22 de abril de 2012

Instituições que levaram à crise estão vivas

Um sistema bancário paralelo surgiu para que bancos não seguissem a regulação. Seu passivo segue grande, criando risco de novas turbulências

Daniela Magalhães Prates e Maryse Farhi

Folha de S.Paulo

A crise financeira de 2008 revelou uma nova configuração do sistema financeiro internacional que estava envolta em sombra.

Ela foi a responsável pela transformação de uma crise de crédito clássica (na qual a somatória dos prejuízos potenciais é conhecida) em uma crise sistêmica global.

A principal característica dessa configuração é a interpenetração entre os balanços do sistema bancário e do chamado sistema bancário "na sombra" ("shadow banking system").

Esse termo se refere a instituições financeiras não bancárias como:

  • Investidores institucionais, como seguradoras, fundos de pensão e fundos de investimento;
  • Bancos de investimentos;
  • Veículos especiais de investimento, que são companhias financeiras vinculadas aos bancos que captam recursos de curto prazo e aplicam em ativos de longo prazo;
  • Empresas patrocinadas pelo governo que dão suporte ao crédito hipotecário -no caso americano, Fannie Mae e Freddie Mac.

Essas instituições adotaram um modelo de negócios semelhante ao dos bancos, com carteira comercial (captando depósitos à vista), mas sem dispor de acesso às operações de redesconto e aos empréstimos de última instância dos bancos centrais.

Elas também não estavam sujeitas às normas dos Acordos de Basiléia, que estabelecem exigências mínimas de capital para os bancos comerciais com atuação internacional, para reduzir o risco de falências.

Essa interpenetração entre sistema bancário e sistema bancário "na sombra" emergiu no limiar do século 21, num ambiente de taxas de juros baixas nos países desenvolvidos.

Nesse contexto, os bancos com carteira comercial optaram por promover forte expansão do crédito para aumentar sua rentabilidade.

Para viabilizar tal expansão em volumes superiores ao permitido pelo quadro regulatório, eles passaram a negociar em grandes volumes nos opacos e desregulados mercados de balcão. Negociavam inovações financeiras vinculadas, sobretudo, às hipotecas subprimes (mais rentáveis porque mais arriscadas).

Essas inovações financeiras possibilitaram aos bancos retirar boa parte dos riscos de crédito de seus balanços sem reservar as exigências de capital requeridas pelas autoridades reguladoras.

Isso só foi possível porque, no lugar dos bancos, as instituições "na sombra" assumiram o risco das operações de crédito. Recebiam um retorno que, à época, parecia elevado.

A complexidade das relações entre os dois sistemas replicou, multiplicou e redistribuiu globalmente os riscos presentes no sistema bem como os prejuízos deles decorrentes para as instituições "na sombra", transformando-as nas principais protagonistas da crise.

Isso pode ser constatado pelo impacto da falência do banco de investimento Lehman Brothers e pelas inúmeras intervenções públicas necessárias para evitar uma depressão econômica.

Passado o momento mais crítico da crise, o sistema bancário "na sombra" voltou a mergulhar na opacidade, dificultando novamente que observadores externos avaliem as suas posições, a sua alavancagem e o seu volume de riscos.

Segundo cálculos dos economistas do Fed (o banco central dos EUA), os passivos dessas instituições, que totalizavam US$ 20 trilhões em meados de 2007, reduziram-se para US$ 16 trilhões em 2010.

Esse valor, ainda superior ao passivo do sistema bancário tradicional (US$ 14 trilhões), indica a resiliência do sistema bancário na sombra e a continuidade do risco de novos episódios de turbulência, algo que só poderá ser atenuado por uma ampla reforma da supervisão e da regulação financeira.

Sobre as autoras

Daniela Magalhães Prates, 41, e Maryse Farhi, 65, doutoras em economia pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), são professoras dessa mesma instituição

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