18 de novembro de 2018

Os trabalhadores são os "coveiros" do capitalismo?

Karl Marx não acreditava que a classe trabalhadora acabaria automaticamente com o capitalismo. Ele acreditava que engajar-se ativamente na luta de classes poderia mudar a consciência dos trabalhadores - e mudar o mundo.

Matt Vidal

Jacobin

Josef Mánes, Coveiro, 1843. Ablakok / Wikimedia

Tradução / Diz a lenda que a História teria provado que a teoria de Marx da classe trabalhadora está errada. Esta afirmação baseia-se na chamada tese do coveiro.

De acordo com um grande pesquisador de relações industriais, Paul Edwards, é central para a teoria da classe trabalhadora de Marx a predição de que “há uma tendência inerente para a classe trabalhadora identificar e lutar por interesses de classe específicos, em particular a derrubada do capitalismo.” Para Edwards, “qualquer marxismo apropriado” precisa endossar essa tese.

De maneira semelhante, o sociólogo Paul Thompson, cuja pesquisa inovadora sobre trabalho e emprego baseia-se fortemente nos conceitos e categorias de Marx, insiste que sua teoria não é marxista porque não sustenta que “o proletariado seria compelido a desafiar e transformar a sociedade de classes em virtude de sua localização objetiva no sistema de produção.”

Além disso, o influente sociólogo marxista Michael Burawoy afirmou: “Marx reivindicou que havia tendências imanentes no capitalismo que revelariam aos trabalhadores o movimento por trás das aparências”. Burawoy concluiu que “a história mostrou que o prognóstico de Marx era inadequado”.

É verdade que, no Manifesto Comunista, Marx e Engels escreveram: “O que a burguesia produz, portanto, acima de tudo, são seus próprios coveiros. Sua queda e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis.” Mas uma leitura mais ampla de sua obra demonstra que se tratava de um floreio retórico, destinado a incitar a classe trabalhadora à ação, não uma previsão científica.

O Manifesto é um panfleto político – a primeira edição tinha apenas 23 páginas – cujo propósito expresso era educar e agitar a classe trabalhadora. Sua própria existência pressupõe que o desenvolvimento da consciência de classe revolucionária não é inevitável; se fosse, não haveria necessidade de tal manifesto político!

A menção ao coveiro aparece em uma seção do Manifesto que apresenta um esboço da história que começa com a Roma antiga e que chega até o século dezenove em dez páginas! Toda a discussão sobre o capitalismo e sobre a iminente e “inevitável” revolução proletária é articulada em apenas seis páginas.

A ausência da tese do coveiro nos escritos maduros de Marx
Atese do coveiro está quase completamente ausente dos escritos científicos maduros de Marx. Nos três volumes do Capital, compreendendo mais de duas mil páginas de texto, Marx a discutiu apenas em uma seção de três páginas do Volume I, reprisando o esboço apresentado em seis páginas no Manifesto.

Nos escritos jornalísticos de Marx, incluindo O 18 de Brumário e As Lutas de Classes na França, ele estava profundamente sintonizado com a fragmentação das classes e com o complexo conjunto de processos políticos e ideológicos necessários para que as classes em bases estruturais pudessem se desenvolver em movimentos sociais com consciência de classe.

Seus escritos científicos maduros enfatizavam os obstáculos à formação de um proletariado unido e com consciência de classe, incluindo a fragmentação da classe trabalhadora em termos de aptidões e autoridade, a mistificação das relações de classe pelas instituições capitalistas, a dependência material de um salário e a elevação dos padrões de vida.

Qual era, então, a teoria da classe trabalhadora de Marx?
Se a tese do coveiro não é central para a teoria da classe trabalhadora de Marx, então qual é o núcleo de sua teoria da classe trabalhadora?

Chamar o proletariado de classe revolucionária, de coveiro do capitalismo, como observou Hal Draper, não era “uma descrição dos eventos atuais”, mas sim uma designação do proletariado como “uma classe com o potencial histórico de fazer uma revolução”. Enquanto a revolução burguesa concentrou poder nas mãos de uma classe minoritária, a revolução proletária iria transferir poder para uma classe que representa a maioria.

Marx propôs que o capitalismo se baseia em uma estrutura de classes consistindo de uma pequena classe capitalista e uma grande classe trabalhadora abrangendo a vasta maioria da população. Ao invés de ver um processo universal de desqualificação resultando em uma classe trabalhadora homogênea e não-especializada, como é comumente atribuído a Marx, ele argumentou que o capitalismo exigiria uma divisão complexa de trabalho, incluindo trabalhadores não-qualificados, trabalhadores qualificados, e uma hierarquia de gerentes para coordenar tudo.

Nos Grundrisse, ele escreveu que, mesmo sob a divisão do trabalho, permanecerá “uma hierarquia de forças de trabalho, à qual corresponde uma escala de salários. [...] Juntamente com as gradações da hierarquia, aparece a simples separação dos trabalhadores em qualificados e não-qualificados.”

