12 de novembro de 2019

Brics, parceria estratégica

Interesses de estabilidade global, segurança comum e crescimento inovador

Sergey Lavrov

Folha de S.Paulo

O chanceler russo, Sergey Lavrov, o ministro dos Negócios Estrangeiros da China, Wang Yi, e o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo. Ricardo Moraes/Reuters

Entre amanhã (13) e quinta-feira (14), em Brasília, será realizada a 11ª Cúpula dos Brics. Nas vésperas desse evento crucial para o nosso agrupamento, gostaria de compartilhar a visão russa sobre a parceria estratégica no âmbito do “quinteto”.

A atual presidência do Brasil nos Brics conseguiu avançar significativamente em todas as principais direções de cooperação —política, econômica e humanitária. A Rússia apoia os amigos brasileiros na sua aspiração de fomentar impacto prático da interação multifacetada em nome da prosperidade dos nossos Estados e povos.

Saudamos a declaração feita pelo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, em Osaka, sobre a importância de fortalecimento do diálogo dentro dos Brics, o que permitirá aos países do “quinteto” usufruir da melhor maneira dos benefícios das mudanças globais em curso.

Hoje o alinhamento dos esforços dos nossos países adquire uma importância especial. A política global continua a vacilar. Várias regiões do planeta mantêm um potencial de conflito significativo. A arquitetura do controle de armas está sendo deliberadamente sacudida —a retirada unilateral dos EUA do Tratado sobre a Eliminação dos Mísseis de Alcance Intermediário e de Menor Alcance foi um passo extremamente perigoso.

Desequilíbrios estruturais na economia mundial ainda não foram ultrapassados. Práticas de concorrência desleal, como sanções econômicas unilaterais, protecionismo, guerras comerciais e flagrante abuso do status do dólar americano como moeda de reserva mundial representam uma séria ameaça ao crescimento econômico global. A comunidade internacional ainda tem que encontrar respostas eficientes a uma série de desafios perigosos da atualidade —de terrorismo a mudanças climáticas.

Chegou ao ponto de tentarem substituir o sistema do direito internacional, estabelecido depois da Segunda Guerra Mundial com a Carta das Nações Unidas como a sua fonte principal, pela chamada “ordem baseada nas regras”, onde essas “regras” estão sendo inventadas secretamente, em “grupos pequenos” —e, depois, dependendo da conjuntura política, são impostas a todos os outros.

A multipolaridade não é receita para concorrência ou caos nas relações internacionais, como afirmam alguns dos nossos críticos. Pelo contrário, é a única ordem afinada às realidades atuais que deve promover o desenvolvimento compreensivo de todos os Estados —tanto grandes como pequenos— e a ampliação da cooperação mutuamente vantajosa entre eles na base de interesses compartilhados.

A Rússia, tal como outros países dos Brics, rejeita imposições e pressão, chantagem e ameaças, tampouco o uso da força sem autorização do Conselho de Segurança da ONU. Ao contrário, propõe seguir pelo caminho do diálogo de respeito mútuo, destinado ao consenso que prevê a consideração dos interesses de todos os atores das relações interestatais.

Estamos convencidos de que quaisquer acordos sobre os assuntos mais importantes da agenda internacional devem ser atingidos com a participação mais ampla possível e igualitária de todas as partes interessadas e baseados nas normas legais universalmente reconhecidas. Os países dos Brics estão firmemente empenhados na democratização da vida internacional e no seu desenvolvimento sob os princípios consagrados na Carta das Nações Unidas, de respeito pela diversidade cultural e civilizacional do mundo e do direito dos povos de decidirem os seus próprios destinos.

O importante é que as nossas abordagens aos principais assuntos globais e regionais coincidem ou são bastante semelhantes. Progressivamente, manifestamo-nos a favor de solução pacífica e político-diplomática de crises e conflitos em várias regiões do mundo. Mantemos um diálogo compreensivo em tais áreas, como combate ao terrorismo, segurança internacional da informação e combate ao crime organizado e à corrupção.

Pode-se afirmar com certeza que, tendo entrado na segunda década de seu funcionamento, o “quinteto”, uma das principais bases da nova ordem mundial multipolar e mais justa que está se formando, mantém um importante papel estabilizador nos assuntos globais. O agrupamento responde por quase um terço do PIB global (por paridade do poder de compra). No ano passado superou o G7 em termos deste indicador.

Os Brics tornam-se centro de gravidade para muitas economias emergentes. São atraídas pelo fato de o agrupamento defender os valores de multipolaridade, apoiar a promoção de comércio internacional de caráter não discriminatório, aberto, livre e inclusivo, rejeitar a adoção de restrições econômicas unilaterais e medidas protecionistas em relações econômicas exteriores.

A declaração adotada por ocasião da reunião dos líderes dos Brics às margens da cúpula do G20, em Osaka, registra, de forma clara, a intenção dos cinco países em defender os alicerces do sistema multilateral de comércio, baseado na igualdade de direitos, e frisa o papel da OMC (Organização Mundial do Comércio) na promoção da reforma do FMI.

Funciona com eficiência o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) criado pelos países dos Brics, um dos promissores institutos multilaterais de desenvolvimento. Apenas durante este ano o Conselho de Administração do NDB aprovou 12 novos projetos de investimento nos países do agrupamento. No total, desde o início das operações do banco, em 2015, foram aprovados 42 projetos de investimento com valores acima de US$ 11 bilhões.

O trabalho de consolidação do Arranjo Contingente de Reservas dos Brics continua. O seu capital total, de US$ 100 bilhões, tem por objetivo garantir a estabilidade financeira do “quinteto” no caso de situações de crise.

Apreciamos altamente os esforços da Presidência brasileira para implementar as iniciativas dos cinco países nas áreas de economia, ciência, inovações e saúde. Com satisfação, constatamos o aumento sistemático da densidade dos intercâmbios humanitários —ganham força as cooperações nas áreas de cultura, educação, esporte e política de juventude, desenvolvem-se contatos entre pessoas.

Em 2020, a Rússia vai assumir o “leme” dos Brics. O nosso objetivo é garantir a continuidade, uma transição harmoniosa da presidência. Continuaremos a política de aprofundamento progressivo e abrangente da parceria estratégica dos Estados do agrupamento.

Certamente estamos interessados em expandir a cooperação econômico-financeira dos países participantes, aumentar a eficiência da interação na esfera industrial e a cooperação prática no desenvolvimento e na implementação de novos projetos conjuntos nas áreas de energia, telecomunicações e tecnologias de ponta. As nossas prioridades incluem o fortalecimento da coordenação da política externa nas principais plataformas multilaterais —antes de mais nada, na ONU, que celebrará seu 75º aniversário no próximo ano.

Estou certo de que, no oceano tempestuoso da política mundial, o “navio” dos Brics continuará a seguir o rumo escolhido e a contribuir significativamente para a manutenção da estabilidade internacional e do crescimento sustentável da economia global. A próxima cúpula dos Brics, em Brasília, deve se tornar mais um marco significativo no caminho de intensificação da cooperação entre os cinco países, elevando-a a novos patamares.

Concluindo, gostaria de desejar paz, saúde, bem-estar e tudo de bom aos leitores e a todos os cidadãos dos países dos Brics.

Sobre o autor

Sergey Lavrov é um diplomata russo, e Ministro das Relações Exteriores da Rússia desde 2004.

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