8 de novembro de 2019

Que tal tirar o dedo do gatilho?

O ideal seria revisar limite de gastos para algo mais racional que permitisse aumentar investimento

Nelson Barbosa

Folha de S.Paulo

Pacote traz um conjunto de propostas para dar maior flexibilidade ao Orçamento, ações para elevar os repasses de recursos a estados e municípios (pacto federativo), além da revisão de cerca de 280 fundos públicos. Ueslei Marcelino/Reuters

O governo apresentou novas medidas de reforma fiscal nesta semana. O rol de intenções é amplo, de extinção de municípios à redução automática de incentivos tributários.

Hoje analisarei uma das principais medidas à curto prazo: a autorização para reduzir jornada e salário de servidores no caso de “emergência fiscal”.

A proposta não é novidade. A Lei de Responsabilidade Fiscal já previa redução de jornada e salários em caso de “gasto excessivo” com servidores. Porém, como o STF recentemente julgou tal dispositivo inconstitucional, restou ao governo propor uma PEC sobre o tema.

A chamada “PEC emergencial” diz que, caso a União viole a “regra de ouro” —emissão de dívida maior do que a soma de investimento, amortização e correção monetária dos títulos públicos— o governo estará autorizado a cortar temporariamente sua folha em até 25%.

No caso de Estados e Municípios, a emergência fiscal acontecerá quando a despesa de pessoal exceder 95% da receita corrente líquida, mas fiquemos na União.

A proposta de Bolsonaro corrige uma das “falhas” do teto de gastos de Temer, que previu corte automático de despesas se e quando o teto fosse extrapolado, mas ao mesmo tempo tornou impossível a extrapolação do teto porque o orçamento é necessariamente feito respeitando tal limite.

O resultado da “falha” de Temer é conhecido: como as despesas obrigatórias continuam crescendo, os investimentos são comprimidos até que não restem mais investimentos.

Diante deste quadro, Bolsonaro resolveu apertar o gatilho contra servidores quando o governo federal descumprir a regra de ouro, ou seja, agora e até o final de seu governo, em 2022.

Como o gasto com pessoal é a segunda maior despesa primária da União, o tiro de Bolsonaro parece poderoso, capaz de economizar o suficiente para aumentar bastante o investimento. Na prática a realidade é outra, pois nem todos estarão sujeitos a tais limites (militares e algumas carreiras civis estão fora).

Segundo declaração da própria equipe econômica, caso o Congresso aprove a PEC emergencial neste ano, a economia com a redução da folha de pagamentos será de R$ 12 bilhões em 2020 (aproximadamente 0,2% do PIB).

Para colocar as coisas em perspectiva, também segundo projeções do governo, só a reestruturação das carreiras militares aumentará a despesa em aproximadamente R$ 5 bilhões em 2020.

Diante destas cifras tenho uma dúvida: vale a pena apertar o gatilho contra servidores civis? Mais, considerando que o governo corretamente acabou de aprovar o aumento da contribuição previdenciária dos servidores civis, propor redução de jornada e salários não seria desnecessário neste momento?

Em vez de acionar gatilhos polêmicos para salvar uma ideia ruim, o teto Temer, o ideal seria revisar o limite de gastos para algo mais racional que permitisse o aumento do investimento, de um lado, e do gasto real per capita com saúde e educação, do outro lado.

No caso da folha de pagamento, a reforma administrativa para novos servidores é muito mais importante do que gambiarras de curto prazo, que têm pouco impacto fiscal, mas que podem prejudicar os serviços prestados à população, sobretudo em saúde e educação, que já sofrem cortes orçamentários.

Assim, sugiro ao governo tirar o dedo do gatilho da “PEC Emergencial” para negociar os demais temas da reforma fiscal. É melhor focar o debate nas medidas estruturais da “PEC do pacto federativo” e da “PEC dos fundos públicos”, que têm alguns pontos positivos e outros bem negativos, mas deixo este tema para outras colunas.

Sobre autor

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Guia essencial para a Jacobin

A Jacobin tem divulgado conteúdo socialista em ritmo acelerado desde 2010. Eis aqui um guia prático para algumas das obras mais importantes ...