19 de outubro de 2024

Afinal, quem é responsável pelo aumento de juros?

Às vezes é preciso dizer o óbvio: taxa mais racional, como em economias emergentes, incentivaria investimentos, reduzindo a pressão inflacionária

Ricardo Alban
Empresário, é presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria)

Folha de S.Paulo

A recente alta da taxa básica de juros tem provocado discussões entre especialistas econômicos e líderes empresariais. É preocupante que o aumento da capacidade instalada na indústria seja usado como justificativa para a elevação da Selic. Afinal, por que tantas narrativas são criadas para justificar algo que muitos consideram irracional? Qual é o verdadeiro papel do mercado financeiro nesse cenário, e por que ele parece ditar os rumos da política monetária nacional? Até quando?

A pressão sobre a capacidade instalada da indústria brasileira tem origem no histórico de juros astronômicos praticados no Brasil. O alto custo do crédito impede o investimento na expansão das plantas e o aumento da produção, agravando o gargalo da oferta e a inflação. A solução para a equação parece óbvia: uma taxa de juros mais racional, alinhada às praticadas em outras economias emergentes, incentivaria investimentos produtivos, reduzindo a pressão inflacionária, além de criar mais empregos e desenvolvimento. Às vezes é preciso dizer o óbvio.

O atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto (à esq.), e o futuro, Gabriel Galípolo

Economias como a da China, que recentemente adotaram medidas de estímulo ao crescimento industrial, reforçam a tese de que o equilíbrio na política de juros alavanca o desenvolvimento. Nosso cenário atual bloqueia a expansão industrial, justo quando a economia brasileira está se recuperando, com a ajuda do desempenho da indústria. Enquanto presidente do G20, o Brasil só se soma à Índia e à Rússia em política monetária. Enquanto os três subiram juros, os outros 14 integrantes do G20 cortaram a taxa básica.

Atualmente, a Selic está em 10,75%. Já os custos para a indústria podem chegar a taxas entre 25% e 30% ao ano. O impacto nas cadeias produtivas, que são longas, é devastador. O custo financeiro embutido no produto final pode chegar a 25% do preço ao consumidor, situação insustentável para a competitividade da indústria.

Outro ponto controverso é a narrativa que orienta a política monetária no país, inclinada a se basear na pesquisa Focus, respondida por 170 empresas e instituições, sendo que apenas oito não são diretamente ligadas ao setor financeiro. Até que ponto as perspectivas da economia real, especialmente da indústria, comércio e serviços, são efetivamente consideradas na formulação das políticas econômicas?

A crítica que emerge é clara: a política de juros no Brasil parece estar moldada em benefício do mercado especulativo, em detrimento da economia produtiva. O setor agropecuário e o sistema financeiro têm vozes fortes —e levadas em consideração— no debate econômico. Nada mais justo que a indústria também tenha suas demandas ouvidas e consideradas.

Se o Brasil quer evitar perder mais oportunidades de crescimento, deve rever o papel dos juros na política econômica. O país precisa de uma política industrial consistente e de visão de longo prazo, onde o incentivo ao investimento produtivo ocupe lugar central. Assim, construiremos um país que privilegia o desenvolvimento e o bem-estar social, em vez de manter o foco no lucro especulativo de curto prazo.

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