29 de janeiro de 2014

O mito do republicano moderado

O colapso do republicanismo liberal não surgiu a partir de uma certa perda de decência em uma época de polarização, mas a partir da transformação da luta de classes na América.

Kristoffer Smemo


Gov. de Michigan George Romney e seu filho, Mitt, olhando para o recinto da Feira Mundial de Nova Iorque em Maio de 1964. Fonte: AP

Tradução / A ascensão do Tea Party tem gerado uma poderosa nostalgia entre os liberais por uma geração de republicanos "sãos" e "razoáveis". Era uma vez, e assim o conto vai, esta raça de moderados estava disposta a fazer concessões, para acomodar muitas das reformas básicas do New Deal.

Essa narrativa nostálgica de republicanismo moderado venera um momento político cujo mais claro exemplo é o governo de Dwight Eisenhower, que disse, em carta frequentemente citada ao seu irmão direitista, Edgar, que qualquer republicano que "tentasse abolir a segurança social, o seguro-desemprego e pusesse fim às leis trabalhistas e aos programas de agricultura familiar" seria aniquilado nas eleições.

A acomodação emburrada de Eisenhower ao estado do bem-estar representou uma concessão tática a alguns específicos elementos da ordem política despertados pelas reformas do New Deal. Mas outro conjunto de republicanos – que emergiram pela primeira vez nos anos 1930 e 1940 nos níveis local e dos estados por toda a área urbano-industrial, no nordeste, no meio-oeste e na costa oeste dos EUA, locais onde a população trabalhadora mobilizara-se mais efetivamente sob os auspícios do New Deal – foi adiante. Esses republicanos, autoidentificados "republicanos liberais", fizeram concessões muito maiores, concessões estratégicas.

Essas concessões brotaram de um entendimento segundo o qual mobilizações de massa do povo trabalhador haviam criado um mundo no qual o New Deal estaria permanentemente integrado na paisagem política. Esses Republicanos liberais, de fato, tomaram a retórica e as instituições do próprio New Deal para forjar uma nova política conservadora, capaz de reprimir e de conter a constelação ascendente dos movimentos trabalhistas e de defesa de direitos civis.

Em muitos sentidos, foi o entrincheiramento defensivo da política do New Deal consumado por esses republicanos – muito mais, até, que a adesão proativa de seus contrapartes liberais democratas – que cimentou a hegemonia do liberalismo do meio do século. Sobretudo, foi o empoderamento político e econômico dos trabalhadores do chão de fábrica, que ativamente fizeram um novo pacto [New Deal], que fez nascer a notável habilidade daquele governo para transformar a paisagem política.

Embora projetado para priorizar a recuperação econômica capitalista, e eivado de exclusões discriminatórias, a legislação do New Deal, como as leis Wagner, da Seguridade Social e dos Padrões Justos de Trabalho, mesmo assim essas leis forçaram Republicanos e Democratas a se entender, fosse como fosse, com uma noção mais capacitante de "direitos civis" – noção que se ampliou, do direito do trabalho, diretamente para organizar na direção da igualdade racial e de gênero.

A avançada da militância trabalhista, para não falar das grandes migrações rumo às cidades norte-americanas, dividiram claramente o Partido Republicano entre representantes de distritos rurais e profundamente ansiosos ante o avanço da mudança social, e políticos urbanos, desesperados para preservar a própria relevância e viabilidade eleitoral, no meio do que Samuel Lubell chamou de "a revolta da cidade".

Um segmento significativo do Partido Republicano efetivamente se "New Dealizou" em um esforço para se adaptar a essas insurgências. New Dealizados ou Republicanos liberais não só reconheceram a legitimidade dos sindicatos; eles também cederam à pressão organizada para identificar a pobreza, a segregação e a discriminação no trabalho como problemas sociais que exigem a intervenção do governo. Bem como os seus antepassados Progressistas, os republicanos New Dealizados reconheceram que a produção em massa e a sociedade de consumo de massa só poderia ser governado por um estado expansivo.

Em termos bem claros, esses Republicanos liberais que primeiro chegaram a ter proeminência nacional nos anos 1940 e 1950 – como o governador de New York e duas vezes candidato à presidência Thomas Dewey; o governador da Califórnia e Juiz da Suprema Corte Earl Warren; o ex-executivo da indústria automobilística e governador de Michigan George Romney; e o herdeiro (e também ele) barão-ladrão e governador de New York Nelson Rockefeller – todos esses lutaram com unhas e dentes contra as possibilidades social-democrtas que o New Deal despertara e conjurara. Mas cada um desses fez uma imensa concessão estratégica, e todos assumiram que o New Deal permaneceria como realidade política.

Instituições como a Comissão Nacional de Relações Trabalhistas, ou a Administração da Seguridade Social serviram como alicerces para a estabilidade social, mas tiveram de ser despolitizadas e isoladas da pressão de baixo para cima, para assim preservarem as hierarquias profundamente entrincheiradas na sociedade norte-americana. Assim, o Republicanismo 'New Deal-izado' incorporou a luta entre reformadores que queriam remodelar a sociedade norte-americana e conservadores que lutavam para retardar as transformações sociais forjadas pela Grande Depressão, II Guerra Mundial e a distribuição profundamente desigual da riqueza do pós-guerra.

Para diferenciar os republicanos liberais e seus rivais conservadores da "Velha Guarda", como Robert Taft de Ohio, é preciso distinguir entre o campo da política eleitoral e a política legislativa. No momento crucial, no final dos anos 1940 quando a social-democracia norte-americana do pós-guerra ainda era uma (evanescente) possibilidade, Taft era um político com ambições presidenciais e, o mais importante de tudo, era um político que precisava ser reeleito senador. Havia co-patrocinado a legislação sobre moradias públicas do pós-guerra, ao lado do leão liberal Robert Wagner de New York, e depois de tremenda mobilização sindical contra seu projeto de reforma da legislação trabalhista, ele suavizara a própria posição sobre o trabalho organizado e estava à caça dos votos da classe trabalhadora no estado de Ohio, em campanha para a reeleição em 1950.

Diferente do troglodita, odiador-de-sindicalistas e Republicano conservador de New Jersey Fred Hartley Jr., Taft precisava de votos em todos o estados, não só num único distrito conservador. Como Corey Robin argumentou recentemente (e corretamente), Taft, anticomunista, antisindicalista, anti-New-Deal, não pode ser reabilitado hoje como alguma espécie de ícone da moderação; defini-lo como líder dos Republicanos de direita significa reconhecer as concessões táticas parceladas que Taft teve de fazer, sob as circunstâncias de um movimento trabalhista ainda potente. Como Eisenhower (e mais tarde Nixon), as concessões táticas que Taft teve de fazer só reconheceram o poder imediato e a popularidade da ordem do New Deal, não a sua legitimidade a longo prazo.

Republicanos realmente liberais registraram seu máximo impacto no plano estadual, ao assumir a durabilidade do New Deal como ordem política. Embora as eleições de 1936 sejam lembradas como o início de um regime federal de Democratas-pró-New Deal, apenas dois anos depois os Republicanos tiveram sua reestreia, que foi ganhando gás, estado após estado, e assim persistiu pelas duas décadas seguintes. Na eleição de 1944, 26 estados e 70% da população do país elegeram governadores Republicanos. Em estados como Califórnia, Michigan e New York, Republicanos New-Deal-izados pela primeira vez chegaram ao governo, capitalizando elementos da reforma do New Deal, ao mesmo tempo em que criticavam furiosamente a política de classe do mesmo New Deal.

Harold Stassen de Minnesota e Earl Warren ambos conseguiram ser eleitos defendendo resolutamente as virtudes da "livre" negociação coletiva, para minimizar o envolvimento coercitivo e desequilibrador dos governos, nas relações de trabalho. Warren opôs-se firmemente a leis antissindicais de direito ao trabalho, e até convenceu empresas fabricantes de aviões do sul da Califórnia e furiosamente conservadoras a retirar o apoio que estavam dando a um projeto de lei, de 1944, que proibia as closed shop, argumentando que esses ataques só faziam energizar o movimento operário.

George Romney, que denunciou Walter Reuther como "o homem mais perigoso em Detroit" durante a onda de greves 1945-46, também lutou para manter um sindicalismo aceitável para a comunidade empresarial, desconfiada depois de décadas de conflito no chão de fábrica. Como presidente da American Motors, lutou para tornar rotineira a livre negociação, e pregava que se limitasse a 10 mil o número de membros por sindicato. Esses esforços contribuíram para que os sindicatos acabassem cercados, como num gueto, naquele regime de relações trabalhistas privadas que reafirmava o tremendo poder de classe do capital sobre os trabalhadores.

A luta contra a militância favorável ao trabalho, nas indústrias, levou Republicanos New Deal-izados a forjar alianças com os segmentos mais elitizados da classe trabalhadora nos EUA. Enquanto o chão de fábrica de corporações gigantescas como a General Motors tornava-se ninho para a "cultura da unidade" proletária dos sindicatos reunidos no Congress of Industrial Organizations (CIO), os sindicatos reunidos na American Federation of Labor (AFL) da economia socialmente homogênea de trabalhadores especializados, brancos e do sexo masculino, representavam um mundo muito menos interessado no potencial igualitarista do New Deal.

A ravina cultural e ideológica que separava a massa de trabalhadores não especializados e diversos, e a "aristocracia do trabalho" dos tipicamente "velha guarda", do sexo masculino e nascidos nos EUA, criava um eleitorado ansioso para preservar seu lugar privilegiado num mercado de trabalho altamente estratificado e ansioso por mais e mais alianças. (O fato de os sindicatos ligados à AFL, caminhoneiros e empregados da construção civil, dentre outras categorias, tenham crescido duas vezes mais depressa que os sindicatos ligados ao CIO entre 1937 e 1945 só tornou mais atrativos os sindicatos organizados por categoria.)

Republicanos New Deal-izados viram nos sindicatos organizados por categoria uma classe trabalhadora fracionada, capaz de neutralizar a influência do CIO, de tendência esquerdizante; e de dividir a base laboral da tão alardeada coalizão do New Deal. Assim, o governador da California durante a guerra Earl Warren contava, como importantes aliados, com os Teamsters (então engajados numa feroz disputa por jurisdição contra o [sindicato] International Longshore and Warehouse Union ligado aos comunistas). Em Minnesota, o governador Harold Stassen e os Republicanos que o seguiram nos anos 1940s e ’50s indicaram sindicalistas de sindicatos de categorias para administrar a burocracia de mediação do trabalho estabelecida para paralisar o poderoso sindicato local dos Teamsters, liderado por trotskistas.

A posição dos Republicanos New-Deal-izados sobre discriminação no trabalho, a principal questão de direitos civis naquele momento, também cresceu a partir de um esforço para conter ou esterilizar qualquer oposição. Contra ativistas sindicalizados a favor de direitos civis, que reivindicavam a criação de uma agência institucionalmente forte, nos moldes da [comissão] National Labor Relations Board, competente para fazer frente à discriminação racial sistemática, os Republicanos aprovaram comissões fracas, sem poder algum, apenas 'investigativas' e para educação pública, e deixaram os serviços de processar e condenar para cortes judiciais, que avaliariam os confrontos, caso a caso.

Em New York, Thomas Dewey hasteou a bandeira do Partido de Lincoln sob intensa pressão da Frente Popular Negra da Cidade de New York [New York City’s Black Popular Front] e implantou no estado uma Comissão para Práticas de Emprego Justo [Fair Employment Practices Commission (FEPC)], que se basearia no que o sociólogo Anthony Chen descreve como "modelo de regulação social individualizado e indiferente à cor". Em Michigan, no final dos anos 1940 e início dos 1950, um bloco minoritário de Republicanos liberais, na luta para ultrapassar os rivais conservadores, construiu alianças cautelosas e frágeis com Democratas trabalhistas liberais, próximos da União dos Trabalhadores na Indústria Automobilística [United Auto Workers] para tentar aprovar (sem sucesso) a legislação da Comissão para Práticas de Emprego Justo.

