25 de outubro de 2017

Um conto de duas revoluções

O México foi um dos poucos países a conseguir neutralizar os efeitos da URSS.

Enrique Krauze


Leon e Natalia Trotsky foram saudados por Frida Kahlo em sua chegada ao México em 1937. Créditos: Hulton-Deutsch Collection / Corbis, via Getty Images

A Revolução Russa de 1917 e o regime que governou em seu nome durante a maior parte do século XX, exerceram uma poderosa influência política e ideológica sobre a América Latina. A revolução colocou seu selo em partidos políticos, sindicatos, artistas, intelectuais e estudantes, que viram a União Soviética como uma alternativa ao capitalismo, um baluarte contra o imperialismo dos Estados Unidos e um exemplo a imitar. Embora as revelações dos crimes do totalitarismo stalinista tenham diminuído o brilho da Revolução Russa na década de 1950, a surpreendente vitória dos comunistas em Cuba reviveu o espírito revolucionário na América Latina, inspirando movimentos de guerrilha que alarmaram os regimes militares aliados aos Estados Unidos.

O México era um caso separado. Poucos países tiveram tanto sucesso quanto o México para neutralizar os efeitos da Revolução Russa. A razão era simples. O México sofreu sua própria revolução de 1910 a 1917 e avançou em sua própria estrada revolucionária. A ideologia nacionalista e socialista da Revolução Mexicana triunfou em todo confronto com o marxismo-leninismo caseiro do Partido Comunista Mexicano - Lenin e Trotsky nunca poderiam competir com Pancho Villa e Emiliano Zapata. E a tensão entre as duas revoluções moldou o processo político mexicano nas próximas décadas.

O movimento muralista mexicano da década de 1920 foi tão original e dinâmico como o modernismo russo, com o qual os artistas mexicanos realizaram um diálogo criativo. O México, em 1924, foi o primeiro país no Hemisfério Ocidental a estabelecer relações diplomáticas com a União Soviética, um movimento visto com maus olhos pelos Estados Unidos, cujo governo confundiu o nacionalismo mexicano com o comunismo. Diante dessa aparente aproximação entre as duas revoluções, o presidente Calvin Coolidge considerou seriamente a ação militar contra o "México soviético".

Isso mudou quando o banqueiro Dwight Morrow tornou-se embaixador no México em 1927. Ele ajudou a reestruturar a dívida mexicana, tornou-se um conselheiro de figuras políticas mexicanas e teve o instinto brilhante de se tornar um amigo e patrão para artistas esquerdistas. Os mais famosos entre eles eram, naturalmente, Diego Rivera e Frida Kahlo, e muitos escritores jovens - entre eles o poeta combativo Octavio Paz - eram marxistas que acreditavam que a União Soviética era "a terra do futuro".

Declarado ilegal em 1929 e reprimido, o Partido Comunista Mexicano ganhou alguma influência durante o mandato do presidente Lázaro Cárdenas (1934-40), mas a "domesticação" mais uma vez teve efeito. Era impossível competir a partir da esquerda com um governo tão claramente revolucionário como o do presidente Cárdenas, que distribuiu mais de 42 milhões de hectares de terra, nacionalizou as empresas petrolíferas americanas e europeias em 1938 e contou com o apoio do principal sindicato do país, a Confederação dos Trabalhadores Mexicanos.

Talvez a prova mais significativa da autonomia mexicana em relação à Revolução Russa tenha ocorrido em 1936, quando o Sr. Cárdenas deu asilo a Leon Trotsky, a pedido do Sr. Rivera. Quando o Partido Comunista do México se recusou a participar do assassinato do Sr. Trotsky, realizado em 1940 por um agente stalinista, selou seu destino. Durante a Guerra Fria, o Partido Revolucionário Institucional, ou P.R.I., poderia apresentar-se abertamente como uma alternativa nacionalista e progressista ao comunismo, enquanto o Partido Comunista permaneceu bastante marginal, apoiado principalmente pelos sindicatos ferroviários e por algumas figuras culturais proeminentes.

