30 de outubro de 2015

Método no marxismo ecológico

A ciência e a luta pela mudança

Hannah Holleman


October 2015 (Volume 67, Number 5)

No pouco tempo disponível para mim nesta conversa, é impossível ir muito longe numa discussão sobre o estado do marxismo ecológico, como eu o entendo (1). No entanto, tenciono discutir brevemente uma característica importante do programa de análise e prática marxista ecológica, de que me considero uma participante. Especificamente, discutirei os compromissos metodológicos responsáveis por grande parte da força e do discernimento do marxismo ecológico, associado com aquilo que John Bellamy Foster chamou de "terceiro estádio da pesquisa ecossocialista... em que o objetivo é empregar as fundações ecológicas do pensamento marxista clássico para confrontar o capitalismo atual e a crise ecológica planetária que ele tem engendrado -juntamente com as formas dominantes da ideologia que bloqueiam o desenvolvimento de uma verdadeira alternativa” (2). Isto, creio eu, vai interessar aos estudiosos e ativistas que trabalham em direção a uma compreensão mais profunda do mundo, com o objetivo final de transformá-lo, e deverá interessar todos aqueles envolvidos em debates sobre teoria e práxis marxistas.

O marxismo ecológico: três estágios

Desde que o pensamento ecossocialista surgiu como uma tradição distinta de investigação, na década de 1980, podemos identificar três estádios do seu desenvolvimento (3). Com isto não pretendemos impor uma periodização linear em que todo o trabalho ecossocialista perfeitamente se encaixe, queremos antes representar particulares deslocações de enfoque dentro do pensamento ecossocialista ao longo das últimas décadas. O primeiro estádio desenvolveu-se na década de 1980 e início dos anos 1990, sob a hegemonia da teoria verde, durante um período de crise no marxismo na sequência da queda das sociedades do tipo soviético. Embora fazendo contribuições significativas para a análise ecossocialista, os pensadores do primeiro estádio ecossocialista muitas vezes assumiram que a obra de Marx não tinha qualquer base de compreensão ecológica, acreditando que as suas convicções eram prometeicas e produtivistas - anti-ecológicas em suma. Como resultado destas assunções, "a abordagem geral adoptada foi a de enxertar idéias marxistas sobre a teoria verde já existente - ou, em alguns casos, enxertar teoria verde sobre o marxismo" (4).

As análises do segundo estádio ecossocialista, pelo contrário, procuraram recuperar as "raízes radicais da própria teoria marxista, de forma a construir sobre as suas próprias fundações materialistas e naturalistas". Estudos como o livro de Paul Burkett Marx and Nature refutaram "tais pontos de vista da primeira fase ecossocialista, por meio de uma reconstrução e reafirmação da própria perspectiva crítico-ecológica de Marx". Este trabalho, e o de outros, incluindo Foster, "representou o surgimento de uma segunda fase de análise ecossocialista que procurou regressar a Marx e revelar a sua concepção materialista da natureza como um complemento essencial à sua concepção materialista da história". O principal projeto do segundo estádio do pensamento ecossocialista "foi transcender o ecossocialismo da primeira fase, bem como as limitações da teoria verde, com a sua tonalidade demasiado simplista, idealista e moralista, como um primeiro passo no desenvolvimento de um marxismo ecológico mais aprofundado" (5).

Hoje em dia, a importância da crítica ecológica e social de Marx é bem reconhecida entre os estudiosos e dentro do próprio movimento. E a análise marxista continua a desenvolver-se de tal forma que surgiu "um terceiro estádio da investigação ecossocialista", crescendo organicamente a partir do segundo e sobrepondo-se a ele. Uma das mais importantes características deste terceiro estádio do marxismo ecológico é que, ao "voltar à crítica materialista radical de Marx", as recuperadas perspetivas metodológicas dialéticas de Marx suportaram trabalhos que foram capazes de penetrar muito mais profundamente no coração da crise ecológica e social do período atual do que o pensamento verde tradicional (6). É uma metodologia enraizada em uma concepção materialista da história natural e social, focada em especificar os processos dinâmicos de transformação social e ecológica e as suas consequências, à medida que elas se desenvolvem historicamente. Além disso, está empenhada em compreender os meios e os obstáculos para a superação da ordem social desumana e anti-ecológica existente.