Mais recentemente, nos anos 1960, George Romney foi presidente da primeira Comissão para Práticas de Emprego Justo estadual, mas, como no modelo que Dewey apoiara, lhe faltavam poderes efetivamente capacitantes; a Comissão sofreu de falta crônica de funcionários e de fundos, e os trabalhadores relatavam que preencher uma queixa gerava mais problemas do que ajudava a solucionar.

O governador Earl Warren também jogou com os direitos civis, mas mais como meio para esvaziar o que ele via como subversão "comunista" entre as minorias raciais. Na verdade, a mais bem conhecida opinião de Warren para a Suprema Corte, em Brown v. Board of Education, que sancionou um processo hesitante, em etapas, para a de-segregação racial das escolas, emergiu, funcionalmente, como gesto simbólico não concebido para desmontar as hierarquias racistas da sociedade norte-americana.

Nos últimos anos da década de 1960, contudo, Republicanos New Deal-izados descobriram que sua versão de moderação acabara sem eleitores. O Movimento dos Direitos Civis tornara-se cada vez mais militante, a Guerra do Vietnã desacreditara o internacionalismo da política exterior bipartidária e grande parte do movimento trabalhista acabara presa no tipo de negociação coletiva muito estreitamente concebida pela qual os Republicanos liberais tanto lutaram. Assim se abriu uma via para uma direita Republicana armada com livre mercado obrigatório, nada de sindicatos e nada de governo que oferecesse alguma moderação ou acomodação.

A fracassada campanha de Barry Goldwater em 1964 e a eleição de Richard Nixon quatro anos depois puseram fim às aspirações presidenciais dos Republicanos Romney e Rockefeller – o que evidenciou a vulnerabilidade eleitoral da posição dos Republicanos New Deal-izados. O viés "lei e ordem" da campanha de Nixon, por exemplo, empurrou Rockefeller a ordenar que policiais do estado de New York abrissem fogo no pátio da prisão de Attica e a aprovar leis antidrogas draconianas. Enquanto isso, o esforço de Nixon para construir uma "Nova Maioria" com a classe trabalhadora tinha raízes profundas em estratégias muito anteriores, entre os Republicanos New Deal-izados, para fraturar a nascente coalizão do New Deal.

Mas a destruição provocada pela fuga de capitais continuou a devorar a economia política sindicalizada do Nordeste e Meio-oeste do país, desestabilizando a base eleitoral, não só do trabalhismo liberal dos Democratas, mas também de um Republicanismo liberal baseado numa détente política com a classe trabalhadora organizada. As oportunidades econômicas e políticas que o conservadorismo do "Cinturão do Sol" criou finalmente capacitaram o Partido Republicano a abandonar de vez qualquer apoio a impostos, taxas, regulações e relações trabalhistas de cunho industrial antigo, em meio às crises dos anos 1970.

As lições têm dois aspectos. Primeiro, mesmo quando enfrentaram o novo consenso por trás da reforma social patrocinada pelo estado, os Republicanos New Deal-izados propuseram-se muito precisamente a restringir aquelas forças – um amálgama poderoso de classe trabalhadora e ativismo pró-direitos civis – que haviam sido empoderadas pelas políticas e ideologias igualitárias do New Deal.

Em segundo lugar, e mais importante: se há algo a considerar com nostalgia na política de meados do século, não é alguma ausência, ou alguma falta que façam Republicanos cujo conservadorismo foi temperado com mínimas pitadas de racionalidade e compaixão. É o fato notável de que a classe operária, quando organizada, tem o poder de remodelar até os setores mais reacionários da política americana.

23 de janeiro de 2014

O que aconteceu com os verdes alemães?

Joachim Jachnow

New Left Review


Em 24 de março de 1999 caíram as primeiras bombas sobre as centrais elétricas e de abastecimento de água de Belgrado, deitando abaixo a eletricidade da cidade e destruindo as infra-estruturas vitais, fábricas, ferrovias, pontes. [1] A Luftwaffe alemã estava de volta aos Bálcãs, quase 58 anos depois do último bombardeamento da capital jugoslava em 1941, os seus ataques estranhamente repetindo a infame estratégia do general Lohr de destruir os centros administrativos e logísticos de uma cidade já aberta, descrita agora no jargão da NATO, como alvos de "duplo objetivo". O ressurgimento militar alemão dificilmente poderia ter sido anunciado de forma mais tonitruante. A sua força aérea fez perto de quinhentos ataques no âmbito da Operação das Forças Aliadas contra o que restava da Jugoslávia já esgotada pela decomposição da economia, pela intervenção ocidental e pelo nacionalismo étnico – muitas vezes promovido externamente com a diplomacia austro-alemã na dianteira. O bombardeamento da NATO não só deixou civis mortos, incendiou hospitais e deixou escolas em ruínas, mas também serviu para fazer escalar a tragédia que, alegadamente, era suposto prevenir, lançando achas para a fogueira, intensificando os crimes da guerra civil e provocando a fuga em massa dos civis. O dirigente do Partido Verde Joschka Fischer tinha tido razão quando em 1994 declarou que o envolvimento das forças da Alemanha em países "onde as tropas de Hitler tinham entrado durante a Segunda Guerra" só iria atiçar as chamas do conflito. [2]

Os compromissos deste Manifesto foram abandonados poucos meses depois, quando os Verdes com uns meros 6.7 de votação nas eleições de setembro de 1998 assinaram um acordo de coligação com o SPD de Schröder que dava lugar de destaque à NATO. O próprio Fischer tinha sido referenciado nos planos da administração Clinton para a Jugoslávia mesmo antes de ser indicado para o ministério, durante uma viagem a Washington com Schröder e Lafontaine. [3] Como em cada passo da carreira de Fischer, a auto-promoção foi vendida como uma dolorosa realização de verdades mais elevadas cuja aceitação não significava trair, antes cumprir mais perfeitamente os ideais para uma melhor sociedade. Os órgãos de comunicação social alemães quase unanimemente promoveram a linha de Schröder-Fischer de intervenção militar, apoiada por intelectuais como Gunter Grass e Jurgen Habermas; críticos como Peter Handke foram anatemizados como amigos dos criminosos de guerra sérvios. Contudo, uma grande parte da população alemã estava relutante em desculpar o uso de armas em nome dos "direitos humanos" que incluía largamente a base eleitoral do Verdes; a resistência cresceu rapidamente. Os Verdes antiguerra exigiam que o partido convocasse um congresso extraordinário por altura dos bombardeamentos da NATO com uma presença massiva de polícias para "proteger" a reunião dos membros de base. Por um breve momento parecia que os Verdes se podiam partir e o governo cair. Superando mesmo a retórica de Blair, Fischer disse ao Congresso que a repressão sérvia dos Kosovares seria "outra Auschwitz"; quem se opusesse à intervenção da NATO seria pois responsável por um segundo holocausto. No fim do dramático, por vezes violento encontro, a resolução de compromisso do comité federal, efetivamente um arranjo que deu carta branca aos ministros Verdes, ganhou com 444 votos contra 318. Assim, o regresso dos militares alemães à guerra ofensiva, explicitamente proibido pela Constituição devido aos crimes de guerra nazi, foi legitimado através da exploração moral dos mesmos. Depois de o partido ter renunciado a esta pedra fundacional da política dos Verdes, tudo o resto estava à venda. No período imediatamente a seguir à guerra da Jugoslávia, cerca de um terço dos membros saíram e foram substituídos por novas admissões mais aptas a serem influenciadas pelas orientações da liderança. Antes defensores do Estado de bem-estar e proponentes da redistribuição econômica, os Verdes tornaram-se entusiásticos apoiantes da Agenda 2010 neoliberal de Schroder, que levou a um tremendo saque dos ativos públicos, da segurança social e dos fundos de pensões, ao mesmo tempo que continha salários e concedia cortes nos impostos às empresas em biliões de euros, ou seja, uma redistribuição da riqueza dos pobres para os ricos. Ainda mais surpreendente foi a total rendição dos Verdes à indústria nuclear alemã; a luta pela retirada faseada das fábricas nucleares tinha sido a questão central do partido, sobrevivendo como as promessas eleitorais sine qua non dos Verdes ao longo de muitos anos de compromissos parlamentares. Agora que os Verdes estavam no governo, reatores em fim de vida recebiam um aumento de vida de pelo menos mais dez anos, enquanto perigosos depósitos de lixo nuclear e uma garantia de dívida para toda a indústria eram empurrados pelo Ministro do Ambiente Jürgen Trittin que ficava indiferente à criminalização das manifestações contra o nuclear no governo de Schröder-Fischer. Num registo semelhante, os Verdes aprovavam novas leis de segurança, restrições aos direitos civis, discriminação contra os estrangeiros e militarização da polícia, fazendo com que a legislação de emergência de 1968 que tinha então provocado tanta controvérsia, parecesse quase trivial a posteriori. Foi a consubstanciação por parte do SPD e do seu parceiro Verde de forçar através de projetos legislativos, que eles próprios tinham obstaculizado com sucesso durante os longos anos de oposição na era Kohl. [4]

Fatos cinzentos

Mas será que esta conversão política de um partido antes dissidente é assim tão inesperada? O fenômeno do volte face dos Verdes é geralmente apresentado na mídia alemã como os últimos passos num lento movimento em dircção à maturidade e não uma perversão: os hippies de cabelos compridos de Birkenstock finalmente se desfaziam das suas fantasias utópicas de modo a tornarem-se maduros homens de estado nos seus ternos cinzentos, ombreando de boa vontade o peso da responsabilidade. Muito do coro dos representantes da mídia celebrava de forma narcísica a sua própria "maturidade" na medida em que eles próprios tinham feito parte dos mesmos movimentos. Os elogios ao novo modelo dos Verdes refletiam o grau de reconciliação das camadas dissidentes da sociedade alemã pós 68 com as condições dominantes; os adeptos dos órgãos de comunicação social eram muitas vezes antigos camaradas que tinham eles próprios passado por transformações impressionantes. Thomas Schmid é um caso paradigmático, um grande amigo de Fischer e de Cohn-Bendit no estreito meio da Frankfurt dos anos 70, compartilhando uma atitude compreensiva em relação à Fracção do Exército Vermelho, convertido num proponente da "política pragmática" em 1983 e agora editor-chefe do Die Welt, a publicação que, juntamente com o Bildzeitung, personificava o espírito de Adenauer por excelência, com a sua direção editorial enfeitada com antigos nazistas. Mais significativamente, órgãos da imprensa alternativa tais como jornais diários de Berlin há já muito haviam assumido um papel de "estadistas" permitindo o mínimo necessário de pensamento não conformista, de modo a tornar o pensamento único mais fácil de engolir.