Frida Kahlo, quando morreu em 1954, recebeu a primeira homenagem oficial concedida a um artista, no Palácio das Belas Artes da Cidade do México. Seu caixão estava coberto com uma bandeira do martelo e da foice. Isso era emblemático do ressurgimento do comunismo no México, não decorrente de partidos e sindicatos, mas de círculos artísticos, acadêmicos e literários, onde o marxismo começou a ganhar vigor renovado graças aos escritos de Jean-Paul Sartre. No entanto, na arena da política, o P.R.I. continuou seu reinado indiscutível. Pelo menos até o movimento estudantil de 1968 (quando seu domínio sobre as novas classes médias começaram a se quebrar), o partido oficial era uma aliança poderosa que ia da direita a esquerda, excluindo apenas os extremos de ambos os lados.

Nem mesmo a Revolução cubana mudou a situação. Mostrando habilidade política impressionante, o regime do P.R.I. não condenou Fidel Castro e se absteve na votação da Organização dos Estados Americanos para expulsar Cuba, mas também tornou-se o amortecedor entre os Estados Unidos e as tendências comunistas do resto da América Latina. Em troca, os Estados Unidos aceitaram um certo grau de retórica nacionalista pelo México.

O compromisso com Havana foi claro. A expedição liderada pelo Sr. Castro em 1956 partiu do México, e o México defenderia Cuba dos Estados Unidos por meio da diplomacia. Cuba, por sua vez, não patrocinaria levantes de guerrilha no México. Embora este acordo tácito já não fosse totalmente funcional na década de 1970, os movimentos de guerrilha no México tinham muito menos alcance e impacto do que os da América Central. Quando tais movimentos foram brutalmente reprimidos, Havana e Moscou reagiram com indiferença. E quando os guerrilheiros mexicanos apreenderam aviões e os levaram para Cuba, o Sr. Castro devolveu imediatamente os sequestradores ou os prendeu.

Embora o governo de Castro tenha feito seus arranjos com o P.R.I, o prestígio da Revolução Cubana, entre as recentes gerações ofuscou a mexicana, que muitos jovens consideravam antiquada e falsa. Nas décadas de 1970 e 1980, o marxismo em todas as suas variedades tornou-se uma linguagem comum nas universidades públicas mexicanas, e essa hegemonia cultural e acadêmica do marxismo é um fator chave na compreensão do fortalecimento paradoxal da esquerda mexicana no próprio momento da queda da Muro de Berlim.

Os jovens nas universidades foram a base da popularidade de Cuauhtémoc Cárdenas, filho do presidente, quando em 1987 abandonou o P.R.I., que tinha governado a nível nacional desde a década de 1930. Os partidários da esquerda receberam o Sr. Cárdenas e seus camaradas dissidentes.

Nesta altura, o Partido Comunista havia se fundido no Partido Socialista Mexicano. Esse partido colocou o Sr. Cárdenas como o candidato da esquerda nas eleições presidenciais de 1988. A fraude eleitoral orquestrada impediu sua vitória.

Mas em vez de conclamar uma revolta armada, o Sr. Cárdenas uniu toda a esquerda em um único partido, o Partido da Revolução Democrática. Embora tenha sido derrotado nas eleições presidenciais de 1994 e 2000, o partido entrou no novo século como uma força consolidada com forte presença em governos estaduais e legislaturas e com poder na Cidade do México. O líder da cidade, Andrés Manuel López Obrador, admirava muito o Che Guevara e o Sr. Castro, mas não era marxista e veio, como Cuauhtémoc Cárdenas, originalmente do P.R.I.

O Sr. López Obrador se tornaria o caudilho populista da esquerda mexicana. Em 2006, ele concorreu para presidente, ficou perto de um por cento da vitória e acusou o governo de fraude eleitoral. Significativamente, seus conselheiros mais próximos não incluíram políticos comunistas da velha guarda, mas muitos acadêmicos influenciados pelo marxismo, bem como por vários antigos políticos do antigo P.R.I. dos anos 70, 80 e 90. Ainda mais uma vez, a Revolução Mexicana havia absorvido e transformado (e marginalizado) a Revolução Russa.

Sobre o autor

Enrique Krauze é um historiador, editor da revista literária Letras Libres e autor de "Os Redentores: Ideias e Poder na America Latina".

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