O historiador E. P. Thompson detalhou brilhantemente as devastações da alvorada capitalista – e a feroz resistência que ela provocou.
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Steve Pyke / British National Portrait Gallery |
Tradução / Os poetas, escritores e filósofos românticos da Europa Ocidental — gestados nas caldeiras mecânicas do final do século dezoito e início do século dezenove — estão entre os primeiros críticos da modernidade burguesa, a civilização criada pelo triunfo do capitalismo. O Romantismo — um “movimento cultural” que atravessa literatura, filosofia, artes, política, religião e história — foi caracterizado por uma nostalgia por um passado real ou imaginado e abrigava tanto correntes e pensadores revolucionários e conservadores.
Segundo o sociólogo franco-brasileiro Michael Löwy, o Romantismo compartilhava em sua base uma crítica fundamental da “quantificação da vida, ou seja, a dominação (quantitativa) total do valor de troca, do cálculo frio de preços e lucros e das leis do mercado sobre todo o tecido social”.
Com a quantificação da vida na civilização burguesa veio o “declínio de todos os valores qualitativos — social, religioso, cultural ou estéticos — a dissolução de todos os vínculos humanos qualitativos, a morte da imaginação e do romance, a fastidiosa uniformização da vida, a relação puramente “utilitária” — isto é, quantitativamente calculável — dos humanos entre si e com a natureza”.
Tal qualidade de quantificação sob as relações sociais capitalistas expressava-se em formas específicas nos ambientes e processos de trabalho da Revolução Industrial. Os ofícios manuais pré-capitalistas, e sua associação com a criatividade e a imaginação, foram substituídas por uma divisão do trabalho cada vez mais rigorosa e por uma rotina estafante e repetitiva na qual o trabalhador, perdendo o que o tornava humano, se tornava um mero apêndice da máquina.
O próprio Marx inspirou-se profundamente nos novelistas, economistas e filósofos românticos, ainda que a atração exercida pelo Iluminismo e pela economia política clássica em seu pensamento não autorize que o classifiquemos como um anticapitalista romântico.
“Sem fazer apologias à civilização burguesa, tampouco cego às suas realizações”, Löwy comenta sobre Marx,
Ele aspira por uma forma superior de organização social, que integraria tanto os avanços técnicos da sociedade moderna e algumas das qualidade humanas das comunidades pré-capitalistas — bem como abrindo um novo e vasto campo para o desenvolvimento e enriquecimento da vida humana. Um novo conceito de trabalho livre, não alienado e de atividade criativa — em contraposição à rotina enfadonha e limitada — é marca central da sua utopia socialista.
Enquanto a trajetória do marxismo após a morte de Marx tem sido dominada por um determinismo produtivista, economicista e evolucionista (encarnado em figuras como Stalin), o Romantismo Marxista — uma corrente que parte de contribuições tanto de Marx quanto da tradição romântica revolucionária — sobreviveu com uma presença minoritária, insistindo “na ruptura e descontinuidade essenciais entre a utopia socialista — enquanto uma forma quantitativamente diferente de vida e de trabalho — e a sociedade industrial do presente... olhando com nostalgia para certas formas sociais e culturais pré-capitalistas”.
Se uma corrente moderada continha Plekhanov, Kautsky e a maioria da Segunda e da Terceira Internacionais, pertenciam aos marxistas românticos — em toda sua variedade — Luxemburgo, Gramsci, Lukács, Mariátegui, Benjamin e, é claro, E. P. Thompson.
Cinquenta e três anos após sua primeira publicação, A Formação da Classe Operária Inglesa (1968), escrito por E. P. Thompson, continua fornecendo um ponto de partida revigorado sobre a dialética do Marxismo e do Romantismo. Certamente, uma dialética utopista-revolucionária, que olha para os elementos de um passado pré-capitalista e aponta simultaneamente para um futuro socialista, constitui um vaso comunicante entre as ecléticas linhas de argumentação de Thompson no livro.