He who pays/ plays the piper...? É uma expressão que reflete uma crítica corrente da esquerda e alguns Verdes que recentemente se retiraram e que se prostituíram desavergonhadamente aos seus antigos inimigos nas indústrias nuclear e farmacêutica a preços que, anteriores políticos recebendo subornos comparativamente modestos dos barões da indústria como Flick, nem sequer sonharam. [5] Pode-se certamente argumentar que alguns dos que se agruparam em torno de Fischer e de Cohn-Bendit, que tinham exigido políticas reformistas e participação no governo desde o princípio dos anos 80, ambicionavam agarrar o partido como um veículo das suas ambições pessoais com vista às manjedouras douradas do parlamentarismo, agora que entravam na meia-idade e estavam ultrapassados os seus sonhos de mudança revolucionária. Christian Schmidt, um jornalista freelancer na esquerda não-alinhada, activo no exíguo movimento dos anos 80, fornece um detalhado para não dizer repugnante relato dos Spontis de Frankfurt e do seu papel no Partido Verdes durante os anos 80 e 90 em "Wir sind die Wahnsinnigen" (Nós somos os Loucos) de 1998. Mais recentemente, Jutta Ditfurth, uma figura central no partido nos anos 80 que foi expulsa do comité federal pelos roaders parlamentares em 1989, publicou um ataque violento ad hominem. (6)

Contudo seria demasiado fácil atribuir exclusivamente a culpa a uma clique chauvinista entre os minoritários de Frankfurt cujos membros provaram ser eminentemente corruptíveis, ou sugerir que os dirigentes Realos tinham tido sempre a intenção de levar o partido para a direita. Isso seria confundir um sintoma com uma causa. O surgimento de um certo tipo de personalidade dentro do aparelho do partido é um fenómeno generalizado com o qual a esquerda se tem confrontado durante muito tempo. Significaria também ignorar a cooptação mais vasta dos movimentos sociais, da segunda vaga do feminismo até ao ambientalismo, dentro dos quais ocorreu a deformação dos Verdes; a capacidade do capitalismo contemporâneo de absorver os aspectos vitais das análises críticas dos novos movimentos sociais de modo a rejuvenescer os seus próprios processos de reprodução foi explorada por Luc Boltanski, Eve Chiapello e Nancy Fraser, entre outros. (7)

No extremo oposto a Schmidt e Ditfurth, "Die Grünen: Verstaatlichung einer Partei" ('Os Verdes: Estatização de um Partido') 1998 de Paul Tiefenbach, oferece um relato sociológico mais complexo inspirado na "Lei de Ferro da Oligarquia", que sugere que os partidos inevitavelmente se adaptarão e serão absorvidos pelo sistema político estatal existente. (8) Mas este funcionalismo fatalista serve para desvalorizar não só as verdadeiras lutas e escolhas que determinaram a trajectória do partido, mas também as especificidades dos desenvolvimentos políticos e económicos alemães e internacionais que ajudaram a dar forma ao seu curso ao longo das últimas três décadas. Um relato mais satisfatório precisaria de examinar a interacção dos factores subjectivo e objectivo. A experiência dos Verdes alemães é particularmente instrutiva como exemplo raro de projecto de construção de um partido que tentou destilar muito do pensamento associado aos movimentos anti-nuclear, ecológico e feminista e cujos protagonistas anteciparam o perigo da incorporação e procuraram muito conscienciosamente implementar contra medidas; o seu falhanço levanta a questão de que estratégias devem ser adoptadas para políticas emancipatórias no futuro. (9) Mas, tal como Gramsci uma vez disse, a história de um partido é a história de uma nação em forma de monografia. As últimas décadas trouxeram não só a reunificação da Alemanha mas o seu ressurgimento como a potência dominante na Europa. No que se tornou o Partido Verdes e que funções desempenha na nova Alemanha?

Movimento e partido

Os canteiros de onde brotou o Partido Verdes, nos negros anos de finais de 70 e princípios de 80 sob a chancelaria de chumbo de Helmut Schmidt, foram os grupos de acção de cidadãos –Bürgerinitiativen – mobilizados contra o programa intensificado de energia nuclear do SPD e contra a poluição industrial e as chuvas ácidas que estavam a matar rios e florestas. Ecologistas, feministas, estudantes e redes contra cultura juntaram-se a agricultores e donas de casa em protestos de massas que pararam locais onde iam ser construídas fábricas nucleares em Wyhl (Baden-Württemberg), Grohnde (Baixa Saxónia) e Brokdorf (Schleswig-Holstein).A crítica à política industrial apoiada por todos os três partidos do sistema foi o ponto de partida decisivo para este movimento heterogéneo que recebia o seu ímpeto não só do desassossego civil de 68 e dos anos seguintes, mas também de camadas mais conservadoras igualmente alienadas com a moderna sociedade capitalista e com o seu Estado que supostamente defendiam formas tradicionais de vida contra a "grande máquina". Foi um passo natural para estes grupos construírem listas alternativas "verdes" contra os partidos que governavam nas eleições locais, mas a maioria opunha-se, por uma questão cultural e não por razões teóricas profundas, a qualquer forma de centralização política. Uma primeira tentativa de ecologistas conservadores em torno do primeiro deputado Herbert Gruhl da CDU de unir as várias listas regionais verdes e grupos ambientalistas num único partido foi condenada ao fracasso porque era incompatível com a natureza anti autoritária e descentralizada dos grupos de acção local.

Concordaram, no entanto, em construir uma lista SPV – Die Grünen nas primeiras eleições para o Parlamento Europeu em Outubro de 1979, encabeçada por Petra Kelly, uma ambientalista de 32 anos a trabalhar na Comissão Europeia em Bruxelas. A lista teve 3.2 por cento de votos e uma boa subvenção para os custos da campanha dos Verdes. Foi um ponto de viragem. Rudolf Bahro, o eco-marxista dissidente da Alemanha Oriental recentemente chegado à Alemanha Ocidental depois de ter sido acusado na RDA, fez um apelo para uma nova política que fosse ao encontro do desafio existencial de uma catástrofe ambiental em que as necessidades das espécies se sobreporiam às de classe; apelou a uma aliança que se estendia de Herbert Gruhl a Rudi Dutschke. Em duas conferências tempestuosas em 1980, mil delegados das campanhas locais assim como mais várias centenas de grupos de esquerda, feministas e contra cultura, concordaram em constituir aquilo que Petra Kelly descreveria como um "partido contra-partido". Os conservadores de Gruhl e o agrupamento racista völkisch "sangue e terra" dirigido por Baldur Springmann lutaram ferozmente para barrar as organizações de extrema esquerda e maoistas mas foram derrotados pela maioria, que rejeitou por princípio qualquer forma de censura ou exclusão política. Muito conscientes do perigo da cooptação parlamentar, os Verdes montaram salvaguardas radicais contra ela: os membros eleitos para as assembleias estaduais ou federais deveriam demitir-se a meio do seu mandato para serem substituídos pelo seguinte membro Verde na lista, contra as normas da Constituição alemã da "liberdade" dos representantes eleitos de responderem pela sua consciência e não pelo programa do partido. Os deputados verdes deveriam ser mandatados pelas conferências do partido. Uma forte presença feminista assegurava rigorosa igualdade de género: 50 por cento dos lugaress partidários seriam ocupados por mulheres; os nomes de homens e de mulheres alternariam nas listas eleitorais (o princípio do "fecho de correr"). Um comité federal com uma liderança de três pessoas era eleito directamente pela conferência anual. Ser membro formal não era condição de participação: todas as reuniões e votações do partido eram abertas ao público.

O aumento de membros do partido foi enorme, passando de 16 mil na Primavera de 1980 para mais de 30 mil quatro anos mais tarde. Enquanto os Verdes mais conservadores se conservavam fortes nas terras do sul, sobretudo em Baden-Württemberg, nas cidades do Norte – Hamburg, Bremen, Frankfurt, Berlim Ocidental – a esquerda radical em breve se tornou hegemónica. Aqui, numerosos agrupamentos heterodoxos de esquerda, juntamente com os maoistas doutrinários do KBW (Kommunistischsr Bund Westdeutschland) e os Spontis de Frankfurt associados a Fischer e a Cohn-Bendit agruparam-se para se juntar ao projecto de construção do partido. De facto, para grande parte da esquerda alemã, os Verdes tornaram-se uma espécie de último refúgio. Desde que os comunistas tinham perdido o seu poiso no Bundestag em 1953 e desde então proibidos pelo Tribunal Constitucional, todas as tentativas para lançar um partido à esquerda do SPD tinham falhado. A repressão do Estado contra os dissidentes esquerdistas, claramente renovada no início dos anos 70 pelo Radikalenerlaß (promulgação do extremismo) e o Berufsverbot (interdição de trabalho) de Willy Brandt tornou ainda mais difícil construir uma nova formação. No outro lado da fronteira da Guerra Fria, um socialismo real burocrático e ditatorial provocava mais divisões dentro da esquerda alemã ocidental, indo da aprovação doutrinária à virulenta reprovação. Contudo, a extrema-esquerda enquanto tal, nunca predominou no partido, especialmente porque importantes partes dos membros e do núcleo duro do eleitorado dos Verdes apoiava essencialmente posições liberais em questões sociopolíticas ou tinha uma compreensão mais conservadora do ambientalismo. Nem os novos aderentes de esquerda foram capazes de desenhar uma moldura teórica comum para os Verdes.

No fim, o seu triunfo pode ter sido uma vitória de Pirro. Enquanto a junção de tantas correntes debaixo do chapéu Verde parecia a princípio ter unificado a esquerda estilhaçada da Alemanha Ocidental, contribuiu depois para a divisão e cooptação desses elementos. Muitos dos primeiros sectários, especialmente do KBW, passaram por rápidas conversões políticas, surgindo em meados dos anos 80 como eco libertários do mercado livre. (10) Há aqui óbvios paralelos com os nouveaux philosophes franceses de finais dos anos 70 ou com os ex esquerdistas neo conservadores nos EUA em muito menor número. Mas embora dificilmente se trate de um fenómeno novo na história, a forma como estas renegações colectivas acontecem tem algo a ver com os resultados. A literatura sobre ciência política geralmente falha em discutir esta conversão, preferindo repetir o mito que representa os Verdes como um surgimento de sucesso dos novos movimentos sociais que ajudaram a modernizar a sociedade alemã quebrando as suas "estruturas incrustadas". Contudo, o Partido Verdes foi, em boa medida, uma resposta ao declínio dos movimentos sociais: trouxe o legado da derrota e dos desvios frustrados – o sectarismo, o imediatismo, a "luta armada" que culminou no Outono Alemão de 1977, ou simplesmente a apatia – que esse fracasso tinha precipitado. Não representou o triunfo de uma geração sobre a ordem estabelecida, mas sim a obstrução das primeiras lutas emancipatórias.

As contradições inerentes dos Verdes também podiam ser vistas como sintomáticas da cultura política e intelectual pós moderna em que o partido se desenvolveu. Este eclectismo não reflectia apenas as origens dos Verdes como um "lugar de encontro" – Sammelbecken para citar os seus dirigentes – de diversas tendências políticas que queriam assegurar a entrada no parlamento. Todas as tentativas para forjar uma perspectiva teórica coerente destas correntes mostraram ser impossíveis devido às suas antinomias ideológicas; eco-libertários abraçando um individualismo hedonista ou as formas instintivas de imitação do socialismo dos ecologistas radicais eram, no fim de contas, expressões da falta de uma maior narrativa. O seu lugar estava cheio da ameaça percepcionada de uma natureza e humanidade em perigo, suficientemente abstracta para ser inclusiva; a prioridade era limpar a confusão que a modernidade tinha criado sem desenvolver um novo horizonte emancipatório. Esse minimalismo combinado com a máxima abertura aos diferentes olhares sobre o mundo era a condição da própria existência do partido já que era a única maneira de integrar os restos heterogéneos dos ecologistas, esquerdistas, pacifistas, conservantistas, antroposofistas, agricultores orgânicos ou cristãos. Tal como Bahro, Petra Kelly encontraria virtualidades nesta incoerência:

A variedade de correntes enriquece o nosso partido, mesmo na falta de um consenso comum na análise da sociedade. Não quero excluir comunistas ou conservadores e não tenho de o fazer. As correntes aprendem umas com as outras, Não há destruição mútua mas sim uma convergência de pontos de vista. É nisto que o nosso movimento é novo. (11)

Uma maioria partilhava a fervorosa crença de que "algo tem de ser feito" quanto à crise ambiental, mas as soluções propostas eram incompatíveis. (12) De igual modo, o compromisso do governo do SPD no início dos anos 80 para instalar mísseis nucleares Pershing II em território alemão, sob comando da NATO, i.e. dos Estados Unidos, mobilizou mais de um milhão de pessoas contra a intensificação da Guerra Fria. No entanto, embora os Verdes estivessem de acordo na sua oposição às armas nucleares e à energia nuclear "civil", nunca houve um consenso mais vasto sobre as causas mais profundas subjacentes a estes sintomas. O resultado final foi uma "estratégia adicional", um processo de acomodação que numa etapa resultou num programa de 500 páginas para os Verdes do Reno Norte – Vestefália.

