23 de março de 2024

Atos desconexos retratam dilema da polarização para Lula

Presidente aposta em Bolsonaro como espantalho, mas receita mostra sinais de exaustão

Igor Gielow

Folha de S.Paulo

Os previsivelmente desconexos e esvaziados atos da esquerda contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) neste sábado (23) são menos relevantes no contexto das potencialidades dos campos rivais da polarização brasileira, mas retratam um dilema colocado à frente de Lula (PT).

Desde que assumiu o governo, com a grande ajuda dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, o presidente aposta sistematicamente na divisão do eleitorado para manter sua base de apoio magnetizada.

Ato contra Bolsonaro e a anistia aos réus do 8 de janeiro no solar Maria Firmina, em São Luís (MA) - Letícia Freitas/Divulgação

Bolsonaro, mesmo tendo perdido os direitos políticos até 2030, é tratado como ameaça existencial. Com isso, o governo gira politicamente em torno da manutenção desse espantalho. Nada de novo aqui: o ex-presidente fez o mesmo com Lula ao longo de seu mandato.

Não só: ambos os líderes jogam uma partida de retroalimentação da importância do rival. O resultado fica evidente na constante polarização do país registrada pelo Datafolha, que na mais recente pesquisa mostrou o mesmo nível de divisão do eleitorado —no caso, 41% se dizem muito ou algo petistas, 30% o mesmo no registro bolsonarista.

Restam espremidos e órfãos 21% dos que se declaram neutros, exatamente o lago em que ambos os grupos terão de pescar votos nos pleitos futuros.

Lula tem decepcionado sequencialmente seus seguidores mais inflamados à esquerda, que vinham sendo alimentados pela influência da primeira-dama Janja na modulação mais agressiva do petista neste terceiro mandato. Da Ucrânia a Gaza, passando pela Lava Jato e a ditadura venezuelana, ele tocou violino para as franjas radicais.

Mas na hora de falar dos 60 anos do golpe militar que, no fim dos anos 1970, o viu ser gerado como ator político, Lula baixou a bola. O faz em nome de uma estabilidade tensa com os militares, já pressionados pelas investigações da trama golpista do bolsonarismo, e frustrou sua base.

Há o pragmatismo que sempre marcou Lula muito mais que qualquer esquerdismo no cálculo, mas talvez também a percepção de que a tática de usar a polarização tem favorecido mais Bolsonaro do que ele. Novamente, o Datafolha oferece uma bússola.

Na mais recente pesquisa, as curvas de aprovação e reprovação do presidente se aproximaram. Nenhuma tragédia, mas o sinal de alerta está ligado do ponto de vista estratégico, mirando o pleito de 2026.

Em um ano, o desgaste de um governo que traz bons indicadores econômicos, mas que tem se fiado mais numa querela com o rival do que em apresentar um programa que pareça ter sido feito nos anos 2020, se faz evidente.

Isso sugere a razão do abandono à própria sorte dos atos por Lula. O petista pode ter percebido que a obsessão mutuamente assegurada com Bolsonaro talvez não lhe seja mais tão vantajosa, enquanto mantém o encurralado ex-presidente com musculatura pública.

Para piorar, há o fato inescapável de que a rua virou território da direita de classe média no Brasil desde que a energia liberada de forma descontrolada nos atos de 2013 virou combustível para o impeachment de Dilma Rousseff (PT) três anos depois. A esquerda, que vivia da fama de dominar esse território por meio de sindicatos e ONGs, nunca se recuperou.

Houve, claro, momentos em que as "Paulistas" ficaram vermelhas e, principalmente, o apoio a Lula o levou de volta à Presidência. Os autodeclarados petistas ainda são majoritários.

Mas o protesto pró-Bolsonaro de 25 de fevereiro foi um lembrete de que, se for disputar fotografia, a capilaridade de mobilização virtual ainda dá vantagem à direita. Enquanto resolve o que fazer, Lula arrisca ver sua base se desorganizar.

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