2 de outubro de 2014

Não podemos desqualificar o Plebiscito Popular

Ricardo Gebrim e Raimundo Bonfim

Folha de S.Paulo

A construção de Plebiscitos Populares pelos movimentos sociais já se tornou uma tradição da luta social no Brasil. A questão da dívida externa no ano 2000 e a adesão a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) em 2002, foram as principais experiências.

Embora uma consulta popular não tenha a eficácia legal de um plebiscito oficial, representa uma demonstração de vontade e coloca em pauta temas e posicionamentos que acabam mobilizando o povo.

Organizado na Semana da Pátria, a proposta envolveu mais de 100 mil militantes e ativistas voluntários em todo o país, a imensa maioria de jovens, dedicando-se de forma incansável em instalar urnas em toda parte.
Foram 7.754.436 votos, sendo que 97% votaram pelo sim à pergunta: "Você é a favor de uma Constituinte exclusiva e soberana do sistema político?"

O curioso é que apesar de dezenas de artistas, intelectuais, dirigentes sociais, o ex-presidente Lula, a atual presidenta Dilma, os candidatos Marina Silva, Pastor Everaldo e Luciana Genro terem participado do Plebiscito Popular, a grande imprensa ignorou solenemente o evento.

Já o artigo de Claudio Weber Abramo, "Fantasias plebiscitárias" ("Tendências/Debates", 7/9), apesar de reconhecer a participação de boa fé na campanha, a desqualifica concluindo que uma "Constituinte exclusiva seria formada por indivíduos em tudo idênticos aos que compõem o Congresso Nacional. Dada a multiplicidade de interesses, e dado que os interlocutores seriam os mesmos, por que se imagina que o resultado da discussão seria diferente numa assembleia "exclusiva" daquele que se observa no Congresso?"

O argumento aparenta uma lógica invencível. Afinal, por que razão eleições para uma Assembleia Constituinte, ainda que realizada de forma exclusiva, não seriam vencidas pela mesma composição partidária que emerge vitoriosa nas eleições gerais?

A discussão lembra o debate aberto no seio da oposição à ditadura quando se lançou a proposta de uma campanha pelas eleições diretas. Naquele momento, surgiram várias opiniões que alertavam sobre o risco da proposta.

O regime militar contava com a poderosa máquina partidária da Arena, poderia criar regras eleitorais e se ganhasse as primeiras eleições diretas encontraria uma forma de legitimação. Também era um argumento com muita lógica.

Só que desprezava que foi exatamente no bojo da construção da campanha pelas "Diretas Já" que a correlação de forças se alterou. Esta é a mesma falha do raciocínio de Claudio Weber Abramo, incorrer no erro de imaginar que o futuro é o mero desdobramento linear do presente.

É exatamente na luta pela obtenção da Constituinte que os setores populares ganharão força para obter conquistas na sua realização.

As manifestações de junho de 2013 trouxeram à tona a insatisfação com o atual sistema político. Alterar com profundidade a lógica do financiamento privado, do privilégio a pessoas e não a propostas políticas, da sub representação dos trabalhadores, mulheres e negros e da ausência de mecanismos de controle popular sobre os representantes não será alterado por mera reforma política.

A proposta de uma Constituinte Exclusiva do Sistema Político vai ganhando força e entrará cada vez mais na pauta do próximo período.

Sobre os autores
RAIMUNDO BONFIM, 50, advogado, coordenador da Central de Movimentos Populares (CMP-SP), integra a Coordenação do Plebiscito Popular da Constituinte

RICARDO GEBRIM, 55, advogado, coordenador da Consulta Popular, integra a Coordenação do Plebiscito Popular da Constituinte

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