21 de março de 2019

Sim, uma economia centralizada pode funcionar

Mega-companies like Amazon and Walmart are already using large-scale central planning. We can wield that tool for good. Socialists need to renew our embrace of democratic planning and fight for a real alternative to capitalism.

Leigh Phillips e Michal Rozworski

Jacobin

A Walmart associate sorts merchandise in the back room at a Walmart Supercenter during the annual shareholders meeting event on May 31, 2018 in Rogers, Arkansas. Rick T. Wilking / Getty

The latest book in our Jacobin Books series with Verso, The People’s Republic of Walmart: How the World’s Biggest Corporations are Laying the Foundation for Socialism, is out now. In the following editorial, its two authors lay out a key argument in the book. All series titles are 40 percent off this week.

Tradução / Cem anos depois da Revolução Russa, um espectro assombrou o Ocidente – o espectro do socialismo dos millenials, como o intitulou o Economist.

Mas o que quer dizer socialismo hoje? Será apenas um retorno ao liberalismo do New Deal ou da social democracia escandinava? Quer dizer um sistema de saúde público e sindicatos fortes? Será o florescimento de cooperativas, como John McDonnell, ministro das finanças sombra do Labour, deseja?

E acima de tudo, qual é o papel do mercado, em contraposição ao planeamento económico, na nossa alternativa? Será onde a borracha produzida pelo conselho dos trabalhadores atinge a estrada construída pelo estado?

Engels afirmou uma vez que “o governo a fazer coisas” não será definitivamente uma boa definição de socialismo: “Certamente que, se a tomada do estado da indústria do tabaco é socialista, então Napoleão e Metternich devem estar entre os fundadores do socialismo”. Se assim fosse, o leviatã estatista conhecido como o Pentágono seria praticamente comunista.

Felizmente, existe um novo diálogo sobre o papel dos mercados e do planeamento económico – e vem de um sítio inesperado.

Jack Ma, fundador do grupo chinês Ali Baba, uma das maiores e mais valiosas empresas do mundo, argumenta que os antigos organizadores da economia soviética e da República Popular da China falharam por causa da falta de informação. Ele previu que nas próximas três décadas, graças à inteligência artificial e ao tamanho do volume de dados que agora temos acesso, poderemos finalmente ser capazes de alcançar uma economia planeada.

Entretanto, algo curiosamente ‘comunista’ está a acontecer, devido à mudança nos últimos anos, de investimento activo para investimento passivo. Um investidor que tenha acções numa companhia aérea ou numa empresa de comunicações, por exemplo, queira superar as suas concorrentes, pode fazê-lo: aumentando os seus lucros, mesmo que temporariamente, à custa dos seus concorrentes. Mas um investidor que seja detentor de parte de todas as companhias aéreas ou de telecomunicações, como acontece em gestão index, tem objectivos fundamentalmente diferentes. A competição será um factor menos importante. O colunista da Bloomberg, Matt Levine, imaginou uma transição lenta para os fundos index, que apenas usam estratégias de investimento que no futuro dependerão de algoritmos cada vez melhores, até que “a longo prazo, os mercados financeiros tenderão para a informação perfeita (dos factores de mercado), uma espécie de planeamento centralizado – pelo Best Capital Allocating Robot”.

Na República Popular de Walmart, mostramos o argumento contrário ao dos economistas do mercado livre como Ludwig Von Mises e Friedrich Hayek, de que o planeamento centralizado de produtos e serviços que envolvem uma infinitude de variáveis e de redes de fornecimento, que requerem imensa informação que não sejam apenas os preços não são somente fazíveis, mas resultam impressionantemente bem.

A Walmart é um identidade terrível onde se praticam abusos laborais e trabalho aborrecido e alienante, mas é um interessante estudo de caso na viabilidade dos planos económicos devido à maneira como opera e pelo seu tamanho. A Walmart, a maior empresa do mundo, emprega mais trabalhadores do que qualquer outra empresa privada; é a terceira maior empregadora do mundo depois do Departamento de Estado norte americano e do exército chinês. Se fosse um país, a sua economia seria quase do tamanho da Suíça.

A Walmart vende produtos no mercado, obviamente. Sob o capitalismo os preços são inputs no processo de planeamento das empresas e dos estados. Além dos preços, as empresas têm hoje à sua disposição uma quantidade enorme de informação directa sobre as preferências das pessoas ou sobre a gestão de recursos. A título de exemplo, já conseguimos minimizar as emissões de carbono no transporte de artigos pela costa fora (a norte americana). Existe uma questão difícil, como relacionar economicamente os bens entre si – entre o algodão e o ferro ou a arte. No entanto, é fraco imaginar que só os mercados podem determinar estas questões multidimensionais, em vez de perguntarmos a nós mesmos, democraticamente.

Existe uma questão difícil, como relacionar economicamente os bens entre si – entre o algodão e o ferro ou a arte.

A Walmart faz planos de escala sem a intermediação directa dos mercados, para o arrepio de Hayek. Internamente, como quase todas as firmas, grandes e pequenas, ( a Walmart) é uma economia ditatorial planificada: os administradores dizem aos trabalhadores o que fazer, os departamentos realizam os seu objectivos em apoteose, e o bens fluem por decreto.