A dialética do sucesso parcial

Nas eleições federais de 1983 no começo do reinado de 16 anos de Helmut Kohl como Chanceler alemão, os Verdes derrubaram a barreira dos 5% com dois milhões de votos, ganhando 27 lugares no Bundestag então dominado pela CDU; já tinham entrado nas assembleias rurais e das cidades-estado. (13) Os sucessos eleitorais trouxeram novas tensões: a necessidade de preencher postos e lugares com pessoal ameaçava dominar o grupo de membros que, segundo os padrões alemães era diminuto em comparação com o eleitorado dos Verdes. (14) Apesar dos princípios da rotatividade a meio do mandato, respeitados por quase todos os Verdes com excepção de Kelly, e dos mandatos do partido, uma fracção parlamentar do Bundestag, com pessoal a tempo inteiro dez vezes o tamanho da sede do partido, começava agora a cristalizar-se contra o comité federal mais radical, enquanto também se abriam diferenças sobre táctica de "coligação" ou de "tolerância" em relação ao SPD nas assembleias rurais e citadinas. Estas divisões coincidiram com a formação de quatro agrupamentos dentro do partido, frequentemente separados uns dos outros apenas por nuances tácticas, sobretudo relacionadas com o SPD.

A maior, embora mais mal definida destas tendências, era a dos ecologistas radicais, apelidados "fundamentalistas" ou Fundis pelos seus adversários do partido e também pelos aliados destes últimos na imprensa. Os ecologistas radicais dominaram grandemente o comité federal até 1988, com Jutta Ditfurth como sua dirigente mais conhecida. Agarravam-se à ideia de uma nova política ambiental como meio de uma mudança sistémica total, levando ao fim da sociedade militar-industrial e do seu Estado. Nesta perspectiva, o Bundestag era apenas uma arena que permitiria aos activistas dos movimentos sociais atingir um público muito mais vasto, com uma vaga ideia de criar uma crise geral no sistema político; por isso, opunham-se, por princípio, em entrar em governos de coligação com o SPD. Sob a sua direcção, os primeiros congressos Verdes estabeleceram condições impossíveis de alcançar para negociações de coligação: o encerramento imediato de todas as fábricas nucleares, fim dos mísseis nucleares da NATO em território alemão, etc.

Os eco socialistas concentrados sobretudo nas cidades do norte eram uma força menor mas a sua contribuição intelectual era mais substancial. Os debates teóricos no jornal eco-socialista Moderne Zeiten (Tempos Modernos) edição em Hanover, analisavam o desastre ecológico como resultado das forças destrutivas, quer "civis" quer militares, do modo de produção capitalista. (15) No seu O Futuro dos Verdes de 1984, Thomas Ebermann e Rainer Trampert previam uma aliança da classe trabalhadora e dos movimentos sociais, argumentando que os processos de produção não podiam ser transformados sem a agência dos trabalhadores. Embora hostis ao aparelho de Estado e a qualquer projecto reformista, estavam preparados para ver a política parlamentar como forma de se alcançar certos projectos de lei e obstruir outros; assim, a ideia de "tolerar" um governo SPD minoritário, apoiando-o ou opondo-se-lhe, caso a caso, era largamente discutido nestes círculos.

Em contraste, os reformistas como Fischer, Cohn-Bendit e Hubert Kleinert chamados de "realistas" ou "Realos" por uma imprensa favorável, viam os Verdes como um parceiro minoritário de coligação com o SPD e estavam preparados para fazer compromissos drásticos de modo a entrarem no governo e implementarem "pequenas mudanças para melhor". Não em vão foram apelidados de "Koalos" pelos seus opositores ecologistas radicais que os viam como tentando social democratizar os Verdes. A sua base situava-se em Hesse e no "Realo Sul" Baviera e Baden-Württemberg. Nos seus contributos para o debate interno, os Realos argumentavam que a mudança do governo federal ocorrida em 1982, com a troca dos decisores do FDP do SPD para a CDU, abria a possibilidade de uma coligação Vermelha-Verde como uma "nova esperança"; criticando a posição da maioria ecologista radical de "oposição fundamental ao sistema", exigiam "uma política de reforma ecológica". (16) Como Kleinert explicava à revista Stern em 1988, isto obrigava a "uma mistura de políticas reguladoras mediadas pelo Estado e também uma economia ecológica com elementos de mercado". Fischer era ainda mais claro no seu livro Der Umbau der Industriegesellschaft (A Reconstrução da Sociedade Industrial) de 1989: "a reforma ecológica do sistema industrial será determinada pelo modo económico existente do capitalismo ocidental"; as forças do mercado eram um meio melhor de reconfigurar a economia e o ambiente do que a intervenção política. (17) Nisto, as ideias de Fischer vinham alinhar-se com as da quarta tendência, os eco libertários. Inicialmente, uma pequena minoria de indivíduos bem relacionados, estes Verdes do mercado livre viriam exercer uma influência crescente no partido através da sua aliança com os Realos.

Momento decisivo

As diferenças relativamente à política de coligação foram temporariamente remendadas por um acordo da conferência de 1984 que dizia que estas deviam ser decididas a nível local. Mas elas irromperam de novo em 1985 quando os Verdes de Hesse entraram num governo rural (Land) com o SPD, apesar das claramente boas relações deste com as "sujas" companhias farmacêuticas e nucleares. Com Fischer a presidir como o primeiro ministro de estado verde para o ambiente, o partido começou a quebrar virtualmente todas as promessas que alguma vez tinha feito, inclusive permitir que as fábricas nucleares continuassem a toda a força depois da explosão de Chernobyl, literalmente contra a posição oficial dos Verdes, até que Fischer foi finalmente despedido por Holger Börner do SPD. Este rotundo falhanço levou a furiosas denúncias na conferência dos Verdes e Jutta Ditfurth , a principal crítica de Fischer foi reeleita para o comité federal com uma maioria de dois terços. Nas eleições federais de 1987, os Verdes tiveram 8,3% , com três milhões de votos. Formavam agora um bloco de 42 parlamentares no Bundestag com direitos alargados a pessoal a tempo inteiro e fundos para investigação.

Mas o peso conjunto dos parlamentares estava agora a virar-se contra os radicais, ajudados pelas maiorias estruturais a favor do reformismo e da construção de coligações entre as Bürgerinitiativen de base comunitária e a base eleitoral dos Verdes. Recebiam apoio externo da instituição política e dos seus aliados nos media, apreensivos com a perspectiva de "instabilidade" e de políticas anti-NATO no Bundestag, num momento em que Gorbachev apostava num novo acordo para a Europa. Internamente, discussões ferozes por causa de um Manifesto das Mães que atacava as feministas Verdes por inadvertidamente privilegiarem mulheres sem filhos, serviam para confundir e desmoralizar os ecologistas radicais e a esquerda. Uma nova facção Grüner Aufbruch (Levantamento Verde), dirigida pelo membro do Bundestag Antje Vollmer e pelo ex parlamentar de Bremen do KBW Ralf Fücks, que declarava querer pôr um fim às infinitas querelas internas entre Realos e Fundis, reuniu em 1988 a conferência de Karlsruhe para purgar Ditfurth e os ecologistas radicais do comité federal e instalar os Realos e eles próprios no poder. A conferência também viu a emergência do Forum da Esquerda (Linkes Forum) formado por Ludger Volmer e outros: outra facção "realista" que se via como "não dogmática" e apostava na participação no governo. Ocorreu um azedo contra-ataque mas os radicais e os eco socialistas tinham sido definitivamente postos de lado.

Os Verdes ainda andavam às voltas por causa da sangria interna que se seguiu a estes conflitos quando o Muro de Berlim foi derrubado no Outono de 1989. Tornou-se evidente a extensão do partido e do seu eleitorado na cultura política da Alemanha Ocidental com a implosão do socialismo real no Leste. Os Verdes reagiram com perplexidade à perspectiva de unificação andando atrás dos desenvolvimentos moldados por outros. O partido estava dividido entre a indiferença e a paralisia. A esquerda enfraquecida expressou as suas profundas preocupações acerca das prováveis consequências da anexação económica para o povo da RDA e o empurrão expansionista de uma nova Grande Alemanha e assim opôs-se ao movimento pela unificação. Embora os Verdes Ocidentais fossem praticamente a única formação política da RFA a ter tido algum contacto directo com um segmento da oposição da Alemanha de leste, o domínio dos Realos da fracção do Bundestag tornou impossível usar isso para articular alternativas de ambos os lados do muro caído. O Partido Verde Oriental tinha saído do movimento ambientalista dissidente na RDA; tinha-se posicionado como uma oposição interna à emulação do regime do crescimento industrial do ocidente e tinha sempre lutado pela ideia de direitos civis colectivos e não apenas individuais. Diferia assim de forma bastante profunda dos três grupos liberais de direitos civis que chegaram em 1990 com apoio do Ocidente, para formar a aliança eleitoral de Bündnis 90. (18) A liderança Realo exercia agora o seu poder para dar apoio unilateral, dinheiro e equipamento a Bündnis 90 nas eleições para a Câmara Popular (Volkskammer) em Março de 1990, enquanto abandonava os Verdes Orientais. Foi neste contexto de retrocesso social e político, com a colonização da economia e da vida do Leste pelo Ocidente no meio da crescente violência racista e ainda com a marginalização de quaisquer políticas alternativas quer no Oriente quer no Ocidente, que muitos dos ecosocialistas, Ebermann, Trampert e outros, finalmente deixaram o partido na primavera de 1990, denunciando a sua conversão num pilar do regime.

Contra fatos

As coisas podiam ter sido de outra maneira? As crises ambientais dos anos 70 e 80 provavelmente ofereceram uma oportunidade maior para uma crítica renovada do capitalismo industrial que colocaria em primeiro plano o desastre ecológico como uma consequência necessária das forças destrutivas, " civis" e militares, desse modo de produção. As tentativas corajosas dos eco-socialistas de chegarem a uma compreensão mais profunda da ameaça letal que se coloca aos recursos limitados do mundo natural, permaneceram embrionárias. Contudo, um ambientalismo nascente dava a oportunidade de reconstituir a classe trabalhadora como um sujeito político, uma genuína colectividade do trabalho, quer na prática quer na teoria. Longe de serem preocupações "pós-materiais", o medo da poluição, da radio actividade e outros perigos da sociedade industrial juntavam trabalhadores da indústria química com assalariados da classe média. Uma coisa é certa, a maior parte da classe trabalhadora continuava a ser a favor da expansão industrial, como condição da sua própria prosperidade. Mas a crise do fordismo tornava um número crescente de trabalhadores, geralmente aqueles que eram mais especializados, mais propensos às exigências ambientais. No entanto, as correntes de esquerda dentro dos Verdes eram incapazes de desenvolver uma estratégia consistente a longo prazo, destinada a integrar a classe assalariada numa concepção renovada de eco-socialismo.

Os ecologistas radicais, mesmo fazendo uso de uma fraseologia socialista, mostravam pouco interesse numa teorização mais profunda; com efeito, mostravam frequentemente até uma profunda aversão a tal. A sua prioridade era o activismo instintivo dos movimentos sociais, por cujo sustento lutavam, mesmo quando começavam a cair em declínio. Os seus esforços não eram sem sucesso; usavam o Bundestag para elevar a consciência do público para as piores formas de poluição industrial, reforçavam a aliança contra a construção de novas fábricas nucleares e desmascaravam o sujo rosto do lóbi industrial do regime político. Mas sem alianças mais profundas que fossem para além dos meios políticos dos Verdes, no futuro a sua estratégia estava destinada ao fracasso. As parcerias exitosas com o trabalho organizado eram por vezes formadas a nível local, mas nunca eram desenvolvidas pela direcção federal como parte de um plano coerente.