No Capital Vol III, Marx teorizou sobre como a divisão do trabalho pormenorizada exigiria uma hierarquia gerencial complexa: “Um exército industrial de trabalhadores sob o comando de um capitalista exige, como um exército real, oficiais (gerentes) e suboficiais (capatazes, supervisores), que comandem durante o processo de trabalho em nome do capital”.

O sociólogo Erik Olin Wright desenvolveu um modelo de estrutura de classes que distinguia nove fragmentos com base no nível de habilidade (especialista, qualificado, não-qualificado) e autoridade (gerente, supervisor, sem autoridade), conforme indicado na Figura 1.

A classe capitalista propriamente dita inclui profissionais autônomos que empregam dez ou mais empregados. Toda a categoria de especialistas e gestores constitui o salariado: são trabalhadores assalariados com rendimentos elevados. Eles fazem parte da classe capitalista expandida por causa de seus densos laços com a classe capitalista propriamente dita, incluindo o compartilhamento da autoridade sobre os trabalhadores assalariados, o envolvimento na formulação de políticas organizacionais e uma profunda participação financeira no sistema capitalista.

Os fragmentos de classe restantes consistem em trabalhadores assalariados, que recebem por tempo. Dado que os supervisores (qualificados e não-qualificados) possivelmente foram promovidos de posições de trabalhadores (qualificados e não-qualificados), estes quatro conjuntos de localizações possuem uma estreita relação no mercado de trabalho. Como tal, eles constituem a classe trabalhadora.

Com base na definição anterior, a classe trabalhadora, como porcentagem da força de trabalho total, é de 76% na Suécia, 71% no Reino Unido, 67% nos EUA e 66% no Canadá e na Noruega. O Japão é um caso isolado, tendo 23% de sua população no trabalho autônomo e 53% na classe trabalhadora.

Foi confirmada a previsão de Marx de que o capitalismo geraria uma classe trabalhadora em expansão, constituindo a maioria da população e não tendo participação nos meios de produção. No entanto, ela permanece diferenciada internamente com relação a habilidades, autoridade, identidade e orientação política. Essa é a questão central para a análise de classe e para a política de classes.

Consciência de classe
Os escritos de Marx sobre a classe são fragmentários, mas ele argumentou consistentemente que é somente através da luta ativa – isto é, um movimento operário ativo e uma organização partidária – que a consciência da classe trabalhadora se espalha.

Em A ideologia alemã, Marx e Engels escreveram que “tanto para a produção em massa dessa consciência comunista, como para o sucesso da própria causa, é necessária a alteração dos homens em escala de massa, uma alteração que só pode ocorrer em um movimento prático, uma revolução”.

Em A miséria da Filosofia, Marx argumentou que interesses comuns não são suficientes para o desenvolvimento da consciência de classe:

As condições econômicas, inicialmente, transformaram a massa do país em trabalhadores. A dominação do capital criou para essa massa uma situação comum, interesses comuns. Essa massa, pois, é já, em face do capital, uma classe, mas ainda não o é para si mesma. Na luta, da qual observamos apenas algumas fases, essa massa se une e se constitui como uma classe para si mesma.

Finalmente, no Capital Vol I, Marx enfatizou como uma combinação de ideologia dominante reproduzida fora da produção capitalista, juntamente com a dependência material de um salário, trabalham para obstruir a realização da consciência da classe trabalhadora:

O avanço da produção capitalista desenvolve uma classe trabalhadora que, pela educação, tradição e hábito, olha para os requisitos desse modo de produção como leis naturais autoevidentes. … No curso ordinário das coisas, o trabalhador pode ser entregue às “leis naturais da produção”, ou seja, é possível confiar na sua dependência do capital, que decorre das próprias condições de produção, sendo garantida em perpetuidade por elas.

A teoria de Marx do fetichismo das mercadorias propõe que as instituições capitalistas mistificam o funcionamento da economia de mercado e a verdadeira fonte de lucro (o trabalho dos trabalhadores).

Conclusão
Em suma, Marx argumentou consistentemente sobre como apenas a luta de classes ativa (organização sindical e política partidária) pode mudar a consciência do trabalhador; a menos que isso aconteça, as condições comuns de trabalho experimentadas pela vasta maioria da classe trabalhadora serão insuficientes para assegurar o desenvolvimento da consciência revolucionária da classe trabalhadora.

Ele também argumentou que as instituições da sociedade apresentam o capitalismo como natural e inevitável, que os trabalhadores dependem dos salários para viver e que sob o capitalismo os padrões de vida de fato melhoram, mesmo para a classe trabalhadora (mas a um ritmo muito mais lento que o crescimento da produtividade e da acumulação capital).

As perguntas que ele fez e as categorias analíticas que ele desenvolveu continuam sendo a melhor fonte para se entender o capitalismo.

Republicado de Marxist Sociology.

Este artigo é uma síntese de Matt Vidal, “Marx estava errado sobre a classe trabalhadora? Reconsiderando a tese do coveiro”, International Socialism 2018.

Sobre o autor

Matt Vidal é professor de Sociologia e Economia Política na Universidade de Loughborough, em Londres.

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