O revigoramento do marxismo ecológico deve muito à consideração séria e ao aproveitamento da abordagem metodológica de Marx, na qual, como disse Paul Sweezy, encontramos muitos dos seus "mais originais e significativos contributos" (7). Apoiar-se na fecundidade do método de Marx permitiu ao marxismo ecológico contemporâneo integrar um vastíssimo e variado acervo de conhecimentos históricos e científicos. Ele é assim capaz de lidar sistematicamente com uma ampla gama de preocupações, desempenhando um papel de liderança na ligação entre as ciências sociais e naturais, e proporcionando análises eco-sociais seminais de algumas questões críticas, emergentes ou persistentes. Eu gostaria de compartilhar convosco alguns desenvolvimentos recentes em um dos programas de pesquisa do marxismo ecológico. Mas o meu objetivo mais importante, nesta palestra, é descrever as principais características da metodologia que estão na base do poder e discernimento do seu trabalho.

Tão central é a abordagem metodológica de Marx ao desenvolvimento dos seus vastos conhecimentos, que Lukács escreveu, em História e Consciência de Classe, que, com respeito ao marxismo, "a ortodoxia se refere exclusivamente ao método" (8). No que se vai seguir irei descrever aspectos centrais da metodologia marxista que foram carreados em apoio e frutificaram na pesquisa ecossocialista de terceiro estádio. Estas características principais são: (1) Um compromisso com o materialismo; (2) A preocupação com o uso apropriado da abstração; (3) Uma abordagem dialética; (4) Concentração na especificidade histórica; e (5) Compromisso político (com a mudança sócio-ecológica).

Aspectos importantes da abordagem metodológica de Marx no marxismo ecológico de hoje
Compromisso com o materialismo

A força do marxismo ecológico, tal como é praticado hoje entre os estudiosos associados ao terceiro estádio da investigação ecossocialista, é que ele toma como objetivo a "confrontação da realidade com a razão", como meio com o qual se devem "tirar as conclusões necessárias para uma ação consciente destinada a trazer mudanças desejáveis". Esta confrontação, como afirmaram Paul Sweezy e Paul Baran, “envolverá, inevitavelmente, comparações do que existe com o que seria razoável” (9).

Para Marx, o que era razoável, não decorria de princípios ou termos éticos abstratos, mas de um entendimento das metas apropriadas do socialismo, com base numa investigação concreta e profunda sobre as relações sociais existentes e as barreiras reais por estas apresentadas ao desenvolvimento de uma sociedade "em que o livre desenvolvimento de cada um seja a condição para o livre desenvolvimento de todos" e onde "os produtores livremente associados [possam]... 'governar o metabolismo humano com a natureza de uma forma racional’" (10).

A "confrontação da realidade" de Marx, a sua investigação sobre "o que é", baseava-se, filosófica e metodologicamente, numa concepção materialista da história social e natural. Isto tornou possível a sua crítica poderosa das relações sociais capitalistas e dos inerentes antagonismos de classes, que resultam em uma "ruptura irreparável no processo interdependente do metabolismo social" como "prescrito pelas leis naturais da própria vida" (11). E também viabilizou o seu reconhecimento de que a transcendência dos antagonismos de classes é necessária, mas não suficiente, para o desenvolvimento humano ecologicamente sustentável. A superação de uma organização social ecológica e socialmente destrutiva exige "a integração explícita de preocupações ecológicas e outras comunais no próprio processo revolucionário anticapitalista" (12).

Porque a sua metodologia estava enraizada em uma concepção materialista da história, Marx não tomava nada como garantido, antes procurava o desenvolvimento histórico, consequências e interrelações dos mais variados aspectos do todo do desenvolvimento evolucionário, social e biológico. Em resultado desta abordagem metodológica, o engajamento de Marx com as ciências naturais e sociais permitiu que a sua crítica das relações de classe do capital se desenvolvesse como uma crítica ecológica, enquanto se estendia a um leque muito alargado de outras preocupações, incluindo a natureza opressiva das relações familiares e de gênero na sociedade burguesa, a estrutura do poder político e do Estado, específicos desenvolvimentos tecnológicos e legais, juntamente com muitas outras coisas. A luta contra a exploração e a opressão da classe trabalhadora, na concepção de Marx e Engels, incluía a luta contra a opressão das mulheres, contra a agressão imperialista e a exploração colonial, contra a destruição da natureza, tudo isto resultados de um conjunto particular de desenvolvimentos históricos que deve ser transcendido.

