1 de fevereiro de 2015

Dias melhores virão?

Celso Amorim

Folha de S.Paulo

É comum distinguir-se política externa de diplomacia. A primeira cuidaria das grandes orientações do país em relação ao mundo, os objetivos estratégicos e, em certa medida, da forma de alcançá-los: integração, cooperação, alianças etc.

A definição da política externa é essencialmente tarefa do governante máximo, que ausculta os anseios da sociedade e é assessorado por pessoas com conhecimento dos assuntos internacionais, entre as quais, supõe-se, sobressai a figura do ministro das Relações Exteriores.

A diplomacia tem essencialmente um caráter instrumental: é o conjunto de recursos materiais e humanos de que o país dispõe para alcançar os fins que a política elegeu. Estão incluídos aí aspectos qualitativos, como a existência de uma "cultura diplomática", adquirida pela experiência e desenvolvida por meio do estudo e da pesquisa.

O aspecto humano é absolutamente primordial. Não se faz uma boa diplomacia sem bons diplomatas. Daí a busca de excelência nos concursos para essa carreira de Estado (em nada contraditória com um número de vagas condizente com as dimensões do país) e a natureza meritocrática das promoções.

O Brasil se orgulha, com razão, de possuir um dos melhores serviços diplomáticos do mundo. Tradição, boa formação e motivação garantem que os funcionários diplomáticos se dediquem às tarefas de representar o país, participar de negociações complexas e servir de antena para as mudanças que ocorrem no plano internacional.

A preservação do elemento subjetivo (motivação) tem sido historicamente essencial para evitar a evasão dos quadros do Ministério das Relações Exteriores, mesmo em períodos de "vacas magras".

Por mais competentes que sejam os funcionários diplomáticos, há um mínimo de recursos materiais abaixo do qual a atividade que desempenham deixa de ser produtiva e perde o sentido. O diletantismo é consequência, não causa desse esvaziamento. Não se criam (ou se fortalecem) amizades entre países sem cooperação nos mais variados campos.

Obviamente essa cooperação tem custo, que é muito baixo quando comparado ao de outras atividades do Estado. Além dos ganhos políticos, difíceis de mensurar, na maioria das vezes a cooperação acaba por gerar retorno, inclusive financeiro, para o país.

A existência de uma representação adequada é imprescindível para o trabalho de "sedução", inerente à atividade diplomática. Quem quer que tenha algum conhecimento da história das grandes negociações sabe desses fatos.

Os meios materiais são também indispensáveis para que o/a diplomata e sua família tenham uma vida digna, essencial para o bom exercício de qualquer profissão.

É chocante constatar que funcionários do Estado brasileiro, responsáveis pela representação do país, tenham de se expor a doenças graves porque a conta de energia não pôde ser paga. Uma boa diplomacia não é garantia de uma boa política externa. Se os objetivos forem errados, não há habilidade profissional que os corrija. Mas é igualmente verdadeiro que mesmo uma boa política externa –como a que tem sido defendida pelo governo atual– não passará de exercício de retórica se não dispuser de um instrumental diplomático adequado.

Não podemos prescindir de uma política externa efetiva, apoiada em uma diplomacia eficaz, que dê condições de trabalho a seus quadros e que esteja atenta às aspirações das gerações mais novas, fonte de energia e criatividade.

Os discursos proferidos pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, ao assumir o cargo e ao dar posse ao novo secretário-geral do Itamaraty, reacendem a esperança daqueles que acreditaram que o Brasil, finalmente, assumiria o lugar que lhe cabe no concerto das nações. Mas a diplomacia depende, em larga medida, de outros atores.

Parodiando as palavras do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, em Davos, o chanceler não está sozinho na esplanada. Nem detém a chave do cofre. Se, do outro lado do eixo monumental, não houver compreensão do papel essencial da diplomacia para o desenvolvimento e a segurança do país, a política externa poderá ser desconstruída, sem que seus adversários, dentro e fora do país, precisem disparar um tiro sequer, no sentido real ou metafórico.

Sobre o autor

Celso Amorim, 72, diplomata, foi ministro das Relações Exteriores (1993-1995 e 2003-2010) e da Defesa (2011-2015).

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