12 de outubro de 2015

O verdadeiro Cristóvão Colombo

Não houve aventura heroica apenas carnificina. O Dia de Colombo não deve ser uma celebração.

Howard Zinn




Tradução / Homens e mulheres aruaques, desnudos. leonados e cheios de curiosidade, emergiram das suas vilas em direcção às praias e nadaram para observar melhor o grande e estranho barco. Quando Colombo e seus marinheiros alcançaram a costa, com as suas espadas, os aruaques correram para os saudar, trouxeram-lhes comida, água, e regalos. Mais tarde registou no seu diário:

Trouxeram-nos papagaios e bolas de algodão e lanças e muitas outras coisas, que trocaram por esferas de vidro e cascavéis. Com boa vontade trocavam tudo o que tinham... Não usam armas e não as conhecem, pois mostrei-lhes uma espada e empunharam-na pela lâmina e por ignorância cortaram-se. Seriam bons servos... com cinquenta homens poderíamos subjugá-los a todos e fazer com eles o que quer que queiramos.

Estes aruaques das ilhas Bahamas eram muito parecidos com os índios do continente, que eram distinguidos (diriam observadores europeus vezes sem conta) pela sua hospitalidade e a sua crença na partilha. Estes tratos não estavam em grande conta na Europa da Renascença, dominada como estava pela religião dos papas, dos governos dos reis, o frenesim por dinheiro que marcava a civilização Ocidental e o seu primeiro mensageiro nas Americas, Cristóvão Colombo.

A informação que Colombo mais queria era: Onde está o ouro? Tinha persuadido o rei e rainha de Espanha a financiar uma expedição para as terras e riqueza, que esperava que estivessem no outro lado do Atlântico — as Índias e Ásia, ouro e especiarias. Pois, tal como outras pessoas informadas do seu tempo, sabia que o mundo era redondo e que podia navegar em direcção a Ocidente de maneira a alcançar o Extremo Oriente.

Espanha tinha sido há pouco tempo unificada, um dos estados-nação modernos, como França, Inglaterra e Portugal. A sua população, a maioria campesinos pobres, trabalhava para a nobreza, que eram 2 por cento da população e eram donos de 95% da terra. Como outros estados do mundo moderno, Espanha buscava ouro, que se estava a tornar a nova marca de riqueza, mais prático que a terra porque podia comprar qualquer coisa.

Havia ouro na Ásia, pensava-se, e certamente sedas e especiarias, pois Marco Polo e outros haviam trazido coisas maravilhosas das suas expedições por terra séculos antes. Agora que os turcos haviam conquistado Constantinopla, o Mediterrâneo oriental e controlavam as rotas terrestres para a Ásia, uma rota marítima era necessária. Os marinheiros portugueses estavam a trabalhar no seu caminho à volta da ponta sul de África e Espanha decidiu apostar numa longa viagem através de um mar desconhecido.

Como recompensa por trazer de volta ouro e especiarias, prometeram a Colombo 10 porcento dos lucros, governação sobre as novas terras descobertas e a fama que adviria do seu novo título: Almirante de la Mar Océana. Era empregado de um comerciante da cidade italiana de Génova. Tecelão em “part-time” (filho de um tecelão habilidoso) e um marinheiro excelente. Iniciou a expedição com três navios, o maior era o Santa Maria, talvez com 100 pés de comprimento e trinta e nove tripulantes.

Colombo nunca chegaria à Ásia, que estava a milhares de milhas para lá do que ele tinha calculado, imaginando um mundo mais pequeno. Ele estaria condenado por aquela imensidão de mar. Mas teve sorte. A apenas um quarto do caminho percorrido deparou-se com terras desconhecidas e inexploradas que surgem entre a Europa e a Ásia — As Américas. Era o princípio de Outubro de 1492, e trinta e três dias desde que ele e a sua tripulação tinha zarpado das Canárias, na costa atlântica africana. Agora viam ramos e paus a flutuar na água. Viam bandos de pássaros.

Estes eram sinais de terra. Depois, no dia 12 de Outubro, um marinheiro chamado Rodrigo viu a lua das primeiras horas da manhã brilhar nas areias brancas e gritou. Era uma ilha das Bahamas no Mar das Caraíbas. O primeiro homem a avistar terra teria uma pensão anual de 10,000 maravedis para toda a vida, mas Rodrigo nunca a teve. Colombo alegou que tinha visto uma luz na noite anterior. Ficou com a recompensa.