Uso adequado da abstração

Uma segunda característica essencial do método de Marx é o uso crítico da abstração. No prefácio de ‘O Capital’, Marx escreveu, "na análise das formas econômicas, nem microscópios nem reagentes químicos são úteis. O poder de abstração deve substituir ambos” (13). A sua opinião não era que não precisamos de microscópios, mas sim que precisamos de escolher as ferramentas apropriadas da ciência para o problema em estudo. A abstração na investigação científica permite-nos "colocar em relevo o essencial e tornar possível a sua análise" (14). Escolhas sobre as nossas abstrações têm a ver com o problema que estamos a investigar e o que determinamos serem os seus elementos essenciais. Determinar o que é essencial, no entanto, não é uma tarefa simples. Nós colocamos hipóteses provisórias sobre quais são os aspectos essenciais de um qualquer problema e constantemente as confrontamos com "os dados da experiência" ou a investigação continuada sobre a "realidade do desenvolvimento histórico" (15).

Para Marx, a determinação do que era essencial levou-o a estudos aprofundados de história natural e social, que ele descreve em vários lugares, inclusive no Prefácio à ‘Contribuição à Crítica da Economia Política’. Com base em seus estudos intensivos, afirmou, por exemplo, que a relação capitalista – uma relação de classes antagônica – era o “omnipotente domínio econômico da sociedade burguesa", que condicionava as relações entre as pessoas e entre a sociedade humana e a terra (16). Este relacionamento de classe foi o centro da sua investigação e a abstração foi empregue para o isolar, “para reduzi-lo à sua forma mais pura, para que pudesse ser submetido à análise mais cuidadosa, livre de todos as perturbações não relacionadas" (17).

Para diferentes problemas, nós aplicamos a ferramenta da abstracção de modos diferentes. "Um investigador pode abstrair de uma diferença que um outro está a tentar explicar, mas cada um deles pode estar justificado do ponto de vista do problema que está estudando" (18). O uso de diferentes níveis de abstração, de baixa a alta, também reflete a finalidade da investigação. Factores intermédios podem ser removidos de um nível de análise, para clarificar uma relação particular, sendo reintroduzidos num outro nível, dependendo do objeto de estudo. "O propósito legítimo da abstração em ciências sociais", é claro, "nunca é fugir do mundo real objetivo, mas antes isolar alguns aspectos do mundo real para lhes dedicar uma investigação intensiva" (19).

Juntamente com as nossas preocupações científicas, as nossas abstrações também refletem os nossos preconceitos e os nossos compromissos políticos. Como escreveram os cientistas marxistas Richard Lewontin e Richard Levins: "Muito abstração é evasiva do que mais importa, escolhida por razões de segurança e comodidade". Eles dão como exemplo a economia neoclássica, que postula o "indivíduo a fazer escolhas em mercados a-históricos”. Embora isto, dizem eles, conduza a "teoremas elegantes sobre escolha racional", esconde "a exploração, o monopólio, o conflito de classes, e a evolução do capitalismo". Eles também citam o aviso do Bertolt Brecht de que "nós vivemos em uma época terrível, em que falar sobre árvores é uma espécie de silêncio sobre a injustiça". Hoje, é claro, as árvores e a natureza em geral, "figuram proeminentemente no estudo da justiça". Mas nem sempre, e a ligação é geralmente insuficientemente feita. Esta questão é importante, especialmente como uma crítica às perspetivas ambientais dissociadas da análise social crítica. Esta desligação no pensamento de fenómenos essenciais que estão ligados na realidade, tem como consequência falsificar a compreensão das raízes sociais específicas das crises ecológicas em todas as sociedades, bem como do tipo de mudança que é necessário para as resolver (20).

O objetivo para os marxistas ecológicos, hoje em dia, é utilizar uma metodologia marxista para operar sobre o "vasto corpo de conhecimento histórico e científico", no seu atual estádio de desenvolvimento, e empurrar esse conhecimento para a frente sob "as condições da práxis social contemporânea" (21). O uso crítico da abstração é fundamental para esse processo.

