Desde a década de 1980, tem havido tentativas, sob o pretexto de “modernidade”, de reciclar o velho lixo liberal que remonta à década de 1820.
Alain Badiou
Le Monde
Por muito tempo, todas as formas de conservadorismo atacaram esses três grandes dispositivos. É natural. É muito bem conhecido o fato de que nos Estados Unidos, mesmo hoje, as instituições educacionais são geralmente forçadas a opor o criacionismo bíblico à evolução em um sentido darwiniano. A história do anti-comunismo praticamente sobrepõe-se à da ideologia dominante em todos os grandes países em que o capital-parlamentarismo reina sob a capa da “democracia”. A psiquiatria positiva, que vê desvios e anomalias em todos os lugares que devem ser contra-atacados com o uso brutalidades químicas, tenta desesperadamente “provar” que a psicanálise é uma impostura.
Por muito tempo, particularmente na França, não obstante, os imensos efeitos emancipatórios, em pensamento e ação, de Darwin, Marx e Freud, prevaleceram em meio a argumentos ferozes, revisões agonizantes e críticas criativas. O movimento desses dispositivos dominou a arena intelectual. Conservadorismos estavam na defensiva.
Depois do vasto processo de normalização em escala global que começou nos anos 1980, todo tipo de pensamento ou mera crítica emancipatória é inconveniente. Portanto, nós temos visto um esforço atrás do outro para remover todos os traços desses grandes dispositivos de pensamento que são cunhados como “ideologias” onde eles são exatamente a crítica racional da ideologia por si só. A França, de acordo com Marx o “lugar clássico da luta de classes”, se viu sob a ação de pequenos grupos de renegados da “década vermelha” (1965-1975), que estão na linha de frente dessa reação. Nós temos testemunhado a multiplicação de “livros negros” sobre o comunismo, sobre a psicanálise, sobre o progressismo e sobre tudo que não é igual à estupidez contemporânea: consumir, trabalhar, votar e calar a boca.
Entre essas tentativas, que, sobre o rótulo de “modernidade”, reciclam as tolices obsoletas liberais da década de 1820, as menos detestáveis não são aquelas derivadas de um materialismo do prazer que atua como uma espécie de vigia, particularmente em relação à psicanálise. Longe de ser qualquer tipo de emancipação, o imperativo “aproveite!” é aquele que as tão proclamadas sociedades ocidentais nos ordenam a obedecer. E isso para nos prevenir de ver o que realmente conta: o processo em que algumas verdades disponíveis são liberadas, que os grandes dispositivos de pensamentos costumavam considerar.
Portanto, devemos chamar de “obscurantismo contemporâneo” todas as formas, sem exceção, de supressão e erradicação do poder contido, para o benefício de toda a humanidade, em Darwin, Marx e Freud.
Tradução / Como devemos chamar as construções intelectuais extraordinárias que são os trabalhos de Darwin, Marx e Freud? Elas não são estritamente ciências, mesmo se a biologia – incluindo a biologia contemporânea – for pensada dentro da moldura darwiniana. Elas certamente também não são filosofias, mesmo se a dialética, esse antigo nome platônico para filosofia, tenha ressurgido com Marx. Elas não podem ser reduzidas a práticas às quais esses autores jogaram luz, mesmo se a experimentação prova a razão de Darwin, mesmo se políticas revolucionárias tentam verificar a hipótese comunista de Marx, e mesmo se a cura psicanalítica coloque Freud nas fronteiras sempre confusas da psiquiatria.
Vamos chamar o “século 19” de período que vai da Revolução Francesa à Revolução Russa. Eu proponho chamar essas três tentativas de dispositivos de pensamento geniais e, afirmando isso, em um certo sentido esses dispositivos identificam o que o século 19 trouxe, como uma nova força, para a história da emancipação humana. Depois de Darwin, os movimentos da vida humana e da existência, irrevogavelmente desvencilhados de toda transcendência religiosa, foram deixados à imanência de suas próprias leis.
Vamos chamar o “século 19” de período que vai da Revolução Francesa à Revolução Russa. Eu proponho chamar essas três tentativas de dispositivos de pensamento geniais e, afirmando isso, em um certo sentido esses dispositivos identificam o que o século 19 trouxe, como uma nova força, para a história da emancipação humana. Depois de Darwin, os movimentos da vida humana e da existência, irrevogavelmente desvencilhados de toda transcendência religiosa, foram deixados à imanência de suas próprias leis.
Depois de Marx, a história dos grupos humanos foi removida tanto da opacidade da providência e da onipotência quanto das inércias opressivas da propriedade privada, da família e do Estado. Ela foi deixada ao jogo livre das contradições dentro da qual um futuro igualitário deve ser ser escrito – mesmo se for com esforço e incerteza. Depois de Freud, ficou compreendido que não há alma, cujo treinamento seria sempre algo moralizante, opondo os desejos primordiais ao que a infância traz com o que será. Ao contrário, é no centro desses desejos, particularmente dos desejos sexuais, que a possível liberdade do sujeito está em jogo – uma liberdade em que ele ou ela dependem da linguagem, esse resumo da ordem simbólica.
Por muito tempo, todas as formas de conservadorismo atacaram esses três grandes dispositivos. É natural. É muito bem conhecido o fato de que nos Estados Unidos, mesmo hoje, as instituições educacionais são geralmente forçadas a opor o criacionismo bíblico à evolução em um sentido darwiniano. A história do anti-comunismo praticamente sobrepõe-se à da ideologia dominante em todos os grandes países em que o capital-parlamentarismo reina sob a capa da “democracia”. A psiquiatria positiva, que vê desvios e anomalias em todos os lugares que devem ser contra-atacados com o uso brutalidades químicas, tenta desesperadamente “provar” que a psicanálise é uma impostura.
Por muito tempo, particularmente na França, não obstante, os imensos efeitos emancipatórios, em pensamento e ação, de Darwin, Marx e Freud, prevaleceram em meio a argumentos ferozes, revisões agonizantes e críticas criativas. O movimento desses dispositivos dominou a arena intelectual. Conservadorismos estavam na defensiva.
Depois do vasto processo de normalização em escala global que começou nos anos 1980, todo tipo de pensamento ou mera crítica emancipatória é inconveniente. Portanto, nós temos visto um esforço atrás do outro para remover todos os traços desses grandes dispositivos de pensamento que são cunhados como “ideologias” onde eles são exatamente a crítica racional da ideologia por si só. A França, de acordo com Marx o “lugar clássico da luta de classes”, se viu sob a ação de pequenos grupos de renegados da “década vermelha” (1965-1975), que estão na linha de frente dessa reação. Nós temos testemunhado a multiplicação de “livros negros” sobre o comunismo, sobre a psicanálise, sobre o progressismo e sobre tudo que não é igual à estupidez contemporânea: consumir, trabalhar, votar e calar a boca.
Entre essas tentativas, que, sobre o rótulo de “modernidade”, reciclam as tolices obsoletas liberais da década de 1820, as menos detestáveis não são aquelas derivadas de um materialismo do prazer que atua como uma espécie de vigia, particularmente em relação à psicanálise. Longe de ser qualquer tipo de emancipação, o imperativo “aproveite!” é aquele que as tão proclamadas sociedades ocidentais nos ordenam a obedecer. E isso para nos prevenir de ver o que realmente conta: o processo em que algumas verdades disponíveis são liberadas, que os grandes dispositivos de pensamentos costumavam considerar.
Portanto, devemos chamar de “obscurantismo contemporâneo” todas as formas, sem exceção, de supressão e erradicação do poder contido, para o benefício de toda a humanidade, em Darwin, Marx e Freud.
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