2 de junho de 2023

Preocupações russas com a Ucrânia devem "ser levadas em conta", diz Brasil

Assessor de política externa do presidente de esquerda Lula adverte que a postura dos líderes ocidentais pode provocar um conflito mais amplo

Bryan Harris


Celso Amorim, assessor do presidente Lula, disse: "Não queremos uma terceira guerra mundial". Carla Carniel/Reuters

São Paulo - O Ocidente deve levar "em conta" as preocupações de segurança do presidente russo, Vladimir Putin, e impedir o deslize em direção a uma paz dos vencedores no estilo de Versalhes na Ucrânia, disse o principal assessor de política externa do Brasil.

Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores durante os dois primeiros mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e atual assessor de assuntos internacionais do líder de esquerda, disse que a postura beligerante do Ocidente contra Moscou corre o risco de provocar um conflito mais amplo.

"Não queremos uma Terceira Guerra Mundial. E mesmo que não tenhamos isso, não queremos uma nova Guerra Fria", disse Celso Amorim ao Financial Times. "Todas as preocupações dos países da região devem ser levadas em consideração, se você quer a paz. A única outra alternativa é a vitória militar total contra a Rússia. Você sabe o que vem depois? Eu não."

Embora o Brasil tenha condenado oficialmente a invasão em grande escala da Ucrânia por Moscou, Lula foi acusado de manter a "neutralidade pró-Rússia". Ele reivindicou repetidamente que Kiev tem responsabilidade igual à de Moscou no conflito e acusou Washington de "encorajar" a violência. Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, visitou Brasília no mês passado.

Celso Amorim disse que a segurança nacional é uma das principais "preocupações" de Moscou, referindo-se às suas queixas de "cerco" por parte das potências ocidentais e da Otan.

"Não podemos julgar a situação pelo último ano e meio. Esta é uma situação de décadas. [A Rússia tem] preocupações e isso tem que ser levado em conta. Isso não é culpa da Ucrânia. A Ucrânia é uma vítima, uma vítima dos resquícios da Guerra Fria".

O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, à esquerda, encontra-se com o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, em Brasília. Ton Molina/Agência Anadolu/Getty Images

Desde que voltou à presidência para um terceiro mandato em janeiro, Lula tem procurado reforçar a posição internacional do Brasil e reafirmar seu status tradicional de democracia não alinhada. Ele tem sido um defensor franco de um "clube da paz" de nações para discutir o fim da guerra na Ucrânia.

Na reunião do G7 em Hiroshima no início deste mês, uma reunião entre Lula e Volodymyr Zelenskyy foi cancelada após o atraso do presidente ucraniano, segundo Brasília.

Como outros países latino-americanos, o Brasil se recusou a enviar armas para a Ucrânia e negou um pedido da Alemanha para revender munição para tanques.

Quando Lula afirmou no mês passado que os EUA estavam "encorajando a guerra", a Casa Branca acusou o líder brasileiro de "papagaiar a propaganda russa e chinesa". Mas Amorim, que visitou Kiev e Moscou nas últimas semanas, disse que Brasília está preocupada com os supostos esforços ocidentais para enfraquecer a Rússia, sugerindo que isso apenas provocaria um conflito maior.

"Lembro da situação na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial. O objetivo era enfraquecer a Alemanha no [Tratado de] Versalhes e sabemos onde isso levou."

O ex-ministro das Relações Exteriores negou que o legado do envolvimento dos Estados Unidos na América Latina durante a Guerra Fria tenha influenciado a visão de Lula sobre Washington, destacando as "boas relações" do Brasil com os EUA e que a segunda visita de Estado do presidente foi à capital americana.

Paulo Velasco, professor de política externa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, disse que a abordagem de Lula para o conflito na Ucrânia está em linha com a tradicional diplomacia brasileira, que evita "posições extremas que possam comprometer os esforços para chegar a um entendimento".

"O Brasil acredita que as sanções raramente são o melhor caminho", disse ele. "Eles tendem a isolar o Estado que se envolve em comportamentos desviantes, minando sua confiança na comunidade internacional, que é essencial para chegar a acordos pacíficos."

Outros especialistas apontam que Brasília é motivada por preocupações mais pragmáticas, incluindo sua relação comercial com a Rússia.

Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, disse: "Como a grande maioria dos países do sul global, o Brasil quer garantir a preservação de seus laços comerciais com a Rússia. A Rússia tem sido uma amiga de todos as horas - de baixa intensidade, mas de todos as horas."

O comércio bilateral vale cerca de US$ 10 bilhões, com grandes quantidades de fertilizantes para o crescente setor de agronegócio do Brasil - no valor de quase 30% do PIB - vindo da Rússia.

A neutralidade do Brasil em relação à Rússia tem amplo apoio entre partidos e é um raro ponto de continuidade entre Lula e a presidência anterior de direita de Jair Bolsonaro. Pouco antes da invasão da Ucrânia no ano passado, Bolsonaro visitou Moscou para garantir o fornecimento de fertilizantes.

Stuenkel acrescentou que nenhum dos dois países quer interromper suas relações dentro do grupo de nações Brics, que também inclui China, Índia e África do Sul.

"O não-alinhamento é visto como uma aposta segura em um mundo onde a competição entre as grandes potências vai aumentar. Do ponto de vista brasileiro, a ascensão da China e ressurgimento da Rússia não é realmente ruim... por isso [Brasília não tem] nenhum interesse em se juntar a [uma] coalizão ocidental contra a Rússia."

O comércio bilateral vale cerca de US$ 10 bilhões, com grandes quantidades de fertilizantes para o crescente setor de agronegócio do Brasil – no valor de quase 30% do PIB – vindo da Rússia.

A neutralidade do Brasil em relação à Rússia tem amplo apoio entre partidos e é um raro ponto de continuidade entre Lula e a presidência anterior de direita de Jair Bolsonaro. Pouco antes da invasão da Ucrânia no ano passado, Bolsonaro visitou Moscou para garantir o fornecimento de fertilizantes.

Stuenkel acrescentou que nenhum dos dois países quer interromper suas relações dentro do grupo de nações Brics, que também inclui China, Índia e África do Sul.

"O não-alinhamento é visto como uma aposta segura em um mundo onde a competição entre as grandes potências vai aumentar. Do ponto de vista brasileiro, a ascensão da China e ressurgimento da Rússia não é realmente ruim... por isso [Brasília tem ] nenhum interesse em se juntar a [uma] coalizão ocidental contra a Rússia."

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Guia essencial para a Jacobin

A Jacobin tem divulgado conteúdo socialista em ritmo acelerado desde 2010. Eis aqui um guia prático para algumas das obras mais importantes ...