Nem os mecanismos com intenção de parar o surgimento de uma oligarquia partidária provaram afinal ser eficazes. Apesar da sua profunda consciência dos perigos da hierarquização e da ênfase na democracia participativa, desde o princípio que os Verdes dependiam das celebridades mediáticas. Os Realos sabiam bem como jogar essa carta, pois não só tinham redes de jornalistas simpatizantes, como eles próprios se podiam oferecer à comunicação social como figuras dinâmicas, bem colocadas para domesticar o conjunto do partido. Os princípios iniciais de rotatividade dos mandatos, emprestados da Comuna de Paris e do anarco sindicalismo espanhol mostraram ser ineficazes contra esta camada de personalidades sequiosas de poder. Desde uma fase inicial que o partido mostrou sintomas de uma vida dupla: enquanto as maiorias continuavam a votar uma agenda radical nas assembleias Verdes, a fracção parlamentar dominada por reformistas, ignorava-os tacitamente, até que finalmente o partido substituiu. Por detrás desta mudança estavam as tendências regressivas dos anos 80; as forças que se juntavam da reacção neoliberal no ocidente, a estagnação do capitalismo do bem-estar, a renovada Guerra Fria, a lenta implosão do bloco do Comecon. Uma grande parte do eleitorado Verde não só chegara à maioridade durante este período, como procurava encostar-se a um lugar para si próprio nas esferas superiores do emprego do estado, dos media, das indústrias dos serviços ou no sector de negócios "alternativo" ou "bio" em expansão. E assim ajudava a configurar o partido como um lóbi para esta camada da classe média bastante satisfeita consigo mesma.

O partido da guerra

Contudo, nas primeiras eleições federais da Alemanha reunificada em Dezembro de 1990, os Realos triunfantes viram a taça da vitória ser-lhes retirada dos lábios. Nas terras do ocidente (Western Länder) o Partido Verde teve apenas 4,8%, ficando abaixo do limiar mínimo; os seus 44 lugares e recursos federais foram apagados e os seus dirigentes máximos excluídos do Bundestag. Só os Verdes da Alemanha Oriental, agora num casamento forçado com os Bündnis 90 passaram a fasquia dos cinco por cento, com 6,1%. A resposta de Fischer foi culpar os elementos radicais residuais pela humilhação eleitoral. Na conferência dos Verdes de 1991 em Neumünster, os Realos começaram por limpar o partido: os princípios da democracia participativa foram abolidos, os papéis de liderança individual e a "profissionalização" abraçados. Ludger Volmer do Linkes Forum (Fórum da Esquerda) foi eleito porta-voz do partido e uma série de reformas extremamente modestas foi redigida como base para futuras coligações Vermelhas-Verdes. Esta conferência viu a partida dos ecologistas radicais em torno de Ditfurth do que viam como um partido "autoritário, dogmático e hierárquico". Em 1993, Fischer distribuiu um anteprojecto ideológico para a "esquerda depois do socialismo" que era tão ecléctico como intelectualmente árido. (19) A questão do liberal reformismo Verde, o "cidadão consumidor liberal urbano" definido pelo "estilo de vida individual" enquanto "protesta contra a energia nuclear" e tem empatia pelos" pobres e marginalizados", era agora muito útil. (20)

Com o entusiástico apoio aos novos Verdes "reformados" por parte da comunicação social, o partido recuperou a sua posição no Bundestag em 1994, com 7,3% dos votos e 49 lugares. A restante ala esquerda do partido, agora representada pelo Linkes Forum e seus co-pensadores no círculo Babelsberg, tinha ficado presa na dinâmica da Realpolitik, com propostas de reforma cada vez mais fracas como base para participação no governo, apesar de experiências menores nas Länder — Baixa Saxónia, Hesse, Norte do Reno – Vestefália, Berlim. Se o agrupamento do Linkes Forum–Babelsberg secou a neoliberalização do partido durante algum tempo, foi pelo preço do compromisso eterno com os Realos, cuja vitória final foi só adiada até ao momento da coligação federal Vermelha-Verde de 1998. No fim, a política externa foi o teste crucial, com o desmembramento da Jugoslávia a oferecer terreno fértil para o intervencionismo militar unilateral da Nova Ordem Mundial. Como acima foi dito, Cohn-Bendit e Fischer tinham estado a preparar o terreno para a remilitarização da Alemanha, embora mesmo eles considerassem essencial um mandato da ONU para qualquer operação da Luftwaffe. A grande mudança para o SPD em 1998 levou os Verdes ao poder como parceiros de coligação, embora a sua própria parte da votação tivesse caído para 6,7%. Poucos esperavam, contudo, que o novo governo acasalasse para a guerra de expansão da NATO na Jugoslávia, ou que dirigentes Verdes em breve andassemà volta do Pentágono nos seus apelos para uma invasão terrestre.

O Fórum da Esquerda (Linkes Forum) organizava agora a sua própria capitulação. Ludger Volmer, nesta altura secretário de Estado de Fischer, foi o mais proeminente desertor, rompendo as anteriores promessas, para se juntar pela "necessidade" da guerra. Ele e outros tornar-se-iam as cabeças da nova perspectiva. Privados de aliados poderosos no comité federal que desafiassem directamente os Realos, e com a comunicação social quase unanimemente a promover a linha Schröder–Fischer, os dissidentes que restavam foram facilmente derrotados. Alguns idealistas aguentaram-se até aos dias de hoje dentro do partido, sobretudo agrupados em torno da rede Grüne Emanzipatorische Linke (Esquerda Verde Emancipatória), mas a sua continuada presença fez mais para dar uma certa capa de "esquerda" à direcção do que para apresentar os seus próprios projectos. Outros voltaram aos movimentos sociais, envolveram-se em novas redes políticas tais como a ATTAC, ou juntaram-se ao PDS e, ao Die Linke, depois de 2007. (21)

Não deve ser subestimada a importância do papel de Fischer em trazer não apenas os Verdes mas uma muito maior camada dissidente da sociedade alemã pós-68, alinhada com os requisitos dos Aliados. O antes auto intitulado anti-imperialista estava bem posicionado para assegurar a um público incerto que a Luftwaffe não tinha outro propósito nos Balcãs do que impedir um alegado genocídio, ajudando assim uma Alemanha reunificada a preparar-se para as guerras do novo século. Mesmo o geralmente antiquado Frankfurter Allgemeine afirmaria que "sem Fischer e a sua biografia, esta guerra podia ter levado a uma emergência doméstica, uma emergência estilo guerra civil". "Se tivéssemos perdido apoio público na Alemanha, tê-lo-íamos perdido em toda a aliança", referia o porta-voz da NATO Jamie Shea, descrevendo Fischer como um exemplo de um líder político que não "corria atrás da opinião pública, antes sabia como moldá-la". (22) Os veteranos de 1968 e a invocação retórica do nazismo foram necessários para santificar o bombardeamento alemão de Belgrado.

Uma vez lançados, os Verdes provaram ser dos mais entusiastas adeptos da guerra no Bundestag. Enquanto o Partido Verde dos EUA se opunha resolutamente à decisão da administração Bush de avançar com a guerra no Afeganistão em 2001, Fischer fazia das tripas coração para assegurar que Schröder tivesse o apoio dos Verdes para enviar tropas alemãs. Tal como os Verdes americanos escreviam numa carta aberta:

A maior parte dos Verdes em todo o mundo reconhecem que esta é uma guerra pelo domínio do petróleo e político e não fará nada para proteger os cidadãos americanos ou outros povos do terrorismo. Joschka Fischer e os Verdes que estão a apoiar o governo alemão puseram o poder à frente dos princípios. A sua afirmação de que têm de participar no esforço de guerra de modo a torná-la mais humana, é obscena. Parecem estar a dizer que ao manterem-se no governo podem tornar "humanitárias" as bombas de fragmentação ou os revestimentos de urânio empobrecido "livres de produtos cancerígenos". É um disparate. (23)

A resposta de Fischer e Schröder foi uma tentativa grotesca de representar a oposição à guerra, análoga ao "unilateralismo alemão" da era nazi, isto é, à agressão militar. Numa carta conjunta aos deputados do Bundestag, eles afirmavam:

A alternativa à participação seria um unilateralismo alemão que vai contra a lição decisiva do nosso passado: ligações multilaterais sim, renacionalização não. Um "novo unilateralismo alemão", qualquer que fosse a sua justificação, causaria incompreensão e desconfiança entre os nossos parceiros e vizinhos. (24)

Em 2002, o expediente eleitoral provou ser mais significativo do que tais lições da história e Schröder optou por se opor ao apoio à invasão do Iraque. Mas esta postura, que foi boa para manter no poder a coligação SPD-Verdes, não deveu nada à influência de Fischer. Tal como ele próprio explicou, Schröder foi inteiramente responsável pela linha do governo. Os Verdes, o agora mais seguro atlanticista dos partidos alemães, sancionaram o envio das "nossas tropas", para citar Angelika Beer a porta-voz verde da Defesa, uma antiga maoista e co-fundadora do partido, para a "guerra do terror" sempre em expansão e da Marinha alemã para patrulhar a costa leste africana. Segundo uma sondagem de 2011, não há nenhum segmento da população alemã que apoie mais entusiasticamente o envolvimento militar do que o eleitorado verde. (25) Quando o governo de Merkel–Westerwelle decidiu não se juntar à guerra anglo-franco-americana à Líbia, os seus críticos mais ferozes encontraram-se no Partido verde; enquanto a força aérea da NATO despejava bombas de urânio empobrecido sobre Tripoli, o antes partido da paz condenava a "atitude irresponsável" dos que tinham deixado a Luftwaffe em terra. Ao que parece, apercebendo-se de que a analogia com Auschwitz começava a sofrer de desgaste, o deputado Tom Koenigs argumentou que a Alemanha devia juntar-se ao bombardeamento para compensar o facto de que tinha vendido muitas armas à ditadura criminosa de Kaddafi, tendo Schröder e Fischer levantado o embargo das armas.

Eco-comerciantes

O Partido Verde no seu todo nunca tinha verdadeiramente lutado com a contradição entre sustentabilidade ambiental e o expansionismo económico que é inerente à acumulação capitalista; nem a maioria tinha desenvolvido uma crítica consistente ao que a princípio era um pequeno grupo de eco-libertários no seu interior que pregavam o "evangelho da eco-eficiência"; a favor dos mercados livres e em oposição à intervenção do Estado, isto era inicialmente dirigido do mesmo modo contra a "grande máquina" do industrialismo e do estatismo. (26) As políticas pró mercado começaram a ficar em primeiro plano quando os Realos tomaram controlo firme do partido em fins dos anos 80; com os crescentes deficits fiscais impossibilitando a despesa keinesiana marginal necessária para as políticas social-democráticas verdes, o pensamento neoliberal tornou-se cada vez mais predominante, como a única possível solução para a crise profunda da Alemanha Modelo. Mas os eco-libertários também passaram por uma transformação: o discurso de uma economia descentralizada e do individualismo cívico liberto da excessiva burocracia deu lugar ao entusiasmo pela tecnocracia das corporações globalizadas e dos aparelhos de estado, alumiando o caminho para um supostamente "capitalismo verde" em total concordância com os diktats do FMI e do Banco Mundial, dependendo dos mecanismos do mercado e das soluções tecnológicas.

