9 de novembro de 2019

O fim dos pactos federativo e social

Amplifica abismos e mantém a economia estagnada

Esther Dweck

Folha de S.Paulo

Esther Dweck / Divulgação

A proposta de reforma do Estado conduz a federação ao modus operandi do “salve-se quem puder”. Na prática, “desobrigar”, “desindexar” e “desvincular”, tal como proposto, retiram funções precípuas do governo federal, como estabilização dos ciclos econômicos, redistribuição de renda e exercício de sua capacidade alocativa de recursos.

Ao “desobrigar” o governo federal de suas funções enquanto agente redutor das desigualdades regionais, promove-se o abandono dos entes federados. Por trás da ideia de “desindexar” e “desvincular”, está prenunciando o fim da valorização real do salário mínimo, a redução efetiva dos gastos em saúde e educação, bem como o sucateamento dos serviços públicos, com o possível corte de até 25% na jornada de médicos, professores e policiais.

Tais medidas são colocadas como solução para a situação fiscal da federação, sem propor alternativas mais justas, como mudança da estrutura tributária regressiva. Isso não significa, contudo, que todos seremos lançados à própria sorte. Uma pequena parcela da sociedade é privilegiada pelo pacotaço, uma vez que ele desvia para o pagamento de juros recursos de fundos públicos anteriormente impedidos de serem utilizados em sua destinação específica, além de manter privilégios de certas carreiras do setor público.

Com a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Pacto Federativo, o que se propõe é importar a lógica da União Europeia: uma união monetária sem solidariedade fiscal. Segundo o governo, “fica proibida operação de crédito entre entes da federação” e, a partir de 2026, a “União fica proibida de socorrer entes em dificuldades fiscais-financeiras” e “só dará garantias às operações de estados e municípios com organismos internacionais”. A combinação de tais medidas é o fim do pacto federativo. Os entes subnacionais, em períodos econômicos adversos, só poderão adotar medidas recessivas.

Uma das armadilhas é dizer que a PEC, com maiores repasses, promove o fortalecimento das finanças regionais. Um dos repasses anunciados é o salário-educação, em sua totalidade. Em troca, o governo federal desobriga-se de suplementar os recursos para material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. Esses serviços passariam a ser financiados exclusivamente pelos estados, Distrito Federal e municípios com recursos próprios e do salário-educação. Entretanto, atualmente, 90% dessa contribuição já é repassada aos entes federados. Os 10% restantes são utilizados para reduzir desigualdades regionais da educação básica diretamente pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

Se combinarmos a desobrigação de suplementar os recursos com a propostas de administrar conjuntamente os mínimos constitucionais de saúde e educação, haverá um agravamento do subfinanciamento da educação básica. 

De acordo com a Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa), os gastos municipais com saúde estão acima do patamar obrigatório. Ao permitir compensar um gasto de uma área na outra, a tendência será reduzir os gastos com educação.

Haverá, portanto, um agravamento do quadro imposto pela emenda do “teto de gastos”, que reduziu os mínimos constitucionais no âmbito federal e, por consequência, diminuiu os repasses aos demais entes da federação nessas áreas.

O governo federal anuncia, como única alternativa, uma reforma do Estado que cria um abismo social e regional cada vez mais profundo e mantém a economia estagnada ao reforçar medidas contracionistas, na contramão do debate internacional.

O Brasil merece mais.

Sobre a autora

Professora do Instituto de Economia da UFRJ e ex-secretária de Orçamento Federal (2015-16, governo Dilma)

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