1 de fevereiro de 2018

Aguardando uma alternativa

A condenação de Lula sinaliza o fim de uma era para a esquerda brasileira. Mas não está claro o que vem a seguir.

Daniela Mussi

Jacobin

Porto Alegre, Brasil, em 23 de janeiro de 2018. Mídia NINJA / Flickr

No dia do julgamento de Lula, em 24 de janeiro, tive um sério debate com um líder político da esquerda radical brasileira, sobre o que aconteceu depois que o Partido dos Trabalhadores (PT) chegou ao poder em 2003. Ele argumentou que as organizações da esquerda brasileira precisavam se preservar neste momento, a fim de evitar que a elite “lulista” transformasse a situação política em uma oportunidade de revitalizar Lula no imaginário popular e garantir que o PT continuasse sendo a única opção eleitoral para a esquerda nas eleições de 2018.

Embora minhas tendências políticas sejam diferentes das do PT, eu acreditava ter uma razão política para pensar de outra forma sobre as condenações: a defesa da democracia brasileira, uma defesa que se sobrepõe aos defensores de Lula.

No calor do debate, meu amigo e eu trocamos palavras que não eram muito cordiais. Infelizmente, uma conversa que reproduziu a impaciência que é muito comum nas discussões políticas brasileiras contemporâneas. Eu o acusei de reproduzir uma posição “estética”, uma bela imagem sem uma política mais concreta. Na prática, essa posição reforça a imagem da esquerda “pós-Lula” como sectária e ultra-esquerdista. Também apontei que sua posição era muito indiferente aos conflitos fundamentais que afetam a base e o lulismo do Partido dos Trabalhadores e que só aumentarão no futuro próximo. Para mim, era inútil defender o direito de Lula de concorrer nas eleições como candidato, mas evitar ir às manifestações em apoio a isso por causa das aparências.

Em sua reação, ele me acusou de ceder às pressões exercidas pelos lulistas que transformaram toda a luta política em defesa de um líder, cujo partido e projeto destruíram as esperanças das forças progressistas brasileiras. Ele apontou para o fracasso intencional das principais organizações alinhadas com o PT para mobilizar na segunda greve geral de 2017 contra a política de Temer.

O motivo, em sua opinião, é impedir o surgimento de uma política esquerdista independente, e que a defesa da democracia não levará a outro lugar além de uma defesa incondicional de Lula. Ele acrescentou ainda que, durante a manifestação em defesa de Lula e da democracia, houve completo silêncio sobre a destruição da previdência social que Temer está implementando ou de qualquer série de ataques promovidos pelo governo ilegítimo desde o impeachment de Dilma Rousseff. Pior ainda, os líderes do PT tinham tornado público sobre como as elites domésticas e internacionais não deveriam se preocupar muito com o possível retorno de Lula ao poder.

Quase uma semana depois, percebe-se que este e outros discursos políticos da esquerda brasileira nos dias de hoje chegaram a uma posição frágil diante do impasse que enfrentamos na construção de um projeto alternativo às elites econômicas e políticas do país. Parece que não percebemos, mesmo diante de tantos ataques, o principal problema de organizar uma nova vontade coletiva com a capacidade de atrair novos corações e mentes em tempos de crise. Algo está envelhecendo, sua morte se aproxima rapidamente, sem um novo substituto que pudesse levar a beleza de uma alternativa política efetiva e concreta.

Essa tem sido a tragédia da esquerda brasileira por alguns anos; o julgamento de Lula apenas nos força a reviver isso. A indiferença das classes populares ao julgamento de Lula, que já estava presente no impeachment de Dilma - quando era comum encontrar vendedores ambulantes vendendo mercadorias verdes e amarelas para manifestantes pró-impeachment - é, nesse sentido, simbólica. Precisamos encontrar um novo caminho que vá além da dicotomia do lulismo versus pós-lulismo. A questão é: como?

Colaborador

Daniela Mussi é pesquisadora de pós-doutorado na Universidade de São Paulo e editora da Revista Outubro.

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