Com o governo de Schröder–Fischer, os Verdes emergiram como os mais dinâmicos proponentes do programa de terapia de choque neoliberal para a Alemanha – Agenda 2010 – uma vez que a curta tentativa de Lafontaine para recuperar o keinesisanismo social do Reno tinha sido derrotada. Os salários e os subsídios de desemprego foram amarrotados, as taxas colectivas cortadas; incentivada pela expansão do crédito internacional, o aumento das exportações pós 2005 da Alemanha descolou no meio de níveis crescentes de desigualdade e de privação social. Os protestos contra a Agenda 2010 partiram o SPD, com os dissidentes mais tarde a ajudar a fundar o Die Linke e a coligação Vermelha-Verde a ser despejada nas eleições de 2005. Mas a filiação do novo modelo do Partido Verde não tinha escrúpulos. Tendo internalizado a ideia de que "todos os outros sistemas são piores do que o capitalismo", os Verdes acham agora impensável a ideia do crescimento zero, deixemos o "negativo" em paz. Tornaram-se estridentes adeptos em nome das corporações que esperam aproveitar da transição para as fontes de energia "verde", e dos que vendem produtos "ecológicos". Muito do capital político do partido deriva deste sector como força modernizadora, fornecendo o tipo de pseudo-ambientalismo que promete tornar-se uma mercadoria lucrativa face ao desastre global, preparando novos terrenos para a acumulação de capital. (27) Dos e-carros ao Desertec, promovem activamente as chamadas "tecnologias verdes" que já provaram não serem nem pacíficas nem ecológicas nas suas repercussões. (28)

Embora Fischer descartasse a ideia de os Verdes entrarem numa coligação encabeçada pela CDU depois das eleições de 2005, tais alianças em breve iam sendo feitas a nível do estado (com efeito, elas tinham sido promovidas pelos eco-libertários como Thomas Schmid desde o início dos anos 80). Em 2008, o ascenso do Die Linke ofereceu a possibilidade de uma coligação Vermelho-Vermelho-Verde em Hamburgo; os Verdes arruinaram isso, fazendo uma coligação com a CDU: Em Saarland, no ano seguinte, uma forte mudança para Die Linke deixou de novo os Verdes como decisores; vetaram uma coligação de esquerda com o SPD e o Die Linke de Lafontaine e entraram no governo com a CDU e o FDP. Na empedernida conservadora Baden-Württemberg, uma série de protestos massivos contra planos ambiciosos promovidos pela CDU no poder para reconstruir a estação de Estugarda com custos enormes, levou à eleição em 2011 do primeiro ministro presidente Verde Winfried Kretschmann. Kretschmann, antes um veterano do KBW, não podia ter sido mais convencido e vaidoso ao apresentar-se ao eleitorado como um católico da província de boa cepa pequeno-burguesa. Uma vez no poder, começou a retroceder em cancelar a nova estação, declarando que teria de haver um referendo. Os Verdes estão presentemente à frente da sua construção.


Os Verdes pagaram pouquíssimo em termos eleitorais pela sua mutação política. O eleitorado dos Verdes não se expandiu muito ao longo dos anos – partindo de 8.3% em 1987 até 10.7% em 2009 – mas envelheceu, ficou mais rico e mais conservador, tal como os dirigentes do partido. O apoio aos Verdes cresceu entre os votantes com formação universitária e entre os profissionais, enquanto foi sempre piorando em termos da classe trabalhadora e (especialmente) dos sindicatos. Em 1987, 60% dos votantes Verdes tinham menos de 35 anos; em 2009, 60% tinham mais de 40. No entanto, o partido tem um número significativo de novos seguidores entre os novos ricos do "milénio", sobretudo jovens mulheres: em 2009, a percentagem de votantes entre os 18 e os 25 anos era de 15,4%, subindo para quase 19% de mulheres nessa faixa etária. (29) Em Abril de 2013, uma sondagem sugeria que 54% dos votantes Verdes apoiariam uma coligação federal com a CDU este Setembro, enquanto 64% dos votantes CDU ficariam satisfeitos com um governo Negro-Verde em Berlim. (30) Cohn-Bendit disse ao Bild (25 de Abril 2013) que uma aliança CDU-Verde seria uma "opção realista", na condição de os Verdes ficarem com os ministérios das Finanças e da Energia. No entanto, na conferência do Partido Verdes em Abril de 2013 em Berlim, Jürgen Trittin, Renate Künast e Claudia Roth conduziram uma rebelião pró-SPD, votando por um aumento nas taxas mais altas como política do partido, para desapontamento de Kretschmann e do Presidente da Câmara de Tübingen, Boris Palmer. (31)

Se esta posição vai sobreviver aos resultados das eleições de Setembro de 2013 é coisa que se irá ver. Os Verdes podem ainda jogar o rei (ou a rainha) em Berlim. Tempo houve em que essa perspectiva podia ter causado ansiedade em Washington, mas os Verdes são hoje em dia o partido alemão preferido da Embaixada americana. E por que não? O Partido Verdes reduziu a luta pela emancipação universal aos trocos do consumismo "orgânico" e do "comércio justo". A inofensiva memória de um passado dissidente serve agora como inesgotável fonte de legitimidade não só pelas suas acções mas pelo poder alemão e pelo próprio aparelho de estado. A realidade está de pernas para o ar: ao que parece não foram os Verdes que mudaram mas sim o mundo, tornando a oposição à guerra ontem, a fonte moral para a "intervenção humanitária" hoje. Hoje, a NATO surge como o instrumento chave para o desarmamento nos documentos políticos do partido, enquanto o Tratado de Lisboa, a carta de facto da UE para uma oligarquia tecnocrática, se torna um passo maior para a democracia e a transparência e o domínio económico sobre a Grécia é exercido em nome da solidariedade europeia. Deixemos os conservadores fazer guerra debaixo do estandarte dos interesses nacionais; os Verdes enviarão o exército em nome de um justo e honrado "governo mundial dos cultos". Isto não é para sugerir que os Verdes fazem deliberadamente o contrário do que pretendem; pelo contrário, e muito mais assustador, eles podem mesmo querer dizer isso.

Notas:

[1] Agradeço a Friedrich Heilmann e Frieder Otto Wolf por gastarem tempo em partilhar comigo as suas opiniões políticas sobre a trajectória do Partido Verdes.

[2 ]'Ich bin der festen Überzeugung, daß deutsche Soldaten dort, wo im Zweiten Weltkrieg die Hitler-Soldateska gewütet hat, den Konflikt anheizen und nicht deeskalieren würden': Die Tageszeitung, 30 Dezembro 1994.

[3] Os órgãos de comunicação social alemães continuam a reproduzir a narrativa de que o governo de Schröder–Fischer foi apanhado desprevenido pelos desenvolvimentos na Jugoslávia; permanece pouco claro até que ponto o governo da RFA – com Kohl e Schröder – foi, ele próprio, uma força por detrás da guerra dos Balcãs. Por outro lado, foi sugerido que os E.U.A., preocupados com o facto de que a U.E. pudesse ficar mais independente com a hegemonia da Alemanha reforçada, agarraram a oportunidade para firmar a remilitarização da RFA dentro de uma NATO refundada. Vide Richard Holbrooke, 'America, A European Power', Foreign Affairs, vol. 74, no. 2, Março–Abril 1995.

[4] A revolta com a traição dos Vermelho-Verde em breve encontrou vozes aguerridas nas ruas: os manifestantes agarraram num grito dos anos de Weimar —Wer hat uns verraten? Sozialdemokraten! ('Quem nos traiu? Os Sociais-democratas!') — e acrescentaram uma frase Wer war mit dabei? Die Grüne Partei! ('Quem estava com eles? Os Verdes!')

[5] Em 2009, Joschka Fischer foi contratado como assessor para o projecto do gasoduto Nabucco, com um salário milionário; serve como "conselheiro estratégico sénior" no grupo Stonebridge de Madeleine Albright e consta da folha de pagamentos da BMW, da Siemens e de outras como consultor e "lobista"; Andrea Fischer, anterior Ministra da Saúde Verde faz lobby pelas indústrias dos cuidados de saúde e farmacêuticas; Gunda Röstel, antigo porta-voz dos Verdes, juntou-se à administração de Gelsenwasser/eon que naturalmente tem uma ala nuclear; Margareta Wolf, secretária principal Verde (Staatssekretärin) de Jürgen Trittin no Ministério Federal do Ambiente, tornou-se uma lobista paga para a indústria nuclear; Matthias Berninger, secretária principal Verde de Renate Künast no Ministério Federal da Defesa do Consumidor, Alimentação e Agricultura, trabalha agora para a Mars, Inc.; Marianne Tritz, a activista anti-nuclear Verde faz agora lobby pela indústria tabaqueira; Cohn-Bendit trabalha para um lobby financiado pela Amazon, Microsoft, Google, Yahoo, Ebay e Facebook para influenciar a legislação da UE em seu favor e assim por diante.

[6] Christian Schmidt: Wir sind die Wahnsinnigen, ("Nós somos os Loucos"), Düsseldorf 1998; Jutta Ditfurth, Krieg, Atom, Armut, Was sie reden, was sie tun (Guerra, Átomo, Miséria, o que vocês dizem, o que vocês fazem): Os Verdes, Berlim 2011.

[7] Luc Boltanski e Eve Chiapello, The New Spirit of Capitalism (O Novo Espírito do Capitalismo), Londres, 2007; Nancy Fraser, 'Feminism, Capitalism and the Cunning of History' (Feminismo, Capitalismo e a Astúcia da História), nlr 56, Março – Abril 2009.

[8] Paul Tiefenbach, Die Grünen: Verstaatlichung einer Partei, (Os Verdes: Nacionalização de um Partido) Colónia 1998.

[9] Frieder Otto Wolf aborda a questão de se a construção do partido deve estar na ordem do dia no seu ensaio, 'Party-Building for Eco-Socialists', Socialist Register 2007.

[10] Na sua época áurea, o KBW tinha uma fortuna de milhões, possuindo propriedades no novo quarteirão dos bancos de Frankfurte, dúzias de automóveis do último modelo e uma moderna impressora; algumas destas coisas foram para apoiar os Verdes. Vários dos seus quadros fizeram o seu percurso em outras instituições do Estado e do negócio e também no Partido Verde. 'Die Beerdigung war "eher heiter" (O enterro foi mais sereno), Die Tageszeitung, 18 Fevereiro1985.

[11] Werner Hülsberg, The German Greens: A Social and Political Profile, Londres 1988, p. 124.

[12] Alguns recém-chegados nem sequer partilharam a preocupação com questões ambientais. Como Fischer disse: "Uma vez por todas, vamos ser honestos: quem de nós está interessado na crise da água em Vogelsberg, nas auto-estradas em Frankfurt ou nas fábricas de energia nuclear em qualquer sítio, porque eles se sentem pessoalmente preocupados?" Vide Ditfurth, Krieg, Atom, Armut, (Guerra, Átomo, Miséria) p. 69.

[13] Em 1980, os Verdes entraram na Assembleia de Baden-Württemberg com 5.3%; em 1981, em Berlim com 7.2%; em 1982, em Hamburgo com 7.7%, na Baixa Saxónia com 6.5% e em Hesse com 8%; em 1983, em Bremen com 5.4%. Em 1984 começaram a ter grandes ganhos em cidades universitárias conservadoras—Heidelberg, Freiburg, Tübingen— chegando a seguir à CDU com 14–20%.

[14] Nos anos 80, os Verdes tinham 30,000–40,000 membros para 2–3milhões de votantes, ao passo que o SPD tinha um milhão de membros para 14–15milhões de votantes. Os ratios em 1983 eram de 87 votantes verdes para cada membro do partido; em comparação, para a SPD e os Democratas Cristãos eram de 16:1 e 20:1 respectivamente: Hülsberg, The German Greens, p. 108. Uma sondagem de 1989 dos 5,000 Verdes em Hesse revelou que 4,000 eram funcionários ou detentores de um mandato. As pressões sobre as mulheres eram particularmente fortes, dada a quota dos 50%, visto que as mulheres constituíam apenas 30-35% dos membros filiados. Vide Margrit Mayer e John Ely, eds, The German Greens: Paradox Between Movement and Party, Philadelphia 1998, p. 10.

[15] Ver também Frieder Otto Wolf, 'Eco-Socialist Transition on the Threshold of the 21st Century', nlr 1/158, Julho–Agosto 1985.

[16] Wolfgang Ehmke, Joschka Fischer, Jo Müller e outros, 'Verantwortung und Aufgabe der Grünen', Grüner basis-dienst, (Responsabilidade e Tarefa dos Verdes) no. 1, 1985, p. 15, citado em Roland Roth e Detlef Murphy, 'From Competing Factions to the Rise of the Realos', em Mayer e Ely, German Greens, p. 58.

[17] Stern, 4 Abril 1988, e Joschka Fischer, Der Umbau der Industriegesellschaft: Plädoyer wider die herrschende Umweltlüge, (A Reconstrução da Sociedade Industrial: Defesas contra a Mentira Reinante do Ambiente) Frankfurt-no-Meno 1989, pp. 59–61. Fischer tinha sequestrado o título do programa dos Verdes de 1986 que tinha tido uma forte orientação operária, exigindo a socialização dos bancos e dos meios de produção.

