo. Esse, talvez, seja o valor pouco apreciado dos acampamentos do Occupy Wall Street e tentativas similares de esculpir formas alternativas de viver dentro dos interstícios da sociedade capitalista. Pode ser, como críticos muitas vezes apontam, que eles não possam realmente construir uma sociedade alternativa enquanto os impedimentos institucionais do Capitalismo a uma tal sociedade permanecerem no lugar. Mas talvez eles possam ajudar a remover o medo do que nós poderíamos nos tornar se esses impedimentos fossem suspensos, e nós fossemos capazes de fazer o nosso êxodo do mundo do trabalho para o mundo da liberdade.

Sobre o autor

Peter Frase is on the editorial board of Jacobin and the author of Four Futures: Life After Capitalism.

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