2 de julho de 2016

O que vai restar?

André Singer

Folha de S.Paulo

A decisão de Michel Temer, anunciada na quarta-feira, de aumentar em 12,5% o valor repassado aos beneficiários do Bolsa Família mantém vivo, por ora, um dos principais avanços sociais do período lulista. Mesmo um governo neoliberal como o presente precisa sustentar a renda mínima conquistada pelos mais pobres para ter algum apoio popular. A questão é saber o quanto isso vai conter a marcha batida rumo ao aumento da desigualdade em que estamos metidos.

De acordo com o economista Rodolfo Hoffman, a desigualdade voltou a crescer ainda no segundo mandato de Dilma Rousseff. Dados prévios elaborados pelo professor da USP e publicados pela Folha (20/6) mostram que o coeficiente de Gini, principal indicador a respeito, começou a subir em 2015, depois de mais de uma década (2002-2014) em recuo.

Apenas em setembro próximo, quando o IBGE deve divulgar a informação consolidada, poderemos ter certeza, mas as primeiras evidências endossam a previsão de que o ajuste recessivo adotado por Dilma depois de reeleita começaria a desfazer a obra que ela própria ajudou a construir. Pudera: a política escolhida desatou o terror do desemprego e derrubou a renda dos empregados.

Tem mais. Com a estagnação da economia, o salário mínimo, principal instrumento de melhora do padrão de consumo dos pobres, parou de ser valorizado. O próprio Bolsa Família deixou de ser reajustado em 2015, completando-se agora dois anos de congelamento. Assim, é inescapável constatar que o desmonte do lulismo começou dentro do lulismo.

Mas a tarefa autoatribuída pelo presidente interino é radicalizar o "acerto das contas públicas" iniciado por Joaquim Levy. No contexto, elevar o pagamento aos que recebem o Bolsa Família constitui gasto pequeno visto o conjunto do orçamento, mesmo considerando-se que Temer resolveu dar 3,5 pontos percentuais a mais do que Dilma propusera às vésperas do afastamento. O objetivo estratégico é aprovar a PEC do teto de gastos públicos, encaminhada pelo ministro Henrique Meirelles.

As consequências, caso a PEC passe no Congresso, parecem drásticas. Para dar apenas exemplo ilustrativo, um renomado economista da área tucana afirmou recentemente que, caso o atual titular da Fazenda tenha êxito, o corte na educação será de tal monta que tornará quase inevitável a cobrança de anuidade nas universidades públicas.

Se mudanças estruturais dessa magnitude vierem a ocorrer, em que pese a relevância do Bolsa Família para os brasileiros da base da pirâmide, a herança do lulismo talvez fique reduzida apenas aos nichos de extrema necessidade. O sonho rooseveltiano, que embalou corações e mentes por volta de 2010, será adiado sine die.

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