[18] Infelizmente, pouca coisa foi publicada sobre os dissidentes Verdes na RDA. Um primeiro relato que permanece valioso pode ser encontrado em Carlo Jordan e Hans Michael Kloth, Arche Nova, Berlim 1995. Friedrich Heilmann deu uma breve retrospectiva sobre o debate em torno da reunificação em 'Green Environmental Politics: Basic Values and Recent Strategies', em Ingolfur Blühdorn, ed., The Green Agenda: Environmental Politics and Policy in Germany, Keele 1995, pp. 143–66.

[19] Joschka Fischer, Die Linke nach dem Sozialismus, (A Esquerda depois do Socialismo) Hamburgo 1993.

[20] Vide o Manifesto Realo por Joschka Fischer, Hubert Kleinert, Udo Knapp e Jo Müller, 'Sein oder Nicht-sein: Entwurf für ein Manifest grüner Realpolitik' (Ser ou Não Ser: Rascunho para um Manifesto da Realpolitik Verde), 1988.

[21] Claro que não há garantia que com o tempo o Die Linke rivalize com os Verdes. De acordo com uma fuga de informação, o dirigente do partido Gregor Gysi deu garantias privadas ao embaixador dos EUA acerca da político do Dia Linke em relação à NATO: a sua exigência de um novo pacto de segurança que envolvesse a Rússia foi uma mera manobra táctica para adocicar a ala radical do partido, que de outro modo poderia insistir para que a Alemanha abandonasse a NATO unilateralmente.

[22] Vide Frank Schirrmacher, 'Der lange Weg zu sich selbst: Wofür Joschka Fischer haftet'(O longo caminho para si próprio: por que responde Joschka Fischer?) , Jornal Frankfurter Allgemeine, 1 Outubro 2001; Jamie Shea: entrevista para a rádio Westdeutscher Rundfunk documentário televisivo, 'Es begann mit einer Lüge'(Começou com uma mentira), Fevereiro 2001.

[23] Carta Aberta aos Verdes, Open Letter to the German Greens, 7 Novembro 2001, citado em Jim Green, 'German Greens Off to War Again', Synthesis/Regeneration 27, Winter 2002.

[24] Citado em Verdes, 'German Greens Off to War Again'.

[25] Leipziger Volkszeitung, 22 Abril 2011.

[26] Pedi emprestado o termo "evangelho da eco-eficiência"que sintetiza perfeitamente a quimera de um capitalism amigo do ambiente, a partir do estudo inovador de Juan Martínez Alier, The Environmentalism of the Poor: A Study of Ecological Conflicts and Valuation, Cheltenham 2002. Este ramo ilusório de ambientalismo "amigo do mercado" é especialmente popular em Baden-Württemberg, coração da indústria automóvel alemã e também do eco-libertarismo e primeiro território (Land) a lançar um governo encabeçado por Verdes em 2011.

[27] Os representantes verdes são agora muito bem vindos para expor os seus pontos de vista junto aos accionistas dos velhos gigantes dos combustíveis fósseis tais como a RWE ou a EON, onde os podem avisar de que "não é só o planeta mas o valor das suas acções que está em risco" como recentemente fez o deputado europeu Sven Giegold.

[28] Ozzie Zehner escreveu uma crítica irresistível sobre o uso da tecnologia "eco-friendly"para fazer a lavagem um modelo insustentável de economia de crescimento sem fim com implicações catastróficas na natureza e na humanidade: Zehner, Green Illusions: The Dirty Secrets of Clean Energy and the Future of Environmentalism, Lincoln, ne 2012.

[29] Vide Lutz Mez, 'Who Votes Green?', em Mayer e Ely, German Greens, p. 82; Bernard Wessels, Jan Engels e Gero Maas, 'Demographic Change and Progressive Political Strategy in Germany', Centre for American Progress, Washington, dc 2011; Federal Returning Officer, Wahl zum 17 Deutschen Bundestag am 27 September 2009 (Eleição para 17 Bundestag Alemães), ch. 4, 'Wahlbeteiligung und Stimmabgabe der Männer und Frauen nach Altersgruppen' (Afluência às urnas e voto dos homens e das mulheres segundo grupos etários), Wiesbaden 2010.

[30] Forsa poll, citado em Derek Scally, 'Greens contemplate a post-election future with Merkel', Irish Times, 26 April 2013.

[31] A experiência de Trittin como Ministro do Ambiente na coligação federal Vermelha-Verde devia ter sido instrutiva. "Em áreas-chave, Trittin era forçado a implementar as directivas de Schröder, mas assumir a responsabilidade política. Em Junho de 1999, por exemplo, Schröder ordenou a Trittin que vetasse a passagem de uma nova directiva da UE sobre a reciclagem de carros velhos, aparentemente seguindo directamente intervenções da indústria automóvel alemã para o chanceler".Rüdig, 'Germany', em Ferdinand Müller-Rommel e Thomas Poguntke, eds, Green Parties in National Governments, Londres 2002, p. 98. A viagem de Trittin de Babelsberg para Bilderberg—ele participou na conferência do grupo em 2012 em Chantilly, Virginia—é quase tão impressionante como o caminho seguido por Joschka Fischer.

Mas Fischer era agora Ministro dos Negócios Estrangeiros e Vice-Chanceler do primeiro governo federal Vermelho-Verde da Alemanha. Esquecidas as suas previsões, Fischer e a direcção do Partido Verde viram como obrigação moral da Alemanha, se não entrar mais uma vez pela Jugoslávia adentro, pelo menos lançar bombas no seu território de uma altura segura e, naturalmente, para fins humanitários. As bases Verdes estavam mais relutantes: nenhum partido da Europa Ocidental tinha sido tão claramente identificado com as exigências do movimento da paz pelo desarmamento nuclear e pelo fim da NATO. Os Verdes alemães tinham raízes históricas profundas na oposição à militarização da Alemanha Ocidental e em movimentos de solidariedade com as lutas anti-imperialistas. Mas, depois de longas lutas internas, o partido tinha-se tornado num membro estabelecido dentro do sistema parlamentar alemão. Estava tacitamente compreendido que entrar no governo federal envolvia apoiar quer a NATO quer a "economia de mercado". O membro Verde do Parlamento Europeu Daniel Cohn-Bendit, um apoiante de longa data de Fischer, tinha estado a preparar o terreno para a intervenção militar desde o início das guerras de secessão da Jugoslávia e apelava agora para o envio de tropas terrestres – uma invasão terrestre. No entanto, o manifesto eleitoral dos Verdes de 1998 declarava que os Verdes alemães se oporiam quer à "aplicação da paz militar quer às missões de combate"; aspirava à retirada, não à expansão da NATO.

12 de janeiro de 2014

Existe um gene para isso

A história está repleta de exemplos horríveis do uso indevido da teoria da evolução para justificar o poder e a desigualdade. Bem-vindo a uma nova era de determinismo biológico.

Pankaj Mehta


Sequências de bases no DNA. Foto: Jacobin.

Tradução / Se você quiser entender por que os humanos travam guerras, existe um gene para isso. Quer entender por que os homens estupram as mulheres? Existe um gene para isso. Quer entender por que as “características nacionais” do Leste Asiático, do Ocidente e da África são diferentes? Esses genes também estão cobertos. Na verdade, se formos acreditar na mídia mais popular, existe um gene para quase todas as desigualdades e injustiças na sociedade moderna.

O determinismo genético e seu primo mais feio, o darwinismo social, estão de volta. Armados com grandes conjuntos de dados genômicos e um arsenal de técnicas estatísticas, um pequeno, mas barulhento grupo de cientistas está determinado a caçar a base genética de tudo o que somos e fazemos.

A relação entre genética e determinismo biológico é quase tão antiga quanto o próprio campo de estudos. No fim das contas, um dos mais modernos institutos de genética, o Cold Spring Harbor Laboratory, começou como um instituto de eugenia cujas atividades incluíam “fazer lobby por uma legislação eugênica para restringir a imigração e esterilizar os ‘defeituosos’, educar o público sobre saúde eugênica e disseminar as ideias eugênicas de maneira ampla.”

A onda mais recente de determinismo biológico continua essa longa história, mas difere do passado de maneira crucial. Estamos no início da era genômica – uma época em que os avanços da biologia molecular tornam possível medir com precisão diferenças genéticas mínimas entre os humanos. Combinado com o fato de que vivemos em uma nova Era Dourada da desigualdade, onde uma pequena elite global tem acesso a (e precisa de justificativas para) quantidades sem precedentes de riqueza e de poder, as condições estão maduras para um perigoso ressurgimento do determinismo biológico.

Se em 2014 o preço para sequenciar um genoma ( identificar os 6 bilhões de As, Cs, Ts e Gs que definem o DNA de um indivíduo) já havia chegado a $5000, no ano seguinte já havia despencado para $1000 e continua em queda, com alguns laboratórios já tendo oferecido o serviço abaixo de $200 em algumas situações específicas. Em breve, vai custar menos ainda – muito menos. Dizem que este é um momento revolucionário. Com acesso a informações genéticas detalhadas, os profissionais médicos e conselheiros genéticos em breve serão capazes de identificar as doenças às quais estamos mais predispostos e ajudar a prevenir ou minimizar seu impacto por meio da “medicina personalizada”.

O conhecimento científico extraído desses dados não tem preço. Estamos começando a entender como os vírus evoluem, as mutações genéticas que dão origem ao câncer e a base genética da identidade celular. A revolução do sequenciamento nos permitiu estudar a base molecular da regulação genética e identificar novos atores incríveis no processo, como RNAs não codificantes e modificações da cromatina. Todas as nossas idéias sobre a biologia estão sendo reformuladas.

Um dos resultados mais impressionantes dos novos estudos de sequenciamento é como os seres humanos na realidade são semelhantes – diferimos uns dos outros apenas em 0,1% do nosso DNA. Ainda assim, esse 0,1% do genoma dá origem às variações que vemos entre as pessoas em características como cor da pele, altura e tendência para doenças. Um objetivo importante da genética moderna é relacionar uma variante genômica particular a uma característica ou doença específica. Para fazer isso, os cientistas estão desenvolvendo novas ferramentas estatísticas poderosas para analisar uma grande quantidade de dados de sequências de populações ao redor do mundo.

A relação entre genes e características observáveis é indiscutível. Pais altos tendem a ter filhos altos; pais de cabelos escuros têm filhos de cabelos escuros. Que os traços são herdados ficou claro desde que Mendel codificou suas famosas Leis da Herança, inferidas de observações estatísticas de mais de 29.000 pés de ervilha. Na genética mendeliana clássica, genes separados que codificam características distintas são passados independentemente uns dos outros para seus descendentes. Assim, há um mapeamento nítido entre a informação genética, ou genótipo, e as características observáveis, ou fenótipo. Um único gene (tecnicamente um locus ou uma localização genética) codifica para uma única característica e não é influenciado pelas outras características que uma pessoa possui. Além disso, os fatores ambientais têm pouca influência sobre a maioria das características para Mendel. Exemplos famosos que se enquadram neste arcabouço incluem a anemia falciforme e a fibrose cística, cada uma causada por uma mutação em um gene específico.

No entanto, agora já está evidente que as suposições simples subjacentes à genética de Mendel não são aplicáveis à maioria das características e doenças. Quase todos os fenótipos, desde altura e cor dos olhos até doenças como diabetes, surgem de interações extremamente complexas entre vários genes (loci) e o ambiente. Em contraste com a genética mendeliana, onde é possível identificar facilmente o gene que codifica uma característica particular, para muitas características não existe um mapeamento simples de genótipo para fenótipo.

O enorme volume de dados de sequências de DNA agora disponível convenceu os cientistas de que eles podem superar esse desafio. Para isso, eles estão desenvolvendo novas ferramentas científicas e estatísticas voltadas para analisar e extrair informações genéticas a partir dos dados de sequenciamento. O objetivo desses estudos de associação em nível genômico (GWAS na sigla em inglês, de “genome-wide association studies”) é fornecer um modelo para decodificar as informações contidas em nosso DNA e para identificar a base genética de características e doenças complexas. Os GWAS são agora um elemento fundamental da genética populacional moderna. Isso se reflete no aumento astronômico do número de GWAS publicados na última década e meia, na casa de um dígito em 2005 para mais de 1.300 uma década depois. Existem GWAS sobre altura corporal, peso ao nascer, doença inflamatória intestinal, como as pessoas respondem a determinados medicamentos ou vacinas, câncer, diabetes, doença de Parkinson e muito mais. Na verdade, existem tantos GWAS que foram criados catálogos especializados para ajudar os cientistas a visualizar os resultados de todos esses estudos.