Embora falhe na compreensão de raça e gênero como aspectos consubstanciais da formação de classe, o marxismo romântico thompsoniano da incipiente classe trabalhadora inglesa do século dezoito ainda oferece um antídoto admirável, no século vinte, para a esterilidade do reducionismo econômico e do evolucionismo desenvolvimentista, que continuam a assombrar diversos modelos de investigação e práticas políticas marxistas.
Presente em sua própria formação
Conforme explica a teórica política Ellen Meiksins Wood, “existem apenas duas formas de pensar teoricamente sobre classe: como localização estrutural ou uma relação social”. Retratos estruturais estáticos podem ser úteis como um ponto de partida para determinar a lógica das relações de classe, mas há um longo caminho a percorrer para identificar como uma classe “em si” se torna uma classe “para si”, para usar a terminologia de Marx para o movimento entre uma situação objetiva de classe e a consciência de classe, ou do ser social para a consciência social.
Para chegar lá, precisamos pensar na classe como uma relação e um processo sócio históricos. “A classe operária não surgiu como o sol numa hora determinada”, diz a famosa frase de Thompson. “Ela estava presente ao seu próprio fazer-se”.
Aqui, ele afirma vigorosamente a importância da agência humana, ainda que limitada, na luta de classes. Entender a classe como uma relação na qual as experiências comuns de pessoas reais vivendo em um contexto real importa, onde isso se dá em um tempo histórico, significa que “ela escapa à análise se tentarmos paralisá-la em dado momento e anatomizar sua estrutura”.
Thompson foi criticado por Perry Anderson, entre outros, por negligenciar a estrutura objetiva de relações produtivas em favor de uma concepção de classe centrada na consciência e na subjetividade. Contudo, como indica o historiador do trabalho David Camfield, na moldura de Thompson, a experiência comum, a agência humana, a cultura e a subjetividade “não flutuam livremente. Elas têm uma base material”. Como Thompson argumenta, “a experiência de classe é amplamente determinada pelas relações produtivas nas quais os homens nascem – ou nas quais entram involuntariamente”.
Camfield sugere ainda que no esquema de Thompson “as relações de produção são apenas pontos de partida”. “A consciência de classe”, escreve Thompson, “é a maneira pela qual essas experiências”, as experiências de ser lançado através do nascimento ou por alguma forma involuntária de entrada em uma situação de classe, “são manejadas em termos culturais: incorporadas em tradições, sistemas de valores, ideias e formas institucionais”.
Finalmente, uma análise de classe requer olhar para pessoas e contextos reais: “ela é definida por homens ao passo que vivem suas próprias histórias e, no fim, é a única definição que há”. As classes trabalhadoras não são construídas abstratamente a partir de estruturas teóricas, mas ao contrário, são formadas “a partir de grupos sociais preexistentes cujas tradições particulares, aspirações e práticas culturais — modificadas pela experiência devastadora de proletarização — serão aquelas de um proletariado emergente”.
Se levarmos essas considerações a sério, o que se segue é necessariamente que qualquer aproximação franca à formação de classe, de acordo com Camfield, requer uma “profunda avaliação da sociedade em questão” e um entendimento profundo de que “as particularidades nacionais possuem um significado real”.
Direitos e resistência
Entre os vários temas centrais que atravessam o trabalho de Thompson, sem falar de seus múltiplos escritos que teorizam e historicizam diferentes componentes da formação de classe, está a dialética utopista-revolucionária entre o passado pré-capitalista e o futuro socialista, que Löwy identifica como uma marca da tradição marxista romântica.
O envolvimento de Thompson com o Romantismo é talvez mais óbvio em sua análise sobre William Morris e William Blake, mas a dialética utopista-revolucionária também é um tema pouco abordado em A Formação da Classe Operária Inglesa, Thompson anuncia no prefácio que ele está “procurando resgatar o pobre descalço, o agricultor ultrapassado, o tecelão do tear manual ‘obsoleto’, o artesão ‘utópico’ e até os seguidores enganados de Joanna Southcott, da enorme condescendência da posteridade”.
Eles foram as “baixas da história”, as vítimas da Revolução Industrial, cuja visão para o futuro e para o passado simultaneamente permite a Thompson aspirar por recuperá-los da lixeira de uma historiografia completamente seduzida pelo “progresso econômico” e pela “inevitabilidade”.