Então, aproximando-se da terra, foram recebidos por índios aruaques, que nadavam para os saudar. Os Aruaques viviam em aldeias comunitárias, tinha desenvolvido a agricultura do milho, inhame e mandioca. Sabiam fiar e dominavam a arte da tecelagem, mas não tinham cavalos ou animais de carga. Não tinham ferro mas usavam pequeno ornamentos de ouro nas suas orelhas.

Isto veio a ter enormes consequências: levou Colombo a trazer a bordo prisioneiros porque insistia que o guiassem à fonte do ouro. Depois navegou em direcção ao que hoje é Cuba e depois à Hispaniola (a ilha que hoje consiste em Haiti e República Dominicana). Aí, pedacitos de ouro visíveis nos rios, e uma máscara de ouro apresentada a Colombo por um chefe índio local, levou a visões de minas de ouro. O relato para a Corte em Madrid de Colombo foi extravagante. Insistia que tinha chegado à Ásia (era Cuba) e a uma ilha da costa de China (Hispaniola). As suas descrições eram parte factos, parte ficção.

A Hispaniola é um milagre. Montanhas e montes, planícies e prados, são ambos férteis e lindos... há imensas especiarias e grandes minas de ouro e outros metais...

Os Índios, reportava Colombo, “são tão inocentes e tão livres das suas possessões que ninguém, que não tivesse testemunhado, acreditaria. Quando lhes pedes algo que eles tenham, nunca dizem não. Pelo contrário, oferecem-se para compartir com qualquer um...” Concluía o seu relato pedindo uma pequena ajuda de suas Majestades, e em compensação traria de sua próxima viagem “tanto ouro quanto precisassem... e tantos escravos quantos pedissem.”

Por causa do relato exagerado e das promessas de Colombo, foi dada à sua segunda expedição dezassete navios e mais de duzentos homens. O objectivo era claro: escravos e ouro. Da sua base em Haiti, Colombo enviou expedição após expedição para o interior. Não encontraram minas de ouro, mas tinha que encher os navios de regresso a Espanha com algum tipo de dividendo.

No ano de 1495, fizeram uma incursão por escravos, reuniram uns 1500 homens, mulheres e crianças aruaques, juntando-os em currais guardados por espanhóis e cães e depois escolheram os melhores espécimes para carregar os navios. De esses 500, 200 morreram na travessia. Muitos dos escravos morreram em cativeiro. Então Colombo, desesperado por pagar de volta os dividendos àqueles que investiram teve que tornar válida a sua promessa de encher os navios com ouro. Na província de Cicao em Haiti, onde ele e os seus homens imaginaram que existiam grandes minas de ouro, ordenaram que todas as pessoas maiores de catorze anos obtivessem uma certa quantidade de ouro cada três meses. Quando a traziam, davam-se-lhes umas placas de cobre para as usarem em volta do pescoço. Índios encontrados sem estas placas veriam as suas mãos cortadas e seriam sangrados até à morte.

Tinha sido dada aos índios uma tarefa impossível. O único ouro nas proximidades eram pequenas quantidades de ouro em pó arrecadada das correntes. Então fugiram, foram perseguidos com cães e foram mortos. Quando se tornou claro de que já não havia mais ouro, os índios foram levados como escravos para grandes propriedades, conhecidas posteriormente como encomiendas. Eram trabalhadas a um ritmo feroz e morriam aos milhares. No ano 1515, só havia talvez 50,000 índios. No ano de 1550 só havia 500. Um relato do ano 1650 evidencia que nenhum dos originais aruaques ou dos seus descendentes restava na ilha.

A fonte principal — e em muitas matérias a única fonte — de informação sobre o que aconteceu nas ilhas após a chegada de Colombo é Bartolomé de las Casas, que, como jovem padre, participou na conquista de Cuba. Por um período de tempo foi proprietário de uma plantação na qual os índios escravos trabalhavam, mas desistiu dela e tornou-se um crítico impetuoso da crueldade espanhola. Las Casas transcreveu o diário de Colombo e, nos seus cinquentas, começou o multi-volume Historia de las Indias.

No livro dois da sua Historia de las Indias, Las casas (que inicialmente pressionou a que substituíssem índios por escravos negros, pensando que estes seriam mais fortes e sobreviveriam, mas depois cedeu quando viu os efeitos nos negros) conta sobre o tratamento que era dado aos índios pelos espanhóis. Após pouco tempo os espanhóis recusavam-se a caminhar qualquer distância. “Montavam as costas dos índios se estivessem com pressa” ou eram carregados em macas pelos índios em turnos. “Neste caso também tinham índios carregando grandes folhas para lhes tapar o sol e outros para fazer-lhes vento com asas de ganso.”

