2 de março de 2019

Se correr o bicho pega

A escala de disparates da ala psiquiátrica do Executivo aumenta o poder dos militares no governo

André Singer


O presidente Jair Bolsonaro, durante cerimônia de transmissão de cargo do ministro da Defesa. Foto: Pedro Ladeira/Folhapress.

Passados dois meses de governo Bolsonaro, quanto maiores os disparates produzidos pela chamada ala psiquiátrica do Executivo (centrada na Educação, nas Relações Exteriores, nos Direitos Humanos e, ao que parece, na própria Presidência), aumenta o poder relativo dos militares levados à Esplanada.

Nesta semana foi o ministro Ricardo Vélez Rodríguez que tropeçou nas próprias pernas com a ideia absurda de filmar crianças cantando o hino nacional. Por contraste, o vice Hamilton Mourão foi outra vez à Globonews (27/2) mostrar sensatez, garantindo que as Forças Armadas não vão intervir na Venezuela.

A situação apresenta-se tão ruim, que retrocedemos 40 anos, voltando ao regime militar, e ainda damos graças a Deus! Deixada aos cuidados dos civis que atualmente dirigem o Itamaraty, a questão venezuelana poderia descambar para a postura ideológica do presidente norte-americano Donald Trump, maluco que flerta com guerras para resolver problemas internos dos Estados Unidos. Comparativamente, os generais de Brasília guardam, ainda, um mínimo de racionalidade.

Note-se, entretanto, que há método na loucura dos lunáticos planaltinos. A determinação de enfileirar alunos nos pátios escolares e obrigá-los a executar cantos pátrios, com o respectivo envio da documentação em vídeo para o MEC, indica que, na cabeça de tais autoridades, existe mesmo uma “guerra cultural” em curso. Como não conseguem provocar enfrentamento bélico com o comunismo internacional tentam, ao menos, salvar a alma dos brasileiros a ferro e fogo.

O presidente e parte dos seus auxiliares vivem em um mundo paralelo. Por isso, as boutades produzidas na bolha bolsonarista distraem e divertem um público cansado de desgraças. Mas as verdadeiras decisões são tomadas em outro lugar.

Em poucos dias, foi reunido duas vezes conselho composto por chefes dos três poderes com os comandantes das FFAA. O órgão deliberou, primeiro, a conduta diante da crise no país vizinho. Em seguida, na quarta-feira passada, declarou de interesse da defesa nacional o Linhão de Tucuruí, que conecta Roraima ao sistema interligado (SIN) de energia, obra parada há anos.

O objetivo da medida é evitar que o único Estado isolado do SIN continue dependente da Venezuela. Para cumpri-la, contudo, será necessário atravessar terras dos índios Waimiri-Atroari, razão pela qual o  assunto estava bloqueado na Justiça. Não por acaso, o relator da proposta aprovada foi o general Augusto Heleno, que dirige o Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

Síntese: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.

Sobre o autor

Professor de ciência política da USP, ex-secretário de Imprensa da Presidência (2003-2007). É autor de “O Lulismo em Crise”.

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