Thompson começa sua reflexão sobre a exploração (no primeiro capítulo da segunda parte de do livro, intitulado A maldição de Adão) com uma crítica do determinismo econômico que domina muito da historiografia existente sobre a Revolução Industrial. Em muitas descrições, a dinâmica de crescimento econômico da indústria de algodão em Lancashire determinou, mais ou menos automaticamente, a dinâmica da vida social e cultural.
O erro da perspectiva clássica está, na visão de Thompson, na ênfase que dá à novidade econômica das fábricas de algodão e na falha em avaliar adequadamente a “continuidade das tradições políticas e culturais na formação das comunidades da classe trabalhadora”. Ele tentou colocar em primeiro plano os aspectos políticos e culturais da formação da classe trabalhadora, ao invés do automatismo das descrições da economia popular:
As relações de produção e as condições de trabalho mutáveis da Revolução Industrial não foram impostas sobre um material bruto, mas sobre ingleses livres – livres como Paine os legou ou como os metodistas os moldaram. O operário ou tecedor de meias eram também herdeiros de Bunyan, dos direitos tradicionais nas vilas, das noções de igualdade diante da lei e das tradições artesanais. Eles foram objeto de doutrinação religiosa maciça e criadores de tradições políticas, a classe operária formou a si própria tanto quanto foi formada.
De fato, talvez seja a violação de persistentes costumes, noções de justiça, independência, segurança e valores pré-capitalistas, ao invés de simplesmente questões básicas, que importa no escopo e intensidade da resistência das nascentes comunidades da classe trabalhadora à difusão do capitalismo.
Contra a prevalecente retórica do livre mercado e dos industriais em ascensão, os dissidentes mobilizaram uma linguagem de uma nova ordem moral, uma que se nutria de costumes e valores específicos do passado. De acordo com Thompson, “é por causa de visões alternativas e irreconciliáveis sobre a ordem humana – uma se baseava em mutualidade, a outra na competição – que se confrontaram uma com a outra entre 1817 e 1850 que os historiadores ainda hoje sentem a necessidade de tomar um lado”.
Ao exemplificar a crítica romântica da quantificação da vida sob a civilização burguesa, Thompson mapeia a possibilidade de
médias estatísticas e experiências humanas irem em direções opostas. Um aumento na renda per capita em termos quantitativos pode acontecer ao mesmo tempo em que ocorrem grandes perturbações qualitativas no modo de vida das pessoas, relações tradicionais e sanções. As pessoas podem consumir mais bens e tornarem-se menos livres ao mesmo tempo.
Então, Thompson resume a Revolução Industrial de um modo que captura o núcleo da dialética marxista: “Portanto, é perfeitamente possível manter duas proposições que, superficialmente, parecem contraditórias. Durante o período de 1790-1840, houve uma ligeira melhoria nos padrões materiais médios. No mesmo período, observou-se a intensificação da exploração, maior insegurança e aumento da miséria humana”.
No capítulo seguinte, sobre os trabalhadores do campo do fim do século dezoito e início do século dezenove, Thompson faz sua primeira defesa coordenada da lógica da quebra de máquinas, como confrontadora das “homílias futuristas” que definiam os quebradores como irracionalistas antiquados confrontando cegamente o progresso.
“Enquanto pilhas de milho e outras propriedades eram destruídas (bem como alguns maquinários industriais em distritos rurais)”, escreve Thompson sobre a revolta dos trabalhadores em 1830, “o principal ataque era deferido às máquinas debulhadoras, as quais... patentemente estavam substituindo trabalhadores famintos. Consequentemente, a destruição de máquinas conseguiu algum alívio imediato”.
Adiante, no mesmo capítulo, a dialética do passado e futuro surge novamente, quando Thompson explica a “ironia histórica” dos trabalhadores urbanos, e não dos rurais, quando lançam “a maior e mais coerente agitação nacional pelo retorno à terra” lançando mão de referências a uma “nova amargura de privação” que eles sofreram como consequência de “tempos difíceis e desemprego nas ruínas da cidade em crescimento”, e da rememoração dos “direitos perdidos” para uso no avanço de novas formas de luta.