Uma abordagem dialética

Ao determinar os aspectos essenciais de um problema, assim clarificando a matéria em questão, uma análise dialética permite-nos trilhar "um caminho cauteloso entre a Cila do reducionismo e a Caríbdis do holismo". Richard York e Philip Mancus escreveram "assim como o reducionismo falha por causa do foco exclusivo em algumas partes, o holismo sem dialética falha por causa da sua incapacidade para reconhecer divisões, tensões e contradições internas, e por causa da sua tendência ao funcionalismo" (22).

Existem algumas tendências no pensamento verde para voltar a uma concepção de "unidade", sugerindo que devido à interligação existente estre os fenómenos, "eles são todos ‘Um’, um importante elemento de sensibilidade mística que assevera a nossa ‘Unidade’ com o universo". Mas, como escrevem Lewontin e Levins, "é claro que podemos separar construções intelectuais... Temos que o fazer, a fim de reconhecê-las e investigá-las. Mas isso não é suficiente. Depois de as separar temos que as voltar a unir, mostrar a sua interpenetração, a sua determinação mútua, a sua evolução entrelaçada, e no entanto também a sua distinção. Elas não são ‘Um’". Eles advertem contra a "unilateralidade no holismo que enfatiza a conexão do mundo mas ignora a autonomia relativa das suas partes” (23).

Este é um ponto especialmente importante para os marxistas ecológicos, interessados que estamos em descobrir a causalidade, a fim de melhor dirigir os nossos esforços de mudança social. Não há rigor analítico no tratamento do "todo" sem reconhecer que, como York e Mancus escrevem, enquanto "o social está enraizado e emerge do biológico, tem por sua vez eficácia causal sobre esse mesmo biológico". Em resultado disso, para aqueles envolvidos em esforços de mudança social, é fundamental estudar a dinâmica "dialética interação entre natureza e cultura" (24). E, a um outro nível de abstração, é importante dissecar a "cultura" e o "social", para compreender as relações envolvidas na exploração da natureza e das pessoas por classes específicas, por exemplo. Depois disso, poderemos estar interessados numa maior especificação das dinâmicas de gênero, étnicas e raciais das relações de classe, no mundo de hoje, e na forma como estas moldam a dialética natureza/cultura.

Caráter histórico do pensamento de Marx

A abordagem dialética e materialista de Marx, como Lukács disse, é "em sua natureza mais íntima, histórica" (25). Para Marx, "a realidade social não é tanto um determinado conjunto de relações, e menos ainda um conglomerado de coisas. É antes o processo de mudança inerente a um determinado conjunto de relacionamentos. Por outras palavras, a realidade social é o processo histórico, um processo que, em princípio, não conhece finalidades e não tem locais de paragem” (26). A natureza tensa do caráter histórico do pensamento de Marx é o reconhecimento da possibilidade e atualidade da mudança. Mas a direção da mudança não é determinada mecanicamente. Os seres humanos atuam, mas a luta da mudança, como Marx escreveu, parte do facto de que "não fazemos a história como nos apraz, mas sob circunstâncias diretamente encontradas, dadas e transmitidas pelo passado” (27).

A única realidade universal, trans-histórica, da condição humana, para Marx, é que somos, individual e coletivamente, a soma total da nossa história social e natural, e que o desenvolvimento conjunto destas condições molda o modo como vivemos, a nossa forma de pensar, e que possibilidades existem para a mudança. Pelo lado biológico, escreve ele, a única inevitabilidade é que "o homem vive da natureza, isto é, a natureza é o seu corpo, e ele deve manter um diálogo contínuo com ela se não quiser morrer" (28). Este diálogo é o processo de trabalho, que é, “antes de tudo, um processo entre o homem e a natureza, um processo pelo qual o homem, com as suas próprias ações, medeia, regula e controla o metabolismo entre si mesmo e a natureza" (29). Através deste processo os seres humanos transformam a natureza e são, por sua vez, transformados. No seu conjunto, isto representa "a condição universal para a interação metabólica [Stoffwechsel] entre homem e natureza, as persistentes condições impostas pela natureza para a existência humana" (30).

