1 de fevereiro de 2019

Aconteceu em Davos

Ação do Estado continua crucial para o bom funcionamento da economia e a segurança

Nelson Barbosa


Bono, do U2, durante o Fórum de Davos, à frente de monitor com Christine Lagarde, do FMI. Fabrice Coffrini/AFP.

O Fórum de Davos ocorreu na semana passada, mas parece distante em face da tragédia de Brumadinho.

Difícil falar de economia nesta hora, mas peço paciência ao leitor para fazer três observações sobre a “Lide suíça”. Nenhuma delas tem relação com Bolsonaro. Uma está ligada ao que aconteceu em Minas Gerais.

Primeiro, como acontece todo ano, alguém apontou que o capitalismo é muito eficiente em aumentar a produtividade, mas, sem regulação adequada, ele também produz desigualdade excessiva e desastres humanos e ambientais.

Neste ano foi o vocalista do U2 que lembrou esse fato conhecido, mas geralmente esquecido pela elite mundial do dinheiro. Como disse Bono, “o capitalismo não é imoral, ele é amoral”. A “besta-fera” do mercado precisa ser domada para não devorar a maioria da população.

Dias depois da fala de Bono, a tragédia de Brumadinho desmoralizou mais uma vez aqueles que defendem que as empresas se bastam, que autofiscalização pode substituir supervisão pelo governo.

Agentes econômicos respondem a incentivos e, portanto, não existe autorregulação que resista ao bônus do final de ano.

A ação do Estado continua crucial para o bom funcionamento da economia e a segurança da população. Nesse ponto o governo também falhou gravemente, no nível federal e estadual, em Brumadinho.

Os outros dois pontos altos de Davos aconteceram em uma sessão ao final do evento, sobre o custo da desigualdade, por parte de Rutger Bregman (historiador e autor do livro “Utopia para Realistas”) e Winnie Byanyima (diretora da Oxfam).

Geralmente frio, o debate esquentou quando Bregman apontou a ironia de um fórum de super-ricos falar muito sobre filantropia e pouco sobre evasão tributária. Filantropia é desejável e louvável, mas ela não substitui o papel do Estado na redução de desigualdades.

A redução dos impostos sobre os mais ricos no mundo desenvolvido explica parte da guinada populista por lá. O retorno à tributação mais justa sobre renda e riqueza é uma das formas de financiar políticas públicas universais de inclusão social, mas, para tanto, precisamos reconhecer o elefante no meio da sala: a subtributação dos super-ricos.

Na sessão de perguntas, em resposta à provocação de Bregman, um empresário norte-americano destacou que os EUA têm hoje baixa taxa de desemprego e desafiou os panelistas a dizer o que, além de tributação, eles teriam como sugestão para reduzir a desigualdade.

Presumo que o empresário em questão ache que a baixa tributação nos EUA, em relação ao resto da OCDE, é o principal determinante do emprego por lá, mas vou me concentrar na tréplica dada pela diretora da Oxfam.

Segundo Byanyima, o número de empregos sozinho não diz muito se os trabalhadores vivem em condições precárias, se qualquer choque adverso, pessoal ou nacional, lança as pessoas na pobreza.

Nessas condições, contar empregos é contar explorados, não trabalhadores, segundo a diretora da Oxfam.

Em outras palavras, a qualidade dos empregos importa, e aquilo a que temos assistido nos últimos anos é a transmissão da maior parte dos ganhos de produtividade para os lucros, não para os salários.

Para que os trabalhadores possam compartilhar dos frutos do desenvolvimento, é preciso que eles tenham poder de barganha.

Isso implica fortalecimento dos sindicatos e incentivo à negociação intrafirma para resolver conflitos. Infelizmente, caminhamos exatamente na direção oposta a isso no Brasil dos últimos anos.

Tudo isso aconteceu em Davos, mas não teve muito destaque porque não é o que se esperava ouvir de lá.

Sobre o autor


Professor da FGV-SP, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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