O avanço do trabalho braçal, a revolução na produção fabril e a vapor e o número crescente de trabalhadores sem qualificação e de crianças nos ofícios enfraqueceu os direitos dos artesãos, que assumiram uma postura política radical. “Queixas reais e imaginárias se combinaram para dar forma a sua ira — degradação econômica direta, perda de prestígio e de orgulho na medida em que a artesania era rebaixada, a perda de aspirações em ascender à posição de mestres”, todos foram elementos morais de um tempo passado que deu ignição a uma nova contestação por direitos e atos defensivos de resistência.
O lamento de Thompson pelos tecelões de teares manuais é similarmente endossado pela recuperação de sua história de resistência. Ele estripa a historiografia tradicional por seu encorajamento blasé em passar ao leitor uma visão do “declínio dos tecelões manuais”
sem qualquer percepção da escala da tragédia desencadeada. Comunidades tecelãs — algumas em West Country e em Pennines, com 300 e 400 anos de existência contínua, algumas outras muito mais recentes mas, ainda assim, com seus próprios padrões culturais e tradições — foram literalmente extintas... Até a agonia final, as comunidades tecelãs mais antigas ofereceram um modo de vida que seus membros preferiam enormemente ao invés dos padrões materiais mais elevados de uma cidade fabril.
Sem pieguice, mas revidando a depreciação feita sobre a tragédia dos tecelões, Thompson nota que a “mistura única de conservadorismo social, orgulho local e de realizações culturais” era o que “constituía o modo de vida das comunidades tecelãs de Yorkshire e Lancashire”. Para Thompson, “essas comunidades eram certamente ‘retrógradas’” no sentido que “elas se agarravam com a mesma tenacidade aos seus dialetos, tradições e costumes regionais, e à ignorância médica e superstições”. Mas uma narrativa que terminasse nisso seria demasiada parcial e reducionista.
“Quanto mais perto olhamos o modo de vida deles”, incita Thompson, “mais inadequadas parecem as noções simplistas de progresso econômico e ‘atraso’. Além disso, há certamente uma efervescência entre os tecelões do norte e homens autodidatas e cultos de notáveis realizações. Cada distrito possui seus tecelões-poetas, biólogos, matemáticos, músicos, geólogos, botânicos” e assim por diante.
A ameaça a esse modo de vida encapsulada na Revolução Industrial levou os tecelões aos Radicalismo de Lancashire, entre 1816-1820, contribuindo ao seu caráter e conteúdo de muitas maneiras. “Eles tinham, como em algumas cidades artesãs, um senso de status perdido, face a memória de uma ‘era de ouro’”, sugere Thompson.
Contudo, mais do que nas cidades artesãs, elas possuíam um profundo igualitarismo social. Pois naquele modo de vida, nos anos mais prósperos, a fartura era compartilhada pela comunidade, logo os sofrimentos também eram de todos; e eles foram reduzidos a tal ponto de não haver classe de trabalhadores casuais ou não qualificados abaixo deles para que barreiras de proteção sociais ou econômicas precisassem ser erguidas.
Isso deu uma ressonância moral particular ao protesto deles, seja vocalizado em linguagem bíblica ou owenita; eles apelaram aos direitos essenciais e noções elementares de comunhão humana ao invés de interesses setoriais.
Contrapondo a casual celebração da industrialização — e especialmente os historiadores que confundem crescimento econômico com progresso humano — Thompson retorna a um método dialético que consegue dar conta da tragédia ainda que registre a possibilidade de justificação da obsolescência de seus ofícios manuais.
Se observarmos o trabalho dos tecelões manuais sob essa luz, foi certamente doloroso e obsoleto, e qualquer transição, mesmo cheia de sofrimento, deve ser justificada. Mas esse é um argumento que apaga o sofrimento de uma geração face aos ganhos do futuro. Para aqueles que sofreram, esse conforto retrospectivo é insensível.
Mudança por propósitos alheios
No curso do capítulo de conclusão da parte dois, sobre comunidades, Thompson repetidamente acena para a necessidade de estabelecer um equilíbrio entre a recuperação e a avaliação dos costumes culturais e tradições do passado específicos sem cair em idealização sentimental ou na ocultação dos sistemas pré-capitalistas de opressão e dominação.
