6 de julho de 2019

Temos um problema de demanda

Restrição fiscal sem compensação do lado monetário tende a prejudicar a retomada

Nelson Barbosa

Folha de S.Paulo

Nelson Barbosa Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

As projeções de crescimento da economia brasileira já caíram para menos de 1% neste ano. Caso isso se confirme, será o terceiro ano de estagnação do PIB per capita após a grande recessão de 2014-16.

Por mais que alguns colegas insistam em culpar os governos do PT pelo lento crescimento desde 2017, essa desculpa está ficando cada vez mais esfarrapada com o passar do tempo.

Sem ignorar que os eventos de 2014-16 ainda têm influência sobre a economia (vide o colapso da construção civil pós-Lava Jato, o apagão de canetas na infraestrutura e a fragilidade política do Executivo no Congresso), cabe perguntar: qual foi a influência da política econômica adotada desde 2017?

Uma análise objetiva dos fatos revela que parte da recente estagnação decorre de decisões fiscais e monetárias.

Começando pelo fiscal, no primeiro semestre de 2017, quando a economia mal havia saído da recessão, o governo Temer fez grande contingenciamento de gastos, e isso prejudicou a recuperação da renda e do emprego (o erro de Meirelles).

Naquele momento, alertei para o risco de fazer consolidação fiscal tão cedo, pois a redução do investimento público prejudicaria a recuperação do crescimento devido ao seu impacto negativo na construção civil. Infelizmente meu alerta se confirmou.

Reconheço que o governo Temer tentou reverter seu erro inicial, liberando recursos do FGTS para o consumo ainda em 2017 e relaxando um pouco a política fiscal em 2018. Porém, devido à mudança do cenário político e internacional, isso se mostrou insuficiente para garantir a recuperação da economia.

Hoje voltamos à política fiscal medieval de sangrar o paciente para ver se ele melhora. O governo Bolsonaro fez novo contingenciamento, e o investimento público deve cair para seu nível mais baixo nos últimos 16 anos, quando medido em proporção do PIB.

A lógica da atual equipe econômica é a mesma do início de 2017: a redução do gasto público abrirá espaço para a redução da taxa de juro, e isso, ao lado da maior confiança decorrente da melhora das finanças públicas, aumentará o consumo e investimento privados. Essa hipótese —a “contração fiscal expansionista”— é possível, mas improvável.

O que dizem os números? Desde 2017 tivemos redução do gasto discricionário do governo, queda da inflação e corte da taxa de juros como previsto pelos defensores da sangria.

A taxa básica de juro real caiu de 9% para 3% ao ano, e mesmo assim a economia não se recuperou. A conclusão inevitável é que a Selic poderia e deveria ter caído bem mais se o BC não tivesse inventado riscos inexistentes para a inflação em 2017 (o erro de Goldfajn).

O fracasso da política fiscal e monetária em recuperar a renda desde 2017 não é surpresa para quem acompanha o assunto. Em um contexto de alta capacidade ociosa e elevado desemprego, o principal problema macroeconômico é a falta de demanda, não a restrição de oferta.

Nesse quadro, adotar política fiscal restritiva sem compensação adequada do lado monetário tende a prejudicar, em vez de ajudar a recuperação do crescimento.

E apontar que o problema de hoje é a demanda não significa que não teremos problemas de oferta mais à frente. O governo pode atuar sobre a demanda no curto prazo ao mesmo tempo que realiza reformas para melhorar a produtividade da economia no longo prazo.

Existem mais de duas escolhas no menu de política econômica, e até o governo Bolsonaro pode atuar sobre a demanda e a oferta ao mesmo tempo. Porém, antes disso será preciso abandonar o atual viés ideológico do Ministério da Economia.

Sobre o autor

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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