26 de maio de 2015

Alexandre e o país das finanças

Leda Paulani

Folha de S.Paulo

Alexandre tem séria dificuldade em compreender o que é substantivo (Leda e o País das Maravilhas, Schwartsman, Folha, 20/5/2015). Vendo adjetivos por toda parte, não distingue o que realmente conta. Tentemos despertá-lo do sono dogmático.

Sugere ele que o que deveria me inquietar é a evolução da dívida pública em relação ao PIB, não seu valor absoluto, pois em cinco anos, de 2010 a 2015, passou ela de 52% para 62% (acréscimo de dez pontos percentuais).

A quem tanto aprecia história, lembro que, entre 1997 e 2002 (intervalo igual de cinco anos), a dívida passou de 31,8% para 50,5% do PIB, acréscimo portanto de quase 20 pontos, sem que se percebesse então qualquer sinal de desespero dos analistas. É exagero falar em terrorismo econômico?

Mais dados: nos 12 meses encerrados em março último, as necessidades de financiamento do setor público bateram os 7,8% do PIB, cerca de R$ 436 bilhões. Desse valor, porém, apenas R$ 39 bilhões (0,7%) devem-se a despesas governamentais acima das receitas. O restante, por assim dizer, a bagatela de R$ 397 bilhões, deve-se ao pagamento de juros da dívida, um "serviço" cujo "preço" (a "taxa de juros") é o governo quem determina. Onde está a gordura?

E não venham dizer ele e seus pares que a estratosférica taxa de juros é necessária para conter a inflação. Concedendo algum crédito à tese de que a taxa de juros é variável incontornável na determinação do comportamento dos preços, o que importa aí é a evolução das expectativas –a qual, independente da direção, pode ser a mesma no nível dos 5% ao ano, dos 8%, dos 12%, dos 15%, ou outro número qualquer.

Por que 13% é pergunta que deve responder o Copom, o mercado que avaliza a taxa e os colunistas que aplaudem tamanha aberração.

Nem venham dizer ele e seus pares que a absurda taxa é necessária para garantir a atratividade dos capitais externos.

Em primeiro lugar porque, faz anos, as taxas nominais nos principais mercados do mundo são extremamente baixas, quando não negativas em termos reais. Em segundo lugar porque esse capital cigano, que não esquenta assento, não ajuda o país, antes o contrário.

Ninguém é contra o governo ajustar suas contas, racionalizar despesas, otimizar recursos etc. O ajuste fiscal, porém, em bases sempre conservadoras, punindo o trabalho e os mais pobres, enquanto eleva despudoradamente a renda mínima do capital, interessa exatamente a quem?

Infelizmente para a maioria esmagadora e esmagada da população, o país de Alexandre e seus pares tem triunfado e tripudiado, minando os esforços, mesmo mínimos, de engendrar uma nação.

Eis por que, entre o país das finanças de Alexandre e as maravilhas de ter um país digno do nome, nunca hesitei um instante em minha vida, um sonho do qual ainda não podemos acordar, sob pena de se perder o sentido substantivo de estudar economia.

Sobre a autora
LEDA PAULANI, 60, é professora titular do Departamento de Economia da FEA-USP

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