9 de novembro de 2018

Sugiro a Bolsonaro já ir se precavendo das ideias mirabolantes de assessores

Consequências foram desastrosas nos casos em que a capitalização substituiu a Previdência

Nelson Barbosa

Folha de S.Paulo

Paulo Guedes, futuro ministro da Economia de Bolsonaro. Ian Cheibub/Folhapress

Bolsonaro é o presidente eleito do Brasil. Agora cabe respeitar a decisão da maioria, garantir os direitos das minorias, desejar boa sorte ao próximo governo e avaliar suas propostas.

Começo com a reforma da Previdência Social, medida inevitável no próximo mandato, mas cuja implementação foi recentemente complicada por propostas extemporâneas de transição para um regime de capitalização.

Para ficar claro o que está em debate, é melhor chamar as coisas pelo nome: a maioria dos que propõem mudar nosso sistema previdenciário de repartição para capitalização quer, na verdade, reduzir o teto de benefício do INSS.

A Previdência Social é baseada no regime de repartição nas principais economias do mundo. Nesse sistema, as contribuições dos trabalhadores na ativa financiam os aposentados, isto é, a geração adulta de hoje financia os adultos de ontem com base no compromisso de que, quando forem idosos, serão financiados pelos adultos de amanhã.

O sistema de repartição é um regime de benefício definido. O valor da aposentadoria depende das contribuições do trabalhador durante sua vida ativa, mas, uma vez estabelecido o benefício na data de aposentadoria, o valor dele vigorará pelo restante da vida do aposentado, corrigido de acordo com a legislação em vigor.

No regime de capitalização, a lógica é outra, de contribuição definida. A poupança do trabalhador é acumulada em uma conta individual (capitalizada).

Quando chega o momento da aposentadoria, o valor acumulado na conta individual serve de base para o cálculo da aposentadoria. Quanto mais for poupado, maior será o valor da aposentadoria. Quanto mais longa for a expectativa de vida, menor será o valor do benefício.

Os dois tipos de aposentadoria podem coexistir, como já acontece no Brasil, onde o Estado é responsável pela Previdência Social até um valor máximo (5,8 salários mínimos hoje), enquanto o mercado oferece planos complementares de previdência individual.

Se o mercado já oferece planos de capitalização, por que então alguns colegas economistas defendem que o INSS adote o mesmo regime? A resposta é simples: para reduzir a cobertura da Previdência Social!

Mais especificamente, segundo ideias de alguns “economistas sem partido” (e até de assessores de Ciro Gomes durante a campanha), o regime de capitalização para novos contribuintes ocorreria da seguinte forma: o teto do INSS seria reduzido para três salários mínimos, o Tesouro poderia oferecer um plano individual de aposentadoria na faixa de três a seis salários mínimos (um TesouroPrev?) e, acima disso, o trabalhador deveria procurar alternativas no mercado.

Na prática, a transição para a capitalização tem por objetivo reduzir os direitos das novas gerações e, com isso, melhorar o resultado futuro do INSS. Bom para as finanças públicas, péssimo para a população de renda média.

Nos poucos casos nacionais em que a capitalização substituiu a Previdência Social, como no Chile de Pinochet, as consequências foram desastrosas. Criou-se uma legião de idosos pobres, recebendo menos que um salário mínimo. O Brasil não precisa seguir esse erro.

Podemos reformar nossa Previdência Social preservando o teto do INSS, via aumento do tempo e do percentual de contribuição para a aposentadoria, sobretudo por parte dos servidores públicos, como já fizeram outros países.

Nesse sentido, sugiro a Bolsonaro já ir se precavendo das ideias mirabolantes de seus assessores econômicos. Replicar erros da ditadura chilena dos anos 1980 será um péssimo começo para o seu governo.

Sobre o autor


Professor da FGV-SP, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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