25 de fevereiro de 2019

Punição, reparação e mudança

Após um mês, dimensão dos danos ainda é imensurável

Antônio Sérgio Tonet



Na tarde de 25 de janeiro, uma sexta-feira, espalhou-se pelo país uma notícia que, em um primeiro momento, soou a cada brasileiro como inverossímil, pois custava-nos acreditar que reviveríamos uma catástrofe como a ocorrida há apenas três anos. Confirmada a informação, ainda alimentamos a esperança de que os relatos seguintes nos afastariam de tamanho horror.

Com o passar das horas, foram se revelando as dramáticas dimensões humanas, sociais e ambientais causadas pelo rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão, de propriedade da Vale, em Brumadinho (MG). Proporções que, na realidade, até este momento —um mês após o desastre— ainda não podem ser mensuradas.

Se os danos ainda não são integralmente conhecidos, cristalina é a definição que se deve dar ao episódio: criminoso! E assim tem sido tratado pelo Ministério Público de Minas Gerais. Custa-nos crer que, no contexto das atividades de uma das maiores mineradoras do mundo, haja espaço para desastres dessa natureza.

Desde o primeiro instante, o Ministério Público mineiro passou a articular a atuação das instituições responsáveis pelo enfrentamento da tragédia. Ministérios Públicos Federal e do Trabalho, Defensorias Públicas da União e do Estado, Advocacias-Gerais da União e do Estado, Polícias Civil, Militar e Federal, Corpo de Bombeiros e Defesa Civil —todos reunidos com a missão de garantir uma resposta efetiva e imediata, evitando a dispersão de iniciativas.

Foi com esse trabalho conjunto e coordenado que se garantiu o bloqueio de mais de R$ 10 bilhões da empresa já nos primeiros dias da tragédia, graças, inclusive, à célere resposta do Judiciário. Medida importantíssima para resguardar recursos voltados ao cumprimento de ações emergenciais e reparadoras, bem como para futuras indenizações.

Pontos fundamentais nessa articulação têm sido o envolvimento dos atingidos e a promoção de uma negociação coletiva para que se alcance uma reparação justa pelas perdas pessoais, afetivas e materiais que sofreram com a tragédia. Uma atenção especial foi dada às crianças e aos adolescentes afetados. O cuidado com a fauna e com o patrimônio histórico e cultural também esteve presente nesse trabalho.

O Ministério Público vem adotando estratégias de atuação para priorizar ações voltadas a um diagnóstico socioeconômico que subsidie as medidas emergenciais de redução de vulnerabilidade dos atingidos, o levantamento para recuperação dos danos ambientais e a apuração de responsabilidades pela tragédia. A investigação na área criminal tem avançado rapidamente, com algumas prisões temporárias, decretadas pelo Judiciário, que têm se mostrado imprescindíveis à elucidação dos fatos.

A Promotoria tem exigido de igual forma que a empresa assuma publicamente suas responsabilidades e enfrente, de forma coerente e célere, as consequências sociais, ambientais e econômicas decorrentes do rompimento da barragem.

Na última semana, após sucessivas reuniões para discutir os termos de acordo preliminar em ação judicial, foi ajustado o pagamento de verba emergencial a toda a população de Brumadinho, afetada pelo desastre.

Pelo acordo, a Vale terá de pagar o valor correspondente a um salário-mínimo, a título de renda de manutenção, a todas as pessoas residentes no município e nas localidades que estiverem a até aproximadamente um quilômetro do leito do rio Paraopeba. Foi a primeira batalha vencida.

A tragédia reacendeu a luz sobre uma questão primordial: a necessidade de alterações profundas no marco legal que regulamenta a atividade de mineração no país.

A Assembleia Legislativa mineira acabou de aprovar o projeto de lei Mar de Lama Nunca Mais, defendido pelo MPMG e fruto da reunião de mais de 60 mil assinaturas de cidadãos. Cabe ao Congresso Nacional seguir o exemplo e aprovar um marco regulatório nacional.

Neste momento de grande abalo, podemos avançar muito nessa questão. Até lá, seguiremos atuando com firmeza, para que os responsáveis sejam punidos, os danos, reparados e as pessoas possam reconstruir suas vidas.

Sobre o autor


Procurador-geral de Justiça de Minas Gerais desde 2016

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