Ao mesmo tempo em que ele aprova aspectos das lamentações de William Cobbett e Friedrich Engels pela morte dos costumes ingleses, Thompson é cuidadoso ao apontar que “é uma bobagem ver a questão apenas em termos idílicos. Esses costumes não eram de todo inofensivos ou pitorescos... o fim de Gin Lane, Tybur Fair, bebedeiras orgiásticas, sexualidade animalesca e combates mortais por prêmios em dinheiro, não despertam lamúrias”. Analogamente, em sua discussão muito breve sobre gênero, Thompson afirma que
É muito difícil demarcar um equilíbrio. De um lado, a reivindicação de que a Revolução Industrial elevou o status das mulheres parece ter pouco sentido quando posta ao lado da evidência das horas de trabalho excessivas, moradias abarrotadas, gravidez em excesso e taxas assustadoras de mortalidade infantil.
Por outro lado, as oportunidades abundantes para o emprego feminino nos distritos têxteis deu às mulheres o status de assalariadas independentes. As solteiras ou viúvas estavam livres da dependência dos parentes ou das paróquias. Mesmo as mães solitárias podiam ser capazes, por causa do relaxamento da “disciplina moral” em muitas fábricas, conquistar uma independência desconhecida até então… O período revela muitos desses paradoxos.
A parte dois inteira volta, contudo, para um final que gira em torno da crítica romântica revolucionária da civilização burguesa como um todo que a industrialização capitalista introduziu por meio da coerção, expropriação e violação abjeta de valores, costumes, instituições e tradições pré-capitalistas.
“Qualquer avaliação da qualidade da vida deve envolver uma análise da totalidade da experiência de vida, as múltiplas satisfações e privações, culturais e também materiais, das pessoas implicadas”. Quando Thompson realiza essa análise, quando examina a totalidade da experiência, quando olha para a Revolução Industrial e, nas palavras de Alberto Toscano retiradas de um outro contexto, “a enxerga por completo”, ele não consegue escapar da perversidade do sofrimento e da feiura decorrentes.
“Durante os anos entre 1789 e 1840”, Thompson conclui
o povo britânico sofreu uma experiência de degradação constante, mesmo que seja possível mostrar uma pequena melhora estatística nas condições materiais… Alguns abandonaram o interior seduzidos pelo brilho e pelas promessas de salários nas cidades industriais; mas a velha economia das vilas ruía às suas costas. Eles migravam menos por vontade própria do que pelos ditames de compulsões externas, as quais não podiam questionar: os cerceamentos, as guerras, a Lei dos Pobres, o declínio das indústrias rurais, a postura antirrevolucionária de seus governantes.
Por mais que “novas habilidades estivessem emergindo” e o fato de que “velhas satisfações persistissem”, o sentimento que emana da leitura atenta deste período é da “pressão geral de longas horas de trabalho insatisfatório sob rígida disciplina e para propósitos alheios… depois que todas as outras impressões se apagam, essa fica; fica também a perda de qualquer coesão sentida na comunidade, exceto a que os trabalhadores, em antagonismo ao seus trabalhos e aos seus mestres, construíram para si mesmos”.
Resistindo à proletarização
Na parte três de A Formação da Classe Operária Inglesa, contudo, em sua maioria sobre a mensuração qualitativa da presença da classe trabalhadora, é onde encontramos as passagens mais sugestivas sobre a dialética utopista-revolucionária do passado pré-capitalista e do futuro socialista.
Especificamente, encontramos esses insights na defesa de Thompson do ludismo como um movimento quase insurrecional, as quais oferece para substituir a visão que “sobrevive na mentalidade popular” de que o Ludismo é um “caso espontâneo e vulgar de trabalhadores manuais analfabetos, resistindo cegamente às máquinas”.
Na moldura thompsoniana, o Ludismo dos tosquiadores e, acima de tudo, dos operadores dos teares, deve ser compreendida como “emergindo do ponto crítico na revogação da legislação paternalista e a da imposição da economia do laissez faire contra a vontade a consciência dos trabalhadores.”