Dada a crescente prevalência dos GWAS, é útil explicar a lógica básica subjacente a esses estudos. Os conceitos de variações fenotípicas e genéticas desempenham um papel central nos GWAS. A variação fenotípica é definida como a variação de uma característica em uma população (como a distribuição de alturas na população de homens americanos). Observe que, para definir a variação fenotípica, devemos especificar uma população. Esta é uma escolha a priori que deve ser feita para construir um modelo estatístico. A escolha da população é frequentemente uma fonte importante de preconceitos e vieses, através dos quais premissas sociais ocultas penetram nos GWAS – isso é especialmente verdadeiro para estudos que tentam entender a variação genética entre grupos “raciais”.

Os GWAS tentam explicar estatisticamente a variação fenotípica observada em termos da variação genética na mesma população. É aqui que brilha a genômica moderna. Enquanto na era pré-genômica era preciso trabalhar duro para medir a variação genética em um único locus, agora é possível consultar um banco de dados disponível publicamente para obter a variação genética de milhares de indivíduos por todo o genoma. A maioria dos GWAS se concentra em polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs, na sigla em inglês de “single-nucleotide polymorphisms”): variações da sequência de DNA que ocorrem em uma única base no genoma (por exemplo, AAGGCT vs. AAGTCT). Até 2014 os cientistas já haviam observado aproximadamente 12 milhões de SNPs em populações humanas. Esse número pode parecer incrivelmente grande, mas existem 6 bilhões de bases no DNA humano. Portanto, apenas 0,2% de todas as bases de DNA apresentam qualquer variação em todas as populações humanas amostradas. Para uma característica como a altura, existem cerca de 180 SNPs conhecidos por contribuir para a variação da altura humana.

O objetivo dos GWAS é relacionar a variação genotípica à variação fenotípica. Isso geralmente é expresso em um conceito denominado de herdabilidade, que busca dividir a variância fenotípica em um componente genético e outro ambiental. A grosso modo, a herdabilidade é definida como a fração da variação fenotípica que podemos atribuir à variação genética. Uma herdabilidade de zero significa que toda a variância fenotípica é ambiental, enquanto uma herdabilidade de um significa que ela é inteiramente genética.

Por trás do conceito de herdabilidade está todo um mundo de suposições simplificadas sobre como funciona a biologia e como os genes e o ambiente interagem, todas filtradas por modelos estatísticos cada vez mais complicados e indiferentes. A herdabilidade depende das populações escolhidas e dos ambientes sondados pelos experimentos. Mesmo a distinção nítida entre ambiente e genes é, em algum nível, artificial. Como aponta Richard Lewontin:

A própria natureza física do meio ambiente, no que tem de relevante para os organismos, é determinada pelos próprios organismos [...] Uma bactéria que vive em líquido não sente a gravidade porque é pequena demais [...] mas seu tamanho é determinado por seus genes, portanto, é a diferença genética entre nós e as bactérias que determina se a força da gravidade é relevante para nós.

Tudo isso quer dizer que embora a herdabilidade seja um conceito útil, é uma abstração – que depende inteiramente dos modelos estatísticos (com todas as suas suposições e preconceitos) que usamos para defini-la.

Mais importante para nossos propósitos, mesmo para uma característica extremamente hereditária como a altura, o ambiente pode mudar drasticamente as características observadas. Por exemplo, durante a Guerra Civil da Guatemala, esquadrões da morte e paramilitares apoiados pelos EUA brutalizaram a população rural indígena da Guatemala, resultando em desnutrição generalizada. Muitos refugiados maias fugiram para os EUA para escapar da violência. Comparando a altura de crianças maias guatemaltecas com as maias estadunidenses em idades entre 6 e 12 anos, os pesquisadores descobriram que as estadunidenses eram 10,24 centímetros mais altas do que suas colegas guatemaltecas, em grande parte devido à nutrição e ao acesso a cuidados de saúde. Em comparação, o gene que mais influencia a altura, o gene do fator de crescimento GDF5, está associado a mudanças na altura de apenas 0,3 a 0,7 centímetros, e isso apenas para participantes com ascendência europeia.

Influências ambientais tão dramáticas são lugar comum. Por exemplo, considera-se que a herdabilidade do diabetes tipo II, ajustada para idade e Índice de Massa Corporal (IMC), está entre 0,5 e 0,75 (um pouco menos do que a altura, mas como discutido acima, este número deve ser tomado com um certo ceticismo). Atualmente, os GWAS são capazes de explicar apenas cerca de 6% dessa herdabilidade, sem que hajam loci (genes) particularmente preditivos para saber se um indivíduo irá desenvolver diabetes. Em contraste com a genética, um IMC mórbido – uma medida simples de quão acima do peso uma pessoa está – aumenta as chances de desenvolver diabetes em quase oito vezes.

A mesma história se aplica ao QI – um elemento básico dos estudos genéticos sobre “inteligência”. Colocando de lado por um momento a validade dos testes de QI, os estudos mostram um aumento longo e sustentado nas pontuações de QI ao longo do século XX (chamado de “Efeito Flynn”), apontando para a importância do ambiente em vez da genética na determinação do QI.

A esquizofrenia é outro exemplo. Em seu excelente blog Cross-Check, John Horgan discute o CMYA5, considerado o “gene da esquizofrenia” na imprensa popular. Ele ressalta que, se você carrega esse gene, o risco de desenvolver esquizofrenia aumenta em apenas 0,07% a 1,07%. Em contraste, “se você tem um parente de primeiro grau com esquizofrenia, como um irmão, sua probabilidade de se tornar esquizofrênico é de cerca de 10%, o que é mais de 100 vezes o risco adicional de ter o gene CMYA5”. Resultados como esse não são incomuns. O campo de estudos na verdade tem estado muito preocupado com a falta de poder preditivo dos GWAS (frequentemente discutida no contexto do problema da “herdabilidade ausente”).

Apesar do sucesso limitado dos GWAS, é de se duvidar que as alegações de determinismo genético venham a diminuir no futuro próximo. A principal razão para isso é o grande volume de novos dados genéticos sendo gerados atualmente. Esse dilúvio de dados é o sonho molhado de qualquer determinista biológico. Caso você ache que estou exagerando, aqui está uma citação de um estudo recente sobre “a arquitetura genética das preferências econômicas e políticas” publicado no PNAS, um importante periódico científico. Não surpreendentemente, os SNPs que eles identificaram “explicam apenas uma pequena fração da variância total”. Longe de desanimar com esses resultados, os autores concluem seu resumo com uma nota otimista:

Esses resultados transmitem uma mensagem de advertência sobre se, como e quando os dados genéticos moleculares poderão contribuir para, e potencialmente transformar, as pesquisas em ciências sociais. Propomos algumas respostas construtivas aos desafios inferenciais colocados pelo pequeno poder explicativo de SNPS individuais.

A pura arrogância fala por si mesma. Dada a dificuldade de usar os GWAS para explicar a altura – uma característica facilmente quantificável e mensurável – é evidente o absurdo da afirmação da identificação da base genética de características complicadas de se definir, temporalmente variáveis e difíceis de se quantificar, como inteligência, agressividade ou preferência política.

Independentemente disso, o manual do determinista genético na era da genômica é transparente: Colete quantidades massivas de dados sequenciais; encontre um de difícil definição (como preferência política). Encontre um gene que esteja estatisticamente super-representado na subpopulação que “possui” essa característica. Declare vitória. Ignore o fato de que esses genes não explicam de verdade a variação fenotípica da característica. Em vez disso, afirme que, se ao menos tivéssemos mais dados, todas as estatísticas fariam mais sentido. Generalize ainda mais esses resultados para o nível das sociedades como um todo e afirme que eles explicam a base genética fundamental do comportamento humano. Escreva um comunicado à imprensa e espere que a mídia escreva críticas elogiosas. Repita com outro conjunto de dados e outra característica.

O determinismo biológico parece plausível precisamente porque dá a ilusão de que se baseia em observação científica. Nenhum cientista discorda de que os blocos básicos de construção de um organismo são codificados em seu material genético e que a evolução, por meio de alguma combinação de deriva e seleção genética, moldou esses genes. No entanto, tentar atribuir a um conjunto de genes o comportamento humano, seja comer um saco inteiro de batatas fritas ou travar uma guerra, é nitidamente um exercício quixotesco.

Como Nigel Goldenfeld e Leo Kadanoff imploram em um belo artigo discutindo sistemas complexos: “Use o nível descritivo correto para captar os fenômenos de interesse. Não modele uma escavadeira com base nos seus quarks.” Embora seja certamente verdade que todas as propriedades de uma escavadeira resultam das partículas que o compõem, como quarks e elétrons, é inútil pensar sobre as propriedades de uma escavadeira (sua forma, sua cor, sua função) em termos dessas partículas. A forma e a função de uma escavadeira são propriedades emergentes do sistema como um todo. Assim como você não pode reduzir as propriedades de uma escavadeira às dos seus quarks, você não pode reduzir os comportamentos e características complexas de um organismo aos seus genes. Marx defendeu o mesmo ponto quando afirmou que “diferenças meramente quantitativas, para além de um certo ponto, passam a representar mudanças qualitativas.”

Se as bases filosóficas e científicas das afirmações do determinismo genético são tão problemáticas, por que um pensamento tão desleixado é recompensado com artigos de primeira página na seção de ciência do New York Times? Para responder a isso, devemos considerar não apenas a Ciência, mas a Política.

Vivemos em uma era em que as corporações obtêm lucros sem precedentes, uma minoria da elite acumula enormes riquezas e a desigualdade está atingindo níveis próximos aos da Idade de Ouro da burguesia do século XIX. As contradições entre o capitalismo neoliberal e os impulsos democráticos estão sendo expostas continuamente. As reivindicações de oportunidades iguais subjacentes a grande parte do pensamento liberal estão se tornando uma farsa. A incongruência entre o que o capitalismo professa ser e a realidade do capitalismo está se tornando cada vez mais aparente.

O apelo do determinismo biológico é que ele oferece explicações científicas plausíveis para as contradições sociais engendradas pelo capitalismo. Se o diabetes tipo II for reduzido ao problema da genética (o que certamente ele é, até certo ponto), então não temos que pensar sobre o aumento da obesidade e suas causas subjacentes: o monopólio do agronegócio, desigualdade de renda e disparidades na qualidade dos alimentos com bases de classe. Combine isso com a prevalência de soluções para as doenças baseadas em medicamentos, como são impulsionadas pela indústria farmacêutica e não é nenhuma surpresa que tenhamos a impressão de que fenômenos sociais complexos sejam redutíveis a simples fatos científicos.

Parafraseando o grande crítico literário Roberto Schwarz, o determinismo biológico é uma ilusão socialmente necessária e bem fundamentada na aparência. Assim como a arte e a literatura, a Ciência “é moldada historicamente e [...] registra o processo social ao qual deve sua existência.” Os cientistas herdam os preconceitos das sociedades em que vivem e trabalham. Em nenhum lugar isso é mais óbvio do que na encarnação moderna do determinismo biológico com suas premissas decididamente neoliberais sobre os humanos e as sociedades.

A história da biologia está repleta de exemplos horripilantes de usos indevidos da genética (e da teoria da evolução) para justificar o poder e a desigualdade: justificativas evolutivas para a escravidão e o colonialismo, explicações científicas para o estupro e o patriarcado e explicações genéticas para a superioridade inerente das elites dominantes. Devemos trabalhar de maneira incansável para garantir que a história não se repita na era da genômica.

Colaborador

Pankaj Mehta é professor associado de Física na Universidade de Boston e membro do coletivo Cientistas Pelo Bernie e do grupo de Boston do Ciência Para o Povo.

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