A Walmart é uma “ilha de poder consciente”, como uma vez afirmou o colaborador de Keynes, D.H.Robertson, e uma ilha de tirania, como parafraseou Noam Chomsky. O capitalismo esconde tanto o planeamento como a natureza disciplinadora daquilo que se passa dentro das empresa. O mercado pode ser livre, mas o trabalho é constantemente caracterizado pela falta de liberdade. A economia dos dias de hoje é em grande parte planeada, em vez de espontânea – mas é também marcada pela dominação da qual ainda não nos libertamos. Ao fazê-lo (libertar-mo-nos da dominação) irá mudar radicalmente a forma como planeamos e produzimos.

O planeamento da Walmart estende-se para além das suas quatro paredes. Académicos do comércio e analistas atribuem o sucesso logístico da Walmart como sendo uma das primeiras (organizações) a implementar inovações como as reposições contínuas; fornecedores de inventário gerenciados; computorização; informatização; e confiança, abertura, cooperação e transparência de informação em toda a cadeia de mantimentos.

Este planeamento altamente sofisticado da cadeia de mantimentos por parte da Walmart está em completo contraste com o desastre organizacional da Sears. O presidente executivo, Edward Lampert, era tão fã da Ayn Rand, que após tomar posse da empresa, introduziu um mercado interno, com departamentos a competirem uns contra os outros, resultando no secretismo e não partilha da informação, duplicação e caos, acabando na falência. Infelizmente, em vez de ter sido reconhecido como um falhanço, um “mercado interno” é periodicamente introduzido para o sector público e está a contribuir para o declínio de Serviço Nacional de Saúde em Inglaterra.

O colapso da Sears, contudo, não se compara com a ameaça existencial dos falhanços do mercado noutros lados.

Há uma escassez de antibióticos no mundo porque, como toda a gente reconhece, e avisou o director do Centro de Controlo de Doenças do Reino Unido, os gigantes farmacêuticos retiraram-se em grande escala do mercado de investigação antimicrobiana à trinta anos devido à falta de rentabilidade. Um retorno a uma era da medicina ao estilo Vitoriano está a poucas décadas de acontecer devido à falta de protecção microbiana.

Depois de vinte anos de diplomacia climática, a empresa petrolífera BP, reportou o ano passado que a quota de energia não fóssil é a mesma que em 1998. Com as mudanças climáticas a constituírem cada vez mais uma ameaça real, continuamos na mesma. A economia de mercado continuará a produzir combustíveis fósseis mesmo no caso de uma Terra em estufa, se assim o deixarmos.

Na maior parte dos casos, as boas notícias sobre o ambiente vêm de onde o mercado não intervém. Não resolvemos o problema do desaparecimento da camada de ozono por causa do mercado, nem por termos deixado de usar frigoríficos ou sprays para o cabelo, mas graças à regulação. Da mesma forma que temos regulação, tal como infra-estrutura no sector público e inovação por parte do estado – a alegado pecado da ineficiência da “escolha de vencedores” – para as histórias de sucesso da eliminação da chuva ácida e do crescimento da arborização em 7 por cento no últimos trinta e cinco anos.

É por isto que o Green New Deal, com enfoque no fortalecimento na capacidade de acção e planeamento do sector público é tão importante. O comércio de emissões da Califórnia é menos responsável pelas reduções de gases causadores do efeito estufa do que as regulamentações clássicas de comando e controlo, e a maior redução de emissões na América do Norte veio da decisão do governo de Ontário de fechar dezanove das suas usinas a carvão.

A lição de todos estes falhanços e sucessos é que se algo é rentável, não importa o quão danoso, irá continuar a ser produzido na ausência da intervenção não mercantil, isto é, planeamento. Da mesma forma que se algo não for rentável, mesmo que seja benéfico, não será produzido, outra vez, na ausência de planeamento.

Ao mesmo tempo, a suspeições generalizadas burocracia não eleitas, arbitrárias e autoritárias são justas. A Walmart pode ser pródiga na sua capacidade logística, mas é também um feudo privado dentro do nosso sistema de mercado. O planeamento centralizado por si só não é suficiente. Tem que ser verdadeiramente democrático.

O que é comum nos planos económicos da Walmart e da Amazon – para além de o fazerem em largas escalas – é a completa falta de democracia. Mais de metade dos trabalhadores da Walmart em part-time dizem não ter dinheiro suficiente para as suas necessidades básicas, e muitos dependem dos cupões de refeição para fazer face às suas despesas. Os trabalhadores do centro de atendimento da Amazon urinam em garrafas por terem medo de serem despedidos por irem à casa de banho, pois estão monitorizados por pulseiras electrónicas a emitir avisos por cada décimo de segundo gasto. Num dos dias mais quentes do ano, a Amazon teve paramédicos no seu armazém para tratar trabalhadores em exaustão por causa do calor. O presidente executivo da Amazon, Jeff Bezos, aquele Estaline careca e sem bigode do retalho online, gere uma entidade panóptica de capitalismo de vigilância coerciva.

Precisamos de usar os nossos vastos recursos para melhores fins – e podemos fazer isso através da política. A tecnologia permite-nos passar para a discussão de que tipo de planeamento queremos – e não o planeamento em si. O controlo democrático da produção, tanto nas empresas como no governo, deve ser a fundação da nossa visão para o futuro.

Sobre os autores

Leigh Phillips is a science writer and EU affairs journalist. He is the author of Austerity Ecology & the Collapse-Porn Addicts.

Michal Rozworski is a Toronto-based union researcher and writer. He blogs at Political Eh-conomy.

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