22 de setembro de 2013

Recuperar a centralidade da classe

Ellen Meiksins Wood

Against the Current


Tradução / Em 1963, quando E.P. Thompson publicou The Making of the English Working Class, ainda existia uma importante cultura anticapitalista na esquerda intelectual, que floresceu com um vigor especial entre os historiadores marxistas britânicos, um notável grupo ao qual pertencia E.P. Thompson Durante pouco mais de uma década, apesar (ou talvez por causa) das erupções militantes de 1968 e de algumas dramáticas lutas operárias nos anos posteriores, a vida intelectual da esquerda ocidental foi moldada por uma atitude de rendição ao capitalismo e por um “recuo da classe”.

A moda acadêmica mais influente na esquerda, começando com o pós-marxismo e culminando com o pós-modernismo, parece agora - para o bem ou para o mal - aferrada a um princípio, segundo o qual o capitalismo era a única opção viável e a luta de classes não está mais na agenda.

Essas modas tiveram seu início a partir década de 1970, e se desenvolveram mais ou menos em paralelo com a "Nova direita" e o neoliberalismo. Justamente quando os governos impulsados pela doutrina neoliberal estavam realizando uma luta classes aberta em nome do capital e contra o trabalho, o conceito de classe estava em declínio. Na Grã-Bretanha, por exemplo, quando o governo de Margaret Thatcher estava travando sua implacável guerra de classes luta de classes contra os trabalhadores, sua própria estratégia retórica consistia em negar a própria existência das classes.

Essa estratégia ideológica é mais alarmante ainda porque reaparece na esquerda intelectual como uma imagem no espelho. E não ocorre apenas com pós-marxismo. Até mesmo a Marxism Today, a revista teórica do partido comunista britânico, aderiu com entusiamo ao “recuo do conceito de classe”.

Estes novos guerreiros não classistas de esquerda aceitam na prática a construção neoliberal do universo social. Tão pouco para eles há classes ou política de classes; simplesmente um mundo pós-moderno no qual a fragmentação, a diversidade e as "múltiplas" identidades acabaram com as velhas solidariedades de classe.

É verdade, claro, que para muitos isso significava perseguir outras lutas necessárias contra outras formas de opressão, especialmente aqueles relacionados ao gênero e raça. Mas havia algo mais nesse recuo - ou talvez deveríamos dizer menos - que um interesse em formas alternativas de luta; e esse abandono do conceito de classe não pode simplesmente ser atribuído ao declínio do movimento operário nos anos 1970 e 1980. O recuo do conceito de classe, que compartilham alguns sectores da esquerda intelectual, tem outras raízes que o precedem. [1]

Os intelectuais de esquerda mais decididos a abandonar o conceito de classe também se inclinam a sugerir que não temos necessidade de desafiar o capitalismo como una totalidade sistêmica, porque não existiria algo assim como um sistema capitalista - se é que alguma vez existiu - na nova realidade fragmentada. Nos contam que se está dando uma tremenda expansão da “sociedade civil” que amplia consideravelmente o leque de nossas escolhas individuais. O modo de combater as doutrinas neoliberais consistiria aparentemente em aceitar seus pressupostos básicos e tratar de vence-los no seu próprio jogo retórico.

A crise capitalista real

Hoje nós estão confrontando o mundo real do capitalismo, de uma forma que não vemos há muito tempo. Desde a crise de 2008 e o desastroso projeto de austeridade que se seguiu, é quase impossível desconhecer os brutais efeitos sistêmicos do capitalismo ou a cruel realidade das classes.

Houve alguns sinais promissores de novos movimentos contestatórios, como o movimento “Occupy”, que se bem não produziram ainda um movimento político coerente, no entanto começaram a mudar o discurso sobre las consequências do capitalismo e as desigualdades de classe. Ainda mais que grande parte da esquerda intelectual perdeu o hábito, os meios ou sequer a vontade de se opor ao capitalismo não só na prática mas na teoria.

Por isso é o momento adequado para recuperarmos E.P. Thompson. Não somente porque ele, provavelmente mais que qualquer outro historiador, deu vida aos processos da formação e luta de classes, mas também porque mais que qualquer outro historiador e talvez qualquer acadêmico ou escritor, E.P. Thompson foi quem com mais acuidade definiu o capitalismo como uma forma social historicamente específica - não como una lei da natureza -, e nos obrigou a vê-lo com distância crítica e antropológica.

E isso é especialmente importante hoje, pois faz muito tempo que adquirimos o hábito de considerar o capitalismo como dado, como si se tratasse de algo tão universal e invisível como o ar que respiramos. E. P. Thompson desafiou os pressupostos básicos do capitalismo, entendendo-o como um conjunto de práticas sociais e princípios morais e estudando seu desenvolvimento como um processo constante de luta.

Não apenas mostrou este processo em seu livro La Formación de la Clase Obrera en Inglaterra, mas também em outros trabalhos, por exemplo em seu clássico ensaio Moral Economy and Popular Protest: Crowds, Conflicts and Authority no qual segue as pistas das lutas contra a racionalidade do mercado, imposta a pesar da resistência de grupos com costumes e expectativas distintas e com diferentes concepções do direito à subsistência; ou seu ensaio Custom, Law, and Common Right, no qual nos mostra o modo em que as definições de propriedade com base na produtividade para o lucro capitalista afirmaram-se à custa das costumes e as concepções de direito ao uso; ou seu ataque - especialmente em seu ensaio "Time, Work Discipline and Industrial Capitalism" - ao conceito de “industrialização” e sua insistência na especificidade do capitalismo industrial como um modo historicamente distinto de exploração - não como um processo neutro de mudança tecnológica -, com efeitos que afetaram as práticas laborais e também a algo muito mais central para nossa vida cotidiana, que é nossa experiencia do tempo. [2]

A abordagem da história por E.P. Thompson resume o que para mim é a essência do materialismo histórico, uma aproximação que lança luz sobre a teoria e a prática, sobre a historia e a política. Embora ele tentasse evitar a linguagem teórica, seu trabalho histórico sempre me pareceu tão fértil para a teoria como esclarecedora para a história.

Segundo E.P. Thompson, o conhecimento teórico não é sobre uma “representação conceitual estática”, mas sobre “conceitos apropriados para investigar os processos”. Isto significa, entre outras coisas, que não existe essa antítese entre história e teoria ou entre o empírico e o teórico na qual insistem algumas correntes muito influentes do marxismo.

O desafio, segundo E.P. Thompson, consiste em captar e iluminar os processos históricos, e não considerar a classe como uma localização estática em uma estrutura de “estratificação”, mas como um processo e uma relação social. Em outras palavras, E.P. Thompson levou a sério a ideia de Karl Marx de que o materialismo histórico se ocupa da “atividade prática” humana, da agência humana, dentro dos limites das condições históricas e sociais específicas. Isso é o que o converte em um estudioso tão efetivo do capitalismo entendido como um terreno disputado e alvo de luta.

Notas

[1] Esse assunto é discutido com maiores detalhes no meu artigo “A Chronology of the New Left and Its Successors, or: Who’s Old-Fashioned Now?” Socialist Register 1995, 22-49 e no Prefácio à edição de 1998 do meu livro The Retreat from Class: A New "true" Socialism.

[2] Estes ensaios estão incluídos em Customs in Common: Studies in Traditional Popular Culture (New York: New Press, 1993).

Sobre a autora

Ellen Meiksins Wood foi autora de The Origin of Capitalism, Democracy Against Capitalism e Liberty and Property.

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