Controle total levou à crueldade total. Os espanhóis “não pensavam nada ao apunhalar índios às dezenas e vintenas ou cortar fatias destes para testar a condição das suas espadas.” As tentativas dos índios para se defenderem falharam. Las Casas relata, “sofreram e morreram nas minas e em outros trabalhos em silêncio desesperado, não conhecendo sequer uma alma no mundo a quem pudessem pedir ajuda.” E descreve o seu trabalho nas minas:

... as montanhas são taladas do topo à base e da base ao topo mil vezes; eles cavam, quebram rochas, movem pedras e carregam os detritos nas suas costas para lavar nos rios, onde aqueles que lavam o ouro estão na água o tempo todo com as suas costas tão constantemente curvadas que se lhes quebram.

Após cada seis ou oito meses de trabalho nas minas, que era o tempo requerido para cada grupo recolher o ouro necessário para derreter, um terço dos homens morria. Enquanto que os homens eram enviados a muitas milhas de distância para as minas, as mulheres ficavam para trabalhar a terra, forçadas ao atroz trabalho de cavar e fazer milhares de montes para a planta mandioca.

Assim maridos e mulheres estavam juntos apenas uma vez cada oito ou dez meses e quando se encontravam estavam ambos tão exaustos e deprimidos... que deixaram de procriar. E quanto aos recém-nascidos, morriam cedo porque as suas mães, esgotadas e famintas, não tinham leite para os amamentar... algumas mães chegavam mesmo a afogar os seus filhos por completo desespero... desta maneira, maridos morriam nas minas, mulheres no trabalho e os filhos por falta de leite... e em pouco tempo esta terra que era tão extraordinária, tão poderosa e fértil... estava despovoada,

Quando chegou à Hispaniola em 1508, Las casas afirma, “havia 60,000 pessoas a viver nesta ilha, incluindo os índios; portanto de 1494 até 1508, mais de três milhões de pessoas tinham morrido da guerra, escravatura e das minas. Quem nas futuras gerações irá acreditar em isto? Mesmo eu escrevendo-o como uma testemunha ocular conhecedora mal o posso crer...”

O que Colombo fez aos aruaques das Bahamas, Cortez fez aos Astecas de México, Pizarro aos Incas de Peru, e os colonos ingleses de Virginia e Massachusetts aos powhatan e pequots. Usaram as mesmas tácticas e pelas mesmas razões — o frenesim nos pioneiros estados capitalistas da Europa por ouro, escravos, por produtos da terra, por pagar aos obrigacionistas e accionistas das expedições, financiar as monarquias burocráticas que ascendiam na Europa Ocidental, estimular o crescimento da economia do novo dinheiro a emergir do feudalismo, por participar no que Karl Marx mais tarde viria a chamar “acumulação primitiva de capital.” Estes foram os começos violentos de um sistema intrincado de tecnologia, negócio, política e cultura que iria dominar o mundo nos próximos cinco séculos.

Quão certos estamos de que o que destruímos era inferior? Quem era esta gente que foi à praia e nadou para trazer regalos a Colombo e à sua tripulação, quem viu Cortez e Pizarro cavalgar pelos seus campos? Que conseguiu as pessoas de Espanha de todas aquelas mortes e brutalidade sobre os índios das Américas? Assim o sumariza Hans Koning no seu livro Columbus: His Enterprise:

Por todo o ouro e prata roubado e enviado para Espanha não fez o povo espanhol mais rico. Deu aos seus reis um avanço no equilíbrio de poder por um tempo, uma oportunidade de contratar mais mercenários para as suas guerras. Sem embargo Acabaram por perder essas guerras e tudo o que restou foi uma inflação mortal, uma população faminta, os ricos mais ricos, os pobres mais pobres e uma arruinada classe campesina.

Assim começou a história da invasão europeia das povoações índias nas Américas. Esse início é conquista, escravatura, morte. Quando lemos os livros de história dados às crianças nos Estados Unidos, tudo começa com uma aventura heróica — não há derramamento de sangue — e o Dia de Colombo é uma festa.

Sobre o autor

Howard Zinn (1922-2010) foi um historiador, autor, dramaturgo e ativista social americano. O texto a seguir foi adaptado de sua aclamada A People's History of the United States.

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