O caráter histórico do pensamento de Marx, o reconhecimento de que "a sociedade tanto está mudando como, dentro de certos limites, pode ser mudada", leva a uma abordagem crítica "a cada forma de sociedade" (31). Leva também a uma abordagem crítica de todos os fenômenos sob investigação e representa um desafio para conceituações a-históricas das condições existentes. Para os marxistas ecológicos, categorias estáticas e essencializadas na sociedade burguesa dominante - tais como o binário "homem" e "mulher" - são entendidas como o produto de particulares desenvolvimentos históricos, em vez de terem uma realidade eterna, inerente à existência humana. Compreender o mundo através de uma tal lente histórica torna possível aquilo que Marx chama de "crítica implacável de tudo o que existe, implacável tanto no sentido de não ter medo dos resultados a que chega, como no sentido de tão pouco ter medo de conflito com os poderes instalados" (32).

Ligando Ética e Análise Social Crítica no compromisso político para a mudança

Uma característica definitiva da metodologia de Marx, que unifica as abordagens de muitos marxistas ecológicos do terceiro estádio, é o compromisso de encarnar a tese XI, ou manter sempre em mente o objetivo de, não apenas interpretar o mundo, mas mudá-lo. Isso significa que o nosso trabalho, incluindo o nosso desenvolvimento teórico, deve ligar filosofia, ética e análise social crítica. Em Biology Under the Influence, Lewontin e Levins escreveram que "qualquer teoria da sociedade tem de se submetem ao teste: O que é que ela faz às crianças?" (33). Isso foi no contexto de um debate de metodologia, mais especificamente, "Estratégias para a Abstracção" - o título do capítulo em que aparece este tópico.

Levantar a questão das implicações para as crianças do nosso trabalho no desenvolvimento de teoria social ilustra a impossibilidade de separar as questões da realidade das questões de ética. A impossibilidade surge porque "as teorias apoiam práticas que servem alguns e causam danos a outros". Embora "os filósofos façam grandes contorções para separar as questões da realidade das questões de ética, o processo histórico unifica-as.... Os eticistas podem debater, [por exemplo], durante o jantar, as razões racionais para alimentar os famintos, mas para as pessoas mergulhadas na pobreza os alimentos não são um problema filosófico" (34).

Para os marxistas ecológicos, "mesmo a mais comprometida investigação de ética não pode substituir uma crítica radical da política, na sua frustrante e alienante realidade contemporânea" (35). "Para Marx", como Cornel West escreveu, "uma exposição teórica adequada de conceitos éticos, por exemplo, do ‘justo’ ou ‘direito’, deve compreendê-los como tentativas convencionais humanas para regular práticas sociais de acordo com os requisitos de um sistema específico de produção” (36). No final, sugere István Mészáros, a medida do sucesso da nossa ética, na prática, "só pode ser" a sua "capacidade de manter constantemente a consciência e de reanimar um criticismo prático em direção ao alvo real de uma transformação socialista: ir para além do capital, em todas as suas formas possíveis e realmente existentes, através da redefinição e rearticulação praticamente viável do processo de trabalho” (37).

O método de Marx e o pensamento ecossocialista de terceiro estágio

O compromisso com uma concepção materialista da história natural e social, atenção a usos críticos apropriados da abstração, bem como o emprego de análise dialética e de uma abordagem histórica, levaram a análises pioneiras no marxismo ecológico. Estas análises são capazes, ao mesmo tempo, de lidar com grandes extensões de história humana, fazer incidir uma nova luz sobre o problemas concretos emergentes, e contribuir para os debates que moldam movimentos pela mudança hoje. Eles transcendem as divisões entre as ciências naturais e sociais e entre o erudito, o praticista e o ativista.

Um importante exemplo recente desse tipo de trabalho é The Tragedy of the Commodity: Oceans, Fisheries, and Aquaculture (2015) de Stefano B. Longo, Rebecca Clausen e Brett Clark (38). Este estudo ilustra a relação entre o conjunto do desenvolvimento capitalista e as profundas alterações na ecologia dos oceanos, aquicultura e pescas, geradas pela busca incessante da acumulação. Providencia igualmente uma crítica sistemática das prevalecentes abordagens mercantis para lidar com as crises ecológicas, bem como da associada escola de pensamento da "tragédia dos comuns". Termina com um importante capítulo sobre "curar as fendas" - leitura urgente para todos os envolvidos com a crise planetária dos oceanos e na construção de uma alternativa a esta ordem social ecológica e socialmente destrutiva.