A longa transição até chegar ao ponto de crise remonta aos séculos quatorze e quinze, e a memória dos tecelões de certos ideais de um estado corporativo benevolente pode
nunca ter sido mais do que ideais; no fim do século dezoito eles talvez estivessem aos trapos. Mas eles tinham uma poderosa realidade, apesar de tudo, na noção do que deveria ser, a qual artesãos, assalariados e muitos pequenos mestres apelavam. Mais do que isso, os ideias permaneciam vivos nas sanções e costumes das comunidades manufatureiras mais tradicionais.
O que é mais crucial no retrato que Thompson faz do Ludismo é sua descrição dessa luta como um conflito transicional. “Por um lado”, explica Thompson, “mirava em velhos costumes e legislações paternalistas que jamais poderiam ser revividas; por outro, tentou reviver direitos antigos a fim de estabelecer novos precedentes”. O ludismo foi “uma erupção violenta de sentimentos contra o desenfreado capitalismo industrial, remontando a um código paternalista obsoleto e sancionado pelas tradições da comunidade trabalhadora”.
Ao contrário da visão que perdura no imaginário popular, o Ludismo para Thompson não era uma “cega oposição à máquina”, mas uma luta contra “‘a liberdade’ do capitalismo de destruir os costumes do comércio, seja com novas máquinas, através do sistema fabril ou da competição irrestrita, derrubando salários, eliminando seus rivais e minando os padrões estabelecidos pelo trabalho manual”.
Visto pelas lentes thompsonianas, “o espanto não é tanto com o atraso [do movimento], mas com sua crescente maturidade. Longe de ser ‘primitivo’, exibia, em Nottingham e Yorkshire, disciplina e autocontrole de alta magnitude”.
Com seu repertório parcialmente imaginado e direitos sociais rememorados do passado, tosquiadores e operadores de teares resistiram a sua desvalorização sob o avanço da civilização burguesa e começaram a se orientar ofensivamente no sentido da luta organizada e disciplinada por novos direitos e parâmetros sociais. O movimento ludita, conforme Thompson o ressuscita em toda sua forma quasi-insurrecional, apresente uma miríade de elementos do que Löwy define como dialética utópica-revolucionária, a pedra angular do Marxismo Romântico.
Um aspecto central, cobrindo um período de 50 anos, na formação da classe trabalhadora inglesa foi precisamente a resistência em massa à proletarização. “Quando entenderam que sua causa estava perdida”, escreve Thompson, “eles se reergueram em renovado esforço, nas décadas de 30 e 40 [do século dezenove] e buscaram conquistar novas e apenas antes imaginadas formas de controle social”.
Thompson conclui o seu excepcional levantamento sobre os séculos dezoito e dezenove na Inglaterra lidando com os paradoxos e contradições com a mesma destreza com a qual inicia. Os anos de industrialização capitalista na Inglaterra foram caracterizados primeiro pela tragédia, “não um desafio revolucionário, mas um movimento de resistência, no qual os artesãos românticos e radicais se opuseram à proclamação do Homem de Aquisições (Acquisitive Man). As duas tradições falharam em chegar a um ponto de junção e algo se perdeu. Não podemos ter certeza do quanto, pois estamos entre os perdedores”.
Porém, através da tragédia Thompson chega a uma redenção parcial da classe trabalhadora, explicando que “os trabalhadores deveriam ser vistos não apenas como as miríades perdidas da eternidade. Eles também alimentaram, por 50 anos, e com fortitude incomparável, a Árvore da Liberdade. Devemos agradecê-los por esses anos de cultura heróica”.
Sobre o autor
Jeffery R. Webber é professor sênior de economia política internacional em Goldsmiths, Universidade de Londres. Passou a fazer parte do Departamento de Política da Universidade de York, em Toronto, em 2020. Seu último livro é intitulado The Last Day of Oppression, and the First Day of the Same: The Politics and Economics of the New Latin American Left. Atualmente, trabalha no livro The Latin American Crucible: Politics and Power in the New Era, sob contrato com a editora Verso.