Outras áreas em que o método aqui descrito é aplicado pelos marxistas ecológicos incluem, de forma meramente exemplificativa: a fertilidade do solo, fertilizantes, agricultura, gestão florestal, o metabolismo do carbono e do nitrogênio, alterações climáticas, feminismo e ecologia, currais e matadouros, justiça ambiental, troca desigual, o imperialismo ecológico, saúde pública, economia ecológica, o desenvolvimento urbano e rural, e muito mais.

Para um compêndio de exemplos de alguns dos grandes trabalhos feitos por marxistas ecológicas, consulte a bibliografia sobre ruptura metabólica, publicada em linha pela Monthly Review. É um maravilhoso recurso tanto para acadêmicos como para ativistas (39). A seção "Meio ambiente e ciência" do catálogo em linha da Haymarket Books também adiciona contribuições significativas nesta area (40).

Conclusão: A importância do método na luta por uma civilização ecológica

Dado que o objetivo desta conferência é considerar a contribuição de variantes do marxismo para o projeto de construção de uma civilização ecológica, vou acabar discutindo porque o método de Marx é tão importante nessa tarefa. Como todos sabemos, os slogans ideológicos ou as declarações de princípios e objetivos políticos, podem diferir muito do seu conteúdo substantivo e prático. Marx e Engels empregaram o seu método crítico para chamar à pedra não apenas a burguesia, mas também socialistas, comunistas, anarquistas e outros que lutam por alternativas, através da uma análise crítica dos seus objetivos políticos e estratégias. Eles reconheceram contradições entre compromissos ideológicos declarados e a prática, sublinhando as contradições inevitáveis em que incorrem programas que não tenham em devida conta as condições materiais existentes ou que resultariam em novas formas de opressão, e assim por diante.

Todos nós envolvidos na luta por um mundo novo precisamos de uma metodologia para - e um compromisso com - uma análise social crítica, através da qual estejamos constantemente a avaliar a direção a que estamos rumando, como é que isso se conforma com os nossos objetivos, e se os nossos objectivos deverão mudar. Para Marx e Engels, e para os marxistas ecológicos de hoje, a luta só tem sentido se, em seu conteúdo social e ecológico, (1) promover uma substantiva igualdade material e política, ou, em outras palavras, visar a auto-capacitação dos produtores associados; (2) implicar o fim da opressão e da exploração em todas as suas formas; e (3) tiver o objetivo final da realização de uma sociedade em que "o livre desenvolvimento de cada um é a condição do livre desenvolvimento de todos", e em que o metabolismo social conetando os seres humanos com "o metabolismo universal da natureza" seja governado de uma forma racional (41). Quer descrevamos esta luta como direcionada à civilização ecológica, ou a uma outra coisa qualquer, a análise social e investigação críticas permitem-nos avaliar e superar os obstáculos ao movimento nessa direção.

Em contraste com a teoria verde ou ecologismo (que tende a ser idealista e ético na sua orientação, ou mesmo puramente romântico) e a teoria da modernização ecológica (que tende a defender o status quo como um todo), o método de Marx proporciona a função crítica de análise social exigida pelos movimentos por mudança social efetiva. Ele leva-nos para além das aparências das realidades sociais, até à sua essência, que Marx acreditava ser a razão - e só ser possível por meio - da investigação científica.

A questão, por fim, não é que nós sigamos Marx porque ele é Marx, mas porque as inovações metodológicas que começaram com Marx permanecem uma poderosa ajuda em nossos esforços de mudança social. Precisamos da capacidade de conhecer, tão bem quanto possível, "o que é", e de comparar a realidade atual "com o que seria razoável", a fim de "tirar as conclusões necessárias para ações conscientes projetadas para trazer mudanças desejáveis" (42). Em última análise, é apenas no contexto das nossas lutas concretas por mudança, que qualquer abordagem filosófica ou científica, especialmente se ela é marxista, se torna significativa e cheia de vida.

Muito obrigada.

Notas:

(1) Os termos marxismo ecológico e ecossocialismo são usados aqui em referência a determinados projectos intelectuais e terminologia de movimento. Enquanto que este uso era apropriado para o contexto em que a palestra foi ministrada, a crítica ecológica e o imperativo para a mudança já estão explícitos na obra de Marx e em muitas tradições socialistas. Portanto, eu me considero uma socialista, e não uma ecossocialista. O trabalho aqui descrito é na verdade simplesmente marxista, na abordagem.

(2) John Bellamy Foster, Prefácio a Paul Burkett, Marx and Nature: A red and green perspective (Chicago: Haymarket Press, 2014; originalmente 1999), p. XII.

(3) Foster, Prefácio, Marx and Nature.

(4) Ibid, p. VIII.

(5) Ibid, p. IX.

(6) Ibid, pp. XII-XIII.

(7) Paul M. Sweezy, The Theory of Capitalist Development (New York: Monthly Review Press, 1977; originalmente 1942), p. 11.

(8) Georg Lukács, History and Class Consciousness (Cambridge, MA: MIT Press, 1971; originalmente 1968), p. 1.

(9) Paul A. Baran e Paul M. Sweezy, Monopoly Capital (New York: Monthly Review Press, 1966), p. 134.

(10) Karl Marx e Friedrich Engels, The Communist Manifesto (Chicago: Haymarket Press, 2005; originalmente 1848), p. 71; Karl Marx, Capital, vol. 3 (New York: Penguin Books, 1991; originalmente 1863-1865), p. 959.

(11) Marx, Capital, vol. 3, p. 949.

(12) Burkett, Marx and Nature, p. XXVI.

(13) Karl Marx, Capital, Volume I (New York: Penguin, 1990; originalmente 1867), p. 90.

(14) Sweezy, The Theory of Capitalist Development, p. 12.

(15) Ibid, pp. 12-15.

(16) Karl Marx, Grundrisse (London: Penguin, 1973; originalmente 1857-1858), p. 107; Sweezy, The Theory of Capitalist Development, p. 16.

(17) Sweezy, The Theory of Capitalist Development, pp. 16-17.

(18) Ibid, p. 12.

(19) Ibid, p. 18.

(20) Richard Lewontin e Richard Levins, Biology Under the Influence (New York: Monthly Review Press, 2007), pp. 151-152.

(21) John Bellamy Foster, Prefácio, Marx and Nature, p. XI.

(22) Richard York e Philip Mancus, “Critical Human Ecology: Historical Materialism and Natural Laws”, Sociological Theory, N.º 27 (2009), p. 134.

(23) Lewontin e Levins, Biology Under the Influence, p. 106.

(24) York e Mancus, “Critical Human Ecology", pp. 134-135.

(25) Lukács citado em Sweezy, The Theory of Capitalist Development, pp. 20-21.

(26) Sweezy, The Theory of Capitalist Development, pp. 20-21.

(27) Karl Marx, The Eighteenth Brumaire of Louis Bonaparte (New York: International Publishers, 1994; originalmente, 1852), p. 15.

(28) Karl Marx, Early Writings (London: Penguin, 1974).

(29) Karl Marx, Capital, vol. 1 (New York: Penguin Books, 1990; originalmente 1867), p. 283.

(30) Ibid., p. 290.

(31) Sweezy, The Theory of Capitalist Development, p. 21.

(32) Karl Marx, "Letter to Arnold Ruge” (1843).

(33) Lewontin e Levins, Biology Under the Influence, p. 165.

(34) Ibid.

(35) István Mészáros, Beyond Capital (New York: Monthly Review Press, 2010; originalmente 1995), p. 410.

(36) Cornel West, The Ethical Dimensions of Marxist Thought (New York: Monthly Review Press, 1991), p. 99. Ver também John Bellamy Foster, “Introduction to a Symposium on The Ethical Dimensions of Marxist Thought”, Monthly Review, vol. 45, n.º 2 (1993), p. 8.

(37) Mészáros, Beyond Capital, p. 410.

(38) Stefano B. Longo, Rebecca Clausen e Brett Clark, The Tragedy of the Commodity: Oceans, Fisheries, and Aquaculture (New Brunswick, NJ: Rutgers University Press, 2015).

(39) Ver Ryan Wishart, R. Jamil Jonna e Jordan Besek, "The Metabolic Rift: A Selected Bibliography", 16 de maio de 2016.

(40) Haymarket Books, “Environment & Science".

(41) Karl Marx e Friedrich Engels, Collected Works, Vol. 30 (New York: International Publishers, 1975), pp. 54-66.

(42) Baran e Sweezy, Monopoly